15 dezembro 2015

Crenças Primitivas

Os povos antigos acreditavam que tudo tinha uma alma: animais, plantas, objetos e forças naturais. Procuravam explicar o mundo fazendo associações entre divindades e fenômenos naturais: o nascer do sol representava a libertação da escuridão da noite; a deusa-mãe deu à luz o mundo.

A crença desses povos pode ser entendida através de alguns detalhes: nossos ancestrais nos guiarão; a maioria cultuava os mortos; todo mundo tem uma alma; devemos ser bons vivendo em harmonia; tudo está conectado, ou seja, há um vínculo permanente com os deuses; sistema de moralidade baseada no apelo a ideias de bondade.

A crença dos povos primitivos baseava-se num plano de realidade separado do mundo físico, um lugar de deuses e figuras míticas. Em algumas religiões, o xamã ou curandeiro é considerado o intermediário entre os espíritos e os homens. Os ritos de passagem, como por exemplo, os associados à mudança das estações, tinham grande peso em suas manifestações religiosas. Ainda: o simbolismo - máscaras, talismãs e amuletos - desempenhou papel importante em muitas regiões.

Exemplifiquemos este assunto com dois esquemas:

1) Animismo nas sociedades primitivas 

Tudo no mundo tem uma alma. ==> Mesmos os seres humanos são apenas recipientes para a alma. ==> As almas são imortais. ==> As almas mais importantes são os deuses. ==> Cerimônias, músicas e oferendas dão aos deuses status no outro mundo. ==> Se tratarmos bem os deuses, eles nos darão comida.

2) O Poder do xamã

Em mundos invisíveis, seres sobrenaturais controlam o suprimento de animais de caça e o clima. ==> Esses outros mundos são cheios de espíritos também, uma vez que a alma dos seres humanos e dos animais é imortal. ==> Alguns indivíduos especiais são capazes de visitar os mundos onde esses espíritos vivem. ==> Esses indivíduos solicitam a ajuda dos espíritos, pedindo animais de caça, bom tempo ou cura para quem está doente.

O xamanismo é a crença em espíritos que podem ser influenciados por xamãs. Acredita-se que esses xamãs, homens ou mulheres, são "indivíduos especiais", com grande poder e conhecimento. Após entrarem em estado alterado de consciência, eles são capazes de visitar outros mundos e interagir com os espíritos que vivem lá.

Fonte de Consulta

O Livro das Religiões. Tradução de Bruno Alexander. São Paulo: Globo Livros, 2014.


 

26 novembro 2015

Budismo

— Você é um ser celestial ou um deus?

— Não; não sou um ser celestial nem um deus.

— Bem, então, será que você é algum tipo de mágico ou mago?

— Não sou nem mágico nem mago.

— Você é um homem?

— Também não sou um homem.

— Bem, meu amigo, então, afinal, quem você é?

— Eu sou um Desperto.

Sidarta Gautama, o Buda, indagado na estrada após sua iluminação

budismo, fundado por Siddhartha Gautama, o Buda (aquele que despertou), é considerado por muitas pessoas mais como filosofia do que como religião. O motivo: Buda buscava a iluminação e não a revelação. Na época, a Índia era dominada pelas religiões bramânicas e, por essa razão, acreditava-se que a alma estava presa ao ciclo eterno da morte e do renascimento. Para quebrar este ciclo, em vez de se valer de rituais e escrituras, Buda opta pela meditação e reflexão.

Para escapar do ciclo das reencarnações, em que o pano de fundo é o sofrimento, principalmente devido ao apego à matéria, Buda estabeleceu as ""Quatro Nobres Verdades": dukkha (a verdade do sofrimento), samudaya (a verdade da origem do sofrimento), nirodha (a verdade do fim do sofrimento) e magga (a verdade do caminho para o fim do sofrimento). Esta última verdade diz respeito ao "caminho do meio".

Depois de elaborado por Buda, o budismo espalha-se rapidamente na Índia, chegando até a China. Em consequência, surgem diversas tradições, onde as duas principais são: theravada e manayana. Mais tarde, ocorreram ramificações opostas, como o zen-budismo que preconiza a prática de silenciar a mente para alcançar a iluminação espontânea, e as diversas formas do budismo tibetano, caracterizado por templos coloridos, muitas imagens e rituais.

"O caminho do meio" é o fundamento do budismo. É uma espécie de meio-termo entre dois extremos: vida de luxo e vida de austeridade. Propõe "uma dose moderada de disciplina em busca de uma vida ética, sem cair na tentação dos prazeres físicos ou na auto mortificação". Este caminho refere-se, também, a dois outros extremos: o eternalismo (crença de que a alma tem um propósito e vive para sempre) e o niilismo (extremo ceticismo em que se nega o valor e o sentido de tudo).

Esquema para se chegar ao caminho do meio. Por mais conforto material que tenhamos na vida, não estamos imunes à dor e ao sofrimento. ==> A total negação do conforto material e uma vida de ascetismo também não nos protegem do sofrimento. ==> Cada pessoa precisa encontrar equilíbrio e disciplina, de acordo com as circunstâncias individuais. ==> Precisamos encontrar o caminho do meio

Fonte de Consulta 

O LIVRO DAS RELIGIÕES. Tradução Bruno Alexander. São Paulo: Globo Livros, 2014. 




23 novembro 2015

O Zen-Budismo e o Koan

"Se você entender a primeira palavra do zen, saberá a última. A última e a primeira: não são uma única palavra." (Mumon)

O Zen constitui-se de duas técnicas principais: a primeira deriva da escola Soto e faz uso da meditação zazen; a segunda, da escola Rinzai e emprega koans, ou diálogos paradoxos compostos de perguntas e respostas. Os koans podem levar a uma iluminação repentina e intuitiva, que ocorre quando a lacuna entre o racional e o irracional é transcendido e o "Buda interior" descoberto.

Vejamos uma sequência de pensamentos. O uso de palavras  seja em rezas ou em conversas  cria confusão mental. ==>  Quando pensamos e lemos em silêncio, mais "palavras" são criadas em nossa cabeça. ==> No momento em que queremos encontrar respostas, nosso desejo turva a mente. ==> Se quisermos descobrir nossa natureza Buda, precisamos esvaziar nossa mente de todas essas coisas. ==> Com a mente vazia, teremos insights e entendimentos além das palavras. 

