A
palavra mito tem um sentido próprio e um sentido vulgar.
Vulgarmente, a sua noção está associada à ideia de alucinação, delírio, fantasia
difícil de se realizar. Propriamente falando, a dimensão mítica do ser humano
está vinculada à construção de sentido, sentido este que procura uma explicação
para as suas necessidades vitais. Uma dessas necessidades refere-se à criação
do mundo e dos seres humanos. O mito do Adão e Eva é um exemplo. Pergunta-se: o
ser humano age sempre pela razão? Não será ele movido muito mais pela emoção? É
possível separar uma coisa da outra?
Na
antiguidade, o nascimento da filosofia – que dava ênfase ao logos – tinha por
objetivo desconstruir a visão mítica – fantasiosa – do mundo. O dualismo se fez
presente. Assim sendo, o mito é atraso, a filosofia traz o progresso; o mito é
treva, a filosofia é luz; o mito é obscuro, a filosofia é clara; o mito é a
ignorância, a filosofia o saber; o mito é imobilismo, a filosofia representa o
progresso histórico; o mito é simbologia, a filosofia constrói argumentos.
A
verdade, porém, é que há uma (co) implicação mito-logos. O ser humano é um
misto de fé e de razão, de imaginário e de racional. Se dermos muita atenção ao
sentimento, prejudicaremos a razão; se dermos muita atenção à razão, poderemos
cair na mesma armadilha em que caiu Descartes, ao afirmar que é pela razão que
conhecemos a Deus. O pensamento correto seria: somente depois de sentirmos Deus
dentro de nós é que teremos condições de analisá-Lo à luz da razão, e não o
contrário. Antes de ser racional, o ser humano é afetivo.
Transformemos
a simbologia do mito em uma explicação racional. Vejamos o mito da criação bíblica,
em que Deus, do pó da terra, fez o primeiro homem, Adão. Depois de moldá-lo,
soprou-lhes a narina e deu-lhe vida. Explicação: o húmus da terra recebeu o
sopro divino e se tornou homo. Em outros termos, a
matéria (húmus) necessita do sopro
(Espírito) para ter vida. A Doutrina Espírita acrescenta o Perispírito,
elemento semimaterial próprio para a união entre Espírito e Matéria.
A
percepção é um atributo do Espírito. À medida que avançamos na espiritualidade
vamos, também, descortinando novos horizontes. O que ontem era prazer hoje é
tempo perdido que precisa ser mais bem aproveitado. Conforme alçamos os voos do
Espírito, vamos também nos sentindo mais isolados, mais distantes. Isso não
pode nos entristecer. O importante é sabermos colocar cada coisa no seu devido
lugar. Uma delas é perscrutar essa relação íntima entre o mito e o logos, entre
a razão e a emoção, entre o aqui e o agora e o futuro que nos espera.
As
palavras não valem por si mesmas; elas dependem de uma interpretação axiológica
e contextual. Saibamos, assim, aproximar a nossa hermenêutica à hermenêutica
própria de cada termo.
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