13 fevereiro 2025

Sócrates e a Responsabilidade

As grandes ideias — que perfazem mais de 2500 anos — têm fracassado na penetração do coração humano. Os ideais da tradição judaico-cristã e do cristianismo, rememorados por milhões de pessoas, não têm sido suficientes para impedir as atrocidades de uma guerra global, holocaustos e assassinatos em massa. Cristo, Moisés e Platão têm permanecido apenas como ideias. Mas as ideias não transformam o ser humano?

A filosofia do mundo ocidental nasceu da percepção de impotência da mente. Para Sócrates, tanto a religião como a ciência de seu tempo não estavam orientando o homem à virtude. É bom esclarecer o sentido específico da virtude: Sócrates dizia que a virtude consistia no objetivo da vida humana. O termo “autodomínio” não possui esta tonalidade precisa do significado, isto é, que o único objetivo digno de um ser humano é a criação de um canal de responsabilidade e relacionamento entre a verdade, ideias e mente, de um lado e as estruturas inconsistentes da natureza humana, de outro.

Sócrates não focou especificamente na ciência, na religião, na arte, na política. Ele apenas questionava e interrogava. Mas, em que consistia o questionamento socrático? Consistia em rasgar continuamente o mundo das aparências. Fica a seguinte dúvida: se a virtude era o objetivo de Sócrates, por que era perseguida por intermédio de questionamentos ao invés da exposição de doutrinas, de análises conceituais, sínteses de grandes ideias?

Penetrar além do mundo das aparências significa pôr em xeque nossas crenças, opiniões e certezas, não apenas com respeito aos objetos, mas a nós mesmos. Para Sócrates, o canal da virtude, o poder da verdadeira filosofia, reside no poder de auto indagação. Podemos amar a grandeza da verdade; contudo isso, por si, não nos modifica, não nos transforma.

Tudo o que sabemos de Sócrates veio por intermédio de Platão. Platão apresenta Sócrates como um homem que nada sabe, cuja “sabedoria” consiste no fato de que apenas ele, dentre todos os atenienses, se dá conta da própria ignorância. Aí está a raiz da “ironia” socrática. 

Fonte de Consulta

NEEDLEMAN, Jacob. O Coração da Filosofia. Tradução de Júlio Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1991.

Notas sobre a Autoridade

Autoridade. Do lat. auctoritas, que por sua parte deriva-se do verbo augere, aumentar, crescer, criar e dá, como substantivo, autor.

O argumento de autoridade fundamenta-se na posição de alguém, considerado como conhecedor competente de determinada matéria. Na religião, baseia-se nas revelações, as quais são obtidas por meio de indivíduos escolhidos pela divindade. Na ciência, possui valor relativo, pois exige verificação e confirmação. Na filosofia, o argumento da autoridade é falho, pois na filosofia a única e verdadeira autoridade é a demonstração.

Em se tratando da ciência e da filosofia, a prova é o elemento preponderante. Observe que a ciência é o conhecimento das causas cujas afirmações são provadas. A prova pode ser a experimental ou a demonstração lógica. A ciência observa e experimenta, e a filosofia demonstra. O filosofar apenas opinativo é um filosofar prático e não teórico, é um filosofar primário.

Santo Agostinho distingue autoridade divina da humana: Auctoritas autem partim divina est, partim humana; sed vera, firma, summa ea est quae divina nominatur. (A autoridade, contudo, é parte divina e parte humana; mas a verdadeira, firme, suprema, é a que se chama divina). Portanto, Deus é a mais alta autoridade.

Alguns tipos de autoridade

Autocracia. O poder de si mesmo, gerado de si mesmo. A capacidade de exercê-lo e legislar acima de qualquer outro. Consiste no poder entregue a uma autoridade arbitrária, a qual se acha nas mãos de um homem ou de um grupo, ou de um partido. Assim: despotismo, oligarquia, ditadura. Opõe-se à democracia.

Autoridade carismática.  É a ascendência que exerce uma pessoa sobre outra ou grupos sociais, dando-lhes a impressão e a convicção de possuir um poder que transcende a natureza humana.

Democracia. É o sistema político no qual os cidadãos, independentemente de castas, classes, estamentos, exercem a autoridade, quer por si mesmos (democracia plebiscitária) quer por intermédio de delegados ou representantes do povo (democracia eletiva).