Em se tratando do zen rinzai, uma característica fundamental, introduzida por Hakuin, é a utilização de koans - perguntas irrespondíveis que desestruturam o pensamento convencional. Um dos koans mais conhecido é: "Qual o som de uma única mão batendo palma?" Os mestres do zen-budismo instruem-nos a não saber a resposta de um koan. E, se soubermos, devemos pensar de novo e abrir mão de todas as ideias preconcebidas.

Na meditação zen, o que vemos não pode ser descrito. O objetivo do zen é esvaziar o conteúdo da mente, que não faz parte dela. O zen não é um estudo, mas um exercício. Num mundo onde as pessoas desejam adquirir coisas, ter conhecimento e insight como bens pessoais, o zen é a frustração máxima. Zen é desapego. Conta-se que quando pediram a Bodhidharma para sintetizar a ideia do budismo, ele respondeu: "Um amplo vazio. Um nada sagrado". 

Exemplo de um koan reunindo vento, bandeira e mente.

Dois monges discutiam a respeito da bandeira do templo, que tremulava ao vento. Um deles disse

— A bandeira que se move.

O outro disse:

— É o vento que se move.

Trocaram ideias e não conseguiam chegar a um acordo. Então Hui-neng, o sexto patriarca, disse:

— Não é a bandeira que se move. Não é o vento que se move. É a mente dos senhores que se move.

Os dois monges ficaram perplexos.

Fonte de Consulta 

Livro das Religiões da Editora Globo 

PELLEGRINI, Luis. Dicionário do Inexplicado. São Paulo: Edições Planeta.

 




13 novembro 2015

"Em Favor da Dúvida": Algumas Notas

Notas extraídas do livro Em Favor da Dúvida: Como Ter Convicções Sem se Tornar Fanático

Começa indagando como é possível ter fé na ausência de certeza. Depois, acrescenta: como a incerteza religiosa coexiste com a certeza moral? 

1. Os muitos deuses da modernidade

Nietzsche havia proclamado a morte de Deus. Hoje, temos uma infinidade de deuses competindo pela atenção e lealdade das pessoas. O iluminismo advogava a vitória da razão e, com isso, o declínio da religião. Não foi o que ocorreu. Além de não haver o declínio, corremos o risco do fanatismo religioso, principalmente com a ascendência do islamismo. 

Distinção entre pluralidade e pluralismo: a "pluralidade" se refere a uma realidade social (uma realidade que pode ser aceita ou criticada), o "pluralismo" é a atitude, possivelmente expandida na forma de uma filosofia completa, que aceita a realidade. 

Na era neolítica, as possibilidades de escolha eram muito limitadas. Hoje, com a descobertas tecnológicas podemos escolhas ilimitadas, inclusive a de, mesmo sendo homem, dizer-se que é do sexo feminino. 

A modernização produz a pluralidade. A pluralidade afeta a escolha. Na religião, por exemplo, muitos usam o termo "preferência religiosa", à semelhança da preferência do consumidor numa relação de troca. Não é preciso ser católico, escolhe-se ser católico. 

2. A dinâmica da relativização

O que é relativização? É mais fácil entender o relativismo olhando o seu oposto. O oposto de relativo é absoluto. 

A relativização é o processo no qual o status absoluto de alguma coisa é enfraquecido ou, em caso extremo, destruído. 

O uso do "é claro" (sem questionamento). Um americano hoje apresenta uma mulher como sua esposa. Alguém pergunta: "Essa é a sua única esposa?" "É claro", ele responde, possivelmente num tom irritado. 

As defesas cognitivas. As informações que contradizem o nosso modo de pensar são logo rechaçadas. Exemplo: indivíduos que sustentam posição política X fogem dos que sustentam posição política Y. 

3. Relativismo

A Reforma Protestante do século XVI constituiu o mais importante questionamento do antigo monopólio da Igreja católica. E Roma se mostrava longe de estar preparada para aceitar esse fato; pelo contrário, eles fizeram o possível para impedir a modernização. 

A filosofia ocidental moderna teve início com René Descartes elevando a dúvida a um princípio metodológico básico no século XVII. Para Descartes, a única coisa que não pode ter dúvida é o "eu" que duvida. Daí, "a grande virada na direção do subjetivo". 

Três pensadores ratificaram o relativismo: Marx, Nietzsche e Freud. Marx afirmou que noções de verdade são relativas em termos da posição de classe ocupada pelo indivíduo (luta de classes). Nietzsche via a relatividade em termos da vontade de poder. Para ele, as ideias são armas na luta pelo poder. Freud via as ideias como racionalização de desejos subconscientes. Todos deram força à "arte da desconfiança". 

O maior problema do relativismo é sua falsa epistemologia. Dito de forma simples, todas as versões do relativismo expressam as dificuldades da busca da verdade. Existem fatos neste mundo e, ao buscar determinar os fatos, a objetividade é possível. 

Todas as formas de relativismo contradizem a experiência da vida comum, fundamentada no bom-senso. 

O relativismo, com sua moralidade individual, e não coletiva, é um convite ao niilismo. 

4. Fundamentalismo

O termo "fundamentalismo" tem sido utilizado de modo bastante flexível no discurso recente - nos círculos acadêmicos, na mídia e também em conversas cotidianas. 

O termo se originou no início do século XX, quando dois abastados senhores de Los Angeles criaram um fundo de 250 mil dólares para financiar a produção e a distribuição de uma série de livretos que visavam defender o protestantismo conservador do avanço da teologia liberal e modernizadora. Movimento reativo

Para os cientistas sociais, os termos se tornam nebulosos quando são amplamente utilizados, tanto no vernáculo quanto no discurso acadêmico. A alternativa é aceitar os termos como de uso comum, mas buscar acentuar sua precisão para compreender melhor a realidade social à qual eles se referem. 

