30 setembro 2020

Escolástica: Quaestio, Lectio e Disputationes

No século XIII, a relação ensino-aprendizagem baseava-se, inicialmente, na lectio, na disputatio e na praedicatio. Pierre de Chantre compara essas três atividades dos teólogos à construção de um edifício: a lectio corresponderia à fundação, a disputatio, às paredes e a praedicatio, ao teto que protege do calor e das tempestades de vícios. 

lectio reflete o quanto o ensino da filosofia medieval era dependente de livros.

disputatio, disputa ou discussão, surgiu como um  desenvolvimento da quaestio. Poder-se-ia entender como encerramento de um lectio. A disputatio começa com o mestre propondo um tema. Seguia-se a proposição de teses corroborando tal posição. Em seguida, surgia o oponente (opponens), que propunha objeções à tese. Depois disso, entrava em cena o respondedor (respondens), cuja função era opor contra-objeções à medida que o opponens apresenta suas objeções. Uma vez compreendidos os diversos matizes do problema, o mestre voltaria à cena fornecendo, de maneira argumentada, a solução (determinatio).

"A quaestio, a lectio e as disputationes são formas orais de exposição e de debates de ideias. Elas receberam uma expressão escrita responsável pela preservação do que nos resta da produção escolástica. Assim, as quaestiones quodlibetales são, em princípio, a transcrição das disputas dirigidas por um mestre e reunidas por temas ou por gênero. Frequentemente, um ou mais ouvintes transcreviam tanto as disputas quanto a solução fornecida pelo mestre no dia seguinte. O conjunto era publicado com o nome de reportatio, tendo obviamente um grau de fidelidade não muito confiável. Quando o mestre as corrigia, utilizando suas próprias anotações para suprir algumas passagens, o resultado ganhava o nome de ordinatio"

A partir do século XII, surgem as sententiaesumma ou mesmo summa sententiarum, formas manuais ou resumos de temas teológicos, em que as citações de autoridades são acrescentadas de opiniões de mestres contemporâneos mediante a introdução de questões (quaestiones) suscitadas pelo conflito de interpretações. A Suma de teologia de Tomás de Aquino é um exemplo característico do uso do método da quaestio e de um certo distanciamento das autoridades praticado pela escolástica. 

"A Suma de teologia é composta de três partes, a segunda subdividida em duas, e estruturada em questões e artigos. Cada artigo é introduzido por uma interrogação dialética, iniciada por um “se” (utrum). Por exemplo: “Se a existência de Deus pode ser demonstrada”. Os dois lados da alternativa são apresentados por meio de citações bíblicas e de autoridades, argumentos filosóficos, noções comuns etc. A primeira série de argumentos apresenta normalmente a alternativa negativa e é introduzida por um “parece” (videtur): “Parece que a existência de Deus não pode ser demonstrada”. Vem após um “mas em contrário” (sed contra), geralmente mais breve, que serve de contrapeso à discussão e anuncia a linha a ser seguida pelo autor. Vem então a solução, anunciada por um “eu respondo” (respondeo), e que inicia pela retomada do problema, prossegue com a introdução de distinções e termina com a conclusão do autor. O artigo acaba com uma série (introduzida por um dicendum) na qual ou se refutam as opiniões opostas, ou se tenta uma solução de compromisso entre as partes".

Extraído de STORCK, Alfredo. Filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Zahar, item "A Escolástica Latina Medieval"

 


29 setembro 2020

Dialética e Quaestio no Mundo Medieval

mundo medieval surge após o enfraquecimento do Império Romano. Em meio às invasões de povos bárbaros, como os visigodos, vândalos, hunos e ostrogodos, e suas consequências, aparece Boécio (480-524) como o último dos romanos e o primeiro dos pensadores medievais. 

A obra de Boécio pode ser dividida em duas partes: 1) como tradutor e comentador; 2) próprios escritos. Como tradutor, seu objetivo foi a de verter para o latim as obras de Platão e Aristóteles. A divisão da filosofia em três partes, a física, a matemática e teologia, que Aristóteles defende em sua Metafísica, tem grande influência no pensamento de Boécio.  

Boécio, citando Aristóteles, tenta obter certa hierarquia entre as ciências. As ciências físicas, que tratam da matéria, são menos abstratas do que a matemática. A teologia, por sua vez, trata de algo ainda mais abstrato, sendo uma disciplina mais elevada dentre as teóricas. Lançando mão das técnicas de argumentação antigas, Boécio contribuiu não somente quanto ao conteúdo, mas principalmente com o método para alicerçar as bases da cultura latina medieval. 

