O que é que nos inquieta e nos dá uma sensação de impotência?
É a preocupação de que devemos ser alguma coisa na vida e, com isso, ser
respeitado, ter um nome, estar inscrito no livro da fama. Mas, será esta a
atividade essencial do ser humano? Será que esta atitude não nos leva à
superficialidade da vida? Este seria o verdadeiro caminho para atingir a
perfeição do Espírito? Por que nos violentamos para ter mais bens, para sermos
mais isso ou mais aquilo?
O
grande problema do ser humano é a fragmentação em que a sociedade o colocou. E a própria ciência
tem contribuído para isso, principalmente ao formar seres cada vez mais
especializados, aqueles que conhecem "quase tudo do quase nada". O
que se espera de um homem de ação que, nos seus quarenta anos de exercício de
uma profissão, ficou sempre repetindo os mesmos atos? Não resta dúvida que se
tornou mais eficaz em sua especialidade. Mas, como se relaciona com o todo da
vida? Como irá enfrentar, por exemplo, o problema da morte?
A
vida é muito mais do que o exercício de uma profissão. Ela envolve o cultivo do
"eu interior", subjacente à essência divina. Deixando de viver a
plenitude da vida, adiamos peremptoriamente a potencialização do nosso ser
espiritual. Quando não o fazemos por nós, saímos à cata de quem possa nos
ensinar, aumentado assim, o número de gurus, aos quais transferimos o ônus de
nossa salvação. Contudo, a escolha deve ser pessoal, porque pressupõe esforço
próprio. Ninguém, além de nós mesmos, poderá salvar a nossa alma enfermiça.
Lutamos
para ter status, para ser alguma coisa na vida. E quando a sociedade nos nega
tal oportunidade? Devemos nos rebelar, usar de violência para conseguir aquilo
que achamos ser o nosso direito natural? Não temos o hábito de enfrentar os
problemas, tais quais são na realidade. Contudo, não há separação entre o
observador e a coisa observada. Nós somos o que observamos. Estar atento ao que
estiver acontecendo, aqui e agora, tem mais eficácia do que os muitos rodeios
de nosso espírito, que teima em fugir da situação apresentada.
Como
nos tornarmos um novo homem, se vivemos condicionados ao homem velho?
Enfrentarmo-nos, tais quais somos, sem repreensões, sem censura, sem acharmos
que poderia ser bem diferente não é tarefa fácil. Olhamos para o nosso corpo e
dizemos: estou gordo; preciso emagrecer. Submetemo-nos aos regimes; passado
algum tempo, voltamos a engordar. É possível que tomando consciência de que
estamos gordos, sem recriminar, sem censurar, podemos ter melhores resultados
do que fazendo violência para emagrecer.
O desejo de perfeição é natural no ser humano. O que nos cabe é facilitar esse
processo. Para tanto, façamos uma analogia com a árvore: plantando-a e
desplantando-a, para verificar como está indo o seu crescimento, com certeza a
mataremos. Revolvendo a terra, tirando as ervas daninhas e aguando-a convenientemente,
os efeitos serão outros. Façamos o mesmo no reino do Espírito: tomemos
consciência de nossos defeitos, de nossas rusgas, mas sem impor uma falsa
moral, no sentido de eliminá-los definitivamente de nossas ações.
Estejamos
sempre prontos a aceitar as coisas como elas são, sem defesas de espécie
alguma. Tenhamos a certeza que, o pouco que fazemos no reino do Espírito, é o
muito no que tange à nossa mudança comportamental autêntica.
Fonte de Consulta
KRISHNAMURTI,
J. O Mistério da Compreensão. Trad. de H. Veloso. 2. ed., São Paulo:
Cultrix, 1972.
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