07 outubro 2025

1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar (Notas de Livro)

Título1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar

Autor: Robert Arp

ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.

A

Adão Cromossomial — Y (2000) [Peter Underhill]

A identificação de nosso ancestral masculino comum mais recente 

"Somos todos africanos no nível do cromossomo Y e somos realmente todos irmãos." (Peter Underhill)

O cromossomo Y humano não se recombina com o cromossomo X, mas é transferido intacto de pai para filho. Com o tempo pode sofrer mutações, que podem ser usadas para identificar a descendência patrilinear. Isso deu ao biólogo molecular Peter Underhill, da Universidade Stanford, a base para um programa de pesquisa que em 2000 revelou que  o ancestral comum mais antigo do qual descendem todos os homens atuais viveu em torno de 59 mil anos atrás. 

A mídia brincou com a diferença de idade entre o Adão cromossomial - Y e sua equivalente feminina, a Eva mitocondrial, que viveu uns 84 mil anos mais cedo e fora identificada uma década antes. Usar os nomes dos dois primeiros seres humanos da Bíblia pode induzir ao engano: essas não foram as primeiras pessoas, apenas as mais antigas detectadas. Essas digressões desviaram a atenção das descobertas mais importantes de Underhill, relativas à migração. Seu estudo de 167 mutações no cromossomo Y de 1062 homens de 21 regiões geográficas fê-lo concluir que não houve um só grande êxodo da África: alguns seres humanos antigos haviam deixado o continente e mais tarde seus descendentes voltaram para lá; outros foram para a Austrália ou Índia e Ásia e depois para a Europa. Underhill também descobriu que existem menos linhagens do cromossomo Y do que mitocondriais, provavelmente porque os homens eram mais promíscuos. 

A descoberta do Adão cromossomial — Y representa um grande avanço na arqueogenética — a reconstituição da história humana com base nos indícios dos genes. 

Alegoria da Caverna (c. 360 a.C.) [Platão]

A metáfora de Platão para a condição humana e a necessidade da educação.

Alegoria da Caverna aparece no diálogo socrático de Platão (424-384 a.C.) no livro A República. O texto começa com uma caverna subterrânea habitada por prisioneiros acorrentados desde a infância. Os prisioneiros só podem olhar para o fundo da parede, onde sombras oscilantes estimulam as suas imaginações e os levam a pensar que tudo o que eles imaginam é real. No entanto, se um prisioneiro se libertasse e pudesse ver a origem das sombras — pessoas caminhando ao redor de uma fogueira —, ele começaria a reavaliar aquilo que considerava como real. E, se o prisioneiro escapasse da caverna, ele seria então capaz de ver o próprio sol, que ilumina tudo no mundo da forma mais real. Mas, se esse homem livre voltasse para a caverna e explicasse as suas descobertas para os outros, ele não mais estaria acostumado à escuridão que eles compartilhavam, e aos ouvidos daquelas pessoas ignorantes ele pareceria um tolo ou algo pior. 

Essa alegoria foi muito influente na história da filosofia devido à sua representação sucinta no pensamento epistemológico, ético, metafísico e pedagógico de Platão. A caverna representa nosso mundo: nós, humanos, somos prisioneiros capazes de imaginar coisas como sexo, poder e dinheiro — aspectos irresistivelmente reais e importantes da vida —, quando, na realidade, essas coisas são sombras de realidades maiores do que nós somos capazes de conhecer. O fogo é a inspiração que nos ajuda a ascender até finalmente depararmos com a realidade. A volta do prisioneiro libertado para a caverna representa o dever ético do filósofo, que, tendo descoberto a verdade, tenta ajudar os outros a buscar a iluminação. 

Anticlericalismo (1517) [Martinho Lutero]

Crença de que os sacerdotes atrapalham tanto Deus quanto o exercício da razão. 

"Todo homem deve fazer duas coisas sozinho: sua própria crença e sua própria morte." [Martinho Lutero, 95 Teses (1517)]

Movimentos anticlericais eram e continuam sendo profundamente preocupados com a preservação da relevância da religião. A Reforma Protestante do século XVI, supostamente um movimento fundamental no desenvolvimento político, social, artístico e religioso do mundo ocidental, é um exemplo claro de como o anticlericalismo foi capaz de mudar a cultura e a religião ao mesmo tempo. 

O protesto contra a Igreja Católica as 95 teses que Martinho Lutero (1483-1546) pregou na porta da igreja de Todos os Santos em Wittenberg em 1517, continha ataques às doutrinas, aos rituais e à estrutura clerical do catolicismo, dando especial atenção aos clérigos que convenciam as congregações de que, sem a intervenção direta de um padre e o pagamento que inevitavelmente se seguia a tal intervenção, um fiel não seria capaz de se comunicar com Deus e muito menos de entrar no Paraíso. Os argumentos de Lutero alimentaram a obra de filósofos do Iluminismo como Voltaire, que, apesar de não se interessar pela reforma das práticas religiosas, defendia a primazia da razão sobre todo o resto. Pessoas envolvidas com a igreja, portanto, como geralmente não cultivavam o uso da razão, impediam o progresso social. 

O anticlericalismo e seus defensores abriram caminho para que o humanismo, a ciência e a razão prosperassem, o que, por sua vez, encorajou a tolerância religiosa. O pensamento humanista dá acesso a Deus para todos os indivíduos, sem reservá-lo ao trabalho de um padre, o que enfraqueceu o poder da religião organizada sobre assuntos seculares e pessoais.  

Antropomorfismo (c. 40.000 a.C.) [Origem Desconhecida]

Atribuição de características humanas a seres não humanos

Antropomorfismo — das palavras gregas para “humano” (antropos) e “forma” (morphe) — refere-se à atividade ancestral de atribuir características humanas a seres não humanos, como deidades, animais, vegetação ou elementos. Algumas das obras de arte mais antigas — O homem leão, de Hohlenstein Stadel (Alemanha), por exemplo — mostram animais com características humanas. Tradições xamânicas, que são conhecidas com esse tipo de arte, tendem a ver espíritos em todas as coisas, o que significa que quando atribuem características humanas, a árvores — chamando-as de “dríades”, por exemplo —, acreditam que o espirito da árvore, assim como o espírito humano, é o princípio que faz com que a árvore cresça e aja como humano. O mesmo se aplica a tudo, ou quase, na natureza.

Uma subcategoria do antropomorfismo é o antropoteísmo, no qual entidades não humanas elevadas — os deuses ou Deus — são representadas com características humanas. Platão (424-348 a.C.) acusou os poetas gregos de “contarem mentiras sobre os deuses”, pois pintavam deuses como Zeus com motivações humanas mesquinhas, e certas passagens bíblicas, como aquelas em que se descreve a “mão direita” de Deus, são comumente vistas como exemplos de antropomorfismo.

Em termos psicológicos, o antropomorfismo tem inúmeras implicações. Atribuem características humanas a um ser não humano pode altera a nossa visão e sentimento em relação àquele ser — ele pode parecer mais merecedor de cuidado moral e consideração, por exemplo. O processo do antropomorfismo pode também ser visto como uma forma de a mente simplificar entidades complicadas para ajudar a nossa compreensão.

Hoje o antropomorfismo continua como uma ideia importante em religiões xamânicas como o taoísmo e o xintoísmo. Também permanece como uma característica proeminente na cultura, desde personagens de desenho animado como o Pernalonga, até respeitadas obras da literatura, como A revolução dos bichos, de George Orwell (1945). 

Arte Funerária Egípcia (c. 3000 a.C.) [Egito antigo]

Preservação e homenagem àqueles que se foram para a vida após a morte.

"Para um nobre egípcio, um belo enterro era a grande aspiração."

A arte funerária egípcia foi motivada pela crença religiosa e cultural segundo a qual a vida continua após a morte, característica presente naquela sociedade desde aproximadamente 3000 a.C. Práticas como a mumificação, a criação de sarcófagos e a construção de pirâmides e tumbas eram executadas com a intenção de honrar e preservar o cadáver do falecido de forma a facilitar sua transição para a vida após a morte. Além disso, diversos objetos escolhidos com cuidado costumavam ser enterrados junto com o morto, incluindo posses ou itens mais valiosos de acordo com a riqueza e o status da pessoa em vida. 

A descoberta e a investigação da arte funerária egípcia se proveram de valor imensurável para arqueólogos que buscam reconstruir a ordem e a estrutura social da civilização no Egito antigo. Procedimentos como a preservação delicada dos órgãos internos do falecido em vasos canópicos durante o processo de mumificação servem para demonstrar a natureza elaborada e complexa dos sistemas de crenças estabelecidos, assim como o poder a importância da crença em uma pós-vida mantida no decorrer de toda a antiga civilização egípcia.  

Astrologia (c. 2000 a.C.) [Mesopotâmia/China]

Busca da humanidade por significados profundos no céu.

"Somos meras bolas de tênis das estrelas, atingidas e afetadas da forma que lhes agrada." [John Webster, A duquesa de Malfi (1613)]

A astrologia é um sistema de crenças que apela para os movimentos de corpos celestiais de forma a explicar características da vida humana ou prever eventos futuros. As origens antigas da astrologia remontam aos mesopotâmicos no segundo milênio a.C. e, na mesma época, aos povos da China antiga. O sistema astrológico chinês é distinto pelo uso de animais para simbolizar os doze anos do zodíaco, começando com o ano do rato e terminando com o ano do porco. Cada animal é associado com um conjunto de características de personalidade atribuídas àqueles nascidos em determinado ano.

Em contraste, os sistemas astrológicos desenvolvidos na Índia antiga e no sul da Ásia tinham um enfoque maior na previsão do destino das pessoas. Esse foco alternativo também apareceu na astrologia ocidental e persiste em sua manifestação moderna, no qual se vê que os eventos na vida de uma pessoa podem ser previstos e explicados pelos movimentos das estrelas e dos planetas. Essa forma de astrologia usa signos do zodíaco tropical e é bem conhecida no mundo ocidental por meio dos horóscopos. 

Embora essa forma de astrologia ocidental tenha sido amplamente desacreditada como pseudocientífica no mundo moderno, é difícil de subestimar sua influência como ideia.  Não são poucas as pessoas que consultam diariamente o horóscopo. 

B

Bode Expiatório (c. 1500 a.C.) [Israel antigo]

Individuo escolhido para arcar com a culpa que, na realidade, cabe a um grupo

Desde o início da história registrada, o homem fez sacrifícios para Deus ou deuses. Os sacrifícios mais comuns eram de apaziguamento, usados para expressar o pesar a Deus ou aos deuses por alguma transgressão cometida e para pedir pela reconciliação e pelo retorno das boas graças da figura divina. Desde 1500 a.C. os antigos israelitas eram um dos muitos grupos a utilizar essa prática, que desenvolveram na forma específica de um bode expiatório — um bode que simbolicamente sustentava os pecados das pessoas e era expulso do acampamento de forma a mostrar a Deus como as pessoas sentiam pesar por seus maus atos.

A palavra e a compreensão do conceito de um bode expiatório vêm dos antigos israelitas, mas não foram apenas eles que o aplicaram. Os gregos antigos, por exemplo, falavam de phramkoi, ou uma pessoa que, simbolicamente, carregava culpa pelos problemas do povo e, como consequência, era exilada ou até mesmo morta para agradar a deuses e eliminar o infortúnio coletivo do grupo.

Além de divergir quanto ao uso de um animal ou de um humano, os israelitas e os gregos também discordavam quanto à qualidade do bode expiatório. Os hebreus costumavam reservar a melhor espécie de animal para essas atividades, enquanto os gregos intencionalmente buscavam as pessoas menos desejáveis — escravos e aleijados — para cumprirem a tarefa

A representação na Bíblia cristã de Jesus como “o cordeiro de Deus", que morreu pelos pecados de muitos, é outro exemplo-chave desta ampla tradição de apaziguamento e penitência por meio de um bode expiatório. No entanto, diferentemente do animal, que não pode literalmente remover os pecados cometidos pelo homem, ou do homem imperfeito, que nunca se candidatou para o papel, Jesus foi visto por muitos cristãos como o sacrifício e o apaziguamento perfeito para a justiça divina. A ideia de um bode expiatório foi importante em diversas culturas e mantém muita importância hoje, em grande parte devido ao cristianismo.

C

Célula (1665) [Robert Hooke]

Unidade microscópica que é a base da estrutura e do funcionamento de todos os organismos vivos. 

"São as células que criam e mantêm dentro de nós nosso desejo de viver e sobreviver." Albert Claude, discurso do Prêmio Nobel (1974)

Todos os seres vivos são compostos por células. As células contêm as informações hereditárias e derivam de células preexistentes. Todas as células são semelhantes em composição química em organismos de espécies semelhantes. 

A ideia de célula biológica surgiu em 1665, quando o naturalista inglês Robert Hooke (1635-1703) estava analisando fatias finas de cortiça num microscópio. Hooke notou o que chamou de "espacinhos" de encontro um com o outro num desenho que o fez lembrar da vista aérea das câmaras dos monges numa abadia. Em Micrographia (1665), obra relacionada às suas observações microscópicas, Hooke os chamou de "células", do latim cellula, que significa "quarto pequeno". O estudo de Hooke levou ao desenvolvimento da teoria celular, que se desenvolveu a partir dos esforços combinados de microscopistas como o holandês Antonie Philips van Leeuwenhoek, que descobriu as células sanguíneas em 1684. O botânico escocês Robert Brown observou o primeiro núcleo em células de plantas em 1833. Em 1839, o fisiologista alemão Theodor Schwann e o biólogo alemão Matthias Schleiden reconheceram que as células são as partículas elementares dos organismos em plantas e animais, e que alguns organismos são unicelulares e outros multicelulares. O paleologista alemão Rudolf Virchow confirmou o princípio da divisão celular, essencial para o crescimento e reprodução, em 1855.  

A teoria celular significou um avanço conceitual importante na biologia, estabelecendo as bases para grandes revoluções científicas no século XX, como a descoberta do DNA por James Watson e Francis Crick em 1953.  

Cientologia (1952) [Lafayete Ronald Hubbard]

Culto pseudocientífico que promete o autoaperfeiçoamento por meio de sessões de audição

"A Cientologia é uma prática do mal, que representa uma séria ameaça para a sociedade." (Juiz Anderson, Tribunal de Justiça da Austrália)

Lafayete Ronald Hubbard (1911-1986) entrou na Marinha americana em 1941. Envolveu-se em diversos incidentes. Foi dispensado. Possivelmente foi nesse momento que teve a primeira ideia da Cientologia. 

Primeiro surgiram as ideias sobre mente e corpo, que ele chamou de "dianética". Segundo Hubbard, o objetivo devia ser a subjugação de nossa "mente reativa", que nos impede de sermos mais éticos, centrados e felizes. A dianética envolvia a arte da audição — fazer perguntas cujo intuito é eliminar experiências do passado que alimentam a negatividade da mente reativa. Só enfrentando e respondendo a essas perguntas é que nosso verdadeiro potencial pode ser realizado. 

