Procusto, que significava "o esticador", era seu apelido. Seu nome verdadeiro era Damastes, ou Polipémon.
Na mitologia grega, Procusto era o
cruel dono de uma pequena propriedade em Corídalo, na Ática, a meio caminho
entre Atenas e Elêusis ou Eleusina, onde eram realizados os misteriosos rituais
de adoração aos deuses. Ele tinha um senso de hospitalidade peculiar:
sequestrava os viajantes que por ali passavam, oferecia-lhes um generoso jantar
e depois os convidava a passar a noite em uma cama bastante especial. Procusto
queria que a cama se encaixasse perfeitamente ao viajante. Se eram altos
demais, amputava-lhes os membros com um machado afiado; os que eram baixos, ele
esticava de modo a preencher toda a extensão da cama.
Na mais pura forma de justiça
poética, o feitiço virou contra o feiticeiro, e Procusto provou do próprio
veneno. Um dos viajantes a passar por aquelas bandas foi o destemido Teseu,
que, em um momento posterior de sua heroica carreira, mataria o Minotauro. Após
o costumeiro jantar, Teseu fez Procusto se deitar em sua própria cama. Então,
para que coubesse perfeitamente, ele o decapitou. Teseu seguiu
o método de Hércules de pagar na mesma moeda.
Em versões mais sinistras (como a da
Biblioteca de Pseudo-Apolodoro), Procusto tinha duas
camas, uma pequena e outra grande, e fazia as vítimas baixas se deitarem na
cama grande e as vítimas altas, na cama pequena.
Nassim Nicholas Taleb, considerado um dos maiores nomes quando se trata de probabilidade e
incerteza, já escrevera Iludidos pelo acaso, Antifrágil,
A lógica do cisne negro e Arriscando a própria pele. Baseando-se nessa mitologia publica, também, A cama de Procusto: aforismos filosóficos e práticos, com tradução de Renato Marques, editado pela Objetiva.
Eis um trecho de seu livro:
"Todo aforismo aqui diz respeito a
uma espécie de cama de Procusto — diante dos limites do conhecimento e de
coisas que não observamos, como o invisível e o desconhecido, nós, humanos,
resolvemos a tensão espremendo a vida e o mundo em ideias comoditizadas e
concisas, categorias reducionistas, vocabulários específicos e narrativas
pré-empacotadas, que têm consequências explosivas. Além disso, parecemos
desconhecer o ajuste retroativo, como alfaiates que sentem imenso orgulho de
oferecer o traje de caimento perfeito, mas fazem isso alterando cirurgicamente
os braços e as pernas dos clientes. Por exemplo, pouca gente percebe que
estamos mudando o cérebro de crianças em idade escolar por meio de medicamentos
a fim de fazer com que elas se ajustem à grade curricular, e não o contrário."
"Uma vez que os aforismos perdem seu
encanto quando explicados, por ora apenas insinuo qual é o tema central deste
livro, relegando ao posfácio discussões adicionais. Trata-se de pensamentos
condensados girando em torno de minha ideia principal de como
lidamos e como deveríamos lidar com o que não
conhecemos e não sabemos, questões discutidas mais a fundo em meus
livros A lógica do cisne negro
e Iludidos pelo acaso." (*)
(*) Quando uso a metáfora da cama de Procusto, não falo apenas de colocar algo no compartimento errado, mas principalmente da operação inversa de alterar a variável errada, como a pessoa em vez da cama. Note que todas as falhas do que chamamos de “sabedoria” (juntamente com a proficiência técnica) podem ser reduzidas a uma situação de cama de Procusto.