O termo "fundamentalismo", nos dias de hoje, se refere a uma realidade empiricamente verificável. Três aspectos dessa realidade devem ser enfatizados: 1) o fundamentalismo é um fenômeno reativo; 2) o fundamentalismo é um fenômeno moderno; 3) o fundamentalismo é muito diferente do tradicionalismo

Diferença entre fundamentalismo e tradicionalismo. O tradicionalismo significa que a tradição é aceita sem questionamento; o fundamentalismo surge quando o não questionamento é contestado ou totalmente perdido. 

Característica final: o fundamentalismo é uma tentativa de recuperar o não questionamento de uma tradição normalmente visto como um retorno ao passado imaculado (real ou imaginário) da tradição

Comparando o fundamentalismo com o relativismo. O relativista adota a dinâmica relativizante da modernidade; o fundamentalista a rejeita

O projeto fundamentalista assume duas versões. Na primeira versão, os fundamentalistas tentam dominar toda uma sociedade e impor sua crença sobre ela; na segunda, abandona a imposição para a sociedade inteira, mas tenta instituir o não questionamento da crença fundamentalista em uma comunidade muito menor. 

Os fundamentalistas enfatizam a "conversão" (não importa se essa conversão for súbita ou gradual, voluntária ou coagida). 

O requisito mais básico é comum a todas as seitas e ecoa os requisitos de um Estado totalitarista: não deve haver uma comunicação significativa com outsiders. (Exemplo: técnica comunista de lavagem cerebral)

O segundo requisito para a conversão em uma seita se fundamenta no primeiro e também espelha o totalitarismo: não deve haver dúvida

Se o perigo imposto pelo relativismo a uma sociedade estável for o excesso de dúvida, o perigo do fundamentalismo é uma insuficiência de dúvida. 

5. Certeza e Dúvida

O romancista austríaco do século XX Robert Musil observou, com a ironia característica de seus textos, que "a voz da verdade tem um tom suspeito". A verdade é menos certa ou absoluta do que desejaria o "verdadeiro crente". 

A verdade e a loucura algumas vezes são irmãs gêmeas antagônicas porém estranhamente unidas. O psicólogo social Milton Rokeach, no início dos anos 1960, estudou três pacientes mentais em três instituições diferentes, e os três acreditavam ser Jesus Cristo. Rokeach achava que eles poderiam ser curados desse delírio reunindo os três em uma única instituição, com a finalidade de eliminar a dissonância cognitiva, pois o Cristo deve ser único. Um deles aproximou-se da solução: aquilo era um grande absurdo, porque só uma pessoa pode ser Jesus Cristo. Sem dúvida, o Messias cristão não era nenhum dos dois malucos, mas ele próprio. 

Apesar de os grupos fundamentalistas religiosos serem diversos, eles possuem três características principais em comum: têm muita dificuldade de ouvir opiniões e ideias discordantes. Em segundo lugar, alegam estar de posse de uma verdade irrefutável (seja religiosa ou secular). Em terceiro lugar, alegam que sua verdade é a única verdade; em outras palavras, declaram deter o monopólio sobre a verdade. 

O iluminismo também produziu o próprio fanatismo assassino. 

O que, então, é a dúvida? A dúvida é um fenômeno um tanto quanto complexo - multifacetado e pluriforme. Para começar, existe a dúvida tanto superficial quanto profunda. 

Erasmo, no seu Elogio da Loucura, tentou dizer que a Sabedoria vê a Loucura como quem se olha no espelho. Mas o contrário também é verdadeiro, já que, quando a Loucura se coloca diante do espelho, vê a Sabedoria refletida. 

A dúvida é uma proposição do tudo ou nada? Parece ser mais um meio-termo entre a crença e a descrença religiosa e o conhecimento e a ignorância por outro. A dúvida não pode ser relativista, já que o relativismo, como todos os "ismos", suprime a dúvida. 

Quando Descartes exclamou que - "Tudo deve ser sujeito à dúvida" -, pretendia usar essa afirmação como um instrumento metodológico e epistemológico para chegar racionalmente à verdade. Descartes pretendia nos livrar do que Montaigne chamou de "a tirania das nossas crenças" e promover o que Montaigne descreveu como "a liberdade do nosso julgamento". 

É evidente que o método socrático-cartesiano-baconiano abre as portas para um tipo fundamental de dúvida cognitiva. "A dúvida", Kierkegaard argumentou, "é recusar a aprovação. O curioso é que recuso minha aprovação a cada vez que algo acontece". 

Distinção entre a dúvida sincera e o mero ceticismo: a dúvida é alheia a todos os "ismos" e a seus verdadeiros crentes, bem como aos relativistas e aos céticos; a dúvida sincera e coerente constitui a fonte de tolerância.

Pré-requisitos para o posicionamento moderado entre o relativismo e o fundamentalismo 

1. Uma diferenciação entre a essência do posicionamento e seus componentes mais marginais (os últimos foram chamados de adiáfora pelos teólogos)

2. Um abertura à aplicação da erudição histórica moderna à própria tradição - isto é, o reconhecimento do contexto histórico da tradição. 

3. Uma rejeição do relativismo para compensar a rejeição do fundamentalismo

4. A aceitação da dúvida como desempenhando um papel positivo na comunidade de uma crença em particular

5. Uma definição dos "outros", aqueles que não compartilham a visão de mundo do indivíduo, que não os categorize como inimigos (a menos, é claro, que eles representem valores moralmente abomináveis).

6. O desenvolvimento e a manutenção de instituições da sociedade civil que possibilitem um debate e a resolução de conflitos de maneira pacífica.  

7. A aceitação da escolha, não apenas como um fato empírico, mas também como um fato moralmente desejável

6. Os limites da dúvida

Há razões suficientes para se duvidar da dúvida. Qual a intensidade? Uma das funções primárias da dúvida é prorrogar a crítica. A dúvida se opõe particularmente à crítica, ao julgamento e ao preconceito apressados. Isso ocasiona grande risco. 

Sociologicamente falando, a dúvida tende a desgastar a certeza das instituições tradicionais. A certeza institucional é, se eficaz, um "background" - pré-reflexivo, aceito sem questionamento e tradicionalmente fundamentado - de uma sociedade. 

A dúvida, especialmente a dúvida sobre a dúvida, se transforma facilmente em desespero. 