Ditadura. Sistema político no qual uma pessoa ou um pequeno grupo tem a total autoridade sobre a vida política de um povo, sobre o qual legisla e executa suas leis, sem subordinação de qualquer espécie a nenhum outro poder.

Fonte de Consulta 

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.


06 fevereiro 2025

Apetite e Beatitude

Apetite. Em termos fisiológicos, apetite é o desejo por comida. Na concepção filosófica, o “apetite”, do gr. peto, pedir, solicitar, partir para algo (daí — ím - peto) indica a propensão para algo desejado, conveniente e adequado ao apetecente. É uma espécie de impulso veemente que nos leva a satisfazer desejos e necessidades. Na Escolástica, é o desejo implicado numa tendência.

Como o desejo está entrelaçado ao apetite? Pode-se dizer que o desejo tem uma característica mais violenta e apaixonada como se vê na expressão latina cupidus gloriae (ansioso pela glória). Há, porém, uma diferença sutil entre desejo e apetite. O apetite apresenta um aspecto mais “técnico” e ao mesmo tempo mais geral. Assim sendo, o desejo pode ser descrito como uma forma de apetite; por outro lado, o apetite nunca poderá ser descrito como uma forma de desejo.

Qual a relação entre apetite e vontade? Pode-se dizer que a vontade é um apetite intelectual e difere sensivelmente do apetite sensitivo.  Como um ser só aspira ao que é adequado à sua natureza, a sua tendência à busca das coisas imateriais, reforça a ideia de que a sua natureza não pode ser apenas material, ou seja, aspirar somente aos bens materiais.

Beatitude vem de beare, apetecer. O ser humano tende para o bem e apetece-lhe a felicidade perfeita — beatitude. O apetite é uma tendência para uma coisa conveniente, adequada ao ente. Há, assim, o tender da coisa para o seu próprio bem. Essa apreensão pode ser perfeita ou imperfeita. Daí, podemos dizer que o apetite elícito — legal, aceitável e lícito — que se segue à apreensão imperfeita do fim é o apetite sensitivo; e o elícito, cuja apreensão é perfeita, é o apetite racional, é a vontade.

Na Ética a Nicômaco de Aristóteles, a beatitude é o estado de satisfação em que não há mais carências, ausências. É o estado ideal do sábio, porque a sabedoria liberta o homem das carências e das ausências, e só ela lhe pode dar a plenitude da tranquilidade, que é o momento que se eterniza, em que a alma humana perdura, satisfeita por nada mais carecer.

Nas religiões, o estado de beatitude é alcançado por aqueles que, cumprindo os ritos e as normas religiosas, conseguem libertar-se de tudo quanto amesquinha e corrompe, e penetram assim na visão frontal da divindade, que é o estado beatífico.

Fonte de Consulta

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

 

21 janeiro 2025

Filósofo como Pensador

O filósofo é um pensador. O pensador é um tipo de trabalhador, que necessita de ideias. Nesse caso, as ideias podem ser consideradas a matéria-prima do filósofo. E o que são as ideias? Algo invisível que se passa em nosso cérebro. Embora invisível, elas têm materialidade, pois algumas delas atordoam, ou seja, "ficam martelando em nossa cabeça". Detalhe: o filósofo procura trabalhar com ideias que duram para sempre.

Ideias e coisas. Podemos dizer que a ideia de alguma coisa é a imagem mental dessa coisa, é a sua representação abstrata em nossa mente. Pode-se-dizer que há a imagem mental particular e a imagem mental geral. Quando vemos uma cadeira, temos a imagem particular da cadeira. Contudo, se pensarmos no objeto cadeira, temos o sentido geral, ou seja, o conceito, que é a representação abstrata que vale para todas as coisas conhecidas pelo mesmo nome.  

Ideias e realidade. A realidade não é transparente. Para conhecê-la, precisamos des-cobri-la, isto é, iluminá-la. Por esta razão, cada um de nós vê a realidade de um modo particular, segundo a nossa visão de mundo. O que categorizamos como realidade é ao mesmo tempo a realidade que está aí, fora de nós, e a realidade que fazemos, que imaginamos, que construímos por meio de nossas imagens, nossas ideias.

