03 março 2025

Convite a Platão, de Giovanni Reale

Convite a Platão, de Giovanni Reale, com tradução de Maurício Pagotto Marsola, foi publicado pela editora Loyla, em 2022. Este livro trata da questão platônica, da teoria das Ideias e dos primeiros princípios, do conhecimento e da dialética, da arte e do amor platônico, da concepção do homem, do Estado (Politeia) Ideal, da Academia platônica e os sucessores de Platão. Em cada um dos capítulos, há uma síntese dos diálogos e um aprofundamento do tema em questão.

Platão foi um filósofo da Grécia antiga que, antes de filosofar propriamente dito, tinha uma queda para a política. Platão é conhecido por meio de suas inúmeras obras: "Apologia de Sócrates", "Crátilo", "Críton", "Eutifron", "Protágoras", "Fédon", "Parmênides", "Sofista", "Timeu"... A importância de suas ideias fez Alfred North Whitehead (1861-1947), filósofo e matemático, afirmar — célebre afirmação — que a filosofia ocidental é uma série de notas de rodapé de Platão.  

Neste livro, verificamos que a essência de sua filosofia encontra-se na teoria das Ideias, uma espécie de paradigma que não se encontra no mundo dos sentidos físicos, mas no além, chamado de topus uranus ou hiperurânio. Tudo o que aqui temos são sombras das formas perfeitas que estão no suprassensível. Esta tese é central, porque todos os argumentos evocados têm como pano de fundo esse conceito fundamental.  

Sobre a imortalidade da alma. No Fédon, Platão diz que a alma humana é capaz de conhecer as realidades imutáveis e eternas; mas, para poder apreendê-las, deve ter, necessariamente, uma natureza que lhes seja afim, pois, de outro modo, elas estariam fora de sua capacidade de compreensão. No Timeu, Platão especifica que as almas são geradas pelo Demiurgo com a mesma substância com a qual foi feita a alma do mundo (composta de "essência", de "identidade" e de "diversidade"). Elas têm, portanto, um nascimento, mas não estão sujeitas à morte, assim como não está sujeito à morte tudo aquilo que diretamente produzido pelo Demiurgo.

Há muitos assuntos a explorar. Como exemplo, ilustremos apenas um deles:

O primeiro paradoxo é desenvolvido sobretudo no Fédon. A alma deve buscar fugir o máximo possível do corpo, por isso o verdadeiro filósofo deseja a morte e a verdadeira filosofia é "exercício da morte". O sentido desse paradoxo é muito claro. A morte é um episódio que ontologicamente diz respeito apenas ao corpo; além de não causar danos à alma, lhe traz grande benefício, permitindo-lhe viver uma vida mais verdadeira, uma vida totalmente recolhida em si mesma, sem obstáculos ou véus, inteiramente unida ao inteligível. Isso significa que a morte do corpo desvenda a verdadeira vida da alma. Portanto, o sentido do paradoxo não muda invertendo-lhe a formulação; antes, especifica-se melhor: o filósofo é aquele que deseja a verdadeira vida (morte do corpo) e a filosofia é exercício da verdadeira vida, da vida na dimensão pura do espírito. A "fuga do corpo" é a recuperação do espírito.

 

 

 

13 fevereiro 2025

Sócrates e a Responsabilidade

As grandes ideias — que perfazem mais de 2500 anos — têm fracassado na penetração do coração humano. Os ideais da tradição judaico-cristã e do cristianismo, rememorados por milhões de pessoas, não têm sido suficientes para impedir as atrocidades de uma guerra global, holocaustos e assassinatos em massa. Cristo, Moisés e Platão têm permanecido apenas como ideias. Mas as ideias não transformam o ser humano?

A filosofia do mundo ocidental nasceu da percepção de impotência da mente. Para Sócrates, tanto a religião como a ciência de seu tempo não estavam orientando o homem à virtude. É bom esclarecer o sentido específico da virtude: Sócrates dizia que a virtude consistia no objetivo da vida humana. O termo “autodomínio” não possui esta tonalidade precisa do significado, isto é, que o único objetivo digno de um ser humano é a criação de um canal de responsabilidade e relacionamento entre a verdade, ideias e mente, de um lado e as estruturas inconsistentes da natureza humana, de outro.