Hubbard incorporou essas ideias no corpo de crenças e práticas que ele batizou como cientologia, seita estabelecida me 1952, ensinando que não somos tudo o que podemos ser por causa da mente subconsciente e que todos devem se libertar dos pensamentos negativos, os chamados "engramas". Ao longo dos anos, porém, o espírito de autoaperfeiçoamento desse culto pseudocientífico não atraiu tanta atenção quanto os relatos de seguidores que sofreram de lavagem cerebral, bullying e extorsão. Diversos processos judiciais estão sendo instaurados para mitigar o dano causado por esses relatos. 

Cinema (1832) [Simon von Stampfer e Joseph Antoine Fernand Plateau]

Exibição de imagens individualizadas em rápida sucessão de modo a criar a ilusão de movimento

"O cinema é uma invenção sem futuro.” (Louis Lumière, cineasta)

A pelo menos dois homens se pode atribuir a invenção do truque visual que hoje chamamos “cinema”. Interessado nas experiências do físico britânico Michael Faraday (1791-1867) com a ilusão de movimento resultante da rotação rápida de objetos, o inventor austríaco Simon von Stampler (1792-1864) realizou, em 1832, experimentos próprios que o levaram a desenvolver um dispositivo com esse fim. O disco de Stampfer, apresentado ao público em dezembro de 1832, consistia na verdade em dois discos, um contendo ranhuras ao longo da borda, outro com figuras mostrando estágios de movimento. Quando o disco com ranhuras era girado na frente do disco com imagens, estas pareciam se fundir dando a sensação hoje familiar de movimento ininterrupto.

Mas Stampfer não estava só. Naquele mesmo ano, na Bélgica, Joseph Antoine Ferdinand Plateau (1801-1883), também inspirado por Faraday, trouxe à luz um dispositivo quase idêntico que chamou de fenacistoscópio. O fascínio de Plateau pela teoria da "retenção retiniana" — a ideia de que a imagem persiste na retina por um curto período de tempo — o levou a experiências com a observação direta do Sol. Uma década mais tarde, estava completamente cego. Nesse interim, em 1833, Stampfer se preparava para receber o reconhecimento imperial por suas descobertas.

Foram necessários mais de 60 anos para que os dispositivos de animação por eles inventados evoluíssem para o que hoje chamamos de cinema. Juntando quadros fotográficos individualizados, os irmãos franceses Auguste (1862-1954) e Louis (1864-1948) Lumière foram primeiros, em 1895, a projetar imagens fotográficas em movimento para um público pagante de mais de uma pessoa. Em 1896, o inventor americano Thomas Edison (1847-1941) fabricou o primeiro projetor comercialmente bem-sucedido. Suas invenções mudaram de forma radical o nosso modo de ver o mundo — visto que as nossas ideias são hoje quase totalmente sujeitas ao modo como o mundo se apresenta para nós. 

Comédia (c. 510 a.C.) [Grécia Antiga]

Narrativa alegre destinada a entreter em vez de ensinar.

Uma comédia é um drama — ou uma narrativa — destinado a divertir ou encantar. Costuma apresentar um final feliz para o protagonista; tende a se passar em ambientes familiares e usa linguagem coloquial, frequentemente bajulando a plateia com um senso de superioridade em relação aos personagens. A tradição da comédia dramática surgiu em 510 a.C. na Grécia antiga, por volta do tempo em que os fundamentos da democracia estavam sendo determinados. Sátiras políticas e sociais eram um aspecto-chave das primeiras comédias, junto com arlequinadas e piadas sexuais e escatológicas.  

Na Grécia antiga as maiores comédias foram as de Aristófanes (450-388 a.C.), cujas peças combinavam especulações filosóficas com sátira política, e de Menandro (342-292 a.C.), cujo estado de “Comédia nova”, envolvendo jovens amantes e personagens secundários, teve influência sobre dramaturgos romanos como Plauto e Tenêncio e, posteriormente, sobre William Shakespeare e Lope de Veja nos séculos XVI e XVII. No drama moderno, a comédia proliferou e se diversificou com uma variedade fascinante. Tipos importantes de comédia costumam ser identificadas com comédia romântica, com amantes superando mal-entendidos e obstáculos para conquistarem uma união feliz; comédia satírica, com críticas de pessoas ou práticas por trás do humor; comédia de costumes, com diálogos espirituosos em meios sociais sofisticados pouco sutis. Esses exemplos não são, de forma alguma, exaustivos. Com o advento do cinema surgiu a comédia macarrônica; com a televisão, comédia de situação.

Ao contrário da tragédia, sua contraparte, a comédia ainda se mantém firme no século XXI, e não apenas no drama. Chegou até mesmo a inspirar novas formas de arte, como a comédia stand-up.

Como é ser Morcego? (1974) [Thomas Nagel]

O estado mental de outro ser só pode ser entendido se for experimentado

“Se eu tento imaginar isso (morcego), sou restringido pelos recursos de minha própria mente.” Thomas Nagel, “Como ser um morcego?” (1974)

De acordo com o filósofo Thomas Nagel (n. 1937), ainda que possamos objetivamente descrever todas as qualidades físicas da existência como o uso do sonar por um morcego, jamais conseguiremos entender completamente a sensação de ser um morcego, porque não somos morcegos. Como é ser morcego? Jamais poderemos realmente saber, porque a consciência é mais do que apenas o processo físico da sensação.

Nagel publicou o seu artigo “Como ser um morcego?” em 1974, em grande parte em resposta ao que denominou “euforia reducionista” dominante na época. Nagel propôs seu argumento do morcego como um antídoto à posição reducionista de que todos os fenômenos mentais, tais como a consciência, poderiam ser explicados em termos puramente físicos. Os morcegos são tão estranhos a uma experimentação humana. Nagel argumentou, que é francamente impossível para nós entender seu conceito de mundo. Mesmo com nossa apreensão da realidade física, a compreensão da realidade pessoal dos morcegos fica prejudicada sem a experiência em primeira mão do que é viver como morcego.

A pergunta de Nagel vai ao núcleo da natureza experimental, subjetiva, da consciência, ainda que jamais possamos responder a ela. Para alguém completamente cego desde o nascimento, a palavra “cor” tem o mesmo sentido que para a pessoa que enxerga? Como poderia ter? E como uma pessoa poderia entender como é ter sempre vivido sem elas? Para Nagel, é impossível, ou quase, daí a consciência ser mais do que uma compreensão objetiva.

Cremação (c. 3000 a.C.) [Origem desconhecida] 

Prática de desfazer-se de cadáveres humanos por meio do fogo.

"Ele é cremado. O cisne da alma enfim alça voo, e escolhe para que lado irá." (Sir Guru Granth Sahib, Livro sagrado sikh)

A prática da cremação — a incineração de um cadáver — começou por volta de 3000 a.C., provavelmente na Europa e no Oriente Médio. A cremação é bem conhecida como uma característica importante de culturas da Índia, mas sua introdução naquele subcontinente se deu em tempos relativamente recentes, por volta de 1900 a.C. 

Desde 1000 a.C. os gregos antigos queimavam os corpos dos soldados caídos em batalhas em solo estrangeiro para que as suas cinzas pudessem ser repatriadas. Associada desta forma com heróis, a cremação passou a ser considerada o término mais adequado para uma vida bem vivida. Permaneceu como um símbolo de status na Roma antiga até a expansão, a partir do século I, do cristianismo, que ensinava que os mortos se reergueriam no fim dos tempos. Isso persuadiu os convertidos a enterrarem os seus mortos, para que os corpos ainda existissem no Dia do Juízo Final. 

Depois disso a cremação saiu de moda e foi proibida em alguns países. Uma das principais objeções não religiosas consistia na possibilidade de utilizar o  método para disfarçar crimes. A atitude global em relação ao conceito mudou no final do século XIX, em parte devido à publicação, em 1874, de Cremação: O tratamento do corpo após a morte, um livro escrito pelo cirurgião da rainha Vitória, Sir Henry Thompson. No Japão a cremação foi legalizada em 1875; o primeiro crematório dos Estados Unidos foi aberto em 1876; e em 1884 as cortes britânicas declararam que era permissível dispor de cadáveres humanos por meio desse processo. 

Atualmente a cremação esta muito bem estabelecida na maior parte dos países: no Japão é praticamente universal; na Grã-Bretanha e na Alemanha mais de 50% dos cadáveres são cremados. Apenas os Estados Unidos são contra a tendência: mais de 90% dos americanos ainda são enterrados. 

D

Dharma (c. 1500 a.C.) [Índia]

Crença de que o universo tem uma ordem intrínseca. 

Dharma vem da palavra sânscrita para "manter" ou "sustentar". No hinduísmo, dharma se refere à ordem intrínseca das coisas, tanto em termos de leis naturais quanto das normas sociais e éticas. 

No budismo, o dharma se refere não apenas à ordem natural/moral, mas também aos ensinamentos de Buda. 

Dharma é uma das justificações metafísicas centrais para o sistema de castas da Índia. A representação simbólica do dharma, o Dharmachakra, ou (roda da lei) aparece no centro da bandeira da Índia, representando a ideia de que verdade e virtude devem ser os princípios orientadores da nação. 

Dia do Juízo Final (c. 3000 a.C.) [Egito antigo]

Dia de acerto de contas em que as pessoas terão sua moralidade julgada por um deus. 

"O dia do Juízo Final é um conceito importante, mas este dia está sempre conosco." (Alfred North Whitehead, matemático)

O Dia do Juízo Final costuma ser entendido como uma referência a um dia no futuro quando indivíduos serão julgados com base na moralidade das suas ações por uma autoridade divina. A ideia de um Dia de Juízo Final pode ser atribuído aos antigos egípcios no terceiro milênio a.C. Eles acreditavam que após a morte a alma de uma pessoa entraria no submundo e percorreria o caminho até o seu próprio Dia do Juízo Final no Salão das Duas Verdades. Após o julgamento, a alma das pessoas boas seguiria para um pós-vida bem-aventurado, enquanto as almas más seriam entregues ao Devorador dos Mortos.

A ideia de um Dia do Juízo Final também surgiu em religiões posteriores e continua tendo lugar em sistemas de crenças  modernas. Em contraste com a história egípcia, no entanto, agora o Dia do Juízo Final é usado para se referir a um dia específico no qual toda a humanidade será julgada. A escatologia mais recente dessa espécie pode ser encontrada na religião zoroastrista, que surgiu por volta de 1500 a.C. Nela, o Dia do Juízo Final precede um mundo perfeito no qual todo o mal foi erradicado.

Essa noção de um mundo celestial surgindo após o julgamento final de todas as pessoas é uma característica familiar nas grandes religiões abraâmicas. O judaísmo postula um "Fim dos Dias" seguido pela Era Messiânica da Paz, e há muitos escritos no Corão islâmico voltados para a Qiyamah (Último Julgamento) e o tratamento subsequente dos íntegros e dos perversos no Céu e no Inferno. A ideia de um dia de julgamento também atraiu a atenção da sociedade secular, mostrando que o conceito de um juízo final, além de emergir em diferentes épocas e fés, também encontrou lugar nas profundezas da psique humana.  

Dicionário (c. 2300 a.C.) [Mesopatâmia]

Livro que junta em formato padrão todas as palavras de um idioma

“Cuide para que você nunca escreva uma palavra de maneira incorreta. Sempre considere como uma palavra é soletrada antes de escrevê-la, e, se não lembrar consulte um dicionário.” Thomas Jefferson, presidente dos Estados Unidos (1801-69)

O dicionário mais antigo do mundo data de aproximadamente 2300 a.C. A tabuleta em escrita cuneiforme bilíngue foi elaborada durante o reinado de Sargão da Acádia (2334-2279 a.C.), que unificou as cidades-estado sumérias e criou o Império Acádio da Mesopotâmia. O dicionário inclui palavras sumérias e suas contrapartes acadianas.

Os primeiros dicionários tiveram pouca importância em sociedades onde a comunicação oral era a norma. Dicionários complexos apenas se tornaram úteis após a invenção da escrita; somente se tornaram práticos após a invenção da imprensa; e só se tornaram realmente necessários depois que a alfabetização se disseminou. O dicionário codifica a linguagem e fornece uma forma de medição que o instruído pode aplicar na própria língua. Consultado por todos, o dicionário gerou uma uniformidade em relação a como a palavra escrita é usada, possibilitando uma comunicação livre e precisa — sem qualquer erro de ortografia. 

Dinheiro (c. 1200 a.C.) [Anatolianos antigos]

Uso de moedas para pagar bens e serviços

"Dinheiro não é uma das rodas do comércio: é o óleo que permite o movimento das rodas de maneira mais fácil e suave." [David Hume, Ensaios Morais, Políticos e Literários (1741-42 ]

As culturas antigas se baseavam primordialmente na permuta para trocar bens e serviços. Foi só por volta de 1200 a.C que a primeira forma monetária emergiu na Turquia antiga, quando as pessoas começaram a usara obsidianas como uma forma de troca. Embora a obsidiana pudesse ser usada para a criação de ferramenta de pedra, essas pessoas não a usavam com esse fim, empregando-a em vez disso como objeto de valor. Por volta do séc. VI a.C., na Turquia Ocidental, foi cunhada a primeira moeda derretida em ouro. O primeiro dinheiro de papel surgiu na China (século XI).

Sem dinheiro, os humanos teriam que permutar sempre que quisessem realizar algum tipo de comércio.  

Drama (c. 534 a.C.) [Téspis]

Tipo de espetáculo no qual uma história é encenada para entreter

“Drama” se refere a uma arte cênica, mas o termo também engloba as obras literárias associadas nas quais as encenações são baseadas. Enquanto aspectos do teatro como apresentação, fantasias e narrativas estavam presentes em todas as culturas antigas, Téspis, um cantor de poemas litúrgicos do século VI a.C., que viveu na Grécia antiga, foi creditado por Aristóteles (384-322 a.C.) pela invenção de um estilo no qual um cantor desempenha os diversos personagens da história com a ajuda de diferentes máscaras e Téspis encenou a primeira tragédia — e portanto o primeiro drama —por volta de 534 a.C.

Partindo desta origem, o drama não demorou para se desenvolver no mundo ocidental. Esquilo (525-456 a.C.) criou a peça mais antiga conhecida, Os persas, e foi o primeiro a introduzir um segundo ator na representação. Seu rival Sócrates (496-406 a.C.), foi o primeiro a introduzir um terceiro. Diversas tradições dramáticas continuaram se desenvolvendo em diferentes épocas e lugares.

Por boa parte da história o drama se deu no teatro. Mas nos séculos XX e XXI o gênero foi do teatro para novas mídias, incluindo rádio, cinema, televisão e internet. Essa adaptabilidade e prevalência generalizada mostra a vitalidade contínua desta forma de arte.

Dualismo (1637) [René Descartes]

Ideia de que a alma é algo distinto do corpo e as substâncias mentais são distintas das corporais

“Corpo e mente foram feitos para existir separados pela onipresença de Deus.” [René Descartes, Discurso do Método (1637)]

Em metafisica, uma "substância" geralmente se refere a algo que suporta ou baseia uma coisa. Em geral, uma substância é a dona e unificadora de suas propriedades essenciais e acidentais, e ela tem em si mesma o impulso de desenvolver ou atualizar suas capacidades ou propriedades potencial. Substâncias são geralmente consideradas coisas vivas não físicas, já que são capazes de manter a semelhança exata por meio da mudança (ao contrário das "coisas possuídas”, como carros e montes de areia)

Aristóteles (384-322 a.C.) e São Tomás de Aquino (1225-74) identificaram substâncias com almas, dizendo que substâncias como Deus, seres humanos, animais e árvores têm almas, apesar de as propriedades de cada tipo de alma variarem. Deus, por exemplo, tem uma alma/substância não criada, eterna e racional; um ser humano tem uma alma/substância criada, condicionalmente imortal e racional; um animal tem uma alma/substância criada, mortal e consciente; e uma árvore tem uma alma/substância criada, mortal e vegetativa. A maioria das religiões e filosofias aceita alguma forma de dualismo, propondo uma distinção entre substância (alma ou espírito) e fisicalidade e matéria.

