À pergunta: "Quem é Frankenstein?",
responderíamos que ele é um monstro com passo arrastado, poucas e indistintas
palavras, um rosto desmedido e o pescoço ladeado por parafuso. Dado o seu
instinto de assassinar as crianças, diríamos que suas ações são contrárias àquelas
praticadas pelos seres humanos normais. Com esta noção, temos a impressão de
conhecer perfeitamente esta figura "mitológica".
Esta é a imagem que as diversas
produções cinematográficas tentam nos passar. Acontece que no livro ele, longe
de ser um bronco quase mudo, fala tão e eloquentemente que quase convence o seu
criador e o leitor de sua bondade intrínseca, além de ser vegetariano e se
vangloriar disso. Eis aí o paradoxo do conhecimento. Temos certeza de que
conhecemos, mas estamos raciocinando com uma imagem falsa. É que a imagem do
filme, muito mais forte do que o próprio livro, criou um "mito" e nós
acabamos convivendo com ele, sem o percebermos.
Para uma avaliação mais correta de quem
foi Frankenstein, devemos nos reportar ao seu autor, por sinal uma
mulher de 19 anos, Mary Shelley, que escreveu esta peça literária, em 1816, no
sentido de atender ao concurso familiar sobre contos fantasmagóricos, sugerido
por Byron. Esse trabalho, longe de ser motivo de sensacionalismo, evoca a
tradição antiga, a religião e a filosofia. No campo da tradição antiga, cita Ilíada;
no campo da religião, fala "aos misteriosos medos de nossa natureza";
no campo da filosofia, evoca as ideias de Locke (tabula rasa), Rousseau
(Contrato Social), Descartes (Discurso do Método) etc.
Os discursos da sociedade estão
presentes em Frankenstein. Ele representa uma metáfora política, em
que na primeira parte de sua existência tenta concluir o contrato com os outros
homens; na segunda parte nega, pela violência, o contrato que os outros
concluíram e o excluíram. Observa-se assim uma enorme contradição: ele quer se
ajustar à sociedade, mas esta o rejeita. Fica no isolamento e na solidão, o que
lhe engendra desejo de vingança. Por isso, o assassinato de crianças.
Uma reflexão mais profunda sobre esse
mito deveria estimular uma mudança de atitude com relação aos aparentemente
excluídos da sociedade. O sangue que corre nas veias do pobre não é da mesma
natureza daquele que corre nas veias dos nobres? Por que a atenção dispensada aos
ricos e o desprezo aos pobres? Se todos somos filhos de um mesmo Pai, se todos
viemos de uma mesma origem, por que essa mania de grandeza com relação aos
menos afortunados?
Tenhamos sempre em mente a procura da
verdade. Muitas vezes ela se esconde atrás dos fatos. Cabe-nos, pois,
revolvê-los se quisermos extrair o suco saboroso do conhecimento superior.
Fonte de Consulta
LECERDE, J. J. Frankenstein,
Mito e Filosofia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1991.
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