Sócrates não focou especificamente na ciência, na religião, na arte, na política. Ele apenas questionava e interrogava. Mas, em que consistia o questionamento socrático? Consistia em rasgar continuamente o mundo das aparências. Fica a seguinte dúvida: se a virtude era o objetivo de Sócrates, por que era perseguida por intermédio de questionamentos ao invés da exposição de doutrinas, de análises conceituais, sínteses de grandes ideias?

Penetrar além do mundo das aparências significa pôr em xeque nossas crenças, opiniões e certezas, não apenas com respeito aos objetos, mas a nós mesmos. Para Sócrates, o canal da virtude, o poder da verdadeira filosofia, reside no poder de auto indagação. Podemos amar a grandeza da verdade; contudo isso, por si, não nos modifica, não nos transforma.

Tudo o que sabemos de Sócrates veio por intermédio de Platão. Platão apresenta Sócrates como um homem que nada sabe, cuja “sabedoria” consiste no fato de que apenas ele, dentre todos os atenienses, se dá conta da própria ignorância. Aí está a raiz da “ironia” socrática. 

Fonte de Consulta

NEEDLEMAN, Jacob. O Coração da Filosofia. Tradução de Júlio Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1991.

Notas sobre a Autoridade

Autoridade. Do lat. auctoritas, que por sua parte deriva-se do verbo augere, aumentar, crescer, criar e dá, como substantivo, autor.

O argumento de autoridade fundamenta-se na posição de alguém, considerado como conhecedor competente de determinada matéria. Na religião, baseia-se nas revelações, as quais são obtidas por meio de indivíduos escolhidos pela divindade. Na ciência, possui valor relativo, pois exige verificação e confirmação. Na filosofia, o argumento da autoridade é falho, pois na filosofia a única e verdadeira autoridade é a demonstração.

Em se tratando da ciência e da filosofia, a prova é o elemento preponderante. Observe que a ciência é o conhecimento das causas cujas afirmações são provadas. A prova pode ser a experimental ou a demonstração lógica. A ciência observa e experimenta, e a filosofia demonstra. O filosofar apenas opinativo é um filosofar prático e não teórico, é um filosofar primário.

Santo Agostinho distingue autoridade divina da humana: Auctoritas autem partim divina est, partim humana; sed vera, firma, summa ea est quae divina nominatur. (A autoridade, contudo, é parte divina e parte humana; mas a verdadeira, firme, suprema, é a que se chama divina). Portanto, Deus é a mais alta autoridade.

Alguns tipos de autoridade

Autocracia. O poder de si mesmo, gerado de si mesmo. A capacidade de exercê-lo e legislar acima de qualquer outro. Consiste no poder entregue a uma autoridade arbitrária, a qual se acha nas mãos de um homem ou de um grupo, ou de um partido. Assim: despotismo, oligarquia, ditadura. Opõe-se à democracia.

Autoridade carismática.  É a ascendência que exerce uma pessoa sobre outra ou grupos sociais, dando-lhes a impressão e a convicção de possuir um poder que transcende a natureza humana.

Democracia. É o sistema político no qual os cidadãos, independentemente de castas, classes, estamentos, exercem a autoridade, quer por si mesmos (democracia plebiscitária) quer por intermédio de delegados ou representantes do povo (democracia eletiva).

Ditadura. Sistema político no qual uma pessoa ou um pequeno grupo tem a total autoridade sobre a vida política de um povo, sobre o qual legisla e executa suas leis, sem subordinação de qualquer espécie a nenhum outro poder.

Fonte de Consulta 

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.


06 fevereiro 2025

Apetite e Beatitude

Apetite. Em termos fisiológicos, apetite é o desejo por comida. Na concepção filosófica, o “apetite”, do gr. peto, pedir, solicitar, partir para algo (daí — ím - peto) indica a propensão para algo desejado, conveniente e adequado ao apetecente. É uma espécie de impulso veemente que nos leva a satisfazer desejos e necessidades. Na Escolástica, é o desejo implicado numa tendência.

Como o desejo está entrelaçado ao apetite? Pode-se dizer que o desejo tem uma característica mais violenta e apaixonada como se vê na expressão latina cupidus gloriae (ansioso pela glória). Há, porém, uma diferença sutil entre desejo e apetite. O apetite apresenta um aspecto mais “técnico” e ao mesmo tempo mais geral. Assim sendo, o desejo pode ser descrito como uma forma de apetite; por outro lado, o apetite nunca poderá ser descrito como uma forma de desejo.

