16 novembro 2019

Mito da Caverna

Mito. Originariamente, narrativa fantasiosa da genealogia. Historicamente, é a exposição de uma doutrina sob a forma de narrativa alegórica: "os mitos platônicos". Característica essencial do mito. Tanto no sentido alegórico como no sentido simbólico, o relato mítico subentende outra coisa, e não precisamente o que está sendo dito.

O "mito da caverna" está descrito no livro VII de A República, de Platão, que ressalta a tarefa do filósofo, cujos ensinamentos são transmitidos em forma de metáforas. Como a articulação entre o mythos e o logos é tamanha, Platão prefere usar, em A República,  o verbo mythologein para expressar essa junção. Este mito baseia-se na analogia entre o bem e o Sol. 

Descrição do mito da caverna: Platão coloca alguns homens voltados para o fundo da caverna. Um deles se vira e vai em busca do Sol, do conhecimento.

Qual a razão de os homens permanecerem presos no fundo da caverna? Platão quer nos mostrar que é o próprio ser humano que tem que se ver como homem livre ou como escravo. Platão acha que é difícil a criança se tornar um adulto. Por isso, em cada etapa do caminho há a confusão entre o ser e o parecer ser. Suportar a clareza do Sol é que mostra a diferença entre o ser e o parecer ser.

Sintetizando o Mito da Caverna. A caverna escura é o nosso mundo; os escravos acorrentados são os homens; as correntes são as paixões e a ignorância; as imagens ao fundo da caverna são as percepções sensoriais; a aventura do escravo fora da caverna é a experiência filosófica; o mundo fora da caverna corresponde ao mundo das ideias, o único, verdadeiramente; o Sol que ilumina o mundo verdadeiro é a ideia do Bem, que conduz ao conhecimento; o regresso do escravo é o dever do filósofo de envolver a sociedade na experiência da verdade; a incapacidade do escravo em readaptar-se à vida na caverna é a inadequação dos filósofos; o escárnio do escravo é o destino reservado ao escravo; a morte final do escravo-filósofo é a morte de Sócrates.



14 setembro 2019

Utopia de Thomas More

Thomas More (1478-1535), nascido na Inglaterra, desempenhou muitas funções, entre as quais, homem de estado, diplomata, advogado, Chanceler do Reino e escritor. Em nove de maio de 1935 foi canonizado como santo pela Igreja Católica. Dado o seu tempo exíguo, pois tinha que cuidar das coisas do Estado e da família, escrevia roubando tempo do sono e de suas refeições.

Thomas More estudou em Oxford, onde conheceu e se correspondeu com Erasmo de Roterdã, autor de “Elogio da loucura”. Eram leitores dos filósofos clássicos e, em virtude das ideias do estoicismo e do epicurismo, passaram a contestar a tradição escolástica. O pano de fundo era incentivar as pessoas a terem liberdade do pensamento.  

A Utopia de Thomas More descreve uma ilha imaginária permeada de justiça, liberdade e igualdade. Lugar totalmente oposto ao que vivia na Inglaterra, governada pelo rei Henrique VIII. Como essa sociedade era organizada de modo racional, seus habitantes não seriam enviados para guerra, a não ser em caso extremo.  A palavra "utopia" carrega significados ambíguos: como lugar inexistente ou, ainda, como lugar de felicidade.

Ronaldo de Oliveira Batista, doutor em linguística, no seu prefácio, resume o objetivo do livro:

"Fim da propriedade individual e permanente, implicando com isso a troca periódica das residências, que são sorteadas. Aquisição do necessário para a subsistência, sem exigência de pagamento para o que for consumido. Eleições para cargos de autoridade, inclusive para o príncipe. Senado e assembleias populares discutem leis, posteriormente votadas. Liberdade religiosa, com respeito às diferentes crenças. Cursos para aprimoramento intelectual dos habitantes, que assim também evitavam a ociosidade. Ausência do sentimento de posse, uma vez que há compartilhamento entre os indivíduos e famílias".

More defendia a crença na imortalidade da alma, numa vida após a morte do corpo físico, e nas recompensas futuras.

