29 junho 2008

Ética a Nicômaco

Aristóteles, o maior sistematizador da Filosofia grega, escreveu mais de quatrocentas obras, das quais restam quarenta e sete, algumas certamente autênticas e outras de autenticidade duvidosa. Destas quarenta e sete somente uma pertence à classe das chamadas exotéricas, isto é, obras de divulgação, para "gente fora da escola". Dentre tais obras, as dedicadas à Ética são: a Ética a Nicômacos, a Ética a Êudemos e a Ética Maior (ou Magna Moralia).

O caráter estritamente esotérico de suas obras deve ser ressaltado. Aristóteles não escrevia para o público em geral, mas para o uso interno na sua academia. Em todas as suas obras sobre a Ética há características de notas de aula, tomadas pelos alunos, e transformadas em apostilas, para que o material fosse aproveitado na escola e não se perdesse no tempo. A Ética a Nicômacos, por exemplo, teria sido a edição das notas de aula tomadas pelo seu filho Nicômacos.

Ética a Nicômacos compõe-se de dez livros. No livro I Aristóteles tenta determinar quais as coisas que são boas para o homem, inclusive qual é o bem supremo. Nos livros II, III e IV descreve as várias formas de excelência moral. Nos livros V, VI e VII examina com mais cuidado as excelências morais e as deficiências morais. Nos livros VIII e IX, destoando do escopo de sua obra, analisa a amizade. No livro X, concluindo, especula sobre a amizade e introduz o leitor à sua nova obra, ou seja, a Política.

A Ética a Nicômacos difere profundamente de um livro moderno de filosofia. No seu conteúdo, nota-se repetidas vezes, o sentido de coleção de notas de aula, elaborada com mais ou menos cuidado. Quer dizer, falta-lhe unidade e coerência, requisitos de um livro moderno de filosofia. O bem supremo, ou a felicidade, por exemplo, é objeto de discussões separadas nos livros I e X (o primeiro e o último da obra). Deixa muito espaço para a amizade e discute pouco a excelência intelectual.

O conteúdo da Ética a Nicômacos é determinar qual é a finalidade e o bem supremo da criatura humana, a fim de que ela possa fruir a felicidade de maneira mais elevada. Para Aristóteles, a ética é parte da ciência política, porque descreve o homem como um animal social que deve participar de sua polis. Este homem, como governante, deve proporcionar não só a felicidade de seus familiares e amigos com também de seus concidadãos. Para isso deve conhecer a formas de governo e de como governar, assunto de sua obra Política.

A ética é uma especulação sobre o bem e o mal, a justiça e a injustiça, a felicidade e a desgraça etc. Saibamos colocá-la em prática nos deveres mais ínfimos ou mais elevados de nossa vivência.

Fonte de Consulta

ARISTÓTELES, A Ética a Nicômacos. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1985.

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Rosely de Fátima Silva, mestre e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, escreveu o prefácio deste livro, em 2015, editado pela Martin Claret. Do exposto, transcrevemos algumas notas:

Até a nossa noção de felicidade pode ser considerada como influenciada pelo pensamento ético-aristotélico.

Entende-se, assim, que o bem da polis deriva e é consequência das ações dos indivíduos, dos cidadãos virtuosos, unidos em philia (amizade), que assim alcançam a perfeita virtude, o fim último de suas ações, ou seja, o bem. A virtude, enquanto bem e fim último das ações e deliberações de todos os homens a se alcançar, é denominada eudaimonia, palavra grega que se traduz, usualmente, por felicidade ou bem-estar, mas que não representa um estado, mas sim uma atividade humana, constante e contínua de bem deliberar sobre os meios para alcançá-la. Florescimento é outra palavra que traduz a eudaimonia.

Observemos a divisão, em 10 capítulos, de Ética a Nicômaco — lembremos que os livros antigos não possuíam tal divisão — e atentemos para os temas discutidos por Aristóteles:

I — Objeto e método do estudo, crítica da doutrina platônica do bem, definição da felicidade, introdução às definições das virtudes morais e intelectuais

II — Definição de virtude moral e noção de mediedade

III — Estudo do ato voluntário e da escolha deliberada

IV — Definições das virtudes morais

V — Definição da justiça

VI — Uma virtude intelectual unida à práxis: a prudência

VII — Acrasia, intemperança e bestialidade; primeiro tratado do prazer

VIII — A amizade

IX — A amizade (continuação)

X — Segundo tratado do prazer; felicidade; ética e política

O que a obra discute? 

Primeiramente, uma teoria do bem e da felicidade — eudaimonia — que se distancia das concepções platônicas sobre o bem, de cunho idealista, pois, como vimos, a eudaimonia é, para Aristóteles, uma atividade. Aristóteles fará uma distinção, crucial para o seu argumento ético, entre virtudes morais e intelectuais: basicamente, podemos dizer que as primeiras originam-se de nossas ações, enquanto as segundas podem ser aprendidas ou ensinadas.

Para Aristóteles, o conceito de justiça, explicitado no capítulo V da obra, é a virtude mais perfeita, porque é o uso da virtude completa. Ela é completa porque aquele que a possui é capaz também de fazer uso da virtude ao outro, e não somente a si próprio.

Sobre o justo, discutirá o justo natural e o justo legal. O justo legal é fácil de definir: o que os homens, por meio das leis, convencionam. O justo natural sofre poucas variações, enquanto o justo legal, dada às miríades de particularidades que abarca, sofre inúmeras variações. Em um contexto de homens virtuosos, o justo natural se apresenta como um reflexo de suas virtudes.

Concluindo, na Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta-nos uma teoria da ação humana, através do estudo dos atos humanos, do modo como a razão humana permeia e interfere em suas paixões e desejos, e quão voluntários e involuntários podem ser esses atos. Práxis e responsabilidade são inseparáveis.

 





Um comentário:

Marcelo Toledo disse...

A Editora Madamu relançou em 2020 a tradução de Mário da Gama Kury para a Ética a Nicômacos, depois de décadas esgotado.