11 dezembro 2023

Pensamento e Vontade

Pensamento. Do latim pensare, pensar, refletir.  Atividade da mente através da qual esta tematiza objetos ou toma decisões sobre a realização de uma ação. Palavra fácil de ser intuída, mas difícil de ser explicada com palavras. Vontade. É a faculdade de perseguir o bem conhecido pela razão. Disciplina. Submissão da vontade e da inteligência a normas de pensamento, da ação, de conduta, sob os vários aspectos que apresenta a vida humana.

Dificuldade de descrever o pensamento. A cultura grega deu ênfase à razão. A razão fazia o indivíduo raciocinar e aplicar-se ao conhecimento das virtudes. Acontece que o pensamento dos pré-socráticos e dos orientais não são interrogativos, mas poéticos-noemáticos, em que o racional é deixado em segundo plano. Mesmo assim, esses pensamentos poéticos-noemáticos não são superficiais, mas essenciais à própria elaboração do pensável.

Conceito de vontade no curso da história. Na história da filosofia, foi tratado da seguinte forma: 1) Psicologicamente (ou antropologicamente), falou-se da vontade como de uma certa faculdade humana, como expressão de um certo tipo de atos; 2) moralmente, tratou-se da vontade em relação com os problemas da intenção e com as questões concernentes às condições requeridas para alcançar o Bem; 3) teologicamente, o conceito de vontade foi usado para caracterizar um aspecto fundamental e, segundo alguns autores, o aspecto básico da realidade, ou personalidade, divina; 4) metafisicamente, considerou-se às vezes a vontade como um princípio das realidades e como motor de todas as mudanças. Das quatro abordagens a que mais predominou foi a psicológica. (1)

Relação entre pensamento e vontade. Dizemos com razão que um homem de força de vontade é aquele que persegue com firmeza alguma coisa. É a vontade que nos leva à ação. Os atos dependem da vontade e a vontade da ideia. Para que o ato seja moral, o indivíduo precisa distinguir entre o bem e o mal. A pessoa que rouba parte de uma ideia, ou seja, que ele consegue com mais facilidade aquilo que deseja. (2)

Relação entre ideia e ação. Observe a frase de Karl Marx: "Até hoje, os filósofos só fizeram interpretar o mundo; devemos, agora, transformá-lo". Não são poucos os que creem firmemente nessa ideia tendo, como consequência, um total desprezo pela teoria. Muitos preconizam a excelência da ação, como a única solução a ser procurada, a única verdadeiramente eficaz. A ideia assemelha-se a uma semente. Passa por diversos tratamentos até dar o fruto esperado. (2)

A vontade pode ser fortalecida no indivíduo através da educação esclarecedora e, principalmente, através do combate ao capricho e à obediência passiva, bem como pela formação do hábito de propor a si mesmo tarefas difíceis e de trabalhar até conseguir alcançar o objetivo.

(1) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

(2) MENDONÇA, Eduardo Prado de. O Mundo Precisa de FilosofiaRio de Janeiro: Agir, 1988.


 

05 outubro 2023

Filosofia Concreta

Filosofia Concreta, é o título de um livro de Mário Ferreira dos Santos, e diz respeito ao volume X da sua “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais”. Sua primeira edição é de 1957. Seus capítulos são: “O ponto arquimédico”, “Refutação do atomismo adinâmico”, “Teses dialéticas”, “O ser infinito”, “Os possíveis e o ser”, “Da criação”, “Comentários aos postulados”, “Da matéria”.

Este livro contém 258 teses. Eis três delas:

Tese 1 — Alguma coisa há, e o nada absoluto não há...

Tese 256 — A ciência busca o “como” e o como do “porque” próximo das coisas, mas a filosofia é um afainar-se pelo “porque” do “como” e pelos últimos “porquês” dos “porquês”.

Tese 257 — Se a filosofia tem vários métodos para alcançar a sua meta, uns são indubitavelmente mais hábeis que outros, e um há de haver que será o mais hábil para ser usado pelo homem.