Agostinho de Hipona (354-430), famoso pelas Confissões, livro autobiográfico que descreve as fraquezas do ser humano, foi outro pensador que marcou o mundo medieval. A grande contribuição de Santo Agostinho foi a de conceber a fé não como uma fé dogmática, mas também puramente racional. Daí, a célebre máxima: "Compreendas para crer, creias para compreender".

Agostinho aceita a palavra divina das Sagradas Escrituras. Porém, como a palavra foi transmitida pelos homens, ela pode conter erros. Há necessidade, assim, de verificar a fiabilidade do texto, a história e a geografia. Alcançada a compreensão, o passo seguinte é transmitir a mensagem aos outros. Para isso, o cristão deve receber orientações quanto à retórica e à dialética. No tratado A doutrina cristã, expõe as regras para interpretar e transmitir as Sagradas Escrituras.

A dialética que, segundo Aristóteles, é a arte de bem argumentar, mas argumentar por meio de inferências válidas e necessárias que, por meio dos prós e contras, chega a uma opinião, teve grande sucesso durante a Idade Média. Boécio contribuiu muito para sua difusão. É de Boécio a divisão das artes: o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) e o trivium (gramática, retórica e dialética). Este modelo contribuiu muito para a difusão da dialética. 

O principal modo de expressão da Idade Média é conhecido como quaestio. Pedro Abelardo foi seu defensor. De acordo com Abelardo, uma questão tem por objetivo obter a solução de um problema, cuja origem é a contradição entre as opiniões de duas ou mais autoridades. Quer dizer, a dúvida acerca de uma tese pode provir de opiniões opostas, e que teremos de escolher aquela que julgarmos verdadeira.

Esse método é fruto da leitura de textos consagrados pela tradição e da constatação de conflitos entre várias passagens.

Assim, os teólogos medievais cristãos não foram pensadores dogmáticos. Conhecendo a fraqueza das autoridades da época, enalteciam a razão humana para chegar à verdade.

Fonte de Consulta

STORCK, Alfredo. Filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Zahar, item "Da Roma Antiga ao Mundo Medieval"




 


14 setembro 2020

Protestantes: Tradutores da Bíblia

São Jerônimo (347-420) traduziu a Bíblia para o latim. Ficou conhecida como Vulgata. 

John Wycliff (1328-1384), em 1380, usou a Vulgata de São Jerônimo e traduziu alguns escritos para o inglês. Depois de 40 anos, o papa mandou desenterrar o seu corpo, queimar seus ossos e jogar as cinzas no rio. Ele era apenas um tradutor.

Dez anos mais tarde, Jan Huss (1369-1415) levou as ideias de Wycliff para a Boêmia. Foi queimado junto aos livros e à Bíblia. 

Em 1519, Martinho Lutero (1483-1546) publicou suas 95 teses. A Igreja queria queimá-lo, mas um príncipe sequestrou-o e escondeu-o num castelo. Lá, traduziu a Bíblia do hebraico e do grego para a língua alemã. Queria que o povo tivesse acesso à palavra de Deus sem os pedágios da salvação.  

Em 1525, William Tyndale (1484-1536) traduziu, para o inglês, diretamente do hebraico e do grego. Consequência: foi queimado em 1536.

Três anos depois, Henrique VIII (1491-1547) financiou uma Bíblia traduzida para o inglês, e ficou conhecida como a grande Bíblia. Consequência: rompimento com a Igreja de Roma.

Henrique VIII era casado com Catarina de Aragão (1485-1536). Ele não tinha filhos e queria um herdeiro. O papa não queria deixá-lo romper o casamento para se casar novamente. Brigou com o papa e casou-se com Ana Bolena (1501/07-1536), e fundou a religião anglicana, que é a mesma religião de outrora, só que sem a influência do papa. Dizia que o chefe a Igreja era ele, mas havia uma hierarquia.

Em 1511, King James (1566-1625) reuniu uma série de estudiosos para traduzir a Bíblia para o inglês. Ficou conhecida como a grande Bíblia.

o termo "Protestante" está ligado a tradutores. 

João Ferreira de Almeida (1628-1691), católico convertido ao protestantismo, traduziu a Bíblia do hebraico (de Gênesis até Ezequiel) e o Novo Testamento, do grego.

Extraído de: https://www.youtube.com/watch?v=t-jU2eHjdYM