Notas extraídas do livro "Psicologia das multidões", de
Gustave Le Bon, cuja primeira edição foi publicada em 1895.
Ideia central: a ação inconsciente das multidões substitui a atividade consciente dos
indivíduos.
INTRODUÇÃO
O conhecimento da psicologia das multidões é o elemento-chave para os
homens de Estado, que têm a incumbência de conduzir as pessoas para a obtenção
do bem comum
As multidões, pouco aptas ao raciocínio, mostram-se soberanas à ação. O
direito divino das multidões substitui o direito divino dos reis.
Dada sua característica de ser não pensante, a multidão presta-se mais à
destruição.
PRIMEIRO LIVRO — ALMA DAS MULTIDÕES
CAPÍTULO I — CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS MULTIDÕES
LEI PSICOLÓGICA DE SUA UNIDADE MENTAL
Em sentido comum, a palavra multidão representa uma reunião
de indivíduos quaisquer, independentemente de sua nacionalidade, sua profissão
ou seu sexo, independentemente também dos acasos que os aproximam.
Do ponto de vista psicológico, a expressão multidão adquire
um significado específico: o grupo possui características distintas
do indivíduo (isolado). A personalidade consciente desaparece e forma a
alma coletiva. A coletividade torna-se uma multidão psicológica. Ela forma um
único ser e encontra-se submetida à lei da unidade mental das multidões.
A organização de uma multidão forma-se sobre o fundo invariável e
dominante da raça, sobrepõem-se algumas características novas e específicas que
provocam a orientação de todos os sentimentos e pensamentos da coletividade numa
direção idêntica.
É fácil constatar que o indivíduo na multidão difere do indivíduo
isolado. Mas quais são as causas?
Causas que determinam o surgimento das características específicas das
multidões:
1ª) O indivíduo na multidão adquire, exclusivamente por causa do número,
um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos que,
sozinho, teria forçosamente refreado.
2ª) Contágio mental associado ao efeito hipnótico. Na multidão, todo
sentimento, todo ato é contagioso, e contagioso no sentido de sacrificar o seu
interesse pessoal ao interesse coletivo.
3ª) É a mais importante das causas, pois determina nos indivíduos na
multidão características específicas às vezes muito opostas às do indivíduo
isolado.
Um exemplo: o estado de fascinação do hipnotizado nas mãos do seu
hipnotizador.
Lembrete: a multidão é sempre intelectualmente inferior ao homem isolado.
Contudo, pode praticar atos comuns ou atos heroicos.
CAPÍTULO I — SENTIMENTOS E MORALIDADE DAS MULTIDÕES
A impulsividade, a irritabilidade, a incapacidade de raciocinar, a
ausência de julgamento e de espírito
crítico — características específicas das
multidões — são igualmente observáveis entre seres que pertencem
a formas inferiores de evolução, como o selvagem e a criança
1. Impulsividade, instabilidade e irritabilidade das multidões
A multidão é conduzida quase exclusivamente pelo inconsciente. Nesse
sentido, o indivíduo isolado possui a capacidade de dominar seus reflexos,
enquanto a multidão está desprovida dela.
Nada na multidão pode ser premeditado. São capazes de percorrer, sob
influências, os mais variados sentimentos.
Para o indivíduo na multidão, a noção de impossibilidade
desaparece. Sozinho, não pode incendiar um prédio; uma multidão,
sim.
2. Sugestionabilidade e credulidade das multidões
Nos seres sugestionáveis, a ideia fixa tende a se transformar em
ato. Em consequência do contágio, as deformações são de mesma natureza e
têm o mesmo sentido para todos os indivíduos da coletividade.
A multidão não precisa ser numerosa: a faculdade de observação e o
espírito crítico que cada um deles possui desaparecem.
3. Exagero e simplismo dos sentimentos das multidões
O indivíduo em multidão aproxima-se dos seres
primitivos. Insensível às nuances, vê todas as coisas em bloco e não
conhece as transições.
Na multidão, o exagero de um sentimento é fortalecido pelo fato de que,
propagando-se muito rapidamente mediante sugestão e contágio, a aprovação de
que se torna objeto aumenta sua força consideravelmente.
4. Intolerância, autoritarismo e conservadorismo das multidões
Como as multidões só conhecem sentimentos simples e extremos, as
opiniões, ideias e crenças que lhes são sugeridas são aceitas ou rejeitadas em
bloco e consideradas como verdades absolutas ou erros não menos
absolutos.
Nas reuniões públicas, a mais ligeira contradição de um orador é
imediatamente recebida com gritos de furor e violentas invectivas, logo
seguidas de vias de fato e expulsão, desde que o orador insista.
5. Moralidade das multidões
Se a multidão é capaz de assassinar, incendiar e de praticar toda
espécie de crimes, também o é de atos de sacrifício e de desinteresse muito
mais elevados que aqueles de que é capaz o indivíduo isolado.