O que nos cabe fazer? Uma espécie de viagem em busca da descoberta da realidade. Observe algumas das grandes invenções da humanidade. A ideia estava na realidade, mas ninguém até aquele momento teve capacidade de descobri-la. Foi preciso a vinda de um gênio para nos aclarar sobre aquele objeto.

Além da descoberta de uma realidade física, há também a descoberta de uma realidade espiritual. A esses descobridores damos o nome de profetas, místicos, iluminados.

Fonte de Consulta

GOTO, Roberto Akira. Começos da Filosofia. Campinas, SP: Editora Átomo, 2000.

 

08 janeiro 2025

Filosofia como Esclarecimento

 A verdadeira filosofia consiste em reaprender a ver o mundo. (Maurice Merleau-Ponty)

Maneiras de se entender a filosofia como um processo de esclarecimento: autoconhecimento e reflexão crítica; busca pela verdade; análise do mundo e da realidade; desafiar o status quo e a autoridade; pensamento sistêmico e profundo; liberação de preconceitos e ignorância.

Filosofia. Proveniente do grego, significa amor à sabedoria. A atividade filosófica busca respostas para o conhecimento, a existência, a razão, Deus... Esclarecimento. Este termo possui diversas acepções, mas em seu sentido mais amplo, refere-se ao ato de iluminar, de tornar claro e compreensível algo que antes era obscuro ou desconhecido. Na filosofia, o esclarecimento está ligado à busca pela razão, à libertação do pensamento e à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Tratar a filosofia como esclarecimento envolve abordá-la como uma ferramenta que visa promover o entendimento profundo, a reflexão crítica e o questionamento sobre os aspectos fundamentais da vida, do conhecimento, da ética, da política, da verdade e da existência. O esclarecimento filosófico busca expandir a mente humana, levando à reflexão e ao entendimento mais apurado das questões que cercam o mundo e nossa vivência nele.

Em termos históricos, devemos nos reportar à Grécia Antiga, quando alguns pensadores começaram a questionar mito para, em seguida, analisar tudo sob o guante da razão, da racionalidade.

Eis alguns desses pensadores:

Sócrates: Ele acreditava que o processo de questionar, investigar e refletir constantemente era essencial para atingir um nível mais elevado de compreensão e sabedoria.

Immanuel KantO filósofo tradicionalmente desafia as normas estabelecidas e questiona a autoridade. Isso está ligado ao conceito de esclarecimento que Immanuel Kant desenvolveu em seu famoso ensaio "Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento?". Ele disse que o esclarecimento é a capacidade de sair da menoridade, ou seja, do estado de dependência das ideias de outros, buscando a autonomia intelectual. A filosofia, assim, age como um meio de libertação mental, permitindo que os indivíduos pensem por si mesmos.

Friedrich Nietzsche: Ele via a filosofia como uma maneira de questionar as normas sociais e os valores estabelecidos, incentivando o indivíduo a criar seus próprios valores e buscar um entendimento mais profundo de si mesmo.

Entendamos, assim, que a filosofia não é apenas um conjunto e teorias abstratas, mas uma prática de vida que aspira ao desenvolvimento da razão, e à construção de uma visão crítica do mundo e de nós mesmos.



07 janeiro 2025

Chesterton, Gilbert Keith

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), nascido em Londres, foi escritor, poeta, crítico de arte, jornalista, teólogo... Sua vasta obra, em torno de 80 livros, abarca desde os clássicos de seu pensamento crítico e apologético como Ortodoxia e O Homem Eterno até ficções como O Homem que Foi Quinta-Feira, além dos muitos livros de seu renomado detetive, Padre Brown.  Sua obra teve considerável influência sobre nomes que vão desde C. S. Lewis até Jorge Luís Borges.

Convertido do anglicanismo ao catolicismo, é também considerado filósofo e teólogo pela profundidade de suas reflexões sobre a fé e o mundo moderno.

Escreveu nos mais variados estilos de texto, indo da fantasia e dos contos que inspiraram a criação do famoso Sherlock Holmes a tratados de filosofia e teologia. Criou uma teoria econômica não socialista e não capitalista, chamada distributismo (ou distributivismo). E existe até oração que pede por sua canonização. 

Seu trabalho alcançou todo o mundo e rendeu-lhe elogios de intelectuais das mais distintas filiações políticas, desde socialistas a apologistas católicos. A quantidade de escritos que deixou é espantosa, considerando sua idade. 