Normalmente, o concreto é entendido como a representação de um ser real, captado pela intuição sensível. Contudo, podemos vê-lo sob outro ponto de vista, bastando fazer uso de sua etimologia. Concreto vem de concretum, particípio passado do verbo crescior, com o aumentativo cum, que lhe dá o significado simples do que cresce junto, do que cresce com outros.

Nesse sentido, a filosofia concreta, para Mário Ferreira dos Santos, é "uma filosofia que dê uma visão unitiva, não só das ideias como também dos fatos, não só do que pertence ao campo propriamente filosófico como também do que pertence ao campo da Ciência, deve ela ter capacidade de penetrar nos temas transcendentais. Deve demonstrar as suas teses e postulados com o rigor da Matemática, e deve justificar os seus princípios com a analogia dos fatos experimentais”.

Eis a última tese do livro, a tese 258 — Filosofar é ação.

"Filosofar é a ação que consiste em conexionar, de certo modo, um fato ou fatos à totalidade do universo, e transcendê-los ou não, ao refletir sobre eles, e sobre os diversos nexos hierárquicos que têm com os outros fatos e entidades antecedentes e consequentes, inclusive transcendentais, a fim de alcançar uma visão humana da Verdade.

A Filosofia é ação; é o afainar-se para alcançar a Mathesis Suprema.

Se essa é ou não alcançável pelo homem, este, como um viandante (homo viator), deve buscá-la sempre, até quando lhe paire a dúvida, de certo modo bem fundada, de que ela não lhe está totalmente ao alcance.

Esse afainar-se acompanhará sempre o homem, e estabelecido um ponto sólido de esteio, devemos esperar por melhores frutos".

Observação do autor: Em todos os tempos se considerou que o ponto de partida deve ser um ponto arquimédico, apodítico, de validez universal. Assim sendo propôs um que é de validez universal ("alguma coisa há"), sobre o qual não se pode pairar nenhuma dúvida.

 


11 setembro 2023

Krishnamurti, Jiddu

Jiddu Krishnamurti (1895-1986) foi um filósofo e orador indiano que discorria sobre autoconhecimento, disciplina e espiritualidade. A partir dos treze anos de idade passou a ser educado pela Sociedade Teosófica, que o considerava o veículo para o “Instrutor do Mundo”. Já, nessa idade, viajava pelo mundo para participar de debates filosóficos. Discutiu sobre desapego e autodisciplina mais do que quaisquer outros temas.  

Repudiando a imagem messiânica que lhe queriam impor, em 1929 dissolveu a grande e rica organização que havia sido criada à sua volta, e declarou ser a verdade “uma terra sem caminhos”, à qual nenhuma religião formalizada, filosofia ou seita daria acesso. A partir de então, por quase sessenta anos até sua morte em 17 de fevereiro de 1986, viajou pelo mundo conversando com grandes audiências e indivíduos sobre a necessidade de uma mudança radical na humanidade.

Krishnamurti não expôs nenhuma filosofia ou religião, mas tratou dos diversos problemas que nos afetam, ou seja, violência, corrupção, segurança, felicidade. Realçava sempre a necessidade de a humanidade se libertar dos fardos internos do medo, raiva, mágoa e tristeza. Em suas palestras, afirmava que organização religiosa, seita ou país são fatores que dividem os seres humanos, pois provocam conflitos e guerras. Não falava como um guru, mas como um amigo.

Krishnamurti deixou um grande corpo de literatura na forma de palestras públicas, escritos, discussões com professores e alunos, com cientistas e figuras religiosas, conversas com indivíduos, entrevistas de rádio e televisão e cartas. Muitos deles foram publicados como livros e gravações de áudio e vídeo.

Frases

“A forma mais elevada de inteligência humana é dirigir a atenção desprovida de julgamento.”

The truth is a pathless land. (“A verdade é uma terra sem caminhos”)

“A curiosidade não é o caminho da compreensão. O entendimento vem com o autoconhecimento.”

“É somente quando o processo de pensamento cessa que pode haver amor.”

“Não há professor, não há aluno, não há líder, não há guru, não há mestre, não há salvador. Você mesmo é o professor, o aluno, o mestre, o guru, o líder, você é tudo.”

“Não há caminho para a verdade: ela que deve vir até nós.”