Com que bases alguém pode fazer julgamentos morais com elevado grau de certeza? E como essa certeza pode ser fundamentada em instituições sociais? O grande Rabino Hillel, sábio judeu da Antiguidade, propôs que é possível anunciar todo o sentido da Torá por uma pessoa que se equilibra em um pé só. Segundo ele, esse sentido é que não se deve fazer a outrem o que é desprezível a si mesmo (na verdade, a primeira formulação da Regra de Ouro). A isso, Hillel acrescentou: "O resto é só comentário."

Essa funcionalidade pode ser legitimada de quatro maneiras:

1. Mandamento divino

2. Lei Natural

3. Funcionalidade sociológica

4. Funcionalidade biológica. 

A antropologia filosófica, por exemplo, levanta questões de como os seres humanos podem ser seres morais

Os antropólogos filosóficos tentam determinar quais são os componentes da condição humana. 

Um componente fundamental é o "imperativo institucional" - isto é, a necessidade que os seres humanos têm de instituições (padrões tradicionais de ação, pensamento e sentimento). Exemplo: para no sinal vermelho e seguir no sinal verde. 

Um outro componente importante é o fato de que os seres humanos são seres humanos falantes e comunicativos. Aqui entra o conceito central da reciprocidade, ou seja, interações entre os indivíduos, que possibilitam uma empatia entre as pessoas. 

A distinção traçada por Max Weber entre uma "ética de atitude" e uma "ética de responsabilidade" é relevante para essa discussão. O primeiro tipo de moralidade tem como critério básico a atitude baseada em princípios

Uma "ética de responsabilidade" se opõe à ética baseada em princípios: em vez de perguntar "Que atitude o indivíduo deveria tomar?", ela pergunta "Quais são as consequências prováveis das ações do indivíduo?"

Como um clima de dúvida saudável pode ser mantido na sociedade? Naturalmente, a defesa da dúvida não é a meta de todos. Os verdadeiros crentes (de qualquer crença e nacionalidade) tendem a atacar a dúvida.

Um lugar de honra é concedido à dúvida no direito consuetudinário anglo-saxão: uma pessoa é inocente até que se prove o contrário — "além da dúvida razoável". 

A dúvida, vulnerável pela própria natureza, precisa da proteção de um Estado institucional, mas também reside no coração do sistema democrático. 

O maior elogio à dúvida é quando ela própria é sujeita à dúvida enquanto as condições que a protegem são atacadas. 

7. A política da moderação

Aqueles que duvidam tendem a hesitar, a deliberar. Já os verdadeiros crentes não precisam fazer nada além de agir. Talvez acrescentem um direcionamento tático. Aqueles que duvidam normalmente têm muitas outras ocupações - família, emprego, hobbies, vícios. Foi isso que Oscar Wilde tinha em mente quando disse que o problema do socialismo é que ele o priva de todas as suas noites livres. 

A política de moderação precisa superar a vantagem do fanatismo. Nesse caso, o humor geralmente desmascara certezas e, ao mesmo tempo, protege os opositores dos fanáticos. 

Dentre a profusão de piadas da era soviética, destaquemos:

Como se diz quando há comida nas cidades mas nenhuma comida no campo?

O desvio esquerdista trotskista

Como se diz quando há comida no campo mas nenhuma comida nas cidades?

O desvio direitista bukarinista

Como se diz quando não há comida nas cidades nem no campo?

A linha correta do partido

E como se diz quando há comida nas cidades e no campo?

Os horrores do capitalismo

A dúvida não precisa levar à paralisia. A moderação não precisa transformar-se em mais uma versão do fundamentalismo. A política da moderação depende de equilíbrio entre uma certeza essencial e muitas possibilidades de ação - e nenhuma delas tem a qualidade da certeza. 

A liberdade à qual todos os seres humanos têm direito não é a "liberdade negativa" (não se libertar do controle de um Estado opressivo), mas sim a "liberdade positiva" de agir de maneira criativa em todas as esferas da vida.  

Como funciona a ética da moderação? Há necessidade de haver um posicionamento moderado entre o relativismo e o fundamentalismo, não apenas na religião e na moralidade, mas também na política. 

Os fundamentalistas sempre tendem para a "ética dos fins absolutos". Os moderados políticos tendem a uma ética da responsabilidade. 

A política da moderação evita tanto o relativismo quanto o fundamentalismo. No entanto, pode ser inspirada por uma verdadeira paixão em defesa dos valores essenciais originados da percepção da condição humana. 

BERGER, Peter e ZIJDERVELD, Anton. Em Favor da Dúvida: Como Ter Convicções sem se Tornar um Fanático.  Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.  

 




06 outubro 2015

Martinho Lutero e as 95 Teses (Reforma Protestante)

Martinho Lutero (1483-1546) é considerado o pai da Reforma Protestante. Tudo começou em 31/10/1517, quando da afixação das 95 teses contra as indulgências (pagamento para obter o perdão dos pecados). Estende-se até 1520, quando queima a bula papal Exsurge Domine, que o condenava à excomunhão, caso não se retratasse.

A Reforma Protestante teve os seus precursoresAgostinho de Hipona (354-430) — escritor prolífico — distingue a cidade de Deus e a cidade do homem; Francesco Petrarca (1304-1374) — devoto cristão — não via conflitos entre a realização do potencial humano e a fé religiosa; Jan Hus (1369-1415) — pensador e reformador religioso — queimado vivo pela propagação das teses antidogmáticas; Girolamo Savonarola (1452-1498) — monge italiano — queimado em praça pública porque atacou a corrupção da Igreja; Erasmo de Roterdã (1466-1536) — escritor holandês — cujas ideias humanistas e progressistas foram fundamentais para os reformadores. 

Martinho Lutero nasceu numa família camponesa. Por pressão familiar, inclinou-se aos estudos jurídicos; depois, aos 22 anos, ingressou na vida monástica, passando por diversas crises a respeito da salvação e qual seria o melhor caminho para amar a Deus. Em 1515, começou a ministrar cursos sobre as epístolas de Paulo, especificamente Romanos, que lhe ensejou profundas reflexões de que a salvação humana não era decorrente das obras, mas sim fruto da suprema piedade de Deus. 

Do ato corriqueiro ao processo de excomunhão. Martinho Lutero era professor. Em 31 de outubro de 1517, ele afixa as "95 Teses" na porta da Igreja do castelo de Wittenberg. Este ato, a princípio, era corriqueiro, ou seja, anunciar uma "disputa" ou "justa teológica" entre os doutos de Wittenberg. Servia para que todos os professores e alunos tomassem consciência do que seria debatido e, se por acaso, não pudessem estar presentes, poderiam enviar material por escrito para ser lido. A Igreja, com o seus espiões, interpretou como rebelião ao status quo do catolicismo. 

Eis as etapas do processo até a ruptura:

  • Em junho de 1518 foi aberto o processo contra Lutero, com base na publicação das suas 95 teses, alegando que ele incorria em heresia. 
  • Em agosto de 1518, o processo foi alterado para heresia notória.
  • Entre 12 e 14 de outubro de 1518, o cardeal Caetano pediu-lhe que revogasse a sua doutrina. Lutero recusou-se a fazê-lo.
  • Em junho de 1520 reapareceu a ameaça no escrito Exsurge Domini.
  • Em janeiro de 1521, a bula Decet Romanum Pontificem excomungou Lutero. Seguiu-se, então, a ameaça oficial do Imperador (Reichsacht).
  • Nos dias 17 e 18 de abril de 1521, Lutero foi ouvido na Dieta de Worms (conferência governativa) e, após ter negado a revogação da sua doutrina, foi publicado o Édito de Worms, banindo Lutero. 

Fonte de Consulta

MENESES, Maurício Melo. Cristianismo Reformado - Uma História Contada por Meio da Filatelia. São Paulo: Mackenzie, 2012.

 


11 setembro 2015

Utopia

"Pense bem! A boa realização seguir-se-á ao pensamento." (Alfred Tennyson)

utopia é todo o projeto de uma sociedade perfeita. Pejorativamente, considera-se esse ideal fantasioso e irrealizável. No sentido positivo, esse ideal contém o germe do progresso e da transformação da sociedade. 

Um "enunciado congelado" é a persistência de um conceito que, na sua origem, estava equivocado. Para entendê-lo, temos que descongelá-lo. Vejamos: o termo “utopia” foi cunhado por Thomas Morus (1478-1535) em seu livro Utopia, publicado em 1516. Partiu do latim nusquama (lugar nenhum) para criar o vocábulo grego ainda inexistente; tomou o prefixo de negação ou + topos, lugar, formando utopia. O correto seria usarmos "lugar outro" em vez de "nenhum lugar". (1)

Como a palavra surgiu a partir de 1500, o termo correspondente em Platão seria kallipolis, ou seja, a cidade bela. Platão, em realidade, projetou o “mundo das ideias” na região do hiperouranos, a região supraceleste. Em seu livro República retrata um Estado ideal, levando o povo à felicidade. O mesmo se pode dizer a Utopia de Thomas Morus. 

A utopia tem relação com muitas coisas. Em economia, pode-se comparar pobreza e riqueza e, juntando-se uma com a outra, arquitetar um mundo ideal, onde os indivíduos vivem felizes e satisfeitos. Em mitologia, pode-se comparar mito e utopia. A utopia é uma condição da mente que especula inteligentemente sobre o futuro. O mito, por outro lado, exprime o instinto profundo de uma classe inferiorizada. Nesse sentido, o "mito da greve geral" é defendido pelos socialistas revolucionários e sindicalistas com o intuito de instaurar a revolução social. 

A utopia pode assumir um caráter messianológico. A República de Platão, a Política de Aristóteles, a Utopia de Thomas More, a Cidade do Sol de Campanella, os múltiplos tratados sobre a cidade cristã, desde de Cevitate Dei, de Santo Agostinho, à da Instituição Real, de Jerônimo Osório estão imbuídos do afã de atingir uma sociedade perfeita, onde o mal seria banido de nosso planeta.

Projetando a utopia de um mundo novo. A geração nova estará fundamentada nos preceitos evangélicos, inseridos em nossa consciência como uma lei universal. A Lei de Justiça, Amor e Caridade estará sendo praticada na sua maior expressão, porque quando as pessoas se amarem em Cristo Jesus, não haverá mais guerras nem admoestações ao próximo. Não haverá trabalho por fazer, porque cada ser humano irá atender aos anseios da sua consciência bem formada. Não haverá a desigualdade social, mas apenas a desigualdade de mérito. Essa geração nova terá uma outra feição, pois os Espíritos estarão encarnados em corpos mais leves que os atuais. (2)

As utopias podem se tornar realidade. Imaginemos um mundo perfeito, onde todas as pessoas se amam verdadeiramente. Se todos assim pensarem formaremos uma ideia-força que influenciará positivamente todos os habitantes deste mundo. 

Fonte de Consulta

(1) LIMA, Carlos. Genealogia Dialética da Utopia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

(2) KARDEC, A. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1975.

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Muitos perceberam ao longo do tempo o teor religioso do socialismo. A ideologia utópica era, no fundo, uma tentativa de substituir as religiões, só que oferecendo de forma mais oportunista o paraíso terrestre, em vez de aquele além-mundo

Isso ajudou a criar uma seita fanática de seguidores totalmente blindados contra os fatos e a realidade. Se a religião era o “ópio do povo”, como acreditavam os marxistas, então o socialismo seria o “ópio dos intelectuais”, como resumiu Raymond Aron.



31 agosto 2015

Imposturas Intelectuais: Notas Extraídas do Livro

Em Imposturas intelectuais, os acadêmicos Alan Sokal e Jean Bricmont se uniram e analisaram uma série de textos que mostram as mistificações físico-matemática criadas por Jacques Lacan, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Bruno Latour, Gilles Deleuze, Jean Baudrillard e Paul Virilio.

Prefácio 

O livro originou-se da falsa e agora famosa publicação na revista americana de estudos culturais Social Text, por um de nós, de um artigo satírico cheio de citações sem sentido, porém infelizmente autênticas, sobre física e matemática, proferidas por proeminentes intelectuais franceses e americanos. 

