01 julho 2008

O Mito

mito é uma palavra polissêmica. Admite tantas definições quanto a palavra cultura. Para Fernando pessoa, "o mito é o nada que é tudo". O mito pode, assim, ser visto como uma alegoria, um símbolo ou uma tautegoria. Tanto no sentido alegórico como no sentido simbólico, o relato mítico subentende outra coisa, e não precisamente o que está sendo dito. No sentido tautegorista, o mito é penas mito, só mito, nada mais do que mito. Quer dizer, o mito relata e expressa o que em verdade é; o mito não representa as coisas ou os eventos originados.

Os mitos podem ser divididos em "mitos com Criação" e "mitos sem Criação". Nos "mitos com Criação", admite-se o surgimento do Universo num tempo zero. Nesse caso, o Universo pode ter sido criado por Deus, emergido do Vazio absoluto, ou surgido da tensão entre a Ordem e o Caos. Exemplo: a criação bíblica, descrita em Gênesis, 1, 1 a 5. Nos "mitos sem Criação", não se admite um tempo zero. Nesse caso, o Universo existe e existirá para toda a eternidade ou o Universo será continuamente criado e destruído, em um ciclo que se repete para sempre. Exemplo: o Universo pulsante do hinduísmo, no qual a Criação surge e ressurge ciclicamente através da dança do deus Xiva.

O mito relaciona-se com a história, a sociedade, a ciência, a religião, a psicologia etc. Escolhamos a psicologia freudiana. Freud deu nova orientação à interpretação do mito e às explicações sobre a sua origem e função. O complexo de Édipo é um exemplo clássico: para Freud, o mito do rei que mata o pai e casa com a própria mãe simboliza e manifesta a atração de caráter sexual que o filho, na primeira infância, sente pela mãe e o desejo de suplantar o pai.

O mito adquiriu ao longo do tempo e, mais precisamente na vida hodierna, um sentido figurado, ou seja, evoca a narração fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Equivale a engano, falsidade. Essa interpretação corresponde a uma mentalidade racionalista, para qual somente a razão é capaz de expressar a verdade. Alguns exemplos: o mito do progresso ininterrupto, o mito marxista da vitória dos oprimidos, o mito do socialismo da cidade ideal, o mito do super-homem com a sua vitória sobre o espaço e o tempo, o mito da raça pura etc.

Os mitos estão de tal forma arraigados em nosso subconsciente que, qualquer esforço para expulsá-los, acaba incorrendo em novas formas míticas. Atraímos para nós o que combatemos. Façamos uma analogia com o professor de português, que comete os mesmos erros que combate nos outros. Embora haja enormes dificuldades para suplantar o mito, o trabalho – passar do mito à razão – iniciado pelos gregos, há 2.500 anos, deve ser enfatizado. Estejamos sempre atentos neste empreendimento.

O mito deve ser captado pela sensibilidade e não pela racionalidade. Quando a razão discursiva tenta interpretá-lo, acaba criando a alegoria, que é a tentativa de explicar o inexaurível, o inexplicável. Analisemo-lo sob a forma tautegorista, em que mito deve ser o mito somente o mito e nada mais do que o mito.

Compilaçãohttps://sites.google.com/view/temas-diversos-compilacao/mito-e-mitologia

 

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Walter E. Otto, em "Teofania: O Espírito da Religião dos Gregos Antigos", editado pela Odysseus, em 2006, ao tratar dos preconceitos que temos com relação ao mito, chama-nos a atenção sobre os pressupostos da psicologia profunda.

Ele diz: "Afirma a psicologia profunda que ao analisar os sonhos e os estados oníricos similares de pessoas psiquicamente perturbadas ou enfermas tem-se deparado com autênticas imagens míticas, capazes, portanto, de aportar indicações a respeito da essência do mito". Acredita-se que essas imagens primordiais tenham ficado registradas no inconsciente, e podem ser ressuscitadas tão logo a alma necessite delas.

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Os mitos são como criações do inconsciente coletivo. Equivalem-se à filosofia, à poesia profunda, à significação sagrada da vida. Graças aos mitos, os homens conseguiram, sem a ajuda das ciências naturais ou antropológicas, situarem-se no cosmos e descobrir o sentido de sua existência. Nesse sentido, Bultmann insistiu no fato de que, por detrás da narração mitológica de caráter cosmológico, é preciso buscar seu autêntico significado existencial. 

A palavra "mito" possui diversas acepções. Entre nós, é frequentemente utilizada com o sentido pejorativo: uma narração fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Muitos dos conhecimentos mais profundos misteriosos são do tipo inconsciente e simbólico. O espaço tempo são superados pelos poderes mágicos dos protagonistas. Os mitos respondem às dimensões básicas do homem: origem da vida, relação com o mundo, forças naturais, sexualidade, guerra, morte e destino. 

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Mito da Criação (c. 5000 a.C.) [Origem desconhecida]

História que explica como a humanidade, a vida e o universo vieram a existir. 

"Mitos de criação são os mitos mais profundos e importantes de todos." (Marie-Louise Von Franz, Mitos de Criação, 1972)

A existência de mitos de criação, oferecendo uma explicação tradicional para a maneira como o universo se originou, ultrapassa fronteiras culturais e surge em inúmeras formas, detalhando a criação de tudo o que existe, de humanos a animais, passando inclusive por fenômenos naturais. Oferecem grande escala de explicações: história de criação por um ente poderosos (como nas religiões abraâmicas), o  mundo sendo criado de uma mãe e um pai primordiais (como no mito babilônico Enuma Elish), a origem a partir de um ovo cósmico ancestral (encontrado na tradição hindu), criação por mergulhadores, que pescaram o mundo de um corpo aquático (comum no folclore norte-americano) e muitas outras. 

Conforme os humanos evoluíram para o moderno Homo Sapiens e sua capacidade de pensar e raciocinar se expandia, seus pensamentos se voltaram para questões a respeito de sua origem e como o mundo passou a existir. É impossível precisar quando surgiu a primeira história desse tipo, dado que todas remontam à época pré-histórica e existem apenas na forma oral. Todavia, os primeiros mitos de que se têm notícia são originários da Mesopotâmia antiga, datando de 5000 a.C.

Antes que a investigação científica permitisse à humanidade lançar luz no mundo natural, mitos de criação proporcionaram tanto respostas quanto fundamentos culturais. Sociedades e religiões se identificam a partir desses mitos e tais elos culturais e identidades religiosas permanecem ainda hoje como forças tanto unificadoras quanto destrutivas. 

ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.

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