Em seu livro Autobiografia, Chesterton confessa seu fascínio diante do mistério da criação, e demonstra seu agradecimento pelo milagre da vida:

“Um homem não se torna velho sem que o aborreçam; mas eu envelheci sem aborrecer-me. A existência é ainda uma coisa estranha para mim, e, como a um estrangeiro, dou-lhe as boas-vindas. Para começar, ponho o princípio de todos os meus impulsos intelectuais diante da autoridade à qual vim ao final, e descobri que estava aí antes que eu a pusesse. Encontro-me ratificado na minha realização deste milagre que é estar na vida; não de modo vago e literário, como o que usam os céticos, mas num sentido definido e dogmático: o de ter recebido a vida pelo único que pode fazer os milagres.”

Esse único que pode fazer milagres não é outro senão Jesus Cristo, a manifestação criativa e salvífica de Deus, a única ponte entre os homens e o Criador. Em Cristo, Chesterton encontrou abrigo e sua fortaleza.

Fonte de Consulta

100 Frases de G. K. Chesterton

WIKER, Benjamin. 10 Livros que Todo Conservador Deve Ler: Mais Quatro Imperdíveis e um Impostor. Tradução de Mariza Cortazzio. Campinas, SP: VIDE Editorial, 2016.



14 dezembro 2024

Kuhn, Thomas

“A ciência normalmente visa às novidades de fato ou teoria.” Thomas Kuhn

Thomas Kuhn (1922-1996) foi um físico norte-americano e estudioso no ramo da filosofia da ciência. Sua importância reside no fato de estabelecer teorias que desconstruíam o paradigma objetivista da ciência. É mais conhecido pela obra A estrutura das revoluções científicas, publicada em 1962. A obra é tanto uma investigação sobre momentos decisivos na história científica quanto uma tentativa de explicar uma teoria sobre como as revoluções ocorrem na ciência.

Os trabalhos acadêmicos de Kuhn resultaram no livro “A Revolução Copernicana”, de 1954. Mas foi no livro "Estruturas da Revolução Científica” (1962), que Kuhn estabeleceu suas ligações com a filosofia e as ciências humanas. O livro foi reeditado em 1970 com algumas observações adicionais.

Mudança de paradigma. "A ciência, na visão de Kuhn, alterna períodos de “normalidade” e de “crise”. A ciência normal é o processo rotineiro no qual cientistas trabalhando dentro de um sistema teórico, ou “paradigma”, acumulam resultados que não questionam as escolas teóricas desse sistema. Às vezes, obviamente, resultados anômalos ou não familiares aparecem, mas estes são geralmente considerados como erros dos cientistas — provas, de acordo com Kuhn, que a ciência normal não visa às novidades. Ao longo do tempo, contudo, resultados anômalos podem se acumular até que um ponto de crise seja atingido. Após a crise, se uma nova teoria é formulada, há uma mudança no paradigma e um novo sistema teórico substitui o antigo. No fim, esse sistema é admitido como certo, e a ciência normal prossegue até outras anomalias surgirem".

Um exemplo de tal mudança foi o desmoronamento da visão clássica de espaço e tempo com a confirmação das teorias da relatividade de Einstein.

A afirmação de Copérnico de que a Terra gira ao redor do Sol rompeu um paradigma no pensamento: os cientistas deixaram a crença de que o planeta terra está no centro do universo.

Fonte de Consulta

O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. 

 

 

James, William

William James (1842-1910) foi um filósofo e psicólogo norte-americano. Um dos criadores da escola filosófica conhecida como “pragmatismo” e um dos pioneiros da “Psicologia Funcional”.

Charles Sanders Peirce, havia proposto uma teoria do conhecimento denominada de "pragmatismo", mas sem grande repercussão. Coube a seu amigo, William James, afilhado de Ralp Emerson, defender e desenvolver as suas ideias.

Verdade e utilidade. A teoria do pragmatismo peirceano mostra-nos que não adquirimos conhecimento apenas observando, mas fazendo, e que contarmos com esse conhecimento somente enquanto ele nos é útil, no sentido de que explica adequadamente as coisas para nós. Quando esse conhecimento não cumpre mais essa função em explicações melhores tornam-no obsoleto, o substituímos. Exemplo: visão geocêntrica e heliocêntrica sobre a Terra. James, por outro lado, aplicaria esse raciocínio à noção de verdade.

