04 julho 2008

Vingança e Perdão

A conotação religiosa do pecado tisnou o significado filosófico do perdão. Urge repatriá-lo sob a ótica filosófica, em que é visto como uma ruptura com o passado, uma parada ao encadeamento da vingança e das retaliações. Quem não perdoa fica preso ao opositor ou à causa que gerou a vingança.

Aquele que perdoa não desconhece o desejo de vingança. Observe que é um erro a apologia do esquecimento. Esquecer é livrar-se do problema. Não devemos fazer como Alexandre Magno, rei da Macedônia que, solicitado a desatar o complicadíssimo nó que prendia o jugo ao timão da carroça de Górdio, rei da Frígia, corta-o com a espada. Ele simplesmente eliminou o problema, não o resolveu. O desejo de vingança está presente em cada um de nós. Esquecê-lo é uma espécie de distração. Devemos, sim, sobrepujá-lo, com garra e firmeza de vontade.

Segundo Vladimir Jankélévitch, "o perdão rompe o último laço que nos mantinha presos ao passado, que nos mantinha na retaguarda, retinha-nos em baixo, permitindo que o futuro chegue e acelerando, com isso, sua vinda. O perdão confirma efetivamente a direção geral e o sentido de um devir que coloca a tônica em seu futuro". A vingança apenas prolonga um ato praticado no passado e que, quantitativamente, já não existe mais. Ele apenas está registrado no campo mental, tanto do ofendido quanto do ofensor. Nesse sentido, somente domando a vingança seremos capazes de preparar um futuro promissor para o nosso espírito imortal.

O perdão situa-se no núcleo da não-violência. Como reclamar da violência do mundo se todos nós ainda somos violentos? O exercício do perdão é um bom começo, pois convida-nos a ver o próximo com as mesmas fraquezas, os mesmos erros que poderiam ser cometidos por nós, caso estivéssemos no lugar deles. Além do mais, como já nos dissera Epiteto, a ofensa está mais na imaginação do que no fato consumado. É por esta razão que Gandhi dissera que nunca havia perdoado. Ele não precisou perdoar porque nunca se sentira ofendido.

Há a vingança pessoal (que corresponde ao perdão pessoal) e a vingança coletiva (que corresponde ao perdão coletivo). O perdão pessoal diz respeito ao relacionamento face a face, à ofensa cometida individualmente. É realizado secretamente, no labirinto da alma de cada um de nós. Na vingança coletiva, o exercício do perdão já é mais difícil. Há que se lidar com os preconceitos e os ódios entre as diversas raças e religiões. Não é por acaso que as guerras que mataram mais pessoas foram as guerras religiosas. O estranho nisso tudo é que o fundamento básico da religião é a salvação da alma humana.

O desejo de vingança estará sempre nos visitando. Saibamos administrá-lo com moderação e bom senso, a fim de prepararmos o nosso espírito para o perdão incondicional, o de "perdoar não sete, mas setenta vezes sete", como nos ensinou Jesus.

Fonte de Consulta

MULLER, Jean-Marie. O Princípio da Não-Violência. Tradução de Inês Polegato. São Paulo: Palas Athena, 2007, p. 147.

 


Um comentário:

Anônimo disse...

essa ato praticado no passado,pode não existir mais,mas o ato passado sempre terá reflexos no presente