Alguns títulos de seus livros

A Mente Imensurável

A Primeira e a Última Liberdade

Liberte-se do Passado

Nossa Luz Interior: o Verdadeiro significado da Meditação

O Livro da Vida

Seu Universo Interior: Você é a História da Humanidade

Fonte de Consulta

https://laparola.com.br/jiddu-krishnamurti

https://krishnamurti.org.br/wp/biografia/


Fragmentação e suas Consequências

"Os que creem na verdade afirmam que as coisas de valor mais elevado não são afetadas pela passagem do tempo."

O grande problema do ser humano é a fragmentação em que a sociedade o colocou. E a própria ciência tem contribuído para isso, principalmente ao formar seres cada vez mais especializados, aqueles que conhecem "quase tudo do quase nada". O que se espera de um homem de ação que, nos seus quarenta anos de exercício de uma profissão, ficou sempre repetindo os mesmos atos? Não resta dúvida que se tornou mais eficaz em sua especialidade. Mas, como se relaciona com o todo da vida? Como irá enfrentar, por exemplo, o problema da morte?

A fragmentação pode ser entendida de várias formas, conforme o contexto em que for colocada. Refere-se à quebra de algo em partes menores. Em se tratando da filosofia, há os valores universais e os valores particulares. Quando damos muita ênfase ao particular, relegamos o geral, que deveria ser o mais importante para nós, porque dizem respeito aos princípios. 

Platão, em sua época, descortinou-nos o mundo das ideias, dando ênfase ao transcendental, ao centro. Com o passar do tempo, fomos nos afastando desse centro em direção à sua periferia. Foi a partir da Idade Média que este movimento em direção ao particular começou a tomar força, pois o surgimento da ciência enveredou-nos para a especialização. Platão, porém, nos lembra que em qualquer fase de uma pesquisa é importante saber se estamos nos aproximando ou nos distanciando dos princípios.

De acordo com Weaver, em seu livro As Ideias têm Consequências, o ponto de reverso dessa atitude filosófica foi a aparecimento do nominalismo de Guilherme de Ockham, que nega a existência real dos universais. Nesse sentido, o cientista, o técnico e o acadêmico, que trocaram o Um pelo Muito são tipos cheios de vaidade. Ainda: a obsessão pelos meios pode deixar alguém cego para a realidade.

Com a fragmentação, começamos a dar valor ao superficial, ao entendimento sem o mínimo de esforço, tal como nos adestram as mídias jornalísticas e televisivas. Em geral, oferecem-nos ideias estereotipadas, cujas respostas exigem apenas um sim e um não. O homem moderno não tem mais tempo de se aprofundar no conhecimento, não busca o seu anelo com o transcendental, visto que o apelo material oblitera todas as suas pretensões.

O espírito em evolução necessita de fazer esforços hercúleos para vencer as atrações do mundo, pois tudo gira em torno do egoísmo, da vaidade, da posse, do "tornar-se". Contudo, os objetivos reais de nossa existência é "ser". 

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A Faculdade de Teologia em Sorbonne podia ser consultada em assuntos relativos a operações financeiras, algo que em nossa época de fragmentação seria considerado competência exclusiva do banqueiro. (Capítulo 3 — "Fragmentação e Obsessão" de As Ideias têm Consequências, de Richard M. Weaver)


 

 

 

10 setembro 2023

Ideias têm Consequências, As (Livro)

As Ideias têm Consequências é o título do livro de Richard M. Weaver (1910-1963), traduzido por Guilherme Araújo Ferreira, copyright 1984. Weaver — historiador, intelectual e filósofo conservador do século XX  analisa a causa e o efeito do declínio da crença em regras e valores. Este declínio se dá pelo abandono do transcendental, dos universais, e a ênfase no particular. 

Richard M. Weaver considera Guilherme de Ockham o principal representante dessa mudança, pois este propôs a doutrina do nominalismo, que nega a existência real dos universais. O resultado prático da filosofia nominalista é o banimento da realidade percebida pelo intelecto e o postular como realidade aquilo que é percebido pelos sentidos. E a negação de tudo quanto transcenda a experiência significa a negação da verdade.