Os autores querem mostrar que Lacan e outros pensadores abusaram e utilizaram conceitos científicos fora do contexto, sem dar a menor justificativa.

Um segundo alvo do livro é o relativismo epistêmico. Aqui, diz-se que a ciência moderna é apenas um "mito", uma "narração" ou uma "construção social, entre muitas outras. 

Este livro é a fusão de dois trabalhos: 1) coleção de abusos extremos descobertos, mais ou menos por acaso, por Sokal (Imposturas); 2) crítica aos conceitos equivocados sobre a "ciência pós-moderna". 

Introdução

O livro começou com a atitude da filosofia dita pós-moderna: "uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por discursos teóricos desconectados de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que encara a ciência como nada mais que uma "narração", um "mito" ou uma construção social entre muitas outras". 

O artigo, intitulado "Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica", está repleto de absurdos e ilogismos flagrantes. Os trechos são absurdos ou desprovidos de sentido, mas são, apesar disso, autênticos. 

Os abusos apontados:

1) Falar longamente de teorias científicas sobre as quais se tem, na melhor das hipóteses, uma ideia extremamente confusa. 

2) Importar conceitos próprios das ciências naturais para o interior das ciências sociais ou humanas, sem dar a menor justificação conceitual ou empírica. 

3) Ostentar uma erudição superficial ao atirar na cara do leitor, aqui e ali, descaradamente, termos técnicos num contexto em que eles são totalmente irrelevantes. 

4) Manipular frases e sentenças que, na verdade, não têm sentido. 

O plano do livro consiste na análise de textos, autor por autor. 

Jacques Lacan

De acordo com seus discípulos, ele revolucionou a teoria e a prática da psicanálise; segundo seus detratores, é um charlatão e seus escritos são pura verborragia. 

Vamos nos limitar à análise de suas frequentes referências à matemática, para mostrar que Lacan ilustra perfeitamente, em diferentes partes de seu trabalho, as inadequações ou os abusos enumerados em nossa introdução. 

O interesse de Lacan pela matemática centra-se na topologia, ramo da matemática que trata (entre outras coisas) das propriedades dos objetos geométricos — superfícies, sólidos e assim por diante — que permanecem imutáveis quando o objeto é deformado sem ser partido. (Segundo uma anedota clássica, um topólogo é incapaz de perceber a diferença entre uma rosquinha e uma xícara de café, pois ambos são objetos sólidos com um só buraco através do qual se pode enfiar o dedo

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Julia Kristeva

A obra de Julia Kristeva toca num grande número de campos, de crítica literária à psicanálise e à filosofia política. Iremos analisar aqui alguns trechos de seus primeiros trabalhos sobre linguística e semiótica. A meta declarada de Kristeva é edificar uma teoria formal da linguagem poética. Entretanto o objetivo é ambíguo porque, de um lado ela assevera que "a linguagem poética é um sistema formal cuja teorização pode ser alicerçada na teoria [matemática] dos conjuntos e, de outro, diz numa nota de rodapé que isso é "apenas metafórico". Ela invoca noções técnicas relativas aos conjuntos infinitos, em cuja relevância para a linguagem poética é difícil penetrar, especialmente quando nenhum argumento é oferecido. 

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Luce Irigaray

Os textos de Luce Irigaray lidam com ampla diversidade de assuntos, estendendo-se da psicanálise à linguística e daí à filosofia da ciência. 

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Bruno Latour

O sociólogo da ciência Bruno Latour é muito conhecido por seu libro Science in Action, Muito menos conhecida é sua análise semiótica da teoria da relatividade, na qual "o texto de Einstein é lido como uma contribuição à sociologia da delegação". Latour faz uso da teoria da relatividade, conteúdo de uma teoria científica que não compreende bem. 

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Jean Baudrillard 

O sociólogo e filósofo Jean Baudrillard é muito conhecido por suas reflexões sobre os problemas de realidade, aparência e ilusão. Neste capítulo pretendemos chamar a atenção para um aspecto menos conhecido do trabalho de Baudrillard, ou seja, seu costumeiro uso da terminologia científica e pseudocientífica. Em alguns casos, o seu apelo a conceitos científicos é claramente metafórico. 

Seguem-se citações e comentários.

Gilles Deleuze e Félix Guattari

Gilles Deleuze é reputado como um dos mais importantes pensadores franceses contemporâneos. Ele escreveu vinte e tantos livros de filosofia, sozinho ou em colaboração com o psicanalista Félix Guattari. Neste capítulo, analisaremos a parte da obra de Deleuze e Guattari em que eles invocam termos e conceitos da física e da matemática. A principal característica desses textos é a sua falta de clareza. 

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Paul Virilio 

Os escritos de Paul Virilio giram principalmente em torno de temas como tecnologia, comunicação e velocidade. Seus livros estão repletos de referência à física, particularmente à teoria da relatividade. Embora as frases de Virilio sejam levemente mais compreensíveis do que as de Deleuze-Guattari, o que é apresentado como "ciência" não passa de uma mistura de confusões monumentais e fantasias delirantes.

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07 agosto 2015

Dissonância Cognitiva

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Atitude e comportamento permeiam nossas ações. Embora atitude diga respeito à intenção e o comportamento à ação propriamente dita, acabamos usando os dois termos como sinônimos. Pode-se dizer que atitude e comportamento fazem parte dos nossos relacionamentos: conosco mesmos, com o nosso próximo e com Deus.

Muitos dos nossos relacionamentos contêm a dissonância cognitiva. A dissonância é o som ou conjunto de sons sem harmonia. A dissonância cognitiva é a tensão psicológica que surge quando um indivíduo se vê frente a duas cognições conflitantes. Procura dar um equilíbrio ao caos que foi formado. É uma espécie de defesa a tudo aquilo que nos causa um incômodo muito grande, a tudo o que vai de encontro ao nosso modo de ser e de pensar.

Festinger e Carlsmith (1959) pediram para os sujeitos da sua pesquisa fazerem coisas extremamente entediantes e depois dizerem ao próximo que elas eram interessantes. Pagaram 1 ou 20 dólares para que convencessem o outro estudante que a tarefa era divertida. Resultado: quanto menos recebiam mais mentiam para si mesmos. Como se explica? Segundo Festinger, os mentirosos bem-pagos sabiam por que haviam falado de sentimentos que não sentiam: 20 dólares. Os mentirosos mal-pagos haviam experimentado uma dissonância cognitiva, pois haviam enganado outras pessoas sem uma razão para tal.

Um aliado da dissonância cognitiva é o mecanismo de defesa. Mecanismos de defesa são um padrão inconsciente de pensamento ou comportamento que protege o consciente de pensamentos e comportamentos que causam ansiedade ou desconforto. Se alguma proposta de pensamento causa dificuldade, ansiedade, o sujeito procura uma válvula de escape, uma forma de se iludir. Esta fuga vai da negação à sublimação, passando pela racionalização, projeção e deslocamento.

Resultados semelhantes são obtidos pelas pessoas que fazem sacrifícios para alcançar um determinado objetivo. Elas colocam um valor exagerado no objetivo. A dissonância cognitiva fornece-nos a seguinte explicação: a maioria das pessoas considera difícil tolerar muitos anos de trabalho para algo trivial. Em vista deste inconveniente, valorizam o que conquistaram. Isso também explica por que as empresas colocam dificuldades para contratar um empregado. Depois de passar por inúmeros transtornos, o futuro empregado se acha merecedor daquela ocupação.

Não nos iludamos. Nada de medo ou preconceito. Façamos como as crianças que não procuram se defender de nada. 

Fonte de Consulta

GLEITMAN, H., REISBERG, D. e GROSS, J. Psicologia. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. 7. ed., Porto Alegre: Artmed, 2009. 





05 agosto 2015

Crise e Mudança Paradigmática

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Crise é separação, depuração como se faz com o ouro. É o momento do julgamento. Ela decide se uma coisa perdura ou não. No caso extremo da crise, que é escolher entre a vida e a morte, deparamo-nos com a questão hamletiana: ser ou não ser. Paradigma é "modelo a ser imitado", "abordagem padrão", "orientação teórica", "estilo de pensamento".

Crise tem conexão com o conflito, o paradigma e a mudança social entre outros. Observe o conflito. Quando uma crise surge em função do conflito, queremos eliminar o adversário, a pessoa que esteja causando barreiras ao nosso projeto. Conflito difere de competição. Na competição, queremos ultrapassar o adversário; no conflito, eliminá-lo. Uma imagem plástica: uma corrida ilustra a competição; a luta de boxe, o conflito.

Thomas Kuhn, em The Structure of Scientific Revolutions (1962), afirma que o paradigma é um conjunto de crenças científicas e metafísicas usado num determinado período de tempo. Uma crise pode quebrá-lo. Para ele, isso só será possível se o novo paradigma não tiver mais nada a ver com o antigo. Sustentou essa tese por longos anos, mas depois de sofrer críticas de diversos filósofos, que se queixaram de sua teoria - demasiada imprecisa - para realizar a tarefa para a qual ele a previu, voltou atrás. A mudança científica não ocorre por "revoluções", mas por detalhes.

Em se tratando da mudança social, a Revolução Industrial levou muitos teóricos à suposição de que a mudança é "boa". Há, porém, um grande número de outros pensadores que acham a mudança "má", pois a estabilidade é um valor que também se deve defender. Nesse caso, a crise pode ter como consequência a continuidade do status quo ou para a sua suplantação.

Presentemente nos deparamos com o determinismo tecnológico, ou seja, a tecnologia é a causa de todas as mudanças ocorridas na sociedade. Aqui, cabe uma indagação: não estamos repetindo - com a tecnologia - o mesmo erro cometido por Marx (a economia influencia tudo, inclusive a filosofia e a religião)? 





A Psicologia Explica

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NOTAS EXTRAÍDAS DO LIVRO "SÓ FREUD EXPLICA", DE JOEL LEVY

Alucinação. Do grego aluô, significa "devanear" ou "falar sem razão". Uma alucinação é uma percepção que não é acompanhada de estímulos externos. 

Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Para Jung, arquétipos são projeções de crenças, conceitos e experiências comuns à psique de todos os seres humanos. A conceituação de arquétipos deixa uma dúvida ao conceito de inconsciente coletivo: será que ele concebia o inconsciente coletivo como uma espécie de mundo interior ou plano astral psíquico ou seria apenas uma referência aos aspectos neurológicos inatos e programados do cérebro humano, que evoluíram desde o despertar de nossa história evolucionária e, portanto, estão codificados nossos genes? 

Atos Falhos. O termo científico para ato falho é parapraxis. Na concepção de Freud, todo lapso (ato falho) é um erro com um sentido oculto. 

Caixa de Skinner. Um dispositivo experimental criado pelo psicólogo norte-americano B. F. Skinner (1904-1990) em 1929. Em sua forma básica, a caixa de Skinner é um cubo de aproximadamente 30 centímetros de lado, à prova de luz e de som para isolar o animal (normalmente um rato) dentro dela e garantir que o experimentador controle os estímulos apresentados ao sujeito do teste. 

Complexo de Inferioridade. Todo nós temos algum complexo de inferioridade. Alfred Adler (1870-1937) procurou separar os sentimentos normais de inferioridade do complexo em si. Quer dizer, os sentimentos de inferioridade só se tornam complexos quando eles forem suprimidos e enviados ao subconsciente. Segundo a psicanálise, o complexo é um sistema de desejos, pensamentos, sentimentos inconscientes que age sobre o consciente de modo nada agradável. 

Dejá Vu. A ilusão de já ter vivido algo que, na verdade, está sendo vivenciado pela primeira vez. Há muitas variações: já ouvido, já feito, já pensado etc. Pode ser interpretado, também, como uma espécie de comprovação paranormal. 

Dissociação e Fuga. No sentido psicológico, a dissociação é uma separação de fatores normalmente associados, como intenções e ações, ações e reações emocionais, pensamentos e discurso e até entre mente e corpo. A dissociação é uma reação comum ao estresse ou ao trauma físico e mental, aparentemente atuando como um mecanismo de defesa para proteger o self/psique de sentimentos insuportáveis.  