Aristóteles ensinou que a alma forma o corpo que a possuí, tornando a interação entre as duas entidades bastante inteligível. Mas o filósofo racionalista René Descartes (1596-1650), em Discurso do método (1637), ensinou só há substâncias mentais (almas racionais) e substâncias físicas (matéria), e que elas não compartilham uma conexão íntima. Isso gerou o chamado "problema mente/corpo", que ainda aflige os estudantes de filosofia hoje em dia. 

Duplipensar (1949) [George Orwell]

Crença simultânea em duas ideias contraditórias com a mesma convicção

“Estar consciente da completa sinceridade enquanto conta mentiras cuidadosamente forjadas.” I-Ching (O livro das mutações, c. 1000 a.C.)

Cunhado pelo escritor britânico George Orwell (1903-1950) em seu romance 1984 (1949), o termo “duplipensar” refere-se à crença simultânea em duas ou mais ideias contraditórias, como “Guerra é paz”, “liberdade é escravidão”, “A vida é predeterminada, mas temos o livre-arbítrio”. Essas ideias não têm como ser simultaneamente verdadeiras, de modo que quem acredita nelas está incorrendo no duplipensar.

No romance, o governo, formado por um único partido político, dominante, controla a população com uma série de ferramentas de coerção, como propaganda, forças policiais secretas, tortura, sistema de vigilância onipresente e espiões. As pessoa só têm direito a acreditar no que contribui para os objetivos políticos do regime. Às vezes, o governo exige que o povo aceite duas ideias como verdade, embora elas sejam contraditórias. Dessa forma, pelo milagre do duplipensar os trabalhadores do Ministério da Paz podem travar guerras, enquanto aqueles que trabalham no Ministério do amor recorrem sem cerimonia à tortura para extrair falsas confissões.

A palavra duplipensar passou a ser utilizada na linguagem popular para descrever situações em que se expõem ideias contraditórias. Em termos psicológicos, o duplipensar é conhecido como “dissonância cognitiva” e ocorre quando o conflito de ideias faz com que o indivíduo mede suas crenças para torná-las mais compatíveis. As convicções políticas ou sociais podem ser examinadas e criticadas sob a ótica do duplipensar, o que ajuda a compreender por que os adeptos de uma ideologia, um partido ou uma doutrina costumam seguir de modo tão fervoroso ideias aparentemente contrárias a todo mundo.

E

Educação Compulsória (c. 360 a.C.) [Platão]

Sistema de educação que começa no nascimento e identifica os futuros líderes de uma sociedade. 

"Eu ensinava às crianças música, física e filosofia; mas música é o mais importante, pois os padrões na música e em todas as artes são a chave para o aprendizado." [Platão, A República (360 a.C.)]

A noção de educação compulsória se refere a um período de ensino obrigatório por lei ou por alguma autoridade comparável. 

Platão (424-348 a.C.), em A República (360 a.C.), descreve um sistema de ensino projetado para afetar a estratificação social, que, de acordo com o filósofo, é um pré-requisito para que a justiça prevaleça em um Estado. O sistema  de ensino de sua República tem início no nascimento, quando as crianças são removidas da família e criadas por um coletivo. Educadores são encarregados de monitorar as crianças de forma a identificar qualidades de liderança, para que aqueles com "ouro em suas almas" (Platão usa esse metal precioso como uma metáfora para o potencial de liderança) possam receber o treino adequado para assumir altos cargos no Estado, sendo o mais alto o cargo do rei filósofo. 

Em Leis (360 a.C.), uma obra posterior, apresenta um sistema de educação mais moderado, um pouco mais parecido com os sistemas contemporâneos. As crianças não são removidas de suas famílias e não há reis filósofos. Mas a estratificação social adequada permanece como objetivo. 

Elo Perdido (1863) [Charles Lyell]

Elo evolucionário entre o macaco e o homem: uma lacuna crítica do registro fóssil

O amigo íntimo de Charles Darwin, o geólogo britânico Charles Lyell (1797-1875) popularizou a expressão “elo perdido” para referir-se a um fóssil hipotético que exibisse traços de um ancestral e um descendente, prova da linha evolutiva da hereditariedade. Hoje, mais popular do que científica, o conceito de elo perdido é mesmo assim usado pelos críticos da teoria da evolução para alegar a sua inconsistência.

Lyell publicou Evidencias geológicas da antiguidade do homem, livro em que introduziu o conceito de “elo perdido”, em 1863. Percebendo, em suas pesquisas de camadas de rocha sedimentar, uma clara diferença no perfil dos fósseis encontrados em camadas adjacentes, mas de distintas épocas, ele cunhou a expressão “elo perdido” para explicar essa súbita transição. Por coincidência, 1863 foi o ano em que se usou pela primeira vez essa mesma expressão para criticar a teoria da evolução — no caso, o médico escocês John Crawford para quem a veracidade da evolução exigia a descoberta de fósseis que provassem que “o homem veio do macaco”.

Encarnação (c. 2000 a.C.) [Egito antigo]

Incorporação física do divino na forma animal ou humana

"E a palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a Sua glória, glória como do Unigênito, vindo do Pai." (Bíblia, João 1:14)

A encarnação descreve o nascimento ou a manifestação de um ser divino numa forma senciente, seja como humano ou animal. As origens dessa ideia podem remontar até o Egito antigo durante o segundo milênio a.C., quando se acreditava que os faraós eram encarnações dos deuses egípcios Hórus e Rá. Mas a ideia acabou sendo adotada por muitas das grandes religiões do mundo e é, possivelmente um dos aspectos mais controversos da crença religiosa hoje em dia. [Senciência é a capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.]

Uma das encarnações mais conhecidas e creditadas na história da religião é a de Jesus Cristo, que, na doutrina cristã, é o filho de Deus. A unidade do homem com Deus nessa encarnação é de importância central para os crentes cristãos, visto que representa a presença do divino num mundo humano. Tanto o islamismo quanto o judaísmo, no entanto, rejeitam categoricamente a ideia de que Jesus era a encarnação de qualquer forma de divino. Crentes da principal corrente islâmica consideram Jesus um profeta, ou um mensageiro de Deus, assim como Adão, Noé, Abraão, Moisés e Maomé. No judaísmo, por outro lado, nega-se que Jesus tenha sido qualquer espécie de profeta. Essa crença marcou uma diferença importante entre os fiéis judeus e cristãos após a morte de Cristo no século I. 

No mundo moderno, a ideia de reencarnação ainda mantém grande significância para muitos crentes religiosos. Desempenha um papel essencial no sistema de crença budista, que a consideram uma característica do ciclo contínuo de nascimento e renascimento, que pode ser quebrado apenas ao se atingir a iluminação. Além do mais, a ideia de encarnação continua a dividir as grandes religiões monoteístas, o que possibilita pensar neste conceito como um dos mais profundos e fundamentalmente divisores na história da humanidade.   

Equilíbrio Interrompido (1972) [Niles Eldredge e Stephen Jay Gould]

Teoria de que as espécies evoluem por períodos de rápida mudança entre longos períodos de mudança limitada ou inexistente. 

"Dois fatos notáveis de registro fóssil — a origem geologicamente 'súbita' de espécies novas e a incapacidade de mudarem depois (estase)— refletem as previsões da teoria evolucionária não as imperfeições do registro fóssil." (Stephen Jay Gould)

Desde que Charles Darwin publicou A origem das espécies em 1859, a biologia moderna tem se baseado na teoria de que as espécies mudam gradualmente com o tempo. Porém, em 1972, os paleontólogos americanos Niles Eldredge (n. 1943) e Stephen Jay Gould (1941-2002) publicaram um artigo intitulado "Equilíbrio Interrompido: uma alternativa ao gradualismo filético", sustentando que o modelo gradual era incorreto, ou ao menos incompleto. Os dois argumentavam que o registro fóssil não respaldava a visão da mudança gradual, mas mostrava que as espécies tendem a permanecer no mesmo estado conhecido como estase, por longos períodos de tempo. A mudança evolucionária ocorria apenas em, geologicamente falando, breves momentos do tempo.  

Espaço Sideral (c. 480 a.C.) [Leucipo]

O universo físico além da atmosfera da Terra.

"O espaço está apenas a 120 quilômetros de todas as pessoas na Terra — muito mais perto do que a maior parte dessas pessoas está da própria capital do país." [Daniel Deudney, Space: The High Frontier in Perspective (1982)]

O espaço sideral é o espaço vazio (ou praticamente vazio) que existe entre os corpos celestes. Na Terra, considera-se que começa a 120 quilômetros acima do nível do mar. Provavelmente o primeiro pensador a conceber corpos celestes separado por espaço vazio foi o filósofo da Grécia antiga Leucipo (séc. V a.C.). Criador da teoria atômica, Leucipo afirmou que tudo o que existe são átomos e o vazio.

Experiência Mística (c.1600 a.C.) [Grécia antiga]

Experiência pessoal de uma realidade ou estado de consciência transcendental

“Não seria possível duvidar da presença Dele mais do que seria possível duvidar da minha.” [William James, Variedades da experiência religiosa (1902)]

Experiências místicas ocorrem quando indivíduos se tornam crentes de uma verdade transcendental numa profundidade ou dimensão que não é vivenciada em estados típicos de consciência (às vezes a experiência é chamada de estado alterado de consciência). Vivências desse tipo têm sua origem na religião de mistérios; os Mistérios Eleusinos, cerimonias anuais de iniciação nos cultos para as deusas Deméter e Perséfone, eram realizados fora da vista das autoridades desde aproximadamente c. 1600 a.C. em Elêusis, região próxima a Atenas na Grécia antiga. Longe de terem se extinguido, as cerimonias místicas persistem por 2000 anos, passando pela era helenística e sobrevivendo o fim do Império Romano em 476.

No século XIX o psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910) definiu uma experiência mística como sempre abrangendo quatro aspectos-chave: deve ser transitória, indescritível, instrutiva e passiva. A experiência mística é incomum no sentido de que ela afasta o sujeito das percepções normais por um período limitado de tempo. Quando aquela pessoa retorna do evento, ela tem dificuldades em explicar o que ocorreu, visto que a realidade transcendental não se presta à linguagem. Apesar dessa dificuldade, a experiência educa ou, de alguma forma, muda de maneira fundamental aquele que a viveu. Um experiência mística não pode ser controlada pelo sujeito e opera de uma forma que é ao menos parcialmente separada de sua vontade.

Todas as experiências religiosas pessoais são ligadas às experiências místicas. O fato de elas ocorrerem implica a existência de uma realidade diferente e impensada que jaz além da compreensão humana e das experiências naturais.  As experiências místicas sugerem que a realidade humana não é a única realidade, e elas levam aqueles que as vivenciaram ou acreditam nelas a confrontar os limites fundamentais do conhecimento humano. Com frequência experiências místicas oferecem provas e conhecimento em primeira mão da transcendência humana. 

F

Fábula (c. 580 a.C.) [Atribuídas a Esopo]

A ideia de apresentar indiretamente críticas ou conselhos de modo ficcional e simplificado

“A fábula é mais histórica que o fato, pois o fato nos fala de um homem e a fábula nos fala de um milhão de homens.” G. K. Chesterton “The Ballad of the White Horse” (1908)

Uma fábula é uma narrativa em prosa e verso, mas normalmente simples e breve que pretende transmitir uma lição moral. Fábulas costumam envolver personagens não humanos — animais (reais ou míticos), plantas, artefatos, forças da natureza e assim por diante — que são apresentados com atributos humanos. Fábulas são uma forma de literatura popular, e acredita-se que as obras do gênero mais conhecidas no mundo ocidental foram criadas pela lendária figura de Esopo supostamente um escravo na Grécia antiga em algum momento entre 620 e 560 a.C.  

No antigo mundo clássico as fábulas não eram vistas como literatura infantil, nem como trabalhos literários por mérito próprio. Em vez disso, eram usadas como veículos indiretos — e portanto cuidadosamente polidos — de crítica e persuasão. Por exemplo, Xenofonte (430-354 a.C.), em sua obra Memoráveis (c. 371 a.C.), descreve Sócrates aconselhando um cidadão chamado Aristarco a contar para seus parentes ingratos — para quem ele tinha fornecido capital para um negócio e agora o acusavam de ociosidade — a fábula do cachorro e da ovelha, concluindo: “Vai, pois, dizer também aos teus parentes que os guardas e vigias qual o cão da fábula, que graças a ti ninguém é insultado e pode sempre trabalhar em segurança”.

Houve um grande interesse por fábulas durante toda a Antiguidade clássica, a Idade Média e Renascença, com coleções dessas histórias geralmente atribuídas a Esopo — servindo como base para livros de retórica e obras literárias. Jean de La Fontaine (1621-95) escreveu Fábulas (1668-1694), possivelmente as originais mais conhecidas da atualidade.

Conforme os gostos literários se tornaram mais sofisticados, as fábulas entraram cada vez mais no repertório de humanistas como George Ade e de escritores de obras infantis como Dr. Seuss — embora o efeito de desfamiliarização das obras, com formas artísticas sendo usada para estimular uma percepção renovada de um assunto já familiar, ainda seja usado em livros como a crítica de George Orwell ao stalinismo em A revolução dos bichos (1945)

Fascismo (1896) [Gaetano Mosca e Maurice Barrès]

Ideologia política autoritária que exalta a identidade nacional e/ou racial. 

"O indivíduo não é nada, a sociedade é tudo." (Maurice Barrès, romancista e político)

O fim do século XIX foi marcado, na Europa, por sentimentos de incerteza e crise civilizacional que puseram em xeque a organização política. Em sua obra A classe dominante (1896), o advogado e cientista político italiano Gaetano Mosca (1858-1941) afirmou que embora os governos afirmem representar a maioria, as sociedades são, quase invariavelmente, governadas por minorias organizadas de atores políticos de elite. Essa ideia promoveu na Itália uma forma de elitismo que, embora ainda aplicável no marco da democracia, levou ao aumento do poder de líderes nacionalistas. Maurice Barrès (1862-1923), romancista e político francês, também promoveu o nacionalismo étnico e o autoritarismo na França. 

O fascismo prega a supremacia do Estado e a subordinação dos indivíduos a uma identidade e um propósito nacionais. Estes advêm, muitas vezes, acompanhados de sentimentos de vitimização, injustiça e declínio cultural. Os regimes fascistas promovem o desenvolvimento social e econômico com base no propósito da reconstrução da força e da identidade nacionais. A postura totalitária e autoritária do fascismo implica que seus métodos para o fortalecimento do poder nacional envolveu consistentemente demonstrações de forças e supressão violenta da oposição política. Três dos mais importantes regimes fascistas europeus do século XX foram liderados por Benito Mussolini, na Itália, Adolf Hitler, na Alemanha e Francisco Franco, na Espanha. 

