O discurso com inicial minúscula é a fala de cada um de
nós, impregnada de todas as nossas idiossincrasias. O Discurso com
inicial maiúscula representa o real, o verdadeiro discurso, podendo, inclusive,
ser comparado ao Verbo Divino. Como registrar a distância entre o discurso e o
Discurso? Anotemos alguns pensamentos.
1. Emprego das palavras. Ao transformarmos o
nosso discurso mental em discurso verbal necessitamos de usar palavras. As
palavras por sua vez contêm mais de um significado. A presença de vários
significados dão lugar à ambiguidade. A ambiguidade torna o discurso dúbio. Ou
seja, se não usarmos as palavras corretas para a expressão do nosso pensamento,
o público não vai compreendê-lo adequadamente. Além disso, para nos fazermos
entender às pessoas mais simples, devemos usar a terminologia própria delas.
2. Apego demasiado ao discurso mítico. Como já bem se disse, o homem é um
fabricador de mitos: ele não gosta de viver o real. Por que? Porque nos
deleitamos com as imagens que nos dão prazer, comodidade, vida fácil etc. Os
programas televisivos são um exemplo clássico: todos os que exploram a
sensualidade, a intromissão na privacidade alheia, os crimes dão mais IBOPE do
que aqueles que se dirigem à construção do pensamento. É que para edificar o
pensamento temos de fazer esforços de compreensão, de análise e de reflexão.
3. Ver nas entrelinhas. Acostumados à sedução dos discursos
cômodos, não conseguimos captar a essência do Discurso, ou seja, ficamos presos
apenas aos gestos, à entonação de voz e à hilaridade do orador. A substância real
fica em segundo plano e, na maioria das vezes, esquecida. É o caso dos
discursos empolgantes em que todos saem extasiados: pergunte do que tratou o
tema, e poucos saberão dizer com propriedade. É que para essa compreensão,
necessitamos de estar atentos e meditar sobre aquilo que nos foi dito, com o
intuito de buscar a essência da expressão verbal.
4. A retórica. Quando a imagem do orador sobrepuja o seu discurso, ele corre o risco
de distanciar-se da verdade. Por que? Porque a retórica, que na sua etimologia
significa "persuasão", levada ao excesso, faz com que tentemos
agradar e convencer o auditório, sem qualquer preocupação com a transmissão de
conhecimentos. Discursos desse jaez são vislumbrantes, contudo não trazem o
bojo dos ensinamentos reais, e fazem com que o pensamento caia num estado de
lassidão, aumentando ainda mais a distância com relação ao Discurso
Divino.
Estranhemos sempre tudo o que se nos apresenta. O verdadeiro sábio é
aquele que afronta a couraça para ver o que ela apresenta.
Fonte de Consulta
SCHÜLER, D. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre,
L&PM, 2000 (Coleção L&PM Pocket)
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