O oráculo de Delfos recomendou o Gnothi seauton, ou seja, o
Conhece-te a ti mesmo. Esta advertência pode ser traduzida como buscar-se cada
um a si mesmo, penetrar cada qual no seu âmago, no sentido de extrair de si o
substrato necessário para o percurso na vida. Não se deve buscar levianamente,
mas com vigor, brio e determinação. Pode-se dizer que quem busca se faz e se
desfaz na busca.
Na época de Heráclito, a organização militar inibia
o golpe afoito. Todos os soldados tinham que avançar ombro a ombro. Para eles,
a prudência (sophrosyne), substituindo o ardor (thymós),
determina domínio dos impulsos e respeito à incumbência dos companheiros, pois
a evasão de um prejudica a eficiência de todos. Por isso, o conhecimento
adequado de si mostrará a posição correta de cada um entre os demais. O homem
convive em compromisso de reciprocidade. A prudência solicita a participação
responsável de cada um na tarefa de todos.
Buscar-se, conhecer-se equivale a prudenciar.
Mas, ser prudente nos dias atuais, não é uma tarefa fácil, visto que a busca
nova gera risco e medo do desconhecido. Os rotineiros, se deliciando com a
repetição de suas ações, não percebem esse tipo de sofrimento, pois para eles
tudo está bem e não precisam de ter o trabalho de pensar. O conto do peixinho
vermelho serve para ilustrar o nosso pensamento. Segundo essa lenda, ele
convivia numa lagoa com outros peixes grandes. Certo dia resolve ir ao mar e se
distancia dos demais. Depois de aprender muito lá fora, volta para ensinar aos
que ficaram, e dizer-lhes que deveriam seguir o seu exemplo, ou seja, ir ao mar
alto. Moral da história: voltou sozinho.
Enxergar bem, ouvir bem são virtudes. Virtuoso é o
que funciona bem. Prudenciar é virtude maior porque ela preside as demais. A
dissertação de Sócrates sobre a coragem exemplifica esta noção de prudência.
Observe que ele fora até um general e perguntou-lhe: "Você, que é general,
poderia me dizer o que é a coragem?" Este lhe responde que a coragem é
atacar o inimigo, nunca recuar. Mas Sócrates contrapondo-se, diz: "Às
vezes é melhor recuar para melhor contra-atacar". Aí está a prudência.
O prudente é a pessoa que se conhece,
e, portanto, sabe o lugar que deve ocupar no Universo. Para ele, tanto o acaso
como o inesperado não existem. Ele raciocina em termos de lei de causa e
efeito. Se faz o bem ao próximo, é lógico que vida lhe trará um bem futuro; se
pratica o mal, sabe que irá sofrer as consequências do referido ato. Como
poderia, então, esperar algo que desconhece? Como o destino pode destinar algo
a alguém que não tenha por destino aquilo?
"Sejamos simples como as pombas e prudentes
como as serpentes". Quer dizer, tenhamos plena consciência dos nossos atos
e adaptemo-nos à circunstância em que estivermos colocados, a fim de darmos a
nossa contribuição ao bem geral.
Fonte de Consulta
SCHÜLLER, D. Heráclito e seu (Dis)curso. Porto Alegre,
L&PM, 2000. (Coleção L&PM Pocket, n.º 204)
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