Aristóteles, o maior sistematizador da
Filosofia grega, escreveu mais de quatrocentas obras, das quais restam quarenta
e sete, algumas certamente autênticas e outras de autenticidade duvidosa.
Destas quarenta e sete somente uma pertence à classe das chamadas exotéricas,
isto é, obras de divulgação, para "gente fora da escola". Dentre tais
obras, as dedicadas à Ética são: a Ética a Nicômacos, a Ética
a Êudemos e a Ética Maior (ou Magna Moralia).
O caráter estritamente esotérico de
suas obras deve ser ressaltado. Aristóteles não escrevia para o público em
geral, mas para o uso interno na sua academia. Em todas as suas obras sobre a
Ética há características de notas de aula, tomadas pelos alunos, e
transformadas em apostilas, para que o material fosse aproveitado na escola e
não se perdesse no tempo. A Ética
a Nicômacos, por exemplo, teria sido a edição das
notas de aula tomadas pelo seu filho Nicômacos.
A Ética a Nicômacos compõe-se
de dez livros. No livro I Aristóteles tenta determinar quais as coisas que são
boas para o homem, inclusive qual é o bem supremo. Nos livros II, III e IV
descreve as várias formas de excelência moral. Nos livros V, VI e VII examina
com mais cuidado as excelências morais e as deficiências morais. Nos livros
VIII e IX, destoando do escopo de sua obra, analisa a amizade. No livro X,
concluindo, especula sobre a amizade e introduz o leitor à sua nova obra, ou
seja, a Política.
A Ética
a Nicômacos difere profundamente de um livro
moderno de filosofia. No seu conteúdo, nota-se repetidas vezes, o sentido de
coleção de notas de aula, elaborada com mais ou menos cuidado. Quer dizer,
falta-lhe unidade e coerência, requisitos de um livro moderno de filosofia. O
bem supremo, ou a felicidade, por exemplo, é objeto de discussões separadas nos
livros I e X (o primeiro e o último da obra). Deixa muito espaço para a amizade
e discute pouco a excelência intelectual.
O conteúdo da Ética a Nicômacos é
determinar qual é a finalidade e o bem supremo da criatura humana, a fim de que
ela possa fruir a felicidade de maneira mais elevada. Para Aristóteles, a ética
é parte da ciência política, porque descreve o homem como um animal social que
deve participar de sua polis. Este homem, como governante, deve proporcionar
não só a felicidade de seus familiares e amigos com também de seus concidadãos.
Para isso deve conhecer a formas de governo e de como governar, assunto de sua
obra Política.
A ética é uma especulação sobre o bem e
o mal, a justiça e a injustiça, a felicidade e a desgraça etc. Saibamos
colocá-la em prática nos deveres mais ínfimos ou mais elevados de nossa
vivência.
Fonte de Consulta
ARISTÓTELES, A Ética a
Nicômacos. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 1985.
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Rosely de Fátima Silva, mestre e bacharel em Filosofia pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, escreveu o
prefácio deste livro, em 2015, editado pela Martin Claret. Do exposto,
transcrevemos algumas notas:
Até a nossa noção de felicidade pode ser considerada como influenciada
pelo pensamento ético-aristotélico.
Entende-se, assim, que o bem da polis deriva e é consequência
das ações dos indivíduos, dos cidadãos virtuosos, unidos em philia (amizade),
que assim alcançam a perfeita virtude, o fim último de suas ações, ou seja, o
bem. A virtude, enquanto bem e fim último das ações e deliberações de todos os
homens a se alcançar, é denominada eudaimonia, palavra grega que se
traduz, usualmente, por felicidade ou bem-estar, mas que não representa um
estado, mas sim uma atividade humana, constante e contínua de bem
deliberar sobre os meios para alcançá-la. Florescimento é
outra palavra que traduz a eudaimonia.
Observemos a divisão, em 10 capítulos, de Ética a Nicômaco —
lembremos que os livros antigos não possuíam tal divisão — e atentemos para os
temas discutidos por Aristóteles:
I — Objeto e método do estudo, crítica da doutrina platônica do bem,
definição da felicidade, introdução às definições das virtudes morais e
intelectuais
II — Definição de virtude moral e noção de mediedade
III — Estudo do ato voluntário e da escolha deliberada
IV — Definições das virtudes morais
V — Definição da justiça
VI — Uma virtude intelectual unida à práxis: a prudência
VII — Acrasia, intemperança e bestialidade; primeiro tratado do prazer
VIII — A amizade
IX — A amizade (continuação)
X — Segundo tratado do prazer; felicidade; ética e política
O que a obra discute?
Primeiramente, uma teoria do bem e da felicidade — eudaimonia —
que se distancia das concepções platônicas sobre o bem, de cunho idealista,
pois, como vimos, a eudaimonia é, para Aristóteles, uma
atividade. Aristóteles fará uma distinção, crucial para o seu argumento ético,
entre virtudes morais e intelectuais: basicamente, podemos dizer que as
primeiras originam-se de nossas ações, enquanto as segundas podem ser
aprendidas ou ensinadas.
Para Aristóteles, o conceito de justiça, explicitado no capítulo V da
obra, é a virtude mais perfeita, porque é o uso da virtude completa. Ela é
completa porque aquele que a possui é capaz também de fazer uso da virtude ao
outro, e não somente a si próprio.
Sobre o justo, discutirá o justo natural e o justo legal. O justo legal é fácil
de definir: o que os homens, por meio das leis, convencionam. O justo natural
sofre poucas variações, enquanto o justo legal, dada às miríades de
particularidades que abarca, sofre inúmeras variações. Em um contexto de homens
virtuosos, o justo natural se apresenta como um reflexo de suas virtudes.
Concluindo, na Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta-nos
uma teoria da ação humana, através do estudo dos atos humanos, do modo como a
razão humana permeia e interfere em suas paixões e desejos, e quão voluntários
e involuntários podem ser esses atos. Práxis e responsabilidade são
inseparáveis.
Um comentário:
A Editora Madamu relançou em 2020 a tradução de Mário da Gama Kury para a Ética a Nicômacos, depois de décadas esgotado.
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