16 fevereiro 2020

Hobbes

"A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, brutal e curta." Leviatã

Thomas Hobbes (1588-1679) estudou a Escolástica e a filosofia de Aristóteles, em Oxford. Percorreu o continente, onde conheceu muitos dos grandes espíritos de seu tempo. Depois da convocação do Long Parliament, fugiu para a França, em novembro de 1640, donde só voltou depois que fez as pazes com Cromwell, em 1651. Aos 40 anos, Hobbes ficou fascinado pela geometria euclidiana e pela ideia de que suas certezas poderiam ser aplicadas em um estudo sobre os indivíduos e a sociedade. Em outras palavras, poderia haver regras similares governando a ciência política.

Nada sem substância pode existir. ==> Então tudo no universo é físico. ==> Um ser humano é, portanto, inteiramente físico. ==> O homem é uma máquina. (1)

Em 1642, no livro Do cidadão, Hobbes apresenta pela primeira vez as suas ideias sobre as origens da sociedade civil. Em Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil (1651), ele desenvolve melhor essas ideias, e traz, também, reflexões sobre metafísica, psicologia e filosofia política. Do encontro com Galileu, em 1636, incorporou a ciência mecânica e do movimento em suas reflexões, como forma de explicar o comportamento humano. 

Thomas Hobbes defende a tese de que o homem é lobo do próprio homem. Sendo materialista, imagina que os indivíduos são completamente egoístas em seu estado natural, brigando entre si pelo que precisam, tendo como consequência a guerra. Para evitar isso, os seres humanos aceitam um contrato social por meio do qual cada um abre mão de um pouco de independência, em prol do bem maior. A sociedade civil resultante existe sob os ditames de um soberano com poder absoluto, ao qual todos concordam em se curvar em troca de proteção nos casos de guerra. (2)

A República, parte dois de Leviantan, de acordo o próprio autor, nada mais é do que a aplicação da lei natural, conhecida como lei áurea: "Não fazermos aos outros o que não gostaríamos que fosse feito a nós". Em essência é o contrato celebrado por todos os participantes, em que uns delegam poderes aos outros, considerados mais sábios, a fim de poderem administrar a coisa pública. As pessoas investidas de poder devem visar não os seus interesses particulares, mas os da maioria, ou seja, da república constituída.

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A tese da guerra, levantada por Hobbes, vai de encontro à teoria do amor natural sustentada por Cícero, em que afirma haver uma inclinação natural que nos leva a amar o nosso semelhante, sendo este o motivo para a prática das virtudes, da justiça e do relacionamento social. Hobbes, ao contrário, defende a tese do interesse pessoal. Como todos vão procurar os seus interesses pessoais, pode haver grandes demandas e grandes insatisfações por parte de todos. Nesse caso, o Estado deve manter a ordem através das leis civis, o que geraria a paz.

Hobbes, no seu afã do interesse pessoal, contradiz também a tese do animal político de Aristóteles. Para Aristóteles, os homens são animais políticos que devem viver em sociedade, em que uns ajudam os outros. Para Hobbes, eles tendem a olhar somente para si mesmos, para os seus interesses e assim vão inevitavelmente à guerra. Em toda a situação, defende o Estado forte como sendo o único capaz de instituir e manter a ordem social, no sentido de evitar a guerra.

"O homem é lobo do homem", frase que imortalizou Hobbes, recebeu represálias de muitos outros pensadores: se o governante age exclusivamente pelo seu interesse pessoal, como pode defender os interesses dos demais cidadãos? Além do mais, à medida que desconfiamos do outro o outro tem todo o direito de desconfiar de nós. Isso gera um clima de desconfiança geral, o que não condiz com a realidade dos fatos. Por isso, a lei áurea proposta pelos grandes pensadores da humanidade tem mais peso, ou seja, "fazer ao outro o que gostaríamos que nos fosse feito caso estivéssemos na mesma situação". (FRATESCHI, Yara. Hobbes: a Instituição do Estado. In: FIGUEIREDO, Vinicius (org.). Filósofos na Sala de Aula. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2007, vol. 2.)