Se a abnegação, a resignação, a dedicação absoluta a um ideal quimérico
ou real são virtudes morais, pode-se dizer que as multidões possuem às vezes
essas virtudes em um grau que os mais sábios filósofos raramente
atingiram.
CAPÍTULO III — IDEIAS, RACIOCÍNIOS E IMAGINAÇÃO DAS MULTIDÕES
1. As ideias das multidões
As ideias das multidões podem ser divididas em duas classes: 1)
acidentais e passageiras; 2) ideias passageiras.
As ideias fundamentais poderiam ser representadas pelo volume das águas
de um rio que desce lentamente seu curso; as ideias passageiras, pelas marolas
sempre inconstantes que agitam sua superfície e que, apesar de não terem
importância real, são mais visíveis que o correr do próprio rio.
As ideias, para se tornarem popular, têm de sofrer as mais completas
transformações: elas têm que ser sempre redutoras e simplificadoras
Lembremo-nos de que as ideias filosóficas que culminaram na Revolução
Francesa levaram muito tempo para se implantar na alma popular. Sendo, assim,
as multidões estão sempre várias gerações atrás dos sábios e dos
filósofos.
2. Os raciocínios das multidões
Os raciocínios das multidões, como os raciocínios elevados, baseiam-se
nas associações, mas de modo mais fraco. Encadeiam-se à maneira das de um
esquimó, o qual, sabendo por experiência que o gelo, corpo transparente,
derrete na boca, conclui que o vidro, corpo igualmente transparente, também
deve derreter na boca.
Um encadeamento de raciocínios rigorosos seria totalmente
incompreensível para as multidões.
Os juízos que aceitam são apenas juízos impostos, nunca juízos
discutidos.
3. A imaginação das multidões
A imaginação representativa das multidões, como a de todos os seres para
os quais o raciocínio não intervém, pode ser profundamente impressionada.
Na história, a aparência sempre teve um papel muito mais importante que
a realidade. Nela, o irreal predomina sobre o real.
Pão e circo constituíam outrora o ideal de felicidade para a plebe
romana. É conhecida a história daquele teatro popular dramático obrigado a
proteger na saída o ator que fazia o papel de vilão, para livrá-lo da violência
dos espectadores indignados com seus crimes imaginários.
Conhecer a arte de impressionar a imaginação das multidões é conhecer a
arte de governá-las.
CAPÍTULO IV — FORMAS RELIGIOSAS DE QUE SE REVESTEM TODAS AS CONVICÇÕES
DAS MULTIDÕES
Esse sentimento tem características muito simples: adoração de um ser
supostamente superior, temor do poder a ele atribuído, submissão cega a suas
ordens, impossibilidade de discutir seus dogmas, desejo de difundi-los,
tendência a considerar inimigos todos os que se recusam a admiti-los.
A intolerância e o fanatismo são o acompanhamento ordinário de um
sentimento religioso.
Se fosse possível fazer as multidões aceitarem o ateísmo, ele teria todo
o ardor intolerante de um sentimento religioso e, em suas manifestações
exteriores, tornar-se-ia rapidamente um culto.
SEGUNDO LIVRO — AS OPINIÕES E CRENÇAS DAS MULTIDÕES
CAPÍTULO I — FATORES LONGÍNQUOS DAS CRENÇAS E OPINIÕES DA MULTIDÕES
As opiniões e crenças nascem e se estabelecem segundo duas ordens:
fatores longínquos e fatores imediatos.
Os fatores longínquos tornam as multidões capazes de adotar algumas
convicções e inaptas para se deixar penetrar por outras. Os fatores imediatos
são aqueles que, sobrepostos a esse longo trabalho, sem o qual não poderiam
agir, provocam a persuasão ativa das multidões.
1. Raça
O meio, as circunstâncias e os acontecimentos representam as sugestões
sociais do momento. Podem exercer uma ação importante, mas sempre momentânea se
for contrária às sugestões da raça, isto é, de toda a série dos
ancestrais.
2. As tradições
As tradições representam as ideias, as necessidades, os sentimentos do
passado. São a síntese da raça e se impõem com todo o seu peso sobre nós.
3. O tempo
Dele dependem as grandes forças, tais como a raça, que sem ele não podem
se formar. Faz todas as crenças evoluírem e morrerem. Através dele adquirem seu
poder e também através dele perdem-no.
CAPÍTULO II — FATORES IMEDIATOS DAS OPINIÕES DAS MULTIDÕES
As multidões são um pouco como a esfinge da antiga fábula: é preciso
saber resolver o problemas que a psicologia delas nos apresenta ou se resignar
a ser devorado por elas.
