O mito é uma palavra
polissêmica. Admite tantas definições quanto a palavra cultura. Para Fernando
pessoa, "o mito é o nada que é tudo". O mito pode, assim, ser visto
como uma alegoria, um símbolo ou uma tautegoria.
Tanto no sentido alegórico como no sentido simbólico, o relato mítico
subentende outra coisa, e não precisamente o que está sendo dito. No sentido
tautegorista, o mito é penas mito, só mito, nada mais do que mito. Quer dizer,
o mito relata e expressa o que em verdade é; o mito não representa as coisas ou
os eventos originados.
Os mitos podem ser divididos em
"mitos com Criação" e "mitos sem Criação".
Nos "mitos com Criação", admite-se o surgimento do
Universo num tempo zero. Nesse caso, o Universo pode ter sido criado por Deus,
emergido do Vazio absoluto, ou surgido da tensão entre a Ordem e o Caos.
Exemplo: a criação bíblica, descrita em Gênesis, 1, 1 a 5. Nos
"mitos sem Criação", não se admite um tempo zero.
Nesse caso, o Universo existe e existirá para toda a eternidade ou o Universo
será continuamente criado e destruído, em um ciclo que se repete para sempre.
Exemplo: o Universo pulsante do hinduísmo, no qual a Criação surge e ressurge
ciclicamente através da dança do deus Xiva.
O mito relaciona-se com a história, a
sociedade, a ciência, a religião, a psicologia etc. Escolhamos a psicologia
freudiana. Freud deu nova orientação à interpretação do mito e às explicações sobre
a sua origem e função. O complexo de Édipo é um exemplo clássico: para Freud, o
mito do rei que mata o pai e casa com a própria mãe simboliza e manifesta a
atração de caráter sexual que o filho, na primeira infância, sente pela mãe e o
desejo de suplantar o pai.
O mito adquiriu ao longo do tempo e,
mais precisamente na vida hodierna, um sentido figurado, ou seja, evoca a
narração fabulosa e fictícia, contrária à verdade. Equivale a engano,
falsidade. Essa interpretação corresponde a uma mentalidade racionalista, para
qual somente a razão é capaz de expressar a verdade. Alguns exemplos: o mito do
progresso ininterrupto, o mito marxista da vitória dos oprimidos, o mito do
socialismo da cidade ideal, o mito do super-homem com a sua vitória sobre o
espaço e o tempo, o mito da raça pura etc.
Os mitos estão de tal forma arraigados
em nosso subconsciente que, qualquer esforço para expulsá-los, acaba incorrendo
em novas formas míticas. Atraímos para nós o que combatemos. Façamos uma
analogia com o professor de português, que comete os mesmos erros que combate
nos outros. Embora haja enormes dificuldades para suplantar o mito, o trabalho
– passar do mito à razão – iniciado pelos gregos, há 2.500 anos, deve ser
enfatizado. Estejamos sempre atentos neste empreendimento.
O mito deve ser captado pela
sensibilidade e não pela racionalidade. Quando a razão discursiva tenta
interpretá-lo, acaba criando a alegoria, que é a tentativa de explicar o
inexaurível, o inexplicável. Analisemo-lo sob a forma tautegorista, em que mito
deve ser o mito somente o mito e nada mais do que o mito.
Compilação: https://sites.google.com/view/temas-diversos-compilacao/mito-e-mitologia
&&&
Walter E. Otto, em "Teofania:
O Espírito da Religião dos Gregos Antigos", editado pela Odysseus, em
2006, ao tratar dos preconceitos que temos com relação ao mito, chama-nos a
atenção sobre os pressupostos da psicologia profunda.
Ele diz: "Afirma a psicologia
profunda que ao analisar os sonhos e os estados oníricos similares de pessoas
psiquicamente perturbadas ou enfermas tem-se deparado com autênticas imagens
míticas, capazes, portanto, de aportar indicações a respeito da essência do
mito". Acredita-se que essas imagens primordiais tenham ficado registradas
no inconsciente, e podem ser ressuscitadas tão logo a alma necessite delas.
&&&
Os mitos são como criações do
inconsciente coletivo. Equivalem-se à filosofia, à poesia profunda, à
significação sagrada da vida. Graças aos mitos, os homens conseguiram, sem a
ajuda das ciências naturais ou antropológicas, situarem-se no cosmos e
descobrir o sentido de sua existência. Nesse sentido, Bultmann insistiu no fato
de que, por detrás da narração mitológica de caráter cosmológico, é preciso
buscar seu autêntico significado existencial.
A palavra "mito" possui diversas acepções. Entre nós, é
frequentemente utilizada com o sentido pejorativo: uma narração fabulosa e
fictícia, contrária à verdade. Muitos dos conhecimentos mais profundos
misteriosos são do tipo inconsciente e simbólico. O espaço tempo são superados
pelos poderes mágicos dos protagonistas. Os mitos respondem às dimensões
básicas do homem: origem da vida, relação com o mundo, forças naturais,
sexualidade, guerra, morte e destino.
&&&
Mito da Criação (c. 5000 a.C.) [Origem desconhecida]
História que
explica como a humanidade, a vida e o universo vieram a existir.
"Mitos de
criação são os mitos mais profundos e importantes de todos." (Marie-Louise
Von Franz, Mitos de Criação, 1972)
A existência de
mitos de criação, oferecendo uma explicação tradicional para a maneira como o
universo se originou, ultrapassa fronteiras culturais e surge em inúmeras
formas, detalhando a criação de tudo o que existe, de humanos a animais,
passando inclusive por fenômenos naturais. Oferecem grande escala de
explicações: história de criação por um ente poderosos (como nas religiões
abraâmicas), o mundo sendo criado de uma mãe e um pai primordiais (como
no mito babilônico Enuma Elish), a origem a partir de um ovo
cósmico ancestral (encontrado na tradição hindu), criação por mergulhadores,
que pescaram o mundo de um corpo aquático (comum no folclore norte-americano) e
muitas outras.
Conforme os humanos
evoluíram para o moderno Homo Sapiens e sua capacidade de
pensar e raciocinar se expandia, seus pensamentos se voltaram para questões a
respeito de sua origem e como o mundo passou a existir. É impossível precisar
quando surgiu a primeira história desse tipo, dado que todas remontam à época
pré-histórica e existem apenas na forma oral. Todavia, os primeiros mitos de
que se têm notícia são originários da Mesopotâmia antiga, datando de 5000 a.C.
Antes que a
investigação científica permitisse à humanidade lançar luz no mundo natural,
mitos de criação proporcionaram tanto respostas quanto fundamentos culturais.
Sociedades e religiões se identificam a partir desses mitos e tais elos
culturais e identidades religiosas permanecem ainda hoje como forças tanto
unificadoras quanto destrutivas.
ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno
Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário