"O homem é um fim e não um meio.
Utilizá-lo, transformá-lo em peça de um mecanismo, é ofender a sua
dignidade." (Mário Ferreira dos Santos)
Mário Ferreira dos Santos (1907-1968) nasceu em Tietê, São Paulo, mas
foi educado em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Formou-se em Direito e Ciências
Sociais pela Faculdade de Direito de Porto Alegre. Foi advogado, diretor de
jornal, tradutor, professor e escritor multiprismático. Dentre as várias
traduções, citam-se "Assim Falava Zaratrusta" e "Vontade de
Potência", de Friedrich Nietzsche. Uma das críticas que mais recebeu foi a
da extrema produtividade intelectual que causou, e ainda causa, estranheza.
Dizia ser filósofo e não professor de filosofia. Em 1930, quando tinha 23 anos,
foi preso em virtude de seus ideais libertários.
O pensamento de Mário Ferreira dos
Santos era robusto, pois procurava abarcar tudo o que de bom existia nas
diversas escolas filosóficas. Era, por essa razão, chamado de ecumênico. Na sua
busca procurava reter o que era positivo, ou seja, aquilo que servia para
construir o homem. Nesse sentido, dizia que "O homem é um fim e não um
meio. Utilizá-lo, transformá-lo em peça de um mecanismo, é ofender a sua
dignidade". Falava também que "todo homem deve viver e morrer como um
guerreiro". Por defender convictamente as suas ideias, era tachado
de persona non grata em alguns círculos de ação.
Combatia exaustivamente a atitude
brasileira de dar valor ao importado. Acreditava na possibilidade do povo
brasileiro... "Todos aqueles que no Brasil revelaram possuir mente
filosófica, e não foram muito numerosos, mas, contudo, foram brilhantes,
tenderam sempre a um pensamento sintético; isto é, não ficaram totalmente
dependentes às correntes filosóficas europeias".
O que na realidade tinha em mente era defender a sua pátria, dando, ao mesmo
tempo, apoio e coragem para que o brasileiro – jovem ou adulto – fosse o
construtor do seu próprio destino, e também de seu país.
"Nunca ocupei", escreveu ele,
"nenhum cargo em nenhuma escola, por princípio. Deliberei, desde os
primeiros anos, tomar uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que
podem ser ocupados por outros. Sempre decidi criar o meu próprio cargo, a minha
própria posição e situação, sem ter de ocupar o lugar que possa caber a
outro... Eis porque não disputo, nunca disputei nem disputarei qualquer posição
que possa ser ocupada por quem quer que seja".
A obra de Mário não tem
similar, nem por sua extensão oceânica, mais de cem volumes publicados e trinta
inéditos, nem pela orientação muito peculiar de seu pensamento, onde as
influências mais díspares, de Sto. Tomás a Nietzsche, e Pitágoras a Leibniz, de
Platão a Proudhon, se harmonizam numa síntese radicalmente original. Escreveu
artigos políticos e de cultura para os jornais Opinião Pública, de
Pelotas, e Diário de Notícias e Correio do Povo,
de Porto Alegre. Foram quase duas centenas de artigos versando, principalmente,
sobre aspectos da II Guerra Mundial.
Dizia que a filosofia só é válida
quando concreta, ou seja, quando o filósofo, mesmo fazendo uso da abstração não
se separa da realidade. Para ele, a filosofia deve ser "dialeticamente
construída, sem esquecer o que une, o que está incluso, o que exige para ser, o
que implica, o que, enfim, se correlaciona, se entrosa e se analoga".
Acrescenta que o pensamento concreto é aquele que esclarece, aquele que não
esquece de meditar com as representações e os conteúdos fáticos, que são dados
pela intuição sensível.
Na sua crise religiosa, converte-se ao
cristianismo, demonstrando que "esta é a única religião que não depende de
raça nem de ciclo cultural, pois surge de uma revelação através do próprio
homem, pedindo a ele que seja perfeito naquilo que lhe é próprio, quer dizer,
na superação humana, que se realiza pela purificação da vontade, pela clareza e
pela acuidade do pensamento, e pelo acrisolamento do seu amor". Com
relação ao ateísmo, dizia que a maioria das contradições se dava em virtude das
perguntas mal formuladas. As pessoas divergem com relação ao dogma da
Santíssima Trindade, não com relação à existência de Deus.
Eis uma biografia para ser ponderada e
refletida. Lutador, guerreiro, libertário de ideais e homem de bem que deu a
vida para que a verdade resplandecesse no seio da sociedade.
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A Revista Conhecimento Prático
Filosofia, número 18, publicou um artigo de Carlos Aurélio Mota de Souza,
"Por que Reler Mário Ferreira dos Santos Hoje?" e uma entrevista,
organizada pelo Padre e Professor Stanislavs Ladusãns, que foi publicada no ano
de 1976, em "Rumos da Filosofia no Brasil". Nas suas 21 páginas, há
muitas informações sobre a pessoa, a obra e o pensamento de Mário, o grande
(desconhecido) filósofo brasileiro.
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