29 junho 2008

O Discurso e o Discurso

discurso com inicial minúscula é a fala de cada um de nós, impregnada de todas as nossas idiossincrasias. O Discurso com inicial maiúscula representa o real, o verdadeiro discurso, podendo, inclusive, ser comparado ao Verbo Divino. Como registrar a distância entre o discurso e o Discurso? Anotemos alguns pensamentos.

1. Emprego das palavras. Ao transformarmos o nosso discurso mental em discurso verbal necessitamos de usar palavras. As palavras por sua vez contêm mais de um significado. A presença de vários significados dão lugar à ambiguidade. A ambiguidade torna o discurso dúbio. Ou seja, se não usarmos as palavras corretas para a expressão do nosso pensamento, o público não vai compreendê-lo adequadamente. Além disso, para nos fazermos entender às pessoas mais simples, devemos usar a terminologia própria delas.

2. Apego demasiado ao discurso mítico. Como já bem se disse, o homem é um fabricador de mitos: ele não gosta de viver o real. Por que? Porque nos deleitamos com as imagens que nos dão prazer, comodidade, vida fácil etc. Os programas televisivos são um exemplo clássico: todos os que exploram a sensualidade, a intromissão na privacidade alheia, os crimes dão mais IBOPE do que aqueles que se dirigem à construção do pensamento. É que para edificar o pensamento temos de fazer esforços de compreensão, de análise e de reflexão.

3. Ver nas entrelinhas. Acostumados à sedução dos discursos cômodos, não conseguimos captar a essência do Discurso, ou seja, ficamos presos apenas aos gestos, à entonação de voz e à hilaridade do orador. A substância real fica em segundo plano e, na maioria das vezes, esquecida. É o caso dos discursos empolgantes em que todos saem extasiados: pergunte do que tratou o tema, e poucos saberão dizer com propriedade. É que para essa compreensão, necessitamos de estar atentos e meditar sobre aquilo que nos foi dito, com o intuito de buscar a essência da expressão verbal.

4. A retórica. Quando a imagem do orador sobrepuja o seu discurso, ele corre o risco de distanciar-se da verdade. Por que? Porque a retórica, que na sua etimologia significa "persuasão", levada ao excesso, faz com que tentemos agradar e convencer o auditório, sem qualquer preocupação com a transmissão de conhecimentos. Discursos desse jaez são vislumbrantes, contudo não trazem o bojo dos ensinamentos reais, e fazem com que o pensamento caia num estado de lassidão, aumentando ainda mais a distância com relação ao Discurso Divino. 

Estranhemos sempre tudo o que se nos apresenta. O verdadeiro sábio é aquele que afronta a couraça para ver o que ela apresenta.

Fonte de Consulta

SCHÜLER, D. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre, L&PM, 2000 (Coleção L&PM Pocket)


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