Fim da História, O  (1989) [Francis Fukuyama]

A democracia liberal ocidental é a última forma que a sociedade humana assumirá. 

"Marx acredita que a evolução das sociedades humanas não era ilimitada." (Francis Fukuyama)

O fim da história é uma teoria sobre o final da evolução da sociedade humana. Segundo essa teoria, a humanidade atingirá um estado de desenvolvimento socioeconômico em que não haverá mais evolução, apenas refinamento do sistema existente. Os proponentes contemporâneos da teoria especulam que a democracia liberal ocidental baseada no livre mercado é o estágio de desenvolvimento socioeconômico final. 

Os filósofos Hegel e Marx especularam sobre o fim da História. Marx acreditou que a História terminaria numa sociedade utópica comunista, enquanto Hegel achou que terminaria num Estado liberal. Mas a teoria ganhou nova proeminência quando o economista e cientista político Francis Fukuyama (n. 1952) expôs sua versão num artigo, "O fim da História?" (1989), que depois desenvolveu no best-seller O Fim da História e o Último Homem (1992).

A teoria do fim da História não sustenta que acontecimentos deixarão de ocorrer. Afirma que a evolução substancial da sociedade cessará quando todos os governos convergirem na democracia liberal ocidental. A teoria, se verdadeira, tem implicações importantes e controversas, como as de que o comunismo, entre outras formas alternativas da sociedade, é retrógrada e insustentável. Esse argumento foi rejeitado por pensadores como o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), que comparou a teoria a um "Novo Evangelho" reforçando a escatologia cristã, e o historiador britânico Perry Anderson (n. 1938), que observou que as democracias liberais ocidentais ainda estão cheias de pobreza, sofrimento e injustiça. 

Fluidez Cognitiva (1996) [Steven Mithen]

Explicação de como os seres humanos deram o salto da barbárie à civilização

Segundo os conhecimentos dos antropólogos, as mentes dos primeiros seres humanos estavam exclusivamente voltadas para a caça, coleta e sobrevivência. Aí, não menos que 30 mil anos atrás — subitamente, em termos antropológicos —, adveio um aumento marcante na iniciativa e criatividade. Nossos ancestrais humanos começaram a produzir ferramentais e pintar as paredes de suas cavernas, bem como enterrar seus mortos em vez de deixá-los se decompondo ao ar livre. Tais progressos lançaram as bases da ciência, arte e religião.

O cérebro de nossos ancestrais Homo erectus e homem de Neandertal tinham o mesmo tamanho que os dos humanos atuais e a mesma capacidade de linguagem. Assim, o que os levou a desviar parte de sua atenção da luta pela sobrevivência para o pensamento imaginativo e criativo?

A resposta, segundo o arqueólogo britânico Steven Mithen, e que, como o resultado de um acidente genético, que reprogramou seus cérebros primitivos, os homens das cavernas desenvolveram uma capacidades de ver semelhanças em coisas desiguais, de pensar lateralmente e de aplicar experiências de certas partes de suas vidas em outras. Ele chamou essa capacidade recém-adquirida de “fluidez cognitiva” e observou que, conquanto inspirasse o salto da barbárie  à civilização, também teve a desvantagem de permitir que as pessoas cultivassem teorias, como a parapsicológica, sem base racional.

O relato de Mithen, publicado originalmente em 1996 como A pré-história da mente: busca das origens, da arte, da religião e da ciência, tinha suas limitações: em particular, não fez nenhuma tentativa de identificar o que poderia ter causado essa grande mudança. Mesmo assim, a obra forneceu o relato plausível do chamado "elo perdido" — a ponte evolucionária que os humanos cruzaram em certo ponto da pré-história, distinguindo-se assim dos animais, particularmente dos primatas com que mais parecem em aparência e conduta.

G

Grande Inquisidor, O (1880) [Fiódor Dostoievski ]

Estudo sobre a infantilização dos fieis por parte da Igreja

“O grande inquisidor” é um capítulo de os irmãos Karamazov (1880), o grande romance filosófico do escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-81) sobre Deus, a moral e o livre-arbítrio. Escrito em forma de parábola, o capítulo envolve o leitor numa profunda discussão sobre até que ponto a humanidade almeja, de fato, a liberdade.

Ivan Karamazov fala ao seu irmão Aliocha, um jovem noviço, de um poema que idealizou sobre aparição de Jesus Cristo em Sevilha, Espanha, durante a Inquisição (1478-1834). Cristo é reconhecido e cultuado como o Messias, mas, a despeito de curar doente e operar outros milagres, é preso e levado ao grande inquisidor. O líder da Igreja lhe diz que sua vinda à Espanha interfere com a missão da Igreja e que nem ela e nem seus hierarcas têm necessidade de sua presença. Cristo é, então, condenado à fogueira, mas posteriormente, libertado com ordens de nunca mais voltar.

O inquisidor denuncia Jesus por haver rejeitado, no deserto, as tentações do Diabo — transformar pedras em pão para aliviar a fome, atirar-se do pináculo do templo para que os anjos o salvassem e idolatrar o Diabo em troca de todos os reinos do mundo. Recusar esta última tentação, em especial, teria sido um grande erro. Cristo devia tê-la aceitado porque os homens não sabem lidar com o “dom” do livre-arbítrio. Ao rejeitar as tentações do Diabo, diz o inquisidor: Cristo legou aos homens um fardo que eles não estão preparados para carregar. Os homens querem segurança, não liberdade; seguir o exemplo de Cristo só lhes trará angústia para toda a vida.

O inquisidor diz que a missão da Igreja é extirpar o ônus da liberdade e substituí-lo pela certeza. Os leitores ficam a se perguntar se não vêm deixando a Igreja pensar por eles

H

Heliocentrismo (1543) [Nicolau Copérnico]

Teoria de que o Sol é o centro do universo

“E descansando no meio de tudo está o Sol." (Nicolau Copérnico)

O heliocentrismo, modelo do cosmos no qual o Sol é o ponto central, ao redor do qual todos os demais corpo giram, foi proposto no século III a.C. pelo astrônomo grego Aristarco de Samos. Mas esta teoria nunca vingou porque a posição das estrelas permanecia estática, o que não é verdade, claro, se a Terra está continuamente mudando de posição. Cláudio Ptolomeu propôs uma solução para essa inconsistência no século II d.C., argumentando que a Terra era o centro do sistema solar. Esse modelo geocêntrico predominou pelos 1.400 anos seguintes.

Em 1543, Nicolau Copérnico (1473-1543), da Polônia, publicou De revolutionibus orbium coelestium libri VI (Da revolução das esferas celestes), que argumentava em favor do sistema heliocêntrico. Copérnico era um padre católico que abrandou o tom herético de seu argumento; os volumes permaneceram inéditos até a morte dele e receberam um prefácio dizendo que as teorias eram úteis para cálculos astronômicos, mesmo que não fossem verdadeiras. Como resultado, sua obra passou despercebida por quase cem anos.

O físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) reavivou o argumento do heliocentrismo depois que observações telescópicas sugeriram que a Terra realmente girava ao redor do Sol. As opiniões de Galileu foram consideradas heréticas e, em 1616, ele foi proibido pelo Vaticano de "manter ou defender" seu modelo heliocêntrico. O "caso Galileu, contudo, teve o resultado imprevisto de disseminar a ideia do heliocentrismo, que rapidamente foi aceita como verdade científica. 

Herança (c. 2 100 a.C.) [Suméria]

Transferência da propriedade de um falecido para um novo dono

 Em sociedades nas quais uma pessoa pode possuir propriedade quase sempre surge a questão inevitável do que acontece com aquela propriedade depois que o dono morre. A ideia da herança resolve essa questão, determinando exatamente quem se torna o novo dono da propriedade previamente possuída pelo falecido.

Diversos sistemas de herança foram criados no decorrer da História, tais como a propriedade dos pais passar integralmente para o descendente mais velho do sexo masculino, inteiramente para a criança mais jovem, igualmente para todos os descendentes masculinos, dividida desproporcionalmente entre crianças de idades diferentes, apenas de pais para filhos e apenas de mães para filhas, entre outros.

Talvez a referência mais antiga conhecida de herança venha da antiga Suméria. O Código Sumério de Ur-Nam-mu (2100-2050 a.C.), o código jurídico mais antigo conhecido, continha diversas leis de herança individual. O posterior Código de Hamurabi, que surgiu por volta de 1772 a.C., continha leis de herança bem determinadas, abrangendo questões como a forma de dividir a propriedade da pessoa falecida, os direitos que uma esposa tinha de distribuir a propriedade dada para ela e quando um filho podia ser deserdado.

Por um lado, os sistemas de herança são muito pragmáticos, resolvendo a questão da propriedade quando um dono morre. No entanto, também podem ter um impacto significativo na família e nos relacionamentos sociais. Por meio da herança, as crianças sabem que se tornarão possuidoras de riqueza, ascenderão ao trono ou terão que responder pelos erros de seus pais. Assim como uma geração herda traços biológicos dos progenitores, ela também herda a posição social, as propriedades e até mesmo os estigmas. 

História (c. 450 a.C.) [Heródoto]

Ramo do conhecimento que registra e explica eventos passados. 

"A história é um incansável mestre. Ela não tem presente, apenas o passado correndo para o futuro." [John F. Kennedy, presidente americano (1961-63)]

Antes da invenção da escrita, a História consistia num fenômeno inteiramente oral. Os primeiros documentos escritos conhecidos, e, portanto, aqueles que marcam a fronteira entre o período pré-histórico e o histórico, vêm da antiga Suméria e são datados de aproximadamente 3200 a.C. Heródoto (484-435 a.C.) é considerado por muitos a primeira pessoa a criar uma obra histórica (as Histórias).

Nas Histórias, Heródoto faz um relato das guerras entre os gregos e o Império Persa (499-449 a.C.). Queria compreender causa do conflito. Sua obra não é inteiramente imparcial. 

A História dá às pessoas a oportunidade de vivenciar, embora não diretamente, eventos que poderiam ter sido completamente esquecido. 

Homem-máquina (1747) [Julien Offray de La Mettrie]

Visão extremamente materialista do ser humano como tendo apenas um corpo sem alma

“Achamos que somos e de fato somos bons homens apenas quando somos felizes ou bravos; tudo depende de como nossa máquina funciona.” Julien Offray de La Mettrie, L’Homme Machine (1748)

A ideia de seres humanos como máquinas surgiu no século XVIII. O filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) sugeriu que o corpo humano tem propriedades materiais e funciona como uma máquina, mas que a mente, ou a alma, não é material e não segue as leis da natureza. A ideia do homem-máquina rejeitava essa visão cartesiana no que diz respeito ao dualismo corpo e mente e negava a existência da alma como uma substância separada da matéria.

O conceito de homem-máquina foi proposto pelo médico e filósofo francês Julien Offray de La Mettrie (1709-51) em seu manifesto materialista L’Homme Machine, publicado anonimamente na Holanda em 1747, mas datado de 1748. O argumento de La Mettrie se baseava no seu conhecimento clínico; ele abordava a filosofia a partir de um ponto de vista médico. Sua obra provocativa desafiava a ortodoxia religiosa negando a ideia de humanos tendo uma alma animal ou humana. La Mettrie argumentava que seres humanos não têm livre-arbítrio; eles são autômatos cujas ações são determinadas pelo corpo. Ele atacava a hipótese do monadismo proposto pelo filósofo e matemático alemão Gottfried Wilheim Leibniz (1646-1716) e seus adeptos como algo “incompreensível”, escrevendo: “Eles espiritualizam a matéria em vez de materializar a alma. Como podermos definir um ser cuja natureza é profundamente desconhecida de nós?”

O livro de La Mettrie provocou um escândalo e cópias foram queimadas em público. Sua filosofia era considerada radical demais por seus contemporâneos e até mesmo outros filósofos franceses se voltaram contra ele, denunciando-o como lunático. La Mettrie foi obrigado a procurar asilo em Berlim, na corte do rei prussiano Frederico II, onde passou o restante da vida. A filosofia de La Mettrie tem gerado interesse desde o século XX, com o advento da neurologia e do estudo dos sistemas cognitivos. 

Honrar os Mortos (c. 600.000 a.C.) 1949) [Homo Heidelbergensis]

Prática de demonstrar respeito a uma pessoa falecida por meio de rituais específicos

“Nossos mortos nunca estão mortos para nós até que os esqueçamos.” George Elliot, escritor

É difícil determinar quando surgiu a prática de honrar os mortos. Certas evidências demonstram que os homo Heidelbergensis (que viveram entre 600 mil e 400 mil anos atrás) foram os primeiros proto-humanos a enterrarem seus mortos. Se, no entanto, eles os honraram ou praticaram algum tipo de ritual em sua homenagem, não se pode afirmar com certeza. Há locais onde se enterravam humanos datados de 130 mil anos atrás que mostraram evidências mais convincentes do que aquelas que realizavam o sepultamento tinha a intenção de lembrar ou honrar o falecido, por meio da posição do corpo, da inclusão de itens como ferramentas e ossos de animais, e da colocação de elementos decorativos na tumba. Tal sugestão de ritual no processo de sepultamento pode indicar que esta era uma das primeiras formas de prática religiosa.

Em algumas culturas ou tradições, honrar os mortos é uma prática comum, na qual se acredita que os parentes falecidos ou ancestrais têm uma presença contínua ou mesmo influência sobre os que ainda vivem. Em outras, as tradições que honram os mortos ocorre logo após o falecimento ou várias vezes ao longo do ano. Honrar os mortos não é necessariamente uma tradição religiosa, embora muitas religiões tenham rituais quase universal que atravessa limites geográficos e culturais. Os rituais envolvidos nos costumes geram um laço social mais firme e também são uma maneira de ligar os mortos aos que ainda vivem. Tais elementos se fazem fortemente presentes em muitos rituais religiosos, com frequência formando a base de identidades culturais e individuais.

I

I Ching (c. 1000 a.C.) [China]

Antigo texto chinês que apresenta um sistema de adivinhação baseado na filosofia taoista

"Conhecer os outros é inteligência; conhecer a si próprio é verdadeira sabedoria." I Ching (Yijing, ou O Livro das Mutações)

I Ching (Yijing) é conhecido no Ocidente como O Livro das Mutações. Um dos textos chineses mais antigos, trata-se de um sistema de divinação baseado na geomancia chinesa e na filosofia taoista. 

I Ching serve como um guia para ajudar as pessoas a compreender e administrar mudanças. O Tao (Caminho da Natureza) se manifesta por meio de um processo complementar de mudanças entre as forças do yin (negativo ou escuro) e do yang (positivo ou claro). O texto do I Ching é constituído de leituras oraculares associadas a 64 hexagramas.

I Ching é um dos textos seminais do taoismo, tendo influenciado incontáveis pensadores do leste da Ásia. Tem sido estudado no Japão desde a era Tokugawa (1603-1867), e a bandeira da Coreia do Sul exibe o símbolo taijitu cercado por quatro trigramas. Acadêmicos ocidentais, como Gottfried Wilhelm van Leibniz e Carl Jung estudaram essa teoria de mudança estrutural.  