MORE, Thomas. A Utopia. Tradução de Alda Porto. São Paulo: Martin Claret, 2013. (Coleção a obra-prima de cada autor)




13 agosto 2019

Mentira

Há duas acepções sobre a verdade: 1) acepção epistemológica, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a coisa observada, e se opõe ao erro; 2) acepção moral, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a sua expressão manifestativa e, nesse sentido, se opõe à mentira. Daí, verificamos que a verdade moral é a adequação entre aquilo que se percebe da coisa, do fato em si, e aquilo que a respeito dele, se manifesta por qualquer sinal expressivo: o gesto, a palavra escrita ou oral.

Mentira. Ato pelo qual um emissor altera aquilo que ele reconhece como verdadeiro. Na distinção entre erro e mentira, verificamos que o erro é um engano, um julgamento em desacordo com a realidade observada. Em se tratando da mentira, supõe a intenção de dizer o falso. A mentira pressupõe sempre uma verdade, ou a ideia de verdade, pois caso contrário não seria mentira. Ainda: o paradoxo do mentiroso consiste em afirmar que se está mentindo; nesse caso, quando se diz a verdade, mente-se, e quando se mente, diz a verdade.

Mentir é condenado, mas muito praticado. Alguns acham que mentir é sempre condenado, independentemente dos benefícios que a mentira possa oferecer. Acontece que, em algumas circunstâncias, os efeitos prejudiciais podem ser compensados pelo benefícios que a mentira promove. Suponha que uma pessoa esteja muito doente. Mentir-lhe sobre sua expectativa de vida pode ser útil, pois ele poderia viver melhor e distante de uma depressão, que debilitaria ainda mais a sua resistência orgânica.

A mentira retarda o desenvolvimento do espírito? (Questão 192 de O Consolador, pelo Espírito Emmanuel). Resposta: "A mentira é a ação capciosa que visa o proveito imediato de si mesmo, em detrimento dos interesses alheios em sua feição legítima e sagrada; e essa atitude mental da criatura é das que mais humilham a personalidade humana, retardando, por todos os modos, a evolução divina do Espírito".

Jesus coloca-nos uma frase emblemática: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Pergunta-se: Como nos libertarmos da mentira e do erro da ideologia vigente, do pragmatismo e da ascendência da ciência sobre a metafísica? Refletindo sobre a totalidade do ser e o sentido da vida do ser humano sobre a Terra. Cada um de nós tem uma percepção particular da lei natural, uma espécie de sexto sentido que nos faz desviar do mal. Só se chafurdam no erro e na mentira, aqueles que se descuidam do "vigiar e orar".

F. B. Ávila, em sua Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo, enfatiza o esforço do ser humano pela descoberta da verdade. Ele diz: "Na dispersão das atividades que absorvem o nosso dinamismo vital, um dia o homem percebe que o tempo passa, e que ele está embarcado num movimento irreversível que o aproxima irremediavelmente de um fim. Neste momento, ele se interroga sobre o sentido fundamental da vida. Se ele não descobre esse sentido, será cada vez mais abatido pelo tédio ou amargurado pelas decepções. Descobrir a verdade é entender esse sentido, pelo qual ele adquire a certeza inabalável de que a vida vale a pena de ser vivida, e a segurança de que poderá enfrentar o fim com serenidade".

Compilação: https://sites.google.com/view/temas-diversos-compilacao/mentira



20 junho 2019

Vida Interior

"A felicidade tem muito mais a ver com a vida interior do que com os bens exteriores."

A sociedade moderna, presa ao consumismo exacerbado, preocupa-se muito mais com o saber-fazer do que o saber-ser. Ser vencedor é a sua marca registrada. Se o fracasso nos bate à porta, deixamo-nos corroer pelo drama e ficamos cabisbaixos diante da vida. O que vale é o útil, o meio, a produção. O inútil, o pensar e o filosofar ficam sempre para o segundo plano. Em meio a tudo isso, podemos nos voltar para os grandes pensadores do passado e, junto com eles, construir uma vida interior significativa.