Aos poucos a humanidade foi perdendo os esforços hercúleos que os pensadores da Idade Média, os escolásticos, fizeram com o objetivo de preservar uma visão de mundo universal. Os escolásticos compreenderam que o debate universalia ante rem (universal antes do fato) versus universalia post rem (universal depois do fato) livrava-nos do péssimo recurso à justificação pragmática. Aí se encontra o princípio do autocontrole, que é uma vitória da transcendência.

Ao longo do livro vai situando alguns problemas triviais que, analisados com profundidade deixam-nos cada vez mais distantes das verdades universais, pois o homem pragmático está preocupado com o egoísmo, o poder, os prazeres fáceis. Não havendo limite da filosofia nem da religião, tudo lhe é permitido.

O capítulo que trata da Grande Lanterna Mágica, cuja função é projetar imagens selecionadas da vida, na esperança de que aquilo que é visto possa ser imitado, é muito valioso, pois faz uma crítica da imprensa, cinema e rádio, destacando o modo como fazem cabeça dos menos avisados: quanto mais uma expressão é estereotipada, mais digna de crédito ela é. Há, inclusive, a estereotipagem de frases inteiras para que não estimulem a reflexão, mas a evocação de respostas prontas do sim ou do não.

Algumas frases extraídas capítulo que trata da Grande Lanterna Mágica:

“Os operadores da Grande Lanterna Mágica têm especial interesse em manter as pessoas afastadas das realidades mais profundas”.

“Confirmam assim a observação de Sócrates de que a sociedade não se preocupa com a presença de um sábio, mas se mostra inquieta quando ele começa a transmitir sua sabedoria a outros”.

“Grande Lanterna Mágica impede que o cidadão comum perceba a “o caráter fútil de sua contabilidade e a vacuidade de sua felicidade doméstica””.

“Grande Lanterna Mágica é a versão contemporânea da célebre imagem da caverna platônica”.

Conclui o seu livro da seguinte forma:

“Pode ser que estejamos aguardando uma grande mudança; pode ser que os pecados de nossos pais recaiam ainda sobre as gerações futuras até que nos apercebamos novamente da realidade do mal e então sobrevenha uma reação impetuosa como aquela que floresceu no cavalheirismo e na espiritualidade da Idade Média. Se isso é o que de melhor podemos esperar, precisamos, pois, preparar tal renascimento com reflexões e atos volitivos nesse ocaso do Ocidente”.

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Pensamentos Extraídos do Livro

"Pois se todas as coisas tivessem surgido de modo automático, em vez de resultarem do intelecto, todas elas seriam uniformes e sem distinção." (Santo Atanásio)

“O conforto se torna um fim quando as distinções de posição são abolidas e os privilégios, destruídos.” (Tocqueville)

"Todas as ideias estão em Deus e, na medida em que se referem a Deus, são verdadeiras e adequadas. Portanto, nenhuma ideia é inadequada ou confusa, salvo quando se referem ao pensamento individual de alguém." (Spinoza)

“Na verdade, o excessivo amor de si é em cada homem a fonte de todas as ofensas; pois o amante fica cego em relação ao amado, de modo que julga erroneamente o justo, o bem e o honrável e crê que deve sempre preferir seu próprio interesse à verdade." (Platão)

“Os assuntos que têm perturbado o país são a autoridade da magistratura e a liberdade do povo. Vós nos escolhestes para esse cargo; mas, depois de escolhidos, nossa autoridade passa a vir de Deus. É um mandado de Deus e tem Sua imagem impressa nele; e o desprezo por essa autoridade, Deus já o vingou com terríveis manifestações de Sua ira.” (Declaração de John Winthrop dada na assembleia legislativa de Massachusetts em 1645)

“Eu sou diferente de todos os homens que já vi. Se não sou melhor, ao menos sou diferente.” (Rousseau, quando escreveu no início de suas Confissões, estava expressando sem rodeios a marca da sensibilidade egoísta)

"Enfermos estão sempre; vomitam sua bile e a chamam de periódico." (Nietzsche)

Certa vez, Jefferson afirmou que seria preferível ter jornais e prescindir do governo a ter um governo e viver sem jornais. Mas quando tinha setenta anos escreveu a John Adams: “Troquei os jornais por Tácito e Tucídides, por Newton e Euclides, e agora sou muito mais feliz”. 