Identidade mente-cérebro (1956) [U. T. Place]

Teoria materialista segundo a qual os estados mentais são idênticos aos estados cerebrais

“Na ciência, os organismos podem ser vistos como mecanismos físico-químicos.” J. J. C. Smart, Philosophical Review (abril de 1959)

Os estados mentais podem consistir em sensações, crenças, desejos e outros padrões de pensamento mais complexos, e a teoria da identidade mente-cérebro tenta explorar esse fenômeno em termos materialista (ou físicos). As primeiras referências modernas a esta teoria surgiram em 1933 conforme verificado no trabalho do psicólogo E. G. Boring (1886-1968), mas a formulação explícita da teoria ocorreu somente em 1956, num artigo de jornal assinado pelo psicólogo U. T. Place (1924-2000), cujas ideias foram desenvolvidas pelo filósofo J. J. C. Smart (1920-2012) na década de 1950.

A tentativa de explicar a mente em termos físicos pode ser vista como uma resposta ao dualismo resultante da filosofia de René Descartes no século XVI. As versões originais de Place, Smart limitavam-se a argumentar que todas as sensações mentais podem ser reduzidas a correlatos físicos no cérebro. Por exemplo, a experiência da dor correlaciona-se a um determinado tipo de atividade neural. Essa versão da teoria da identidade, todavia, não explicava o fato de que muitas sensações, como a dor, constituem fenômenos especificamente mentais e, portanto, deve ser idênticos a atividades neurais, igualmente especificas. Para resolver a questão, versões posteriores da teoria propõem que se estados mentais similares com a dor são exibidos em estados cerebrais mutáveis é apenas porque existe um envolvimento maior ou menor de diferentes neurônios na formação de qualquer estado mental. Tecnologias sofisticadas de imagens e descobertas recentes sobre a plasticidade do cérebro estão apontando para a possibilidade de correlatos neurais para os estados mentais mais individualizados. 

Intelecto e Vontade (c. 400 d.C.) [Santo Agostinho]

Duas qualidades que formam os meios para a redenção dos pecados

"A mente é mente e a mão é corpo. A mente ordena a mente à vontade." [Santo Agostinho, Confissões (397)]

O filósofo e teólogo Agostinho de Hipona (354-430) elaborou uma teoria influente sobre o intelecto e a vontade em grande parte como uma resposta à aparente contradição da crença cristã em um Deus que criou e governa o mundo mas que não é responsável pelo mal. Agostinho propôs que o intelecto e vontade são, ao mesmo tempo, as fontes do "pecado" e o caminho para a redenção. Para Agostinho, a vontade é perpetuamente livre e, portanto, capaz de escolher entre o pecado e a redenção em Cristo. Enquanto a natureza humana engloba capacidades e desejos sensoriais, ela também contém intelecto e vontade. 

Para Agostinho, o mal envolve a busca por coisas temporais, como o prazer carnal, em vez de coisas eternas, como a sabedoria e a união com Deus por meio de Cristo. Os sentidos percebem elementos do mundo e traduzem dados para o intelecto, que identifica as suas opções potenciais: o livre-arbítrio, então, faz sua escolha. 

J

Jihad (c. 610) [Maomé]

Luta travada por muçulmanos para defender a causa divina.

"Lutar contra os infiéis é jihad, mas lutar contra sua própria maldade é uma jihad maior." (Abu Bakr, companheiro de Maomé)

A palavra "jihad" é um termo árabe que significa "empreender, lutar, se esforçar",  geralmente usado para distinguir um esforço por um objetivo louvável. Ela aparece 41 vezes no Corão, revelado a Maomé a partir de c. 610. No contexto religioso, jihad pode significar a luta contra o pecado e inclinações ao mal, a luta para melhorar a sociedade em termos morais ou o ato de disseminação do Islã em geral. A jihad pode ser pacífica (disseminando o Islã por meio de textos, por exemplo) ou violenta (a "jihad da espada"). No islamismo mítico, dá-se mais ênfase à jihad pacífica, a luta espiritual íntima é a "maior jihad", enquanto a jihad da espada é considerada "uma jihad menor".

O termo jihad, portanto, não é sinônimo de "guerra santa", denota uma variedade maior de objetivos e os meios através dos quais estes fins são alcançados. Em dois terços  das ocasiões em que o termo jahada aparece no Corão, porém, ele faz referência à guerra. O objetivo final dessa guerra é a subordinação dos infiéis ao Islã, no sentido político de ampliar a dominação geopolítica islâmica no mundo, mas não pela conversão forçada dos povos conquistados. Mais do que isso, passagens sobre a jihad no Corão sugerem que a ordem de lutar contra os infiéis não é incondicional; ela depende de provocação ou de ameaça de agressão. Compreender a complexidade da jihad como imperativo religioso é essencial para entender a reação dos muçulmanos a expensas do capitalismo no Oriente Médio e das potências ocidentais no mundo todo. 

K

Karma (c. 1500 a.C.) [Índia]

Toda ação tem consequências que vão além da mera vida humana. 

"É lei inviolável de Deus que karma nunca deixa de produzir o seu efeito." (Mahtama Gandhi, líder nacionalista indiano)

Karma é uma lei de causalidade que surgiu pela primeira vez nos Upanixades, textos sagrados que interpretam os Vedas, as escrituras mais antigas do hinduísmo. Karma também é um conceito no budismo e no jainismo. 

O termo karma significa "ação" em sânscrito e se refere à ideia de que toda ação tem um conjunto específico de causas e efeitos. Eticamente, karma é um registro metafísico do valor moral de uma pessoa. Quando alguém comete um ato mau, adquire karma; quando alguém faz o bem, adquire mérito, que anula o karmaKarma está vinculado ao samsara (o ciclo da reencarnação), pois, quando as pessoas morrem, o seu karma determina o tipo de renascimento que terão na vida seguinte. No hinduísmo, está mais vinculado com o sistema varna (de castas): uma vida virtuosa erradica o karma e garante o renascimento em uma casta mais alta que tem mais possibilidade de atingir moksha, um estado de união entre o atman (eu verdadeiro) da pessoa e Brahma (a realidade última). No budismo, a vida é caracterizada por sofrimentos; a meta do cultivo espiritual é erradicar o karma e alcançar o nirvana, um estado no qual todo o karma é anulado e uma pessoa pode sair do ciclo de renascimento. No jainismo, eliminar o karma leva a moksha, um bem-aventurado de liberação do samsara. No hinduísmo e no budismo, as pessoas recebem karma apenas por atos intencionais, enquanto no jainismo até mesmo atos não intencionais podem gerar karma 

Koan  (c. 618) [Chán-budismo, dinastia Tang]

Ideia de que o estudo do paradoxal pode legar à iluminação. 

"Estamos perdidos onde a mente não pode nos encontrar, profundamente perdidos." (Ikkyu, monge zen-budista e poeta)

O termo koan se refere literalmente a um "registro público" dos ensinamentos usados por mestres zen para ajudar a despertar seus discípulos. O koan começou como estudo do gongon, desenvolvido pela escola chinesa chán-budismo em algum momento durante a dinastia Tang (618-907). Quando o chán foi levado ao Japão, no século XII, ele se transformou zen e gongon se tornou conhecido como koan

koan geralmente assume a forma de questões intrigantes, afirmações ou histórias que servem como objeto de meditação. Exemplos como "qual o som de uma mão batendo palma?" ou "se você encontrar Buda, mate-o!" podem parecer sem sentido ou paradoxais. Um koan vai ao ponto de contar a história do mestre zen Nansin cortando um gato ao meio para resolver uma disputa entre dois monges que se diziam donos do animal. Em última análise, um koan é criado para expor as falhas no objetivo de um aluno, um método discursivo de argumentação, levando os alunos a um  novo sistema mental que  se aproxima da iluminação. O mestre zen rinzal Hakuin argumentava que o objetivo de um koan é despertar uma "grande dúvida" (daigi) num aluno sobre o paradigma que ele usa para interpretar o mundo, o que resulta numa "morte maior" (daishi), na qual as velhas crenças se desfazem e o koan é resolvido por um novo nível de compreensão. O estudo do koan, pois, é um tipo de metacognição, já que leva alguém a refletir como pensa e vivencia o mundo. O estudo do koan era praticado universalmente em escolas zen, mas a seita rinzal hoje lhe dá muito mais ênfase do que as escolas sótô. 

L

Lei de Godwin (1990) [Michael Godwin]

Comparações exageradas com os nazistas acabam banalizando os horrores por eles perpetrados. 

Um adepto inicial de computadores, o advogado e escritor americano Michael Godwin (n. 1956) cunhou o que veia a ser conhecido como lei de Godwin, em 1990. Após observar participantes de grupo de discussão da Usenet na década de 1980, constatou que comparações exageradas com Hitler e os nazistas eram comuns e que as pessoas estavam perdendo a noção do horror que eles perpetraram. 

Decidiu divulgar a sua ideia de lei de Godwin em vários fóruns on-line. A lei é um meme sustentando que quanto mais uma discussão on-line se estende, qualquer que seja o seu escopo ou tema, mais é inevitável que alguém faça uma comparação com Adolf Hitler e os nazistas. Podem também achar mais adequado comparar um infortúnio ou evento indesejável com o holocausto. Chamar alguém de nazista por discordar é uma hipérbole inapropriada. 

Os usuários da internet passaram a citar a lei de Godwin em resposta a postagens agressivas, e comparações exageradas com Hitler e os nazistas passaram a ser malvistas na internet. 

Língua Universal (c. 27 a.C.) [Roma antiga]

Conceito de um único idioma que possa ser compreendido e falado por todas as pessoas do mundo

"Seria muito difícil formar esta língua, mas muito fácil compreendê-la." (Gottfried Leibniz, matemático e filósofo)

A ideia de uma língua universal se refere a uma linguagem hipotética ou histórica falada pela maior parte da população mundial, senão por toda. Algumas tradições mitológicas ou religiosas se referem a uma época em que todas as pessoas falavam a mesma língua, mas não há evidências que sustentem a hipótese. O latim foi um dos primeiros idiomas a atingir um caráter de universalidade, graças à expansão do Império Romano (a partir de 27 a.C.). O latim se tornou (efetivamente) a língua oficial do governo, da educação e da lei em boa parte da Europa Ocidental, e permaneceu como tal até o século XVI. 

Com o declínio do Império Romano Ocidental no século V, as regiões que utilizavam o latim começaram a se afastar do controle central.

A busca por uma língua universal continua até hoje: esperanto e ido. Ambas foram projetadas para serem linguagens internacionais auxiliares ou linguagens universais secundárias. 

M

Magnetismo animal (1774) [Franz Anton Mesmer]

Teoria de que fluidos ou campos magnéticos em equilíbrio são fundamentais para a saúde humana. 

"A ação e a virtude do magnetismo animal, assim caracterizado, podem ser comunicadas a outros corpos animados ou inanimados." (Franz Anton Mesmer)

O médico alemão Franz Anton Mesmer (1734-1851) tinha uma teoria de que todas as coisas possuíam fluidos magnéticos, com uma transferência energética natural ocorrido no Universo, a energia em questão derivando das estrelas. Mesmer defendia que fluidos ou campos magnéticos nos seres humanos podiam ser manipulados para cura e outros objetivos. Desequilíbrios no fluido magnético invisível causavam doenças que podiam ser psicológicas (como ansiedade e fobias) ou físicas (como espasmos, ataques de epilepsia e dor).

A expressão "magnetismo animal" se refere ao princípio universal de que tudo contém seu fluido magnético e também ao sistema terapêutico segundo o qual as pessoas alteram o estado de seus fluidos, reequilibrando ou mesmo transferindo-os pelo toque ou segurando as mãos passivamente sobre o corpo. 

Em 1774, Mesmer produziu uma "maré artificial" numa paciente. Ela recebeu um preparo contendo ferro e ímãs foram presos a todo o seu corpo. Um fluido misterioso parecia correr por ele e seus sintomas foram aliviados por várias horas. Mas a paciente mais conhecida de Mesmer foi Maria Theresia von Paradis, de 18 anos, que era cega desde os 4 anos. Entre 1776 e 1777, Mesmer a tratou com ímãs por quase um ano e sua visão ter sido restaurada. Mas, depois de algum tempo, a cegueira voltou. Um comitê da Universidade de Viena investigou Mesmer e o considerou um charlatão, dizendo que, em vez de curá-la, ele simplesmente fez acreditar que estava curada. 

O magnetismo animal e as práticas de Mesmer chamaram a atenção para o fato de o tratamento psicológico ter uma influência direta sobre o corpo e as doenças. O tratamento com ímãs ainda é praticado na Europa continental hoje em dia e nos Estados Unidos você pode comprar um bracelete O-Ray "ionizado".  

Mal (c.5000 a.C.) [Mesopotâmia] 

Conceito de um ato exercido com intenção deliberadamente dolosa.

"É preciso que o mal exista para que o bem possa provar sua pureza sobre ele." [Sidarta Gautama (Buda)]

 Não há uma definição única de mal usada no  mundo inteiro, embora todas as línguas tenham palavras que é esperado, moral ou "bom", da mesma maneira que têm palavras para aquilo que é repulsivo, imoral ou "mau". Para os mesopotâmicos, demônios maléficos causavam conflito e sofrimento. Assim, para a proteção das pessoas contra essas forças do mal, realizavam-se rituais religiosos e exorcismos. A ideia de ser punido por forças maléficas na vida após a morte se originou com a religião dos zoroastristas, no segundo milênio antes de Cristo, na qual os pecadores acreditavam que seriam mandados para a Casa do Mal por toda a eternidade, enquanto os justos seriam mandados para a Casa da Música.  

Mantra (c. 1500 a.C.) [Índia]

Sons, sílabas e palavras como fonte de transformação espiritual

Um dos principais objetivos dos seguidores do hinduísmo e do budismo é atingir uma transformação da consciência por meio de atos específicos da mente e do corpo. Um mantra é uma repetição focalizada de sílabas, palavras ou frases que ajudam a focar a mente e o corpo para atingir essa transformação. 

O mantra mais reconhecível é o som ou silaba "Om". De acordo com os Upanixades — parte dos Vedas hinduístas —, a sílaba "Om" representa toda a criação. 

Meditar ao enunciar esta sílaba ajuda o indivíduo a compreender como todas as coisas no universo estão interligadas. 

Mantras são especialmente úteis em práticas religiosas que têm por meta levar o praticante para além de sua própria consciência. Fora das tradições religiosas, o termo "mantra" passou a se referir a qualquer frase repetida com frequência, que contenha uma verdade essencial ou um princípio orientador.  

Meditação (c. 1500 a.C.) [Índia]

Controle da própria mente para alcançar um novo estado de consciência

"Meditação é a dissolução dos pensamentos na consciência eterna." (Swami Sivananda, mestre espiritual hindu)

A prática da meditação engloba uma diversidade de técnicas que podem ser usadas por indivíduos para levar as mentes a vivenciar um nível diferente de consciência. 

No budismo, a meditação é vista como sendo essencial ao caminho da iluminação. No budismo tibetano, a meditação é um caminho para a reflexão interior que leva ao melhor autoconhecimento e também uma forma de ultrapassar os limites do eu.  