Para James, a verdade de uma ideia depende de quanto ela é útil — ou seja, se ela responde o que dela se exige. Se uma ideia não contradiz os fatos conhecidos — tais como as leis da ciência — e proporciona um meio de prever as coisas de forma precisa o suficiente para nossos objetivos, não pode haver razão para não considerá-la verdadeira, da mesma maneira que Peirce considerou o conhecimento como uma ferramenta útil, independente dos fatos.

Influencia duradoura. O pragmatismo proposto por Peirce e exposto por James estabeleceu a América como um centro significativo para o pensamento filosófico no século XX. A interpretação pragmática da verdade por James influenciou a filosofia de John Dewey e gerou uma escola do pensamento “neopragmática” que inclui filósofos como Richard Rorty. Na Europa, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein se inspiraram na metafisica de James. Seu trabalho na psicologia foi igualmente influente e, muitas vezes, conectado com sua filosofia, em especial, o conceito de “fluxo de consciência”, que, por sua vez, influenciou escritores como Virginia Woolf e James Joyce.

Resumo do seu pensamentoSe estou perdido em uma floresta e vejo uma trilha, posso acreditar: 1) ...que ela leva a comida e abrigo ==> Então sigo a trilha e acho uma saída da floresta rumo à salvação. 2) ... que ela não leva a lugar algum. ==> Então não faço nada, continuo perdido e morto de fome. ==> Minha ação faz com que minhas crenças virem realidade ==> Aja como se o que você faz fizesse diferença. Faz Diferença.

Fonte de Consulta

O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. (Cópia de alguns trechos)

 

 

27 novembro 2024

Husserl, Edmund

 “Carecemos inteiramente de uma ciência racional do homem e da comunidade humana.” (Edmund Husserl)

A ciência aspira à certeza em relação ao mundo. ==> Mas a ciência é empírica: depende da experiência. ==> A experiência é sujeita a suposições e predisposições.  ==> Então a experiência, por si, não é ciência. (Edmund Husserl)

Edmund Husserl (1859-1938) foi um filósofo alemão, perseguido por um sonho: o sonho da certeza. Ele é mais conhecido como o fundador da fenomenologia. A sua fenomenologia pretende fundamentar a filosofia como ciência rigorosa, capaz de dar base, por sua vez, às próprias ciências em suas condutas específicas. Trata-se de voltar "às próprias coisas" a fim de captar suas essências ao final da redução eidética. Seu trabalho revolucionou a filosofia ocidental, influenciando diversas áreas do conhecimento, desde a psicologia até a sociologia.

O problema da certeza. Husserl começou a vida como matemático. Ele imaginou que problemas como “o que é a justiça?” podiam ser solucionados com o mesmo grau de certeza com o qual resolvemos problemas matemáticos, como “quantas azeitonas há no pote?” Em outras palavras, ele esperava colocar todas as ciências — que para ele incluíam todos os ramos do conhecimento e das atividades humanas, da matemática, química e física à ética e política — numa base completamente segura.

As teorias científicas baseiam-se na experiência. Essas teorias estão eivadas de suposições, predisposições e equívocos. Suprimindo esses aspectos, queria dar à ciência bases absolutamente incontestáveis.

Seguindo Descartes, ele sugeriu que, se adotarmos uma atitude científica em relação à experiência, deixando de lado toda suposição particular (incluindo a suposição de que um mundo externo existe fora de nós), então poderemos começar a filosofar numa lousa limpa, livre de todas as inferências. Assim, podemos olhar para a experiência com atitude científica, deixando de lado (ou “colocando entre parênteses”, como diz Husserl) cada uma de nossas suposições.

Para os filósofos que seguiram o método de Husserl, houve pouca concordância sobre o que realmente era o método ou como se colocaria em prática. No final da carreira, Husserl escreveu que o sonho de conferir bases sólidas para as ciências tinha acabado.

Fonte de Consulta

O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011. 

 

 

 

 

20 novembro 2024

Cama de Procusto

Procusto, que significava "o esticador", era seu apelido. Seu nome verdadeiro era Damastes, ou Polipémon. 