Thomas Hobbes, em Leviatã, crê que, por natureza, não existe o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado. Temos, por natureza, o direito do que desejamos. Cria um ser humano sem consciência, pois não faz nenhuma distinção moral entre o bem e o mal. 

Para Hobbes, o Estado soberano é um Deus mortal. Acha que o homem só cumpre a lei quando é atemorizado pelo Estado; quanto mais forte o Estado, menos serão as transgressões. “Hobbes foi o teórico do absolutismo político; considerava o Estado uma entidade digna de veneração, um Deus mortal pouco abaixo de Deus imortal, um Leviatã, o invencível monstro descrito na Bíblia (Livro de Jó)”.

(1) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(2) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

Notas de Livro

O Estado como homem forte

Thomas Hobbes: Leviatã (1651)

Cidadãos de países ocidentais, que zelam por sua liberdade, reagem defensivamente e desconfiam quando o Estado tenta ampliar a sua autoridade e intervir nessa liberdades. Em outras partes do mundo, em que reinam o direito dos mais fortes, a corrupção e a criminalidade, os cidadãos esperam do Estado a segurança jurídica que os proteja.

Thomas Hobbes, Leviatã, como Platão, em A República, quis delinear uma ordem política em que a paz e a estabilidade estivessem asseguradas. Por isso, defendia que todos os cidadãos e todos os grupos da sociedade se submetessem, incondicionalmente, ao poder do Estado. Somente o Estado poderia defender o cidadão contra as arbitrariedades.

Thomas Hobbes foi o fundador da chamada “teoria do contrato”.

Filho de clérigos, passou grande parte de sua vida como preceptor em famílias nobres. Com isso, viajou conheceu outros países. Durante a sua terceira viagem, teve oportunidade de conhecer René Descartes, fundador do racionalismo moderno e Pierre Gassendi, filosofo naturalista.

Quando porém, em 1636, conheceu Galileu Galilei, aprendeu dele a mecânica, que foi base de seu próprio pensamento.

Do cidadão foi planejado como terceira e última parte de uma obra maior. Foi publicado em 1642, antes das duas outras partes, Do corpo e Do homem, que foram publicados somente em 1655 e 1658, respectivamente.

Com a frase “homo homini lúpus” — “o homem é o lobo do homem”, Hobbes não apenas descreve a situação do homem no estado de natureza, massa também revela sua concepção do homem.

Leviatã é composto de quatro partes extensas. 1) “Do homem”; 2) “Estado”, considerada a principal do livro; 3) “Do Estado cristão”, em que compara a concordância entre sua nova filosofia política e a doutrina cristã; 4) “Do reino das trevas”, título aparentemente religioso em que interpreta o reino bíblico de Satanás como reino das ilusões e ignorância.

Famosa frase de Hobbes: “Covenants, without the Sword, are but Words” — Pactos sem espadas são apenas palavras”, presente no capítulo 17 do Leviatã.

Para estabelecer um poder que possa impor a paz também pela espada é necessário um “contrato social”, válido para todos.

Segundo Hobbes, “é ao surgimento daquele grande Leviatã, ou melhor, (...) daquele Deus mortal, que devemos, abaixo do Deus imortal, nossa paz e nossa segurança.

A teoria hobbesiana de que soberano é instalado por meio de um contrato social possui um aspecto democrático e outro totalitário.

Deve-se a Rousseau a ideia que mais se aproxima daquela do soberano de Hobbes, ou seja, a de uma “volonté générale”, uma “vontade geral” que representa a vontade de todos e, por essa razão, não pode sofrer nenhuma resistência.  

ZIMMER, Robert. O Portal da filosofia: Uma Breve Leitura de Obras Fundamentais da Filosofia Volume 2. Tradução Rita de Cassia Machado e Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

 

 




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