Meme (1976) [Richard Dawkins]

Elemento que orienta a evolução cultural, como um gene orienta a evolução genética

Memes são ideias, hábitos, melodias, habilidades, histórias, modas, frases de efeito: qualquer tipo de conduta que possa ser copiada de pessoa para pessoa pela imitação.

O biólogo britânico Richard Dawkins (n. 1941) cunhou o termo no famoso livro O gene egoísta (1976). O último capítulo intitulou-se "Memes: os novos replicadores". Dawkins achou que o darwinismo é uma teoria grande demais para se confinar ao contexto estreito do gene", e assim introduziu a ideia de evolução cultural. Para descrever a unidade autorreplicante de transmissão cultural, tomou a palavra grega mimese, significando "copiar" abreviando-a pra rimar com a palavra "gene".  

Meritocracia (1958) [Michael Young]

Sistema de recompensa com base nos resultados ou capacidades dos indivíduos.

Qualquer sociedade que recompense os indivíduos com base em certos talentos desejados, pode ser descrita como uma meritocracia. Como princípio político, a meritocracia aplica-se a qualquer sistema de governo em que os candidatos são escolhidos por qualidades como inteligência ou diligência. Na medida em que as empresas selecionam e recompensam seus funcionários por suas habilidades e realizações, elas também são meritocracias. O termo foi concebido em sentido irônico pelo sociólogo britânico Michael Young (1915-2002), na sátira The Rise of Meritocracy (1958).

A meritocracia tornou-se um princípio estabelecido na maioria das sociedades modernas, e sua popularidade decorre do fato de que esse sistema propicia a igualdade de oportunidades, recompensando as pessoas por seus esforços, sem discriminar ninguém quanto ao status social. 

Com ênfase na igualdade de oportunidades, a meritocracia deu às democracias modernas uma forte base moral. Mesmo assim, algumas formas de discriminação social ainda estão presentes em práticas como os testes psicométricos para contratar funcionários.  

Método Socrático (Sócrates c. 450 a.C.)

Método de ensino que consiste em perguntas contínuas. 

Ao contrário dos grandes oradores sofistas de sua época e dos posteriores professores aristotélicos e acadêmicos, que disseminavam informação por meio de palestras cuidadosamente planejadas, Sócrates (470-399 a.C.) conversava com seu público individualmente e num nível pessoal, com uma série de perguntas. Essas perguntas eram projetadas para criar uma perspectiva reflexiva e principalmente cética em relação a diversas ideias filosóficas, políticas e religiosas. Em um caso bem conhecido  — retirado do diálogo de Platão Mênon (380 a.C.) —, Sócrates usou seu método para "ensinar" a um garoto escravo não educado uma série de postulados euclidianos, incluindo o teorema de Pitágoras. A suposição central subjacente à abordagem de Sócrates era que o conhecimento é inato — nós não adquirimos novas informações; o que ocorre é que a educação nos faz lembrar daquilo que já sabemos. 

O método socrático foi relegado na Idade Média pela popularidade de oradores clássicos como Aristóteles e Cícero o que levou a uma pedagogia cada vez mais centrada em palestras conhecida como "modelo acadêmico" (também chamada "educação bancária", visto que pressupõe que o conhecimento pode ser "depositado" no aluno assim como o dinheiro no banco). Outro revés se deu no século XVII com a ascensão do empirismo, a visão de que viemos ao mundo como "tabulas rasas" e devemos obter conhecimento por meio da experiência. O empirismo implica que o inatismo não existe e, portanto, desafia a pedagogia baseada no conceito.

A questão da eficácia do método socrático ainda recebe atenção de pesquisadores da área da educação. Alguns afirmam que o método restringe o aprendizado e gera agressão. Outros respondem que, assim como todos os métodos de ensino, o socrático pode ser abusado, mas quando bem usado pode ser eficaz. O método socrático ainda é usado com frequência em escolas de direito, costume muito bem retratado no filme O homem que eu escolhi (1973).  

Mito da Criação (c. 5000 a.C.) [Origem desconhecida]

História que explica como a humanidade, a vida e o universo vieram a existir. 

"Mitos de criação são os mitos mais profundos e importantes de todos." (Marie-Louise Von Franz, Mitos de Criação, 1972)

A existência de mitos de criação, oferecendo uma explicação tradicional para a maneira como o universo se originou, ultrapassa fronteiras culturais e surge em inúmeras formas, detalhando a criação de tudo o que existe, de humanos a animais, passando inclusive por fenômenos naturais. Oferecem grande escala de explicações: história de criação por um ente poderosos (como nas religiões abraâmicas), o  mundo sendo criado de uma mãe e um pai primordiais (como no mito babilônico Enuma Elish), a origem a partir de um ovo cósmico ancestral (encontrado na tradição hindu), criação por mergulhadores, que pescaram o mundo de um corpo aquático (comum no folclore norte-americano) e muitas outras. 

Conforme os humanos evoluíram para o moderno Homo Sapiens e sua capacidade de pensar e raciocinar se expandia, seus pensamentos se voltaram para questões a respeito de sua origem e como o mundo passou a existir. É impossível precisar quando surgiu a primeira história desse tipo, dado que todas remontam à época pré-histórica e existem apenas na forma oral. Todavia, os primeiros mitos de que se têm notícia são originários da Mesopotâmia antiga, datando de 5000 a.C.

Antes que a investigação científica permitisse à humanidade lançar luz no mundo natural, mitos de criação proporcionaram tanto respostas quanto fundamentos culturais. Sociedades e religiões se identificam a partir desses mitos e tais elos culturais e identidades religiosas permanecem ainda hoje como forças tanto unificadoras quanto destrutivas.  

Mito da Terra Plana (c. 4000 a.C.) [Egito Antigo]

Crença ancestral, embora errônea, de que a Terra era plana.

Os antigos egípcios e mesopotâmicos foram provavelmente os primeiros a acreditar, cerca de 4000 a.C., que o mundo era uma superfície circular plana, embora tal noção fosse um tanto ubíqua na Antiguidade — compreensivelmente, visto que a necessidade da ciência de medir a Terra ainda não havia surgido. 

A ideia da Terra plana e circular era comum no mundo antigo, mas, depois que os gregos — provavelmente iniciado com Pitágoras (570-595 a.C.) ou com Ptolomeu (100-170 d.C.) alguns séculos mais tarde — desenvolveram a tecnologia necessária para medir latitude, longitude e climas, a tese da Terra plana começou a perder força (ao menos no Ocidente). Por exemplo, o filósofo cristão Boécio (480-524), cuja Consolação da Filosofia foi indiscutivelmente o livro mais importante (depois da Bíblia) no Ocidente cristão, argumenta que a Terra é esférica. Por que, então, o Ocidente cristão, mesmo na época de Colombo, tinha a Terra como plana?

Embora o Renascimento e o iluminismo tenham sido projetos amplamente filosófico-científicos, alguns pensadores da época mantinham-se hostis à Bíblia, sempre prontos a desacreditá-la como sendo apenas um mito, uma vez que, entre outras coisas, referências poéticas sobre uma Terra em formato de disco era cientificamente incorretas. Tal propaganda iluminista criou na imaginação popular a falsa, embora influente, noção de que a maioria das pessoas do Ocidente cristão acreditava que a Terra fosse plana.  

Mito do Dilúvio (c. 2150 a.C.) [Mesopotâmia]

Crença de que um dilúvio foi enviado como punição contra os humanos.

"Nós enviamos o Dilúvio, mas um homem sobreviveu à catástrofe..." [Atrahasis III, 8 (tabuleta do mito do dilúvio)]

O catastrofismo é a teoria segundo a qual as características geomorfológicas da Terra se originaram de uma série de grandes catástrofes que ocorreram no decorrer da história. Essas catástrofes foram originalmente consideradas de escala tão imensa que eventos comuns no planeta não poderiam ter sido responsáveis e forças sobrenaturais teriam que tê-las causado. Essa teoria prevaleceu em muitas mitologias antigas por meio de seus relatos de dilúvios assombrosos, tais como os encontrados na Epopeia de Gilgamesh (2150 a.C.), no Livro do Gênesis e nos relatos de Platão (424-348 a.C.) da inundação de Ogígia em seus diálogos, TimeuCrítias Leis (todos escritos por volta de 350 a.C.)

N

Nada (c. 480 a.C.) [Parmênides]

Conceito de algo que não existe

"Lear: Fala // Cordélia: Nada, meu senhor. // Lear: Nada? // Cordélia: Nada. // Lear: Nada virá do nada. Fala outra vez." [William Shakespeare, Rei Lear (1606)]

Nada — a propriedade ou estado de ser nada — é tudo menos uma ideia simples. O filósofo da Grécia antiga Parmênides (começo do século V a.C.) foi o primeiro a introduzir a ideia de nada, apenas para rejeitá-la como impensável. Com base nisso ele chegou a uma série de conclusões impressionantes, especialmente o monismo: a ideia de que existe apenas uma coisa. 

Depois de Parmênides, a ideia do nada — e ideias relacionadas, como a noção de vácuo — passou por diversas reviravoltas. Na física, embora os atomistas antigos mantivessem que o mundo consistia em átomos num vazio, Aristóteles (384-322 a.C.) postulou a impossibilidade de um vazio, e seu ponto de vista foi aceito até a ideia de espaço vazio ser reabilitada na Revolução Científica (1550-1700). Se o espaço vazio conta como nada é uma questão debatida na física contemporânea. Mesmo quando não há nenhuma matéria em determinada região do espaço, a região ainda terá propriedades mensuráveis. Na teologia ocidental, teólogos cristãos da Antiguidade desenvolveram a ideia de que Deus criou o mundo ex nihilo, a partir do nada, em vez de aproveitar materiais já existentes. No século XVII, o filósofo G. W. Leibniz (1646-1716) formulou a questão "Por que há algo em vez de nada?" e respondeu evocando Deus. O nada foi associado por filósofos existencialistas do século XX a sentimentos de insignificância, falta de propósito e medo da morte. 

Calcular o nada apresenta desafios, que foram superados pela invenção, na Índia do século XIX, de uma notação posicional incluindo o número zero. Raciocínios acerca do nada também apresentaram desafios, que foram em parte superados pela compreensão, que "nada" não é um substantivo, e sim um pronome indefinido negativo: dizer que "nada existe" não significa imputar existência a algo chamado "nada", mas sim negar a existência de qualquer coisa. 

Negócio é Ser Pequeno, O (1973) [E. F. Schumacher]

Argumento que defende uma mudança de escala na atividade econômica

"Se dilapidarmos o capital representado pela natureza viva, ameaçamos a própria vida." [E. F. Schumacher, O negócio é ser pequeno (1973)]

O negócio é ser pequeno: Um estudo de economia que leva em conta as pessoas (1973) é uma coletânea de ensaios do economista britânico E. F. Schumacher (1911-77). Neste compêndio, discorda de que a maior produtividade econômica aumenta o bem-estar humano. 

Para ele, é falsa mas disseminada, a tese de que a melhor forma de atacar problemas como pobreza, fome e guerra é aumentar a quantidade de bens e serviços produzidos. Há que se considerar os "custos", geralmente ignorados da maior produtividade econômica, como a destruição dos recursos naturais finitos, a poluição ambiental e a felicidade dos trabalhadores que se tornam dispensáveis pela aplicação da tecnologia avançada. Sua proposta é concentrar os novos esforços na redução do consumo e no desenvolvimento da chamada "tecnologia intermediária", que dá às pessoas a oportunidade de se engajar num trabalho significativo. 

Este argumento tem enorme influência, especialmente em relação ao desenvolvimento sustentável, à ética ambiental e à teoria organizacional.  

O

Ontologia na Ciência da Informação (1953) [Tom Gruber]

Desenvolvimento de uma taxonomia de conceitos que permita aos computadores raciocinarem com mais eficiência e se comunicarem com mais eficácia. 

"O papel-chave das ontologias com respeito aos sistemas de banco de dados é especificar uma representação de modelagem de dados num nível de abstração acima dos projetos (lógicos ou físicos) de bancos de dados específicos, para que os dados possam ser exportados e unificados." (Tom Gruber)

A ontologia, em seu sentido original, exposto pelos filósofos, envolve o estudo das categorias do ser. Quando alguém reflete sobre a natureza das coisas existentes, quantas delas existem e de quais tipos, pratica a ontologia no sentido tradicional. Mas nos século XX o termo assumiu um sentido novo: uma ontologia tornou-se uma taxonomia de conceitos específica de um domínio que busca esclarecer o pensamento iluminando as relações entre os diferentes conceitos desse domínio, como medicina, xadrez, arquitetura ou música. 

A ontologia no sentido da informação começou com o trabalho de cientistas da computação no final do século XX, notadamente o americano Tom Gruber (n. 1959), em seu artigo "Uma abordagem de tradução pra especificações de ontologia portáteis", publicado em 1993 na revista Knowledge Acquisition. Gruber e seus colegas perceberam que produzir máquinas de inteligência artificial capazes de raciocinar de forma análoga aos humanos requeria que fossem equipadas com informações taxonômicas detalhadas que lhes permitissem fazer inferências corretas sobre as relações entre seus diferentes conceitos. Essa percepção desencadeou um grande avanço nas pesquisas de diferentes taxonomias, ou ontologias possíveis.  

A ontologia também permitiu uma comunicação mais eficiente entre bancos de dados em áreas tão diversas como informática biomédica, biblioteconomia, engenharia de software, guerra e segurança nacional. Por exemplo, ela foi sugerida como uma ferramenta para resolver o que o cientista ontológico britânico Barry Smith (n. 1952) denominou "problema da Torre de Babel dos bancos de dados". Esse problema resulta das terminologias peculiares usadas por banco de dados para organizar suas afirmações. Os bancos de dados construídos com ontologias compartilhadas conseguem se comunicar mais eficientemente, com menos perda de informações no processo de comunicação.  

Oráculo (c. 2000 a.C.) [China]

Poder de profecias e previsões inspiradas por uma divindade

"O antigo oráculo disse que eu era o mais sábio de todos os gregos." [Sócrates, citado em Apologia por Platão (399 a.C.)]

Oráculos no  mundo antigo eram tipicamente figuras religiosas com supostas habilidades proféticas inspiradas pelos deuses. A palavra "oráculo" vem do verbo latim orare, que significa "falar", e indica o papel do oráculo na entrega de mensagens do divino. Sabe-se que oráculos aconselharam algumas das figuras mais poderosas na história da humanidade, o que lhes dava posições de poder e influência. 

Talvez o oráculo mais conhecido seja o de Delfos, que se tornou famoso no século VII e VI a.C. por se comunicar com o deus grego Apolo. O papel do oráculo costumava ser desempenhado por uma sacerdotisa, que aconselhava políticos, filósofos e reis quanto a questões de guerras, dever e lei. O fato de figuras poderosas nessas sociedades dominadas pelos homens aceitarem conselhos de mulheres demonstra o alto nível de fé que era investido na profecia oracular naquela época. 

Hoje, os oráculos já não fazem parte do cotidiano. No entanto, I Ching, um antigo sistema chinês de adivinhação ainda é usado como meio de prever eventos futuros, tanto nas culturas orientais quanto nas ocidentais.  