Na mitologia grega, Procusto era o cruel dono de uma pequena propriedade em Corídalo, na Ática, a meio caminho entre Atenas e Elêusis ou Eleusina, onde eram realizados os misteriosos rituais de adoração aos deuses. Ele tinha um senso de hospitalidade peculiar: sequestrava os viajantes que por ali passavam, oferecia-lhes um generoso jantar e depois os convidava a passar a noite em uma cama bastante especial. Procusto queria que a cama se encaixasse perfeitamente ao viajante. Se eram altos demais, amputava-lhes os membros com um machado afiado; os que eram baixos, ele esticava de modo a preencher toda a extensão da cama.

Na mais pura forma de justiça poética, o feitiço virou contra o feiticeiro, e Procusto provou do próprio veneno. Um dos viajantes a passar por aquelas bandas foi o destemido Teseu, que, em um momento posterior de sua heroica carreira, mataria o Minotauro. Após o costumeiro jantar, Teseu fez Procusto se deitar em sua própria cama. Então, para que coubesse perfeitamente, ele o decapitou. Teseu seguiu o método de Hércules de pagar na mesma moeda.

Em versões mais sinistras (como a da Biblioteca de Pseudo-Apolodoro), Procusto tinha duas camas, uma pequena e outra grande, e fazia as vítimas baixas se deitarem na cama grande e as vítimas altas, na cama pequena.

Nassim Nicholas Taleb, considerado um dos maiores nomes quando se trata de probabilidade e incerteza, já escrevera Iludidos pelo acaso, Antifrágil, A lógica do cisne negro e Arriscando a própria pele. Baseando-se nessa mitologia publica, também, A cama de Procusto: aforismos filosóficos e práticos, com tradução de Renato Marques, editado pela Objetiva. 

Eis um trecho de seu livro: 

"Todo aforismo aqui diz respeito a uma espécie de cama de Procusto — diante dos limites do conhecimento e de coisas que não observamos, como o invisível e o desconhecido, nós, humanos, resolvemos a tensão espremendo a vida e o mundo em ideias comoditizadas e concisas, categorias reducionistas, vocabulários específicos e narrativas pré-empacotadas, que têm consequências explosivas. Além disso, parecemos desconhecer o ajuste retroativo, como alfaiates que sentem imenso orgulho de oferecer o traje de caimento perfeito, mas fazem isso alterando cirurgicamente os braços e as pernas dos clientes. Por exemplo, pouca gente percebe que estamos mudando o cérebro de crianças em idade escolar por meio de medicamentos a fim de fazer com que elas se ajustem à grade curricular, e não o contrário."

"Uma vez que os aforismos perdem seu encanto quando explicados, por ora apenas insinuo qual é o tema central deste livro, relegando ao posfácio discussões adicionais. Trata-se de pensamentos condensados girando em torno de minha ideia principal de como lidamos e como deveríamos lidar com o que não conhecemos e não sabemos, questões discutidas mais a fundo em meus livros A lógica do cisne negro e Iludidos pelo acaso." (*)

(*) Quando uso a metáfora da cama de Procusto, não falo apenas de colocar algo no compartimento errado, mas principalmente da operação inversa de alterar a variável errada, como a pessoa em vez da cama. Note que todas as falhas do que chamamos de sabedoria (juntamente com a proficiência técnica) podem ser reduzidas a uma situação de cama de Procusto. 

27 outubro 2024

Os Fins e os Meios

“Aquele que perseverar até o fim será salvo.” (Mateus, 24,13)

O fim de uma ação é aquilo em função do qual ela é realizada; o meio é a maneira apropriada para atingir o fim. Para que haja consciência na ação, precisamos considerar os diversos princípios morais subjacentes: não devemos fazer mal em função do bem; quem quer o fim quer os meios; as pessoas devem ser sempre tratadas como fins e nunca unicamente como meios.

Em termos de política econômica é a aplicação dos princípios da economia. Os princípios da economia estão relacionados com aquilo que desejamos (fins), como consegui-los (meios) e o que somos "nós" ante a natureza e a organização social. Sua finalidade é a obtenção de um "optimum".

Os fins devem ser sempre distinguidos dos meios. Não são poucas as vezes que os confundimos. Observe o seguinte. Sabemos, perfeitamente, que o fim da religião é a salvação da alma. Por que razão alguns religiosos impedem que seus adeptos se salvem em outra igreja?