Qual a relação entre apetite e vontade? Pode-se dizer que a vontade é um apetite intelectual e difere sensivelmente do apetite sensitivo.  Como um ser só aspira ao que é adequado à sua natureza, a sua tendência à busca das coisas imateriais, reforça a ideia de que a sua natureza não pode ser apenas material, ou seja, aspirar somente aos bens materiais.

Beatitude vem de beare, apetecer. O ser humano tende para o bem e apetece-lhe a felicidade perfeita — beatitude. O apetite é uma tendência para uma coisa conveniente, adequada ao ente. Há, assim, o tender da coisa para o seu próprio bem. Essa apreensão pode ser perfeita ou imperfeita. Daí, podemos dizer que o apetite elícito — legal, aceitável e lícito — que se segue à apreensão imperfeita do fim é o apetite sensitivo; e o elícito, cuja apreensão é perfeita, é o apetite racional, é a vontade.

Na Ética a Nicômaco de Aristóteles, a beatitude é o estado de satisfação em que não há mais carências, ausências. É o estado ideal do sábio, porque a sabedoria liberta o homem das carências e das ausências, e só ela lhe pode dar a plenitude da tranquilidade, que é o momento que se eterniza, em que a alma humana perdura, satisfeita por nada mais carecer.

Nas religiões, o estado de beatitude é alcançado por aqueles que, cumprindo os ritos e as normas religiosas, conseguem libertar-se de tudo quanto amesquinha e corrompe, e penetram assim na visão frontal da divindade, que é o estado beatífico.

Fonte de Consulta

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

 

21 janeiro 2025

Filósofo como Pensador

O filósofo é um pensador. O pensador é um tipo de trabalhador, que necessita de ideias. Nesse caso, as ideias podem ser consideradas a matéria-prima do filósofo. E o que são as ideias? Algo invisível que se passa em nosso cérebro. Embora invisível, elas têm materialidade, pois algumas delas atordoam, ou seja, "ficam martelando em nossa cabeça". Detalhe: o filósofo procura trabalhar com ideias que duram para sempre.

Ideias e coisas. Podemos dizer que a ideia de alguma coisa é a imagem mental dessa coisa, é a sua representação abstrata em nossa mente. Pode-se-dizer que há a imagem mental particular e a imagem mental geral. Quando vemos uma cadeira, temos a imagem particular da cadeira. Contudo, se pensarmos no objeto cadeira, temos o sentido geral, ou seja, o conceito, que é a representação abstrata que vale para todas as coisas conhecidas pelo mesmo nome.  

Ideias e realidade. A realidade não é transparente. Para conhecê-la, precisamos des-cobri-la, isto é, iluminá-la. Por esta razão, cada um de nós vê a realidade de um modo particular, segundo a nossa visão de mundo. O que categorizamos como realidade é ao mesmo tempo a realidade que está aí, fora de nós, e a realidade que fazemos, que imaginamos, que construímos por meio de nossas imagens, nossas ideias.

O que nos cabe fazer? Uma espécie de viagem em busca da descoberta da realidade. Observe algumas das grandes invenções da humanidade. A ideia estava na realidade, mas ninguém até aquele momento teve capacidade de descobri-la. Foi preciso a vinda de um gênio para nos aclarar sobre aquele objeto.

Além da descoberta de uma realidade física, há também a descoberta de uma realidade espiritual. A esses descobridores damos o nome de profetas, místicos, iluminados.

Fonte de Consulta

GOTO, Roberto Akira. Começos da Filosofia. Campinas, SP: Editora Átomo, 2000.

 

08 janeiro 2025

Filosofia como Esclarecimento

 A verdadeira filosofia consiste em reaprender a ver o mundo. (Maurice Merleau-Ponty)

Maneiras de se entender a filosofia como um processo de esclarecimento: autoconhecimento e reflexão crítica; busca pela verdade; análise do mundo e da realidade; desafiar o status quo e a autoridade; pensamento sistêmico e profundo; liberação de preconceitos e ignorância.