"Santos e beberrões nunca são progressistas." (Yeats)

Algumas Frases Latinas do Livro 

Homo sapiens (Um homem sábio).

Homo faber (Um homem é um carpinteiro).

Ultima ratio (Pensamento final).

Abeste profani (Abstenha-se do profano).

Universalia ante rem versus universalia post rem (Universais antes da coisa versus universais depois da coisa).

Hortus siccus (Jardim seco).

Ad hoc (Para isso).

Ab extra (De fora).

 

08 junho 2023

Intuição

Garcia Morente, no capítulo terceiro do livro “Fundamentos da Filosofia”, faz um estudo detalhado sobre a intuição como método da filosofia. Eis um pequeno resumo.

A intuição é um meio de se chegar ao conhecimento de algo, e se contrapõe ao conhecimento discursivo. Num único ato do espírito, lança-se sobre o objeto, apreende-o, fixa-o, determina-o. Quanto ao método discursivo, podemos dizer que discorrer e discurso dão a ideia de uma série de atos, de uma série de esforços sucessivos para captar a essência ou realidade do objeto.

Esclarece-nos que não há apenas uma intuição, mas intuições, as quais denomina de intuição sensível, espiritual, intuição real, intuição intelectual, intuição emotiva, intuição volitiva. Posteriormente, enumera os filósofos defensores de cada uma dessas intuições. Estudemos cada uma dessas intuições.

Intuição sensível é a intuição que todos praticamos a cada momento. Quando com um só olhar percebemos um objeto, um copo, uma árvore, uma mesa. Esta intuição sensível não é a mesma de que fala os filósofos. As razões: 1) O filósofo precisa de tomar como termo do seu esforço objetos não sensíveis; 2) Os dados sensíveis não oferecem conhecimento. Precisa de um dado universal.

Situemos a intuição espiritual. Suponhamos a seguinte afirmação: “Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo.” O princípio de contradição, como o chamam os lógicos, é, pois, intuído por uma visão direta do espírito, é uma intuição.

Útil se nos torna diferenciar intuição formal da intuição real. A intuição formal descreve o objeto. A intuição real penetra no fundo da coisa, que chega a captar sua essência, sua existência, sua consistência.

Continuando nosso estudo. A intuição intelectual é um esforço para captar diretamente, mediante um ato direto do espírito, a essência, ou seja, aquilo que o objeto é. A intuição emotiva mostra-nos não a essência do objeto, mas o valor do objeto, aquilo que o objeto vale. Intuição volitiva. Não se refere nem à essência, como a intuição intelectual, nem ao valor, como a intuição emotiva. Refere-se à existência, à realidade existencial do objeto.

Os representantes dessas intuições. A intuição intelectual pura encontramo-la na Antiguidade, em Platão; na época moderna, em Descartes e nos filósofos idealistas alemães, sobretudo em Schelling e Schopenhauer. A intuição emotiva encontramo-la em Plotino, Santo Agostinho, São Tomadas de Aquino, Spinoza (Sentimus experimur que nos esse aeternos.” Que quer dizer: “Nós sentimos e experimentamos que somos eternos.”). A intuição volitiva está em Fichte que faz depender a realidade do universo e a própria realidade do eu de uma afirmação voluntária do eu. O eu voluntariamente se afirma a si mesmo; cria-se, por assim dizer, a si mesmo

É preciso considerar que estas três classes de intuição que repartem em grandes linhas o campo metódico filosófico contemporâneo têm, cada uma delas, sua justificação num lugar do conjunto do ser. O erro consiste em querer aplicar uniformemente uma só delas a todos os planos e a todas as camadas do ser.