P

Papai Noel (c. 300 d.C.) [São Nicolau]

Patrono tradicional do Natal, conhecido como portador de presentes para crianças

“Ah! Como o mundo seria melancólico se não houvesse Papai Noel!” Francis P. Church, editor

A figura de Papai Noel, o velhote benevolente que viaja ao redor do mundo na véspera de Natal doando presentes para as crianças boas (e, se os seus pais dizem a verdade, carvão para as más), teve origem na lenda de São Nicolau, o bispo católico romano de Mira (270-345 d.C.), na Lícia (atual Turquia). Detalhes precisos sobre a vida do santo não são conhecidos, mas ele tinha a reputação de ser generoso e bondoso. Acredita-se que ele deu dotes de ouro para três garotos pobres e restaurou a vida de três crianças que tinham sido dilaceradas por um açougueiro, e colocadas numa banheira com água salgada. Com o passar do tempo a lenda dos dote combinadas com elementos do deus nórdico Odin e contos folclóricos nórdicos de um mágico que premia as crianças más e recompensa as boas com presentes, levou à caracterização de São Nicolau como a figura que conhecemos atualmente. O nome do santo que corrompido para Santa Clauss em países da língua inglesa.

Papai Noel é invariavelmente representado como um homem grande, velho e com uma barba branca, vestindo um casaco vermelho com clarinho e barbas brancas, um chapéu vermelho e um cinto e botas pretas. Essa representação se originou em imagens desenhadas pelo cartunista Thomas Nast para a Harper’s Weekly em 1863. Uma tradição que começou em 1822 com um poema de Clement Clarke Moore “Uma visita de São Nicolau” coloca Papai Noel residindo no Polo Norte (acredita-se que a região era habitada por Odin). Também é dito que ele vive na companhia de elfos (na mitologia nórdica, elfos são espíritos ancestrais) que passam o ano montando brinquedos.

A popularidade de Papai Noel na celebração do Natal não mostra nenhum sinal de diminuição. Ele é protagonista de inúmeros filmes, canções e comerciais com temas natalinos.

Paradoxo do Hedonismo (1874) [Henry Sidgwick]

Não se alcança a felicidade correndo atrás dela

"O princípio do hedonismo egoísta é autolimitante na prática." (Henry Sidgwick)

O paradoxo do hedonismo é um intrigante princípio segundo o qual quem sai em busca da felicidade nunca a obterá; o caminho para a felicidade não é a busca egoísta da autogratificação, mas a disposição de ajudar o próximo. Sidgwick entendia, como os epicuristas do séc. III a.C., que a busca da felicidade era uma empresa problemática: "Se você não consegue o que busca, fica frustrado; se consegue, fica entendiado." Qualquer que seja o caminho escolhido, a felicidade nunca está lá. Os epicuristas não buscavam o máximo prazer, mas um estado ótimo que chamavam de ataraxia — paz de espírito. Vinho demais dá ressaca. 

A incapacidade de se obter prazer quando se busca é bem documentada na literatura. Aristóteles perguntou: "Por que não se pode sentir prazer o tempo todo? O prazer cansa?" O filósofo utilitarista John Stuart Mill disse: "Pergunte a si mesmo se está feliz e logo deixará de estar." 

Páscoa (c. 150 d.C.) [Melito de Sardes]

Período de celebração que comemora a morte e a ressurreição de Jesus Cristo

"A Páscoa é a demonstração de Deus de que a vida é essencialmente espiritual e atemporal." (Reverendo Charles M. Crowe, pastor)

O banquete da Páscoa, celebrando a morte a ressurreição de Jesus Cristo, estão entre os festivais cristãos mais importantes. A Páscoa foi mencionada pela primeira vez em um sermão de meados do século II supostamente escrito por Melito de Sardes (morto em 180 d.C.) para ser lido em voz alta durante a manhã da Paschoa nome antigo do festival. Originalmente havia a Páscoa judaica, mas o primeiro Concílio de Niceia, em 325, estabeleceu que a Páscoa devesse ser celebrada no domingo, o dia da ressurreição de Cristo. A data era flexível, sendo o primeiro domingo depois da primeira lua cheia após o equinócio da primavera. 

Os dois símbolos mais comuns da Páscoa são o ovo e o coelho. O ovo simboliza a vida nova atravessando a morte aparente da casca representada por sua dureza. Essa interpretação simbólica do ovo provavelmente antecede o cristianismo, mas foi adotada para representar a volta de Cristo da morte e sua saída do túmulo. O coelho da Páscoa também deve remontar a culturas anteriores ao cristianismo, para as quais o surgimento do coelho na paisagem representava a vinda da primavera (simbolizada pela conhecida fertilidade do animal). O coelho foi adaptado por muitas culturas cristãs, mas não assumiu nenhum significado cristão específico comparável ao ovo. 

Na Alemanha os símbolos do ovo e do coelho da Páscoa foram unidos na noção de uma lebre que põe ovos. Essa ideia foi introduzida nos Estados Unidos no século XVII e, após uma adaptação, a lebre passou a pôr ovos de chocolate que agora são amados por crianças do mundo inteiro. 

Páscoa Judaica (c. 1250 a.C.) [Moisés]

Evento bíblico rico em simbolismo tanto para judeus quanto para cristãos

"Neste dia é que fiz o vosso exército sair da terra do Egito. Vós observareis este dia em vossos corações, é um decreto perpétuo." (BíbliaÊxodo, 12,17)

Em algum momento durante o final da Idade do Bronze (1500-800 a.C.), os hebreus — o "povo escolhido" de Deus, segunda a Bíblia — foram escravizados no Egito. Acadêmicos calcularam que o ano de sua saída do Egito, chamada de Êxodo foi 1250 a. C., depois do notável evento da Páscoa (Pessach) no mesmo ano. O livro do Êxodo declara que Deus mandou dez "pragas" contra os egípcios, em tentativas cada vez mais severas de convencer o faraó a liberar os hebreus. A décima "praga" foi a mais severa de todas, pois consistiu em Deus "passando" pelo povo egípcio e matando todos os primogênitos, tanto humanos quanto animais, que não estivessem protegidos atrás de uma porta com uma marcação especial. Todos aqueles protegidos pelas portas que haviam sido marcadas fielmente com o sangue de cordeiros, segundo as instruções de Deus, foram "poupados" por Ele. Quando o primogênito do próprio faraó foi morto, o rei egípcio libertou os hebreus. 

A Páscoa também é chamada de Festa de Pães Ázimos pois, na noite anterior à passagem de Deus pelos fiéis (entre os dias 14 e 15 de Nisson, em algum momento da primavera), os hebreus foram alertados para prepararem determinados alimentos que os sustentassem enquanto deixaram o Egito às pressas. Um cordeiro deveria ser assado e um pão ázimo (pão sem fermento) servido. Para comemorar aquela noite fatídica, o festival da Páscoa, que dura entre sete e oito dias, ainda é mais celebrada das festas judaicas. Depois da destruição do Templo (em 70 d.C., no entanto, os judeus abandonaram o ritual do cordeiro pascal sacrificado (do hebreu Pessach, que significa Páscoa).

Os cristãos também celebram a Páscoa, embora para eles a liberação celebrada na data seja aquela dos fiéis de seus pecados pelo sacrifício de Jesus, "o cordeiro que foi sacrificado". Na verdade, de acordo com os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), foi a Páscoa que Jesus celebrou na Última Ceia, enriquecendo ainda mais todas as futuras celebrações eucarísticas.  

Pensamento de Grupo (1952) [William H. Whyte]

Fenômeno psicológico com consequências potencialmente desastrosas

"Pensamento de grupo" é o que ocorre quando um grupo de pessoas toma uma decisão ruim porque seus membros cedem às pressões do grupo. Por exemplo, o desejo de harmonia faz com que os membros de um grupo tentem minimizar conflitos, concordando com uma decisão só para alcançar o consenso. Devido a esse desejo, eles deixam de considerar ideias, soluções ou pontos de vista alternativos, que poderiam gerar controvérsias. A insistência na lealdade pode levar à certeza forjada de que o resultado escolhido é a melhor opção.  O pensamento de grupo pode reprimir a criatividade e o pensamento independente, conduzindo a decisões irracionais e falhas. 

A expressão "pensamento de grupo" foi cunhada, em 1952, pelo urbanista William H. Whyte num artigo da revista Fortune. 

Pluralismo religioso (c. 500 a.C.) Roma antiga

Tolerância em relação a diferentes crenças e práticas religiosas.

Em termos gerais, o pluralismo religioso é uma atitude de tolerância em relação a qualquer e toda religião. Em termos políticos, consiste numa estrutura de Estado permissiva de qualquer crença e prática religiosa desde que estas não conflitem com as leis de tal Estado. O pluralismo religioso está consagrado na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos (1791), na Carta Canadense de Direitos e Liberdades (1982) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948).

A Roma antiga (c. 500 a.C. - 500 d.C.) é citada com frequência como um dos primeiros Estados a adotar o pluralismo religioso. Sendo uma sociedade politeísta, Roma já tinha certa predisposição para essa atitude. Embora suas regras e procedimentos de governança e jurisprudência se baseavam em princípios de uma religião tradicional, religiões alternativas também eram toleradas, exceto nos casos em que sua prática fosse percebida como um ato de rebelião. 

O teórico John Hick (1922-2012) foi um forte defensor do pluralismo religioso. Ele argumentou que todas as verdadeiras alegações acerca de Deus não se referem a Deus em si, mas a experiências subjetivas que uma pessoa pode ter Dele. De acordo com Hick, o mundo é ambíguo: pode ser vivido religiosamente ou não e de acordo com inúmeras tradições religiosas condicionadas de forma cultural. Por essa razão, todas as religiões deveriam ser tolerantes, até mesmo bem-vindas. 

Politicamente Correto (c. 1960) [Estados Unidos e Reino Unido]

Uso de linguagem que evita termos politicamente ofensivos ou discriminatórios. 

Uma pessoa politicamente correta evita usar termos com possíveis implicações negativas ou ofensivas. O termo refere-se também a políticas baseadas nesse tipo de linguagem e a crenças ou comportamentos ofensivos, potencialmente ofensivos ou supostamente excludentes. Por exemplo, o termo "aleijado" em linguagem politicamente correta vira "pessoa com deficiência".

A expressão "politicamente correto" surgiu na época da Revolução Russa, em 1917, quando os indivíduos que professavam crenças idênticas às do Partido Comunista eram considerados politicamente corretos em sua maneira de pensar. O conceito moderno de politicamente correto, porém, remonta às décadas de 1960 e 1970. Nessa época, alguns ativistas políticos que defendiam amplas reformas sociais nos Estados Unidos e no Reino Unido — um grupo definido, em termos gerais, como a "nova esquerda" — começaram a usar o termo para descrever uma linguagem que evitava conotações ultrajantes contra grupos tradicionalmente discriminados. Nas décadas de 1980 e 1990, muitas pessoas no âmbito político fizeram oposição ao movimento do politicamente correto. Hoje em dia, o termo é utilizado de modo sarcástico para descrever qualquer tentativa de impor limitações de discurso, crença ou pensamento.

Os defensores do politicamente correto argumentam que modificar a linguagem para que ela se torne inofensiva a quem já foi discriminado ao longo da História é uma atitude louvável, enquanto seus opositores acreditam que a tentativa de controlar a linguagem é uma estratégia política disfarçada, concebida por indivíduos com o propósito de reafirmar seu poder sobre os outros. De qualquer maneira, apesar do debate sobre o seu uso, o conceito de politicamente correto foi responsável por uma mudança significativa em nossa linguagem, nosso comportamento e nossas crenças.  

"Poder Absoluto Corrompe Absolutamente." (c. 360 a.C.) [Platão]

Ideia de que deter poder absoluto inevitavelmente terá um efeito corruptor.

Provavelmente a expressão mais antiga da noção segundo a qual o poder tem um efeito corruptor é a que aparece na parábola do Anel de Gyges, em A República (360 a.C.), de Platão (). Nessa parábola , Gyges, um homem até então virtuoso,  passa a praticar ações corruptas depois de encontrar um anel mágico que o torna invisível. 

Mas a origem da máxima "poder absoluto corrompe absolutamente" data de muito tempo depois (1877)... 

Problema Mente/Corpo (1637) [René Descartes]

Resposta proposta a questões filosóficas sobre a natureza da mente e como ela se comunica com o corpo.

“Está certo de que eu [isto é, minha mente pela qual sou o que sou] sou total e verdadeiramente distinto do meu corpo, e posso existir sem ele.” [René Descartes, Discurso do Método, (1637)]

Qual a relação entre eventos mentais e físicos? Como a mente, uma substância incorpórea e restrita, se comunica com o corpo, que é corpóreo e estendido? Essas são as questões centrais do problema mente/corpo, um dos problemas metafísicos mais antigos da filosofia.

A versão mais popular do problema mente/corpo aparece em Discurso do método (1637), do filósofo racionalista René Descartes (1596-1650), sob o nome de dualismo cartesiano; mas ele tem raízes nas filosofias da Grécia antiga (Platão e Aristóteles) e em eruditos medievais como Santo Agostinho, para quem a ideia de alma toma o lugar da mente. O problema persiste em filosofias modernas da mente.

Descartes acreditava que a mente não material habita e se expressa num corpo mecanicamente operado, como um fantasma numa máquina. Ele estava preocupado com como duas coisas diferentes podiam se comunicar, e para responder a isso ele concebeu um ponto de interação que chamou de "glândula pineal". As interações são bidirecionais: percepção sensorial e sensações físicas são sentidas pelo corpo e se restabelecem na mente, mas a consciência e as reações a essas coisas se dão mente. Assim "Penso" e “Sou” são produtos da mente consciente, enquanto "Oh, bati meu dedo!" e "Estou com frio" são produtos do corpo, conduzidos pela glândula pineal. Mas as coisas físicas podem ser separadas das coisas mentais? Na verdade, não. Entre as outras tentativas de solucionar ou de evitar este problema estão várias formas de dualismo, materialismo, monismo e epifenomenalismo

As dúvidas criadas pelo problema mente/corpo deram origem à psicologia, fisiologia, neurobiologia e neurociência. O problema indica como concebemos nosso ser corporificado e nossos conceitos de liberdade, identidade e individualidade. 

Progresso Contínuo (c. 700 a.C.) [Grécia Antiga]

Crença de que a humanidade está em contínuo aperfeiçoamento  

“É só a partir da investigação que os homens descobrem com o tempo, o que é melhor.” Xenófones, poeta grego da Antiguidade.

A noção de que a sociedade humana deve estar sempre em evolução é tão antiga quanto a própria Antiguidade. Todas as civilizações, desde o início, mantiveram com firmeza a ideia de que melhorias morais, religiosas e materiais contínuas são uma consequência inevitável de nossa natureza inquisitiva e aspiradora. O classicista grego Hesíodo (morto em 700 a.C.) falou do progresso humano na obra Os tratados e os dias. Na peça do século V a.C. de Ésquilo Prometeu acorrentado, Prometeu é ordenado por Zeus à punição eterna por ter dado aos humanos a dádiva do fogo numa tentativa heroica de liberá-los da ignorância e permitir-lhe a busca das esferas mais elevadas da arte, da cultura e da aprendizagem.