1. As imagens, as palavras e as fórmulas
A multidão é influenciada pelas imagens. Quando não se têm essas
imagens, pode-se evocá-las pelas palavras e fórmulas. Observe os termos vagos
como democracia, socialismo, igualdade. Estas breves sílabas estão ligadas a um
poder mágico, solução de todos os problemas.
As palavras de uma língua mudam vagarosamente; mas as imagens que evocam
ou o sentido a elas atribuído mudam incessantemente.
2. As ilusões
O grande fator de evolução dos povos nunca foi a verdade, mas o erro. E
se hoje o socialismo vê seu poder crescer, é porque ainda constitui a única
ilusão viva. Quem sabe iludi-las torna-se seu mestre; quem tentar desiludi-las
é sempre sua vítima.
3. A experiência
A experiência é praticamente o único procedimento eficaz para
estabelecer solidamente uma verdade na alma das multidões e destruir ilusões
que se tornaram perigosas demais.
4. A razão
Coloca-se aqui pelo valor negativo de sua influência. Os oradores que
sabem impressioná-las apelam aos seus sentimentos e nunca à sua razão.
CAPÍTULO II — OS CONDUTORES DAS MULTIDÕES E SEUS MEIOS DE PERSUASÃO
1. Os condutores das multidões
Há necessidade da figura do líder. Sua vontade (do líder) é o núcleo em
torno do qual se formam e se identificam as opiniões. Geralmente, o condutor
foi anteriormente um conduzido, hipnotizado pela ideia da qual em seguida se
tornou apóstolo. Robespierre, por exemplo, foi hipnotizado por suas ideias
quiméricas e empregando os procedimentos da Inquisição para propagá-las.
A fé pode tornar o homem escravo absoluto de seu sonho.
2. Os meios de ação dos líderes: a afirmação, a repetição, o contágio
Para arrastar multidões a um propósito qualquer, é preciso agir sobre
ela por meio de sugestões rápidas.
Afirmação. Deve ser concisa, desprovida de provas e de demonstração. Assim, mais
autoridade terá.
Repetição. Napoleão dizia que existe apenas uma única importante figura de
retórica, a repetição. Pela repetição, a coisa afirmada chega a se estabelecer
nos espíritos a ponto de se aceitar como uma verdade demonstrada.
Contágio. Depois de uma afirmação ser repetida há, ainda, a necessidade do
contágio. Nas multidões, as ideias, os sentimentos, as emoções, as crenças
possuem um poder de contágio tão intenso quanto o dos micróbios.
3. O prestígio
Se as opiniões propagadas pela afirmação, a repetição e o
contagio são muito potentes é porque acabam adquirindo o misterioso poder
denominado prestígio.
O prestígio é uma espécie de fascínio que um indivíduo,
uma obra ou uma doutrina exerce sobre nosso espírito.
Pascal notou, com razão, a necessidade que os juízes têm das togas e das
perucas. Sem elas perderiam grande parte de sua autoridade.
TERCEIRO LIVRO — CLASSIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS DIVERSAS CATEGORIAS DE
MULTIDÕES
CAPÍTULO I — CLASSIFICAÇÃO DAS MULTIDÕES
Neste capítulo procura separar dois tipos de multidões: heterogêneas e
homogêneas. Quanto às heterogêneas, divide-as em anônimas (multidões das ruas,
por exemplo) e não anônimas (júris, assembleias parlamentares etc.). Em se
tratando das homogêneas, divide-as em seitas (seitas políticas, seitas
religiosas etc.), castas (casta militar, casta sacerdotal, casta operária etc.)
e classes (classe burguesa, classe camponesa etc.)
CAPÍTULO II — AS MULTIDÕES DITAS CRIMINOSAS
Os crimes das multidões geralmente decorrem de uma poderosa sugestão, e os
indivíduos que deles tomam parte convencem-se em seguida de ter cumprido um
dever.
CAPÍTULO III — OS JURADOS DO TRIBUNAL DE JÚRI
Os jurados proporcionam, em primeiro lugar, uma prova da pouca
importância que tem, do ponto de vista das decisões, o nível mental dos
diversos indivíduos que compõem a multidão.
CAPÍTULO IV — AS MULTIDÕES ELEITORAIS
A primeira qualidade que o candidato deve possuir é o prestígio. O
prestígio pessoal só pode ser substituído pelo da fortuna. O talento,
o próprio gênio não são elementos de sucesso.
A multidão eleitoral: fraca aptidão para o raciocínio, ausência de espírito
crítico, irritabilidade, credulidade e simplismo.
O eleitor quer que adulem suas ambições e vaidades.
CAPÍTULO V — AS ASSEMBLEIAS PARLAMENTARES
Encontramos nas assembleias parlamentares as características gerais das
multidões: simplismo das ideias, irritabilidade, sugestionabilidade, exagero
dos sentimentos, influência preponderante dos líderes.