Dissonância Cognitiva. É a tensão psicológica que surge quando uma pessoa mantém duas cognições conflitantes ou incompatíveis (crenças, pensamentos ou opiniões). A dissonância age como uma espécie de mecanismo de feedback para ajudar a manter a coerência. 

Efeito Halo (ou "aureola"). É a tendência em permitir que percepções favoráveis de um atributo influenciem a percepção de outros atributos, mesmo não havendo qualquer relação entre eles. O contrário é o efeito horns (do inglês "chifres"). Exemplo: costuma-se pensar que uma pessoa bonita, elegante seja também inteligente. 

Falsas Memórias. Uma falsa memória é uma recordação distorcida ou completamente imaginada. Pode-se, em certo sentido, dizer que todas as memórias são falsas, porque a recordação não é uma cópia fiel do que aconteceu como os arquivos postado numa homepage. A síndrome das falsas memórias provavelmente também explica a regressão a vidas passadas, quando uma pessoa sob hipnose afirma se lembrar de coisas e acontecimentos detalhados de uma vida passada. 

Freud. Sigmund Freud (1856-1939) foi considerado por muitos o maior pensador da psicologia. Foi, porém, condenado como um pseudocientista e falso profeta. Segundo Freud, todas as neuroses e psicoses têm origem na repressão sexual. 

Gorila Invisível. O gorila invisível é uma pessoa fantasiada de gorila que aparece no meio de um vídeo em um experimento voltado a explorar um fenômeno chamado "cegueira por desatenção".

Hans Esperto. Cavalo aparentemente treinado para entender a fala humana, fazer contas e talvez até ler mentes. O efeito do Hans Esperto é importantíssimo em estudo sobre a inteligência animal e a comunicação entre seres humanos. 

Hipnose. Definições modernas descrevem a hipnose como uma relação entre hipnotizador e hipnotizado (que podem ser a mesma pessoa), podendo ou não representar um estado alterado de consciência. A hipnose é usada em diversos contextos: psicoterapia, sistema de justiça criminal, entretenimento e até o movimento da Nova Era. Um mito: a hipnose não melhora a memória e as lembranças.

Ilusões: São percepções errôneas de um estímulo, como uma imagem ou um som, ou os estímulos que produzem os erros de percepção. Apesar das semelhanças, as ilusões diferem do delírio e das alucinações. A televisão e o cinema dependem da ilusão do movimento contínuo. Por que somos suscetíveis às ilusões cognitivas? Provavelmente porque a percepção é heurística por natureza. As ilusões mais estudadas são as ilusões visuais.   

Inteligência Emocional e Quociente Emocional. Enquanto o QI pode ser testado por um experimento (certo ou errado), o QE apresenta dificuldades, pois depende de algo subjetivo. K. V. Petrides e Adrian Furnham, pesquisadores da inteligência emocional, sugerem que os testes do QE indicam "traços de IE", descrevendo o papel da inteligência emocional na personalidade. 

Lavagem Cerebral. A tentativa de mudar radicalmente as crenças ou atitudes de alguém por métodos físicos e psicológicos coercitivos e insidiosos, como privação sensorial, doutrinação, hipnose, privação do sono, tortura e drogas. Para os psicólogos, é impossível fazer lavagem cerebral em alguém. As pessoas podem até ser coagidas a agir de determinada maneira, mas não podem ser forçadas contra a vontade a mudar sua estrutura de crenças. 

Leitura a Frio. Tentativa de mudar radicalmente as crenças ou atitudes de alguém por métodos físicos e psicológicos coercivos e insidiosos, como privação sensorial, doutrinação, hipnose, privação de sono, tortura e drogas. Na leitura a frio recorre-se aos dons mediúnicos. Não há necessidade de pesquisas, de estudo: são afirmações genéricas que não chegam a lugar algum. 

Maslow e a Hierarquia das Necessidades. De acordo com Maslow, as pessoa têm necessidades mais inferiores ou básicas de "deficiência" e necessidades mais elevadas ou metanecessidades de "crescimento". As necessidades básicas incluem fome, sede e abrigo; segurança; desejo de pertencimento e de ser amado; e autoestima. As metanecessidades são incluídas na categoria "autoatualização" (ou realização pessoal). 

Mecanismos de Defesa. Um padrão inconsciente de pensamento ou comportamento que protege o consciente de pensamentos e sentimentos causadores de ansiedade e desconforto. Podem ser descritos como uma forma de repressão e como uma estratégia para combater a dissonância cognitiva. Os mecanismos de defesa vão da negação à sublimação, passando pela racionalização, projeção, repressão e deslocamento

Pensamento de Grupo. É o pensamento de pessoas que se julgam superiores aos demais e, com isso, cometem erros grosseiros, pois não conseguem ouvir uma crítica contrária. 

Síndromes de Ordem Cultural. Distúrbios psiquiátricos específicos a determinadas culturas, muitas vezes sem qualquer direto em outras culturas. Alguns transtornos psiquiátricos, como a anorexia, parecem ser confinados a culturas ocidentais. 

Sonhos. Imagens e pensamentos vivenciados durante o sono, muitas vezes ocorrendo em uma sequência com sentido aparente e normalmente envolvendo emoções. Os sonhos eram um grande mistério para os povos antigos, pois acreditavam se tratar de mensagens dos deuses ou devaneios do espírito. 

Terapia da Inversão.  Baseada na tese de que os animais e os seres humanos evitam estímulos perigosos. Forma de psicoterapia na qual o paciente é condicionado a associar pensamentos e/ou comportamentos específicos a consequências negativas, supostamente resultando em uma "aversão", que o leva a desgostar dos pensamentos /comportamentos visados e evitá-los. Foi usada na "cura" da homossexualidade, considerada uma patologia por volta dos anos 1960.

Teste de Turing. Um teste para verificar se um computador é capaz de conduzir uma conversa bem o suficiente a ponto de um interlocutor humano ser incapaz de distinguir o computador de outro ser humano. 

LEVY, Joel. Só Freud Explica: Todos os Conceitos de Psicologia que você Precisa Conhecer. Tradução de Cristina Yamagami. São Paulo: Planeta, 2014.