Os fins justificam os meios? Frase atribuída erroneamente a Nicolau Maquiavel, e significa que qualquer iniciativa é válida quando o objetivo é conquistar algo importante. Isso porque Maquiavel, no seu livro O Príncipe, indica que, para manter o poder, o príncipe deve desenvolver características tidas como "não éticas", como a crueldade e hipocrisia.

Esta frase é comumente associada ao autor italiano graças a este trecho do capítulo XVIII da sua obra O Príncipe: "Nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas. Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo..." 

O útil e o inútil. “Útil” significa tudo aquilo que tem um fim noutro e não em si mesmo. O “útil” é sempre instrumento, sempre meio, é intermediário, e vale por tudo aquilo a que se dirige: não vale por si. “Inútil” significa o que não tem um fim noutro. “O que não tem um fim noutro” pode ser entendido de duas formas: 1ª) “não tem um fim noutro” porque não possui finalidade alguma; 2ª) ou, então, “não tem fim noutro” porque possui um fim em si mesmo. Muitas vezes, o fim torna-se meio, porque produzimos por produzir sem saber para que fim.

Fonte de Consulta

BOULDING, Kenneth E. Princípios de Política Econômica. São Paulo: Mestre Jou, 1967.

https://www.significados.com.br/os-fins-justificam-os-meios/

MENDONÇA, E. P. de. O Mundo Precisa de Filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1970. 

 


31 maio 2024

Caixa de Ferramentas Mentais para uma Boa Vida

Rolf Dobelli, no livro Como pensar e viver melhor: ferramentas mentais para a vida e os negócios, descortina-nos novas concepções acerca de uma boa vida. Acha que pensamos como na Idade da Pedra. A evolução ainda não conseguiu que o cérebro se adequasse ao desenvolvimento da civilização. Por isso, precisamos de uma caixa de ferramentas mentais para não sucumbirmos à velocidade das inovações.

Como tem dificuldade de definir o significado de uma boa vida, usa a abordagem da teologia negativa da Idade Média. À pergunta “quem ou o que é Deus” os teólogos respondem não se pode dizer exatamente o que é Deus, só se pode dizer o que não é Deus. O mesmo deveríamos fazer com a boa vida. Só deveríamos nos preocupar com aquilo que não é uma boa vida.

De onde vem as 52 ferramentas mentais expostas no livro? Poder-se-ia falar de três grandes fontes. A primeira é a investigação da psicologia nos últimos quarenta anos, que se desdobraria em psicologia mental, psicologia social e algumas abordagens da psicologia clínica. A segunda fonte vem do estoicismo. Os estoicos davam grande importância a exercícios práticos. A terceira fonte é a longa tradição da literatura de investimento financeiro, principalmente de Charlie Munger e Warren Buffett.

Eis alguns de seus capítulos: o princípio da caixa preta; contraprodutividade, a ilusão da introspecção, o “não” em cinco segundos, a ilusão do foco, a armadilha da atenção, ler menos, mas em dobro, a ilusão de mudar o mundo, a crença no mundo justo, a lei de Sturgeon, subtração mental...

Destaquemos, a título de exemplo, a contraprodutivadede:

Contraprodutividade designa que muitas tecnologias que, à primeira vista, poupam tempo e dinheiro, mas que essa economia se dissipa no momento em que se faz um conta total.

E-mail. Avaliado de forma isolada, é genial: escrevem-se em enviam mensagens de forma rápida e de graça. Vejamos o tempo que se perde filtrando mensagens, lendo coisas que não tem interesse...

Apresentações. Antigamente, uma palestra para direção de empresas consistiam em veiculação de argumentos lógicos. Em 1990, chegou o programa PowerPoint. Os executivos começaram a investir milhões de horas: aprender, sofisticar, letras... lucro líquido, zero.

Câmeras digitais. Que libertação? Hoje você está sentado em uma montanha de fotos e vídeos dos quais 99% são desnecessários.  

Cuide-se de não cair na armadilha da contraprodutividade. Ela só é visível à segunda vista. 

Conclusão: anunciada com tantas promessas, a tecnologia muitas vezes tem efeito contraproducente para a qualidade de vida.

DOBELLI, Rolf.  Como Pensar e Viver Melhor: Ferramentas Mentais para a Vida e os Negócios. Tradução de Kristina Michahelles e Silvana Gollnick. Rio de janeiro: objetiva, 2019.


