A conotação religiosa do pecado tisnou o
significado filosófico do perdão. Urge repatriá-lo sob a ótica filosófica, em
que é visto como uma ruptura com o passado, uma parada ao encadeamento da
vingança e das retaliações. Quem não perdoa fica preso ao opositor ou à causa
que gerou a vingança.
Aquele que perdoa não desconhece o desejo de
vingança. Observe que é um erro a apologia do esquecimento. Esquecer é
livrar-se do problema. Não devemos fazer como Alexandre Magno, rei da Macedônia
que, solicitado a desatar o complicadíssimo nó que prendia o jugo ao timão da
carroça de Górdio, rei da Frígia, corta-o com a espada. Ele simplesmente
eliminou o problema, não o resolveu. O desejo de vingança está presente em cada
um de nós. Esquecê-lo é uma espécie de distração. Devemos, sim, sobrepujá-lo,
com garra e firmeza de vontade.
Segundo Vladimir Jankélévitch, "o perdão rompe
o último laço que nos mantinha presos ao passado, que nos mantinha na
retaguarda, retinha-nos em baixo, permitindo que o futuro chegue e acelerando,
com isso, sua vinda. O perdão confirma efetivamente a direção geral e o sentido
de um devir que coloca a tônica em seu futuro". A vingança apenas prolonga
um ato praticado no passado e que, quantitativamente, já não existe mais. Ele
apenas está registrado no campo mental, tanto do ofendido quanto do ofensor.
Nesse sentido, somente domando a vingança seremos capazes de preparar um futuro
promissor para o nosso espírito imortal.
O perdão situa-se no núcleo da não-violência. Como
reclamar da violência do mundo se todos nós ainda somos violentos? O exercício
do perdão é um bom começo, pois convida-nos a ver o próximo com as mesmas
fraquezas, os mesmos erros que poderiam ser cometidos por nós, caso
estivéssemos no lugar deles. Além do mais, como já nos dissera Epiteto, a
ofensa está mais na imaginação do que no fato consumado. É por esta razão que
Gandhi dissera que nunca havia perdoado. Ele não precisou perdoar porque nunca
se sentira ofendido.
Há a vingança pessoal (que corresponde ao perdão
pessoal) e a vingança coletiva (que corresponde ao perdão coletivo). O perdão
pessoal diz respeito ao relacionamento face a face, à ofensa cometida
individualmente. É realizado secretamente, no labirinto da alma de cada um de
nós. Na vingança coletiva, o exercício do perdão já é mais difícil. Há que se
lidar com os preconceitos e os ódios entre as diversas raças e religiões. Não é
por acaso que as guerras que mataram mais pessoas foram as guerras religiosas.
O estranho nisso tudo é que o fundamento básico da religião é a salvação da
alma humana.
O desejo de vingança estará sempre nos visitando.
Saibamos administrá-lo com moderação e bom senso, a fim de prepararmos o nosso
espírito para o perdão incondicional, o de "perdoar não sete, mas setenta
vezes sete", como nos ensinou Jesus.
Fonte de Consulta
MULLER, Jean-Marie. O Princípio da
Não-Violência. Tradução de Inês Polegato. São Paulo: Palas Athena, 2007, p.
147.
Um comentário:
essa ato praticado no passado,pode não existir mais,mas o ato passado sempre terá reflexos no presente
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