Filosofia. Proveniente do grego, significa amor à sabedoria. A atividade filosófica busca respostas para o conhecimento, a existência, a razão, Deus... Esclarecimento. Este termo possui diversas acepções, mas em seu sentido mais amplo, refere-se ao ato de iluminar, de tornar claro e compreensível algo que antes era obscuro ou desconhecido. Na filosofia, o esclarecimento está ligado à busca pela razão, à libertação do pensamento e à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Tratar a filosofia como esclarecimento envolve abordá-la como uma ferramenta que visa promover o entendimento profundo, a reflexão crítica e o questionamento sobre os aspectos fundamentais da vida, do conhecimento, da ética, da política, da verdade e da existência. O esclarecimento filosófico busca expandir a mente humana, levando à reflexão e ao entendimento mais apurado das questões que cercam o mundo e nossa vivência nele.

Em termos históricos, devemos nos reportar à Grécia Antiga, quando alguns pensadores começaram a questionar mito para, em seguida, analisar tudo sob o guante da razão, da racionalidade.

Eis alguns desses pensadores:

Sócrates: Ele acreditava que o processo de questionar, investigar e refletir constantemente era essencial para atingir um nível mais elevado de compreensão e sabedoria.

Immanuel KantO filósofo tradicionalmente desafia as normas estabelecidas e questiona a autoridade. Isso está ligado ao conceito de esclarecimento que Immanuel Kant desenvolveu em seu famoso ensaio "Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento?". Ele disse que o esclarecimento é a capacidade de sair da menoridade, ou seja, do estado de dependência das ideias de outros, buscando a autonomia intelectual. A filosofia, assim, age como um meio de libertação mental, permitindo que os indivíduos pensem por si mesmos.

Friedrich Nietzsche: Ele via a filosofia como uma maneira de questionar as normas sociais e os valores estabelecidos, incentivando o indivíduo a criar seus próprios valores e buscar um entendimento mais profundo de si mesmo.

Entendamos, assim, que a filosofia não é apenas um conjunto e teorias abstratas, mas uma prática de vida que aspira ao desenvolvimento da razão, e à construção de uma visão crítica do mundo e de nós mesmos.



07 janeiro 2025

Chesterton, Gilbert Keith

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), nascido em Londres, foi escritor, poeta, crítico de arte, jornalista, teólogo... Sua vasta obra, em torno de 80 livros, abarca desde os clássicos de seu pensamento crítico e apologético como Ortodoxia e O Homem Eterno até ficções como O Homem que Foi Quinta-Feira, além dos muitos livros de seu renomado detetive, Padre Brown.  Sua obra teve considerável influência sobre nomes que vão desde C. S. Lewis até Jorge Luís Borges.

Convertido do anglicanismo ao catolicismo, é também considerado filósofo e teólogo pela profundidade de suas reflexões sobre a fé e o mundo moderno.

Escreveu nos mais variados estilos de texto, indo da fantasia e dos contos que inspiraram a criação do famoso Sherlock Holmes a tratados de filosofia e teologia. Criou uma teoria econômica não socialista e não capitalista, chamada distributismo (ou distributivismo). E existe até oração que pede por sua canonização. 

Seu trabalho alcançou todo o mundo e rendeu-lhe elogios de intelectuais das mais distintas filiações políticas, desde socialistas a apologistas católicos. A quantidade de escritos que deixou é espantosa, considerando sua idade. 

Em seu livro Autobiografia, Chesterton confessa seu fascínio diante do mistério da criação, e demonstra seu agradecimento pelo milagre da vida:

“Um homem não se torna velho sem que o aborreçam; mas eu envelheci sem aborrecer-me. A existência é ainda uma coisa estranha para mim, e, como a um estrangeiro, dou-lhe as boas-vindas. Para começar, ponho o princípio de todos os meus impulsos intelectuais diante da autoridade à qual vim ao final, e descobri que estava aí antes que eu a pusesse. Encontro-me ratificado na minha realização deste milagre que é estar na vida; não de modo vago e literário, como o que usam os céticos, mas num sentido definido e dogmático: o de ter recebido a vida pelo único que pode fazer os milagres.”

Esse único que pode fazer milagres não é outro senão Jesus Cristo, a manifestação criativa e salvífica de Deus, a única ponte entre os homens e o Criador. Em Cristo, Chesterton encontrou abrigo e sua fortaleza.

Fonte de Consulta

100 Frases de G. K. Chesterton

WIKER, Benjamin. 10 Livros que Todo Conservador Deve Ler: Mais Quatro Imperdíveis e um Impostor. Tradução de Mariza Cortazzio. Campinas, SP: VIDE Editorial, 2016.