10 abril 2024

Exercícios Filosóficos do Estoicismo

Lembre-se da dicotomia do controle. Algumas coisas dependem de nós, outras não. Dedique sua atenção ao que você pode controlar, como o desenvolvimento do caráter bom, e não em elementos do acaso ou da Fortuna, que escapam ao seu controle.

Lembre-se do papel do juízo. As coisas em si não nos irritam. São o juízos ou opiniões sobre elas que causam sofrimento.

Contemplação do sábio. Imagine que uma pessoa sábia como Sócrates está observando suas ações. Ao enfrentar uma situação difícil, pergunte-se como essa pessoa sábia reagiria.

Diário filosófico. Crie seu próprio caderno de meditações e ensinamentos estoicos, como Marco Aurélio fez, com lembretes para si mesmo. Pegue as ideias filosóficas centrais e as reformule com suas próprias palavras, ou detalhe em seu diário como você pode fazer uso delas.

Reavaliação diária. Ao fim de cada dia, reflita sobre suas ações. Faça a si mesmo as seguintes perguntas: O que eu fiz bem? O que fiz mal? Como posso melhorar? O que deixei de fazer?

Transforme a adversidade em algo melhor. Quando você encontrar a adversidade, transforme-a em algo melhor. É possível criar o bem em qualquer situação, se reagirmos com virtude.

Premeditação da adversidade. Imagine brevemente quaisquer adversidades que você poderá enfrentar no futuro. Depois, deixe os pensamentos se dispersarem. Ao contemplar as adversidades antecipadamente, você tira o poder delas, caso venham mesmo a acontecer.

Cláusula de reserva estoica. Quando você iniciar um projeto, viajar, fizer um planejamento, diga a si mesmo: "Aceito o destino." Tenha em mente que, apesar de suas intenções serem as melhores, algo fora do seu controle pode interferir nos seus planos.

Contemplação do todo. Perceba que você é apenas uma parte minúscula de um universo inteiro, mas, ainda assim, parte do universo. Por um momento, abra sua mente para abarcar todo o cosmos e vivencie sua conexão com o todo.

Visão do alto. Imagine que você está muito acima da Terra, no espaço, olhando-a do alto. Então lembre-se de como seus problemas pessoais são pequenos no grande esquema das coisas.

Contemplação da mudança. Medite sobre como todas as coisas na natureza estão em constante mudança, e como tudo passa por uma transformação contínua por períodos curtos ou longos.

Contemplação da impermanência. Perceba que tudo que você possui lhe foi dado por empréstimo. Lembre-se de que é certo apreciar os dons da Fortuna enquanto eles estão conosco, emprestados, mas que um dia teremos de devolvê-los.

Memento mori. Reflita sobre sua própria condição mortal, a condição das pessoas que você ama como seres mortais, e sobre a morte como sendo apenas o estágio final e natural de estar vivo. Agradeça pelo tempo que você tem pela frente e se esforce para usá-lo com sabedoria.

Viva com gratidão. Perceba, a cada dia, que tudo que você tem é um presente do universo. No fim da vida, olhe para tudo que viveu como uma dádiva, com o sentimento de gratidão.

Viva no momento presente. Não permita que sua mente se antecipe ou se preocupe com o futuro, pois isso é fonte de ansiedade. Em vez disso, planeje o futuro de forma racional e lembre-se de que o momento presente é tudo que temos. Caso comece a sentir ansiedade, tenha consciência disso e volte sua atenção para o presente. Lembre-se de que, quando o futuro chegar, você enfrentará os acontecimentos com a mesma racionalidade que enfrenta hoje.

Aja pelo bem comum. Lembre-se de que você é parte da comunidade humana e de que nascemos para ajudar uns aos outros. Lembre-se de agir pelo bem das outras pessoas.

Analise suas impressões com cautela. Não aceite as coisas por seu valor aparente nem faça juízos precipitados. Recue um passo e tenha cautela ao analisar as evidências antes de formar uma opinião. Se as evidências não forem firmes o suficiente, interrompa totalmente qualquer juízo.

FIDELER, David. Um Café com Sêneca: Um Guia Estoico para a Arte de Viver. Tradução de Heci Regina Candiani. Rio de Janeiro: Sextante, 2022