Fonte de Consulta

GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1970. [Lição III — A intuição como método da filosofia]

Compilaçãohttps://sites.google.com/view/temas-diversos-compilacao/intui%C3%A7%C3%A3o

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Intuição e Inteligência Artificial

A inteligência artificial pode ser entendida como um enorme banco de dados que, por meio de associações e análises combinatórias, oferece informações sobre os dados que possui. Não é uma inteligência propriamente dita, pois a raiz da palavra inteligência pressupõe uma escolha do indivíduo. A inteligência artificial não tem essa capacidade de escolha, limita-se a oferecer o que já tem guardado em sua memória virtual.  

A intuição, tanto quanto a imaginação e outras representações simbólicas, pressupõe uma relação vertical com o mundo das ideias, como nos ensinou Platão no Mito da Caverna, com um plano espiritual, um plano mental. No caso da inteligência artificial, a relação é horizontal. Mostra apenas o que tem, não cria algo. Observe a diferença entre o símbolo e o logotipo. No símbolo, há um relação vertical, que une dois planos: o material e o espiritual. No logotipo, há somente o plano material, que é a relação da empresa com os seus consumidores. 

A ciência valoriza muito a razão, mas utiliza sobremaneira a intuição.

Fonte: "Visão Simbólica X Inteligência Artificial" — Professora Lúcia Helena Galvão [Nova Acrópole].

Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=HW0xqoTDEw8&t=2364s 

 

 

09 maio 2023

Bachelard, Gaston

Gaston Bachelard (1884-1962). Filósofo e epistemologista francês, começou a sua carreira como funcionário dos correios, antes de conquistar seus títulos universitários: professor de colégio, depois da faculdade de Dijon, tornando-se catedrático de História e de Filosofia das Ciências na Sorbonne.

Bachelard renovou a epistemologia, definindo as características de um novo espírito científico.  Ele condena a doutrina das naturezas simples e absolutas, defendida por Descartes, e observa que o racionalismo não deve mais ser imobilizado na universalidade dos princípios. A nova filosofia das ciências só pode ser mista: teórico e experimental.

Segundo ele, a verdade (provisória) será polêmica, na medida em que o progresso do conhecimento científico só pode se exprimir pelos obstáculos, a princípio inerente a nosso pensamento comum: “conhece-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos malfeitos”. O conhecimento profundo exige uma psicanálise dos mitos e ilusões que podem perturbá-lo.

A filosofia do não (1940). Nesta obra, Bachelard propõe a constituição de uma filosofia capaz de satisfazer ao mesmo tempo filósofos e sábios e que leve em conta a evolução do saber; na medida em que o último só progride superando o que adquiriu, essa filosofia só poderá ser aberta, dialética, em ruptura com qualquer forma de dogmatismo, qualquer concepção congelada da razão.

O conceito de massa pode ser explicado em cinco etapas. As duas primeiras são pré-científicas (a massa é percebida segundo as qualidades sensíveis do objeto). Depois vem o empírico (assimila-se massa ao peso). Em seguida a racional (definido pelas relações matemáticas: mecânica de Newton), que depois se torna mais complexo (na teoria da relatividade). Por fim, o dialético (mecânica de Dirac: aparecimento de uma massa “negativa”. Em síntese: qualquer teoria se forma englobando a precedente.

Outras obras: O novo espírito científico (1934); A psicanálise do fogo (1937); A formação do espírito científico (1938); A água e os sonhos (1941); O ar e os devaneios (1943); A terra e os devaneios da vontade (1948); A terra e os devaneios do repouso (1948); O racionalismo aplicado (1948); O materialismo racional (1953); A poética do espaço (1957); A poética do devaneio (1960).

Fonte de Consulta

DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

Frases de Gaston Bachelard

“O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro, é o pensamento do nada.” (Gaston Bachelard)

"Entre a imagem e o conceito, nenhuma síntese. Tampouco essa filiação, sempre dela, jamais vivida, pela qual os psicólogos fazem o conceito emergir da pluralidade das imagens. Quem se entrega com todo o seu espírito aos conceitos, com toda a sua alma às imagens, sabe bem que os conceitos e as imagens se desenvolvem em linhas divergentes da vida espiritual." (Gaston Bachelard)

O pensamento lógico tende a apagar sua própria história. Parece, de fato, que as dificuldades da invenção deixam de aparecer a partir do momento em que se pode fazer seu inventário lógico." (Bachelard. A atividade racionalista da física contemporânea)

