27 junho 2008

Autoajuda

A moral primitiva implicava a regulamentação do comportamento de cada um de acordo com os interesses da coletividade. O indivíduo era mero suporte, auxiliar na concretização dos objetivos do grupo. O comunismo primitivo é um exemplo que vem ilustrar essa ideia. Lá não havia a família, tal qual a conhecemos hoje, porque todos pertenciam ao grupo. Além do mais, toda ação de autoconhecimento era uma ação voltada para melhoria do caráter, a conquista das virtudes, disposições essenciais para a obtenção da sumo bem e da felicidade eterna.

O homem moderno, influenciado pela filosofia de Descartes buscar Deus pela razão perde a orientação característica das sociedades tradicionais, e, desse modo, através do individualismo, cada qual acaba buscando por si mesmo a sua própria orientação na vida. Assim sendo, a autonomia do sujeito é buscar em si mesmo, ou seja, nas suas forças interiores elementos para auto ajudar-se. Contudo, esse culto à individualização fê-lo mais materialista e egoísta, contrariando sobremaneira os ensinamentos evangélicos, que exortam a repartir com os outros os bens adquiridos na vida.

O fenômeno da autoajuda teve início em meados do século XIX, no momento em que se caracterizava o culto à singularidade do indivíduo moderno, quando ele passa ter o valor central da cultura ocidental. Este fenômeno coincide com o desenvolvimento das sociedades capitalistas — que se caracterizam pela tecnologia de ponta, pelos grandes investimentos e pela obtenção do lucro. O dinheiro acaba medindo tudo, inclusive o indivíduo. Quem tem dinheiro tem status social, é bem sucedido, senhor de altos conhecimentos. Destacando-se do grupo, pode incentivar outros a fazer o mesmo: é daí que surge o individualismo que deteriora a vida comunitária.

O discurso de autoajuda, que é pronunciado pelos seus líderes, possui uma "tonalidade" que encanta e fascina. De acordo com Arnaldo Toni Sousa das Chagas, em seu livro A Ilusão no discurso da autoajuda e o sintoma social, resultado de uma pesquisa nos vários livros de autoajuda, diz-nos que esses pregadores de autoajuda, com a insolência inabalável de seus posicionamentos e pelo discurso atrativo, acabam encaminhando os seus leitores ou ouvintes para um caminho, onde tudo pode ser realizado, obtido, conseguido, como num passe de mágica, pois basta querer, porque querer é poder. As incertezas, as dúvidas, os questionamentos próprios do saber filosófico não fazem parte desse discurso.

O discurso de autoajuda pelo grau de autoridade e dogmatismo que possui vem justificar os sintomas degradantes do vínculo social, principalmente pelo enfraquecimento dos laços sociais e sua consequência para a vida comunitária, em virtude da valorização dos bens de uso, de consumo, da autonomia, da liberdade, em detrimento do amor ao próximo, da fraternidade do auxílio mútuo, do fazer aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito. Este é o grande sintoma (egoísmo) que devemos combater. Esta é a chaga número 1 da sociedade, mascarada pelos discursos de autoajuda.

Estejamos atentos: somos nós tão insensatos que tendo começado pelo espirito acabaremos pela carne?

Fonte de Consulta

CHAGAS, A. T. S. das. A Ilusão no Discurso da Auto-Ajuda e o Sintoma Social. Rio Grande do Sul, Unijuí, 1999.

Um comentário:

Erica rosa disse...

Amei saber