Voltaire
(1694-1778), cujo nome verdadeiro era François-Marie Arouet, escreveu o Cândido
ou o Otimismo por volta de 1758 e o publicou em 1759. Esse livro se
insere na história do problema do mal, cujo início é reportado ao dilema de
Epicuro: "Ou Deus quer extirpar o mal deste mundo e não pode, ou pode e
não o quer; ou não pode nem quer; ou finalmente quer e pode. Se quer e não o pode,
é sinal de impotência, o que é contrário à natureza de Deus; se pode e não o
quer, é malvadez, o que não é menos contrário à sua natureza ; se não quer nem
pode é simultaneamente malvadez e impotência; se quer e pode (o que de todas as
hipóteses é a única que convém a Deus), qual é então a origem do mal sobre a
Terra?"
Historicamente, várias correntes de
pensamento tentaram encontrar uma solução ao problema apontado por Epicuro.
Dentre elas, cita-se o maniqueísmo, seita cristã criada no século III. De acordo
com o maniqueísmo, há dois princípios no universo: um princípio bom (Deus) e um
princípio mal, que a dogmática religiosa denominou diabo. Santo Agostinho,
em Confissões, discorda de tal afirmação: ele tenta mostrar que o
mal não tem ser, ele é apenas a ausência do bem. Daí dizer que quando o homem
comete o mal ele apenas se afasta do bem. Consequentemente, deve retornar a
ele, porque é o único que tem substância.
No século XVII, Leibniz, com a
sua Teodicéia, — de theos (Deus) e dike (justiça),
significando justiça de Deus — dá também a sua contribuição à história do
problema do mal. As suas teses fundamentam-se no otimismo filosófico ou
no princípio da razão suficiente. O princípio da razão
suficiente é aquele segundo o qual nada existe sem uma razão para ser
assim e não de outro modo. De acordo com Leibniz, a única razão de este mundo
existir e não outro é que este é o melhor. O fim do todo é bom, aquilo que
vemos como mal se deve à limitação de nossa perspectiva parcial, sempre
limitada e incompleta.
Voltaire era adepto do otimismo
filosófico – crença de que há um funcionamento ordenado do universo e de todos
os eventos. Contudo, o terremoto de Lisboa, ocorrido em 1755, dizimando e
ferindo muitas pessoas, fê-lo mudar de ideia. A partir daí, opõe-se a
esse pensamento. Primeiramente, ataca a religião cristã quanto ao dogma do
pecado original. O filósofo se pergunta: se o otimismo está certo, qual é o
lugar do pecado original na organização perfeita? Depois, faz diversas
comparações entre o mal que vê e aquela ordem que o otimismo apregoa.
O Cândido ou o Otimismo é
uma crítica ao otimismo filosófico. Voltaire pretende mostrar que a causa –
tudo que existe tem uma razão de ser –, apontada pelo otimismo filosófico, não
é capaz de se sustentar perante o testemunho do mundo. Defende, em
contrapartida, o otimismo prático, aquele se expressa no aqui e no agora. A
recusa do otimismo global leva-o a recusar, também, a identificação que era
feita pelo otimismo filosófico entre ordem e bondade ou beleza.
O Cândido, de Voltaire, é
um ingênuo à espera dos ensinamentos da história. E só consegue obtê-los no
final do relato, quando se livra da perspectiva otimista — ilusões da
metafísica e do dogmatismo filosófico — e se junta aos amigos para ter uma
vida tranquila por meio do trabalho.
Fonte de Consulta
BRANDÃO, Rodrigo. Voltaire e as
Ilusões da Metafísica. In. FIGUEIREDO, Vinicius de (Org.). Seis
Filósofos em Sala de Aula. São Paulo: Berlendis & Vertechia, 2006.
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