"A história das ciências é a história das derrotas do irracionalismo." (Bachelard, A atividade racionalista da física contemporânea)

"As grandes paixões preparam-se em grandes devaneios." (Bachelard, A poética e o devaneio)

"Sempre se pretende que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de nos liberar das imagens primeiras, de mudar a imagem." (Bachelard, O ar e os sonhos)





03 maio 2023

Bérgson e o Esforço

Bergson afirma que o trabalho é doloroso e cansativo, mas o esforço despendido é muito valioso, talvez mais valioso que o sucesso, os agradecimentos ou os elogios. Por quê? Graças ao trabalho, acabamos nos elevando acima de nós mesmos, encontrando recursos inesperados de que nem suspeitávamos.

Sem as dificuldades, a superação não seria possível. Vencer as dificuldades não é se livrar das coisas que nos incomodam, mas enfrentá-las de bom ânimo, ou seja, buscar dentro de nós mesmos aqueles recursos esquecidos da criatividade.

Bergson incita-nos a perceber a beleza dos obstáculos. A felicidade não reside apenas no fato de vencer uma dificuldade, mas no orgulho de termos criado algo, de sermos uteis à sociedade em que vivemos. A riqueza tem sua importância, mas a criação de algo supera-a infinitamente.

A razão de nossa vida fundamenta-se em criar, fazer surgir alguma coisa que nunca existiu. Por meio do trabalho, ampliamos nossa personalidade, aumentamos o esforço, triunfamos e, no final, além de criar uma sociedade, criamos a nós mesmos, porque moldamos nossa personalidade.

Em síntese:

O esforço é doloroso, mas nos permite alcançar a alegria, é graças a ele que nos superamos.

A criação é a razão de ser da vida. Na criação, todos os esforços se justificam.

Trabalhando, criamos a nós mesmos, descobrimos a nós mesmos e, assim, temos acesso à nossa própria felicidade.

Fonte de Consulta

ROBERT, Marie. Não sabe o que fazer? Pergunte aos filósofos! [livro eletrônico]. Tradução de Karina Barbosa dos Santos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2021.

02 maio 2023

Dizer ou não a Verdade?

John Stuart Mill, filósofo, lógico e economista britânico, é um pensador que pode nos ajudar a estabelecer em que circunstâncias devemos ou não dizer a verdade. No caso em voga, está a preocupação com a diplomacia e a necessidade de honestidade.

Em sua obra Utilitarismo, de 1863, John Stuart Mill expressa seu parecer sobre a importância da verdade nas relações humanas. Ele se baseia em seu conceito de "utilidade", ou seja, o que é mais útil, mais benéfico para a maioria, afirmando que a mentira enfraquece a confiança. Quando mentimos, tornamos as palavras mais frágeis, tendo como consequência relações mais precárias com as pessoas.

Para Mill, mentir é ameaçar o bem-estar social, é prejudicar a implantação da felicidade, ou seja, é criar barreiras para a confiança recíproca entre os indivíduos. Por outro lado, contar a verdade aumenta a confiança, amplificando a felicidade entre os indivíduos.

Lembremo-nos de que a moralidade de Mill tem muito a ver com a vivência, a experiência. Nesse sentido, o que é útil para a felicidade de todos os homens é moral. A mentira quebra essa confiança, e por isso é inútil e imoral.

Há, para Mill, casos extremos em que se pode mentir: a situação em que devemos omitir a verdade, para não revelar o paradeiro de um amigo procurado por um malfeitor ou aquela em que alguém mente a uma pessoa com uma doença grave.

Em síntese

O que é útil é o que traz mais felicidade para a sociedade.  

Dizer a verdade é útil porque aumenta a confiança entre as pessoas. E a confiança é uma das bases da felicidade na sociedade. 

Mentir prejudica a felicidade, exceto em algumas exceções, nas quais só a mentira pode preservar uma pessoa. É essencial medir bem as palavras.

ROBERT, Marie. Não sabe o que fazer? Pergunte aos filósofos! [livro eletrônico]. Tradução de Karina Barbosa dos Santos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2021.