Sócrates, Platão, Aristóteles, Confúcio, Buda, Epicuro, Montaigne, entre outros, legaram-nos ideias e pensamentos que são extremamente importantes para a nutrição de nossa vida interior. Vejamos alguns deles: conhecimento de si mesmo, o caminho do meio, a justa medida, aceitar a vida como ela é, a busca do silêncio, reviver como foi o dia, meditação, amizade, virtude e contemplação. 

Esses grandes pensadores não paravam de dizer que devíamos combater a ignorância, pois esta é a causa de todos os males. O primeiro passo para essa grande empreitada é saber discernir. Para discernir, há que se empenhar na busca do conhecimento. Hegel, por exemplo, achava que a busca do conhecimento é a busca da liberdade. Sócrates, na sua maiêutica, eternizou o "Só sei que nada sei". A inscrição completa dessa máxima era: "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses."

Aristóteles, em Ètica a Nicômaco, ensinou-nos que a virtude é a "justa medida" entre extremos nocivos. Buda transformou-a no caminho do meio. Pitágoras, em sua escola, ensinava que as qualidades constitutivas do ser humano seriam: austeridade, coragem, moderação e autocontrole. Aristóteles preferiu usar os termos "prudência", "temperança", "coragem" e "justiça", as quatro virtudes cardeais. Às quatro virtudes cardeais, a moral cristão acrescentou as três virtudes teologais, ou seja, a fé, a esperança e a caridade.

Sobre o amar a si mesmo, Pitágoras, um dos primeiros filósofos da Grécia antiga, tinha como lema esta regra de ouro: "Acima de tudo, respeita a ti mesmo." Aristóteles, em Ética a Nicômaco, afirma: "O homem virtuoso tem o dever de amar a si mesmo." Há, também, a exigência bíblica: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Jesus retoma essa máxima nos mesmos termos. A psicologia moderna, por seu turno, ensina-nos que se a relação consigo mesmo é distorcida, haveremos de projetar no outro os problemas que nos pertencem e que não estão resolvidos.

A regra de ouro "Não faça aos outros o que não quer que lhe seja feito" é uma espécie de lei natural que antecede a todas as formulações filosóficas. Esta pode, também, ser enunciada positivamente: "Faça aos outros o que gostaria que lhe fosse feito."

Fonte de Consulta

LENOIR, Frédéric. Pequeno Tratado de Vida Interior. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

 


12 junho 2019

Inutilidade: Busca Desinteressada do Saber

O "útil" caracteriza-se pela intermediação, vale por tudo aquilo a que se dirige, não por si mesmo. A criação e a renovação constante são seus atributos. O "inútil", em se tratando de um fim em si mesmo, caracteriza-se pela perfeição e pela liberdade. Nesse sentido, a existência lúdica, a estética e a especulação intelectual desinteressada tornam-se uma necessidade, porque distanciam-nos dos aspectos práticos da vida. A contemplação de uma boa música ou de uma obra de arte pode levar-nos ao êxtase.

Na antiguidade, a busca do saber não visava o lucro, mas a apreensão da verdade. Para tanto, basta recordar as vivências de Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates, com sua ironia e maiêutica, criava contradição naqueles que se julgavam donos da verdade. Platão, no Teeteto, diz que os "homens livres" não têm problemas com o tempo, enquanto os "escravos" estão condicionados por um patrão que decide. Aristóteles, por sua vez, afirmava que é pela admiração que os indivíduos se põe a filosofar, e que em seus níveis mais elevados o conhecimento não é "uma ciência prática". 

Há, ao longo da história, outros pensadores que enalteceram a livre busca do conhecimento. Em Nova Atlântica (1627), Francis Bacon enfatiza que os seus ilhéus não mantinham o comércio para obter lucro, mas somente para "aumentar o conhecimento".  Shakespeare, em O Mercador de Veneza, no reino de Belmonte, mostra que o ouro e a prata são desprezados. Para Kant, o desinteresse atingirá também o juízo estético. Martin Heidegger, refletindo sobre a essência da obra de arte, diz: "O mais útil é o inútil. Mas experienciar o inútil é o mais difícil para o homem moderno."

A maioria das universidades, hoje, está reduzindo os níveis de dificuldade a fim de permitir que os estudantes passem nos exames com maior facilidade. Muitas delas estão cortando as verbas dos cursos que não dão retorno financeiro, e deixando cada vez esquecidos os autores clássicos da filosofia. Há, contudo, um problema, pois muitas descobertas se deram no campo do desinteresse. Basta consultar a vida de alguns grandes cientistas: estes não foram movidos pelo lucro, mas por seus insights, por sua missão humanitária.

A produção técnica tem o seu valor, ou seja, fornece-nos o conforto do lar, a facilidade da comunicação, a locomoção rápida pelas grandes aeronaves... Contudo, não nos esqueçamos que a vida, na sua essência, transcende tudo isso.

Fonte de Consulta

ORDINE, Nuccio. A Utilidade do Inútil: Um Manifesto. Tradução de Luiz Carlos Bombasaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

 

23 abril 2019

Teoria

"O maior valor da vida depende do poder da contemplação." (Aristóteles)

Teoria é um conjunto de raciocínios que dão nexo, fundada em fatos ou suposições. Diz-se, também, do processo resumido de contemplação e compreensão que pode ser sustentado por evidências. Theoria é um verbo usado para descrever uma ampla variedade de atividades intelectuais. Platão (424-348 a.C.), por exemplo, associou o verbo aos estados do processo intelectual de compreensão.

Theoria. De theos, Deus, o ser que se vê, que em grego quer dizer visão. Os gregos, quando iam às suas festas religiosas, faziam longas filas e podiam ser vistas à distância, ou seja, ter delas uma visão, denominaram-as de theoria. As filas que tinham um nexo, pois tendiam ao templo, significou também o que se vê pelos olhos do espírito. Palavra de uso corrente transformou-se, metaforicamente, em termo para a Filosofia.

Os gregos, de maneira nenhuma opunham, como hoje, teoria e prática.O conhecimento teórico, em toda a antiguidade clássica grega, era entendido como a contemplação da verdade (aletheia) em si mesma. A supremacia do conhecimento teórico sobre o prático ou técnico provém do fato de ele ser útil em si mesmo, independentemente de sua aplicação exterior.

No sentido moderno, uma teoria equivale a um corpo de proposições adequadas à explicação e à interpretação dos fenômenos dentro de determinado campo disciplinar, descobertas por indução e aplicadas por dedução. Nesse sentido, a teoria passou a ser um conjunto de regras ou de normas a que devem obedecer os fenômenos ou a sua interpretação. Por isso, diz-se que o conhecimento tornou-se teórico-experimental. Há uma concepção mental, uma teoria; para que tenha validade, há necessidade de colher dados e prová-la, geralmente com o auxílio de modelos matemáticos.

As teorias estão sujeitas a novas descobertas e podem ser derrubadas por relatos mais adequados. Há muitos exemplos, tais como, a substituição da gravidade newtoniana pela teoria geral da relatividade de Einstein. Mas, a derrubada da teoria geocêntrica de Ptolomeu pela teoria heliocêntrica de Copérnico é considerado o marco mais importante da teoria científica. Nicolau Copérnico (1473-1543), astrônomo de origem polonesa, ao negar ser a Terra o centro do Universo, deu a partida para o Universo infinito e a Nova Ciência.

Fonte de Consulta

ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.

SANTOS, M. F. dos. Convite à Filosofia e à História da Filosofia. 6. Rd., São Paulo: Logos, s.d.p. 


08 março 2019

Ansiedade e Budismo

"Perguntaram ao Buda: O que você ganhou com a meditação? Ele disse:  Nada, mas deixe-me dizer o que perdi com ela: ansiedade, raiva, depressão, insegurança, medo da velhice e da morte".

Buda revelou-nos os ensinamentos das quatro nobres verdades  a verdade do sofrimento, a verdade da origem do sofrimento, a verdade da libertação do sofrimento e a verdade do caminho da libertação , que são antigos, mas muito úteis nos dias presentes. A didática desses ensinamentos resume-se em nossa escolha: queremos perpetuar o sofrimento ou interrompê-lo em sua origem?

Um dos aspectos relevantes do Budismo é a ansiedade, inerente a todos os viventes neste planeta Terra. Esta ansiedade decorre de nossa insatisfação com as coisas em geral. Quando nos sentimos solitários, procuramos companhia; quando temos pessoas demais ao nosso lado, sentimo-nos claustrofóbicos. Embora algumas demandas sejam atendidas, ainda assim a ansiedade permanece. Daí, a neurose, o desconforto, a depressão. Para corrigir a ansiedade, geramos agressão, paixão e orgulho (kleshas), que desviam o foco de nossa ansiedade básica.

Para alcançarmos um lampejo de liberação, deveríamos reconhecer a existência do sofrimento, que a ansiedade está ocorrendo. Este é o princípio básico do Budismo. "A dor provém da ansiedade e a ansiedade vem da neurose. Uma grande quantidade de abafamento leva-nos à neurose. Os ensinamentos de Buda não nos dizem como nos livrar dessa dor ou como abandoná-la; dizem apenas que temos de entender nosso estado de ser. Algumas vezes nos acostumamos a nosso sofrimento e outras vezes sentimos falta dele, então, deliberadamente pedimos mais sofrimento".

A ansiedade manifesta-se de diversos modos: comer sem quase mastigar, não querer cortar as unhas, fazer tudo tão rapidamente, não esperar o vendedor completar a venda etc. "A única maneira de trabalhar essa ansiedade é por meio da prática da meditação, domar a mente, praticar o shamatha. Isso nada mais é do que domar a si mesmo. É melhor trabalhar com a realidade do que com idealizações".

Há oito tipos de sofrimento: nascimento, velhice, doença, morte, encontrar o que não é desejável, não ser capaz de conservar o que é desejável, não conseguir o que se deseja e ansiedade geral. Poderíamos meditar a respeito de cada um deles e observar as nossas reações. A velhice, por exemplo, tolhe-nos sobremaneira porque restringe os nossos atos, as nossas caminhadas, a nossa locomoção.

Buda, pede-nos para buscar o nirvana, ou seja, transcender a agonia e problemas como o aturdimento, a insatisfação e a ansiedade.

Fonte de Consulta

TRUNGPA, Chôgyam. As 4 Nobres Verdades do Budismo e o Caminho da Libertação. Compilado e organizado por Judith L. Lief. Tradução de Oddone Marsiaj. São Paulo: Cultrix, 2013.

 


27 fevereiro 2019

Só Sei que Nada Sei

"O resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei..." [Sócrates, citado, em A República de Platão (360 a.C.)]

Muitas palavras perdem o seu sentido original ao longo do tempo. Buscando a etimologia delas, podemos ter alguma luz sobre as variações ocorridas. Há, também, palavras e frases, retiradas de um contexto, que produzem um significado contestável. Da passagem acima, as pessoas preferiram simplesmente dizer: "só sei que nada sei". Alguns acadêmicos enfatizam a incoerência de Sócrates sobre a frase. Dizem: "Se ele de fato nada sabe, então é falso que ele saiba disso; mas, se ele sabe que nada sabe, então é falso que ele nada sabe".

O contexto da frase pode ser visto: 1) em A República (360 a.C.), Sócrates conclui uma discussão com Trasímaco sobre "justiça" dizendo "o resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei, pois quando eu não sei o que é justiça dificilmente saberei se é ou não uma forma de virtude, ou se a pessoa a que a tem é feliz ou infeliz"; 2) em Apologia (399 a.C.), Sócrates fala de um político respeitado que "ele não sabe nada e acha que sabe. Eu nem sei nem acho que sei".

Outras considerações sobre "só sei que nada sei".

O “só sei que nada sei” socrático exprime a ignorância filosófica, ou seja, a que permite o acesso ao saber, já que se reconhece como ignorância, abrindo o caminho para o conhecimento. É neste sentido que Sócrates afirmava também que “o conhecimento da ignorância é o início da sabedoria”.

Para Sócrates, a ignorância constitui condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece a sua ignorância está capacitado ao aprendizado. Por isso, dizia: "sei que nada sei". Para chegar a esse estado prévio do não-saber, Sócrates lança mão de seu método, que é o de perguntar. As perguntas objetivavam descobrir o conceito que se ocultava na superficialidade do conhecimento. Primeiramente, aplicava a ironia, que é a forma negativa do diálogo, em que procurava confundir o interlocutor sobre um conhecimento que acreditava possuir; depois, aplicava a maiêutica, a forma positiva do diálogo que, baseado no ofício de parteira de sua mãe, procurava dar à luz um novo saber. Ele não ensinava, mas criava condições para que o conhecimento brotasse do ouvinte.

"Só sei que nada sei" é uma frase-chave no pensamento filosófico. O aparecimento de Sócrates implica o rompimento com os sofistas, com os políticos que tinham um pensamento muito raso e com os naturalistas, que estavam preocupados com a origem das coisas. Esta frase mostra que só Deus sabe e o sábio é aquele que reconhece que não sabe. A grande contribuição de Sócrates foi mudar a pergunta sobre a origem das coisas para o que é o ser humano. Ao se debruçar sobre essa questão vai se enverando pela política, pela ética que são elementos da convivência humana.

A ciência é o resultado das hipóteses, enunciados e corolários levantados ao longo do tempo. Por trás, porém, de cada corolário, de cada hipótese e de cada enunciado há uma pergunta. Por isso, diz-se que “o máximo da pergunta científica são os postulados, axiomas e teorias que são formulados por um pensamento prévio interrogador”. A filosofia também é construída por meio de perguntas. E, quanto mais se pergunta, mais se tem o que perguntar, pois o “sei que nada sei” socrático pode se dirigir ao infinito.

 

 


01 janeiro 2019

Mosca Socrática

"Uma existência sem análise é adequada para o gado, mas não para os seres humanos." (Sócrates)

Sócrates, há cerca de 2.400 anos, em Atenas, foi pintado por Platão como uma "mosca". A mosca é vista como um inseto incômodo, nojento e perturbador. Observe quando uma delas fica rodeando os alimentos de nossa refeição diária. Mas, por que motivo Sócrates era considerado uma mosca? Por causa de suas perguntas embaraçosas.

As perguntas socráticas têm um duplo caráter: ironia e maiêutica. Na ironia, confunde o conhecimento sensível e dogmático. Na maiêutica, dá à luz um novo conhecimento, um aprofundamento, sem, contudo, chegar ao conhecimento absoluto. Há diversos exemplos dos diálogos socráticos em que confunde vários interlocutores. Na conversa dele com Eutidemo, Sócrates perguntou-lhe se ser enganador correspondia a ser imoral. A resposta foi afirmativa. Com um contra-exemplo, Sócrates mostrou-lhe que o comentário geral de que ser enganador é imoral não se aplica a todas as situações.

Quanto à coragem. Sócrates, querendo apreender o conceito de coragem, dirigia-se ao um general, e perguntava-lhe: — você que é general, poderia me dizer o que é a coragem? O general respondia-lhe: — coragem é atacar o inimigo, nunca recuar. Porém, Sócrates contradizia: — às vezes temos que recuar para melhor contra atacar. E a partir daí continuava o debate ampliando o conceito.

Observe a sua postura quanto ao enigma do Oráculo de Delfos relatado por Querefonte. "Existe alguém mais sábio que Sócrates?", perguntou Querefonte. "Não", foi a resposta. "Ninguém é mais sábio que Sócrates." Primeiramente, não acreditou no que Querefonte lhe disse; depois, refletiu e deu razão ao Oráculo. Segundo o seu modo de ver, várias pessoas eram capazes em sua área de atuação, mas ninguém era mais sábio que ele porque a maioria não sabia do que estava falando. Para Sócrates, a sabedoria é procurar entender a natureza da nossa existência e até onde podemos ir com o próprio saber.

A sua dedicação à arte de perguntar diz respeito ao seu modo de ser, ou seja, conversar e não escrever. Ele dizia que as palavras escritas não podem replicar; não podem nos explicar nada quando não as entendemos. No diálogo, podemos contradizer mais de uma vez e chegarmos a um acordo de ideias.

Todo o filósofo deveria se esforçar por ser uma mosca, ou seja, propor, por meio de perguntas embaraçosas, uma nova maneira de ver a mesma coisa.

Fonte de Consulta

WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Tradução de Rogério Bettoni. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012. (Coleção L&PM POCKET)