Bernard le Bovier de Fontenelle (1657-1757) defendia, junto com outros pensadores, que a mente humana no século XVII era tão rica e criativa quanto na época de Aristóteles e Homero. O progresso econômico e material da humanidade continuou como premissa em A riqueza das nações (1776), de Adam Smith, assim como na Filosofia da história (1831), de G. W. F. Hegel, obra em que ele fala do nosso “impulso de perfectibilidade”.

Q

Quatro Nobres Verdades, As (c.530 a.C.) [Sidarta Gautama (Buda)]

O caminho budista para a iluminação jaz na liberdade do desejo. 

"Nascimento, envelhecimento, doença, morte são sofrimentos." (Cânone Pali, escrituras budistas)

Segundo as biografias tradicionais, Sidarta Gautama (563-483 a.C.) foi um príncipe do norte da Índia que renunciou à sua vida privilegiada para buscar o despertar espiritual. No começo ele seguiu a tradição asceta dos homens santos hindus, afligindo o corpo com jejuns extremos e outros sofrimentos. Após sete anos vivendo dessa forma, e tão emaciado que mal parecia vivo, ele foi se sentar embaixo da árvore de Bodhi em Gaya. Certa tarde aceitou um pouco de comida nutritiva, relaxou e sentiu uma mudança profunda a dominá-lo. Depois de passar a noite sentado, ao nascer do sol atingiu um estado de perfeita compreensão, tornando-se um Buda (pessoa iluminada).

A compreensão de Sidartha quanto à natureza da realidade foi posteriormente formulada como as Quatro Nobres Verdades do budismo. A primeira verdade é que a vida, como costuma ser vivida, é sofrimento (dukha) — frustração vinda do desejo de perder o que queremos, de termos de viver com o que não queremos. A segunda verdade é que o sofrimento resulta do apego às coisas ilusórias do mundo com desejo ou medo, buscando um ou fugindo do outro. A terceira verdade enuncia a solução: atingir o nirvana, o estado de iluminação a partir do qual o mundo pode ser visto sem ilusão, mas como é de fato. A liberdade da ilusão significará desapegar-se dos desejos ilusórios. A verdade final estabelece o caminho prático para a iluminação — dharma —, incluindo a compreensão correta, o discurso correto, a ação correta e a concentração correta. 

R

Redes Sociais (1979) [Estados Unidos]

Plataformas para construir comunidades virtuais ou relações sociais entre as pessoas

Os primeiros serviços que permitiram às pessoas se conectarem mutuamente via computador foram o e-mail e os programas de bate-papo, surgidos no início da década de 1970. Mas o primeiro serviço de rede social no sentido moderno do termo foi o USENET, que começou em 1979 como um sistema de mensagens entre a Universidade de Duke e a da Carolina do Norte. Espalhou-se rapidamente para outras universidades e órgãos do governo americano

Com a expansão da World Wide Web na década de 1990, empresas comerciais começaram a criar redes sociais on line utilizáveis pelo grande público. As primeiras como Classmates.com e SixDegress.com, usavam os meios de se reconectar com velhos amigos de escola, faculdade e trabalho. Com o tempo, o propósito das redes sociais se expandiu para incluir sites de namoro (como Friendster), contatos profissionais (Linkedin) e comunicação de bandas de rock, com seus fãs (MySpace). O Facebook, atualmente a maior rede social do mundo, foi lançado em 2004. Seguiu como modelo o Classmates.com e desenvolveu páginas de perfil, links e outros recursos atrativos. Em 2006 foi a vez do Twitter aparecer.

Os benefícios das redes sociais são numerosos: facilitaram o contato entre amigos e familiares, permitiram que as pessoas se conectam com outras de interesses semelhantes e se mostram até uma ferramenta útil de ativismo político. 

Reencarnação (c. 1500 a.C.) [Origem desconhecida]

Todo ser humano já nasceu, viveu e morreu, e voltará a fazê-lo

"Não se aflija. O que se perde retorna de outra forma." (Jalal al-Din Rumi, poeta e místico persa)

O conceito de reencarnação é antigo e muito difundido. Refere-se à crença de que os seres humanos têm almas imortais que foram e serão unidas a outros corpos, no passado e no futuro. Em alguns casos, como no hinduísmo e no budismo, pode-se escapar do ciclo da reencarnação por meio de um processo de iluminação ou salvação. Tanto no hinduísmo quanto no budismo, a reencarnação é parte de um ciclo de renascimento, morte e renascimento conhecido como samsara. A meta final dessas religiões é escapar do samsara por meio de um processo chamado moksha (ou "desapego"). Na Grécia antiga, a reencarnação surge na filosofia do século IV a.C. de Platão e na obra do século VI a.C. de Pitágoras. Por outro lado, no Novo Testamento cristão Jesus Cristo declara abertamente que João Batista era a reencarnação do profeta hebreu Elias, e pelo menos algumas seitas do Islã (especialmente no sul da Ásia) também acreditam na reencarnação. 

A partir do final do século XIX, o interesse pela reencarnação — bem como por todas as coisas orientais — gozou de uma exploração de popularidade na cultura ocidental. Exemplos: Madame Blavatsky, Edgar Cayce, George S. Patton e E. L. Hubbard (Cientologia).  O general George S. Patton, por exemplo, alegou ter sido um soldado em muito dos grandes exércitos da história. 

S

Samsara (c. 1500 a.C.) [Índia]

Ciclo contínuo de reencarnação ao qual todos os seres humanos pertencem. 

"Os prazeres da samsara são como água salgada: quanto mais abusamos deles, mais os desejamos." (Geshe Sonam Rinchen, Thirty-Seven Pratics of Bodhisattvas)

Samsara significa "fluir junto" e se refere ao ciclo de renascimento no qual um indivíduo é reencarnado numa sucessão de vidas baseadas no karma (uma espécie de registro metafísico da vida moral da pessoa), recebido por feitos cometidos durante cada vida. Este renascimento está mais para uma maldição do que para uma bênção, embora ofereça oportunidade para o cultivo espiritual que pode levar à liberação. 

O desejo de sair de samsara é a força condutora por trás de muitas religiões orientais. A reencarnação é vista como uma suposição metafísica básica por todas as religiões da Índia e é a principal justificação para o sistema varna que estruturou a sociedade indiana por milênios.  

Seis Chapéus do Pensamento (1985) [Edward de Bono]

Abordagens intercambiáveis para obter bons resultados em sessão de brainstorming

"Dispor de um meio adequado não significa que não possa haver um meio melhor." Edward de Bono, Os seis chapéus do pensamento (1985)

Em seu livro Os seis chapéus do pensamento  (1985), o escritor Edward de Bono (n. 1933) descreve um método inovador de organizar ideias para obter a melhor conclusão o mais rápido possível. A abordagem pode ser aplicada por Indivíduos trabalhando sozinhos, mas é mais adequado a discussões de grupos onde ideias discrepantes e às vezes conflitantes podem não ser plenamente sintetizadas em planos de ação. Os procedimentos são dirigidos por um moderador ou facilitador.

Os usuários do sistema de Bono revezam-se com os chapéus (que podem ser literais ou metafóricos). Cada chapéu possui uma cor diferente para indicar o tipo de pensamento em que se concentrar enquanto o usam. O chapéu branco representa informações: o que sabemos realmente sobre a questão em pauta? O chapéu vermelho representa a emoção: quais são as nossas reações instintivas à questão? Enquanto usar o chapéu preto, os participantes devem enfocar as razões para cautela. O chapéu amarelo representa reações otimistas: os usuários devem imaginar os cenários mais favoráveis. Os usuários do chapéu verde são encorajados a inventar abordagens totalmente diferentes do tema, sondando e provocando. O chapéu azul, com que cada sequência deveria começar e terminar, representa o que de Bono denomina “metapensamento”: de início, os usuários preveem os possíveis rumos da discussão; ao final da sessão, revisam como foi realmente e propõem um plano de ação. A abordagem dos seis chapéus do pensamento foi adotada por muitas empresas, incluindo a Speedo, que a usou ao desenvolver sua linha de trajes de banho. 

Só Sei que Nada Sei (c. 450 a.C.) [Sócrates]

Argumento segundo o qual o conhecimento nunca é de fato obtido. 

"O resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei..." [Sócrates, citado, em A República de Platão (360 a.C.)] 

A declaração bem conhecida "Só sei que nada sei" é atribuída — o que é questionável, segundo alguns acadêmicos — ao filósofo da Grécia antiga Sócrates (470-399 a.C.), com base em dois diálogos escritos por seu discípulo Platão (424-348 a.C.). Em A República (360 a.C.), Sócrates conclui uma discussão com Trasímaco sobre "justiça" dizendo "o resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei, pois quando eu não sei o que é justiça dificilmente saberei se é ou não uma forma de virtude, ou se a pessoa a que a tem é feliz ou infeliz". Em Apologia (399 a.C.), Sócrates fala de um político respeitado que "ele não sabe nada e acha que sabe. Eu nem sei nem acho que sei".

Um problema sério com a declaração de Sócrates é que ele parece se comprometer com uma posição incoerente. Se ele de fato nada sabe, então é falso que ele saiba disso; mas, se ele sabe que nada sabe, então é falso que ele nada sabe. Portanto, a afirmação "Só sei que nada sei" não se sustenta (resultado na declaração também conhecida como o paradoxo socrático). Em resposta, muitos acadêmicos defendem que essa é uma leitura injusta de Platão. Eles argumentam que as alegações de Sócrates são expressas dentro de um contexto, referindo-se apenas a conceitos específicos, e não ao conhecimento em geral ("justiça" em A República e "beleza" e "bondade" em Apologia).

T

Tabela Periódica (1869) [Dimitri Mendeleiev]

Mapa da relação entre os elementos e seus números atômicos

A tabela periódica revolucionou o modo de pensar dos químicos sobre as relações entre os elementos.  Ela convenceu os cientistas da caráter não aleatório do comportamento dos elementos e estimulou-os a procurar novos que preenchessem as lacunas. A tabela também destacou a importância do tamanho do núcleo atômico, numa época em que a estrutura interna do átomo, tida até então como a menor partícula da matéria, apenas começava a ser estudada. 

Tabula Rasa (1689) [John Locke]

Pessoas nascem com mentes que não têm ideias preconcebidas

"Vamos supor que a mente seja, como digamos, papel em branco, sem nenhuma letra." (John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano)[1689]

O termo latino tabula rasa se refere a uma lousa em branco ou literalmente uma tábula da qual todas as marcas foram apagadas. Na filosofia, "tabula rasa" expressa a ideia de que os seres humanos têm uma mente limpa no nascimento e adquirem crenças somente por meio da experiência, das sensações e reflexões. Todas as pessoas nascem iguais, embora algumas possam aprender a desenvolver os seus raciocínios melhor que outras. 

Taoismo (c. 550 a.C.)  [Lao Tsé]

Obtenção da tranquilidade por meio de uma vida em harmonia com o mundo natural. 

"O sábio contribui com o desenvolvimento natural de todas as coisas e não se atreve a agir." (Lao Tsé, Tao Te Ching 64, século VI a.C.)

O taoísmo é uma tradição filosófica e religiosa chinesa que se originou de Lao Tsé (século VI a.C.) e foi posteriormente complementado por Zhuangzi (369-286 a.C.). É uma espécie de naturalismo que encoraja os seres humanos a viverem em harmonia com o Tao, o mundo natural que é a base de toda a existência. O Tao se manifesta como de, as coisas específicas que vemos no mundo, que contêm dentro de si certas proporções de yin (forças negativas, ou destrutivas) e yang (forças positivas, ou criativas). Tudo contém alguma proporção de yin e yang: por exemplo, somos capazes de ver coisas apenas se houver tanto luz quanto sombra, e a música existe apenas como combinação de notas e pausas. 

Se houver uma superabundância de yin ou yang, o Tao tende a se equilibrar por meio de uma busca pelo extremo oposto. Taoístas, portanto, praticam o wu wei ou "não interferência":  em vez de agir contra a natureza, uma pessoa deveria seguir o fluxo natural dos eventos e usar esse fluxo para sua própria vantagem (como um surfista movendo-se em harmonia com a onda). Politicamente, isso resulta numa abordagem minimalista tratando-se de governo: um bom governante deve educar as pessoas de modo que leis rigorosas sejam desnecessárias. 

O taoísmo teve enorme influência sobre o leste da Ásia, especialmente na China e Taiwan. Assim como no confucionismo, os princípios filosóficos centrais do taoísmo estão profundamente enraizados na cultura. A metafísica taoísta influenciou o budismo mahayara, que levou à criação do budismo chan (zen). Princípios centrais do taoísmo têm sido uma pedra angular nas artes marciais (como, por exemplo, no filme Tao do Jeet Kune, de Bruce Lee).  

Telescópio (1608) [Holanda]

Ideia de um instrumento capaz de revelar o universo para a humanidade

"Meça o que é mensurável e torne mensurável o que não é.” Galileu Galilei

O primeiro telescópio do mundo foi construído na Holanda em 1608. A notícia da invenção chegou ao físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) e, a fim de aprofundar seu estudo dos céus, ele construiu seu próprio aparelho no ano seguinte; ele construiu outro, melhor, um ano mais tarde. Apesar de os telescópios de Galileu serem simples para os padrões do século XXI, eles lhe permitiram fazer observações dos vales e montanhas da Lua, de quatro luas de Júpiter e das fases do planeta Vênus, coisas que jamais foram examinadas antes. Sir Isaac Newton (1642-1726) seguiu o exemplo de Galileu com seu telescópio refletor de 1668, e telescópios poderosos o suficiente para investigar a Via Láctea operavam já no século XVIII

O panteão de telescópios hoje inclui não apenas telescópios refletores como também telescópios refratores além de versões chamadas de telescópios de Schmidt, que usam reflexão e refração. Telescópios de múltiplos espelhos são usados para fazer observações profundas do universo, enquanto telescópios solares são criados especificamente para estudos do Sol. Os telescópios já não estão presos à Terra; com a capacidade de filmar e transmitir, os cientistas foram capazes de enviar telescópios para o espaço a fim de captar imagens que não estariam acessíveis da Terra. O enorme telescópio espacial Hubble, colocado em órbita em 1990, também é capaz de fazer imagens de objetos cósmicos. As imagens, ao contrário das dos telescópios terrenos, não estão sujeitas às distorções da atmosfera terrestre. 

Teologia da Libertação (1971) [Gustavo Gutiérrez]

Reação radical cristã à pobreza, à opressão e à injustiça.

"O sentido da libertação é uma questão sobre o próprio sentido do cristianismo." [Gustavo Gutiérrez, Uma Teologia da Libertação (1971)]

Diante das injustiças sociais que viam em suas paróquias, vários sacerdotes e teólogos católicos latino-americanos reagiram desenvolvendo uma interpretação nova dos ensinamentos de Cristo. Entre eles destacou-se o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez (n.1928), cujo livro Uma Teologia da Libertação (1971) deu nome ao movimento.

A América Latina nas décadas de 1950 e 1960 era um continente desfigurado por ditaduras militares, desigualdade social e pobreza extrema. Criada em 1955, a Conferência dos Bispos latino-americana pressionou a Igreja Católica a ser mais socialmente consciente, organizando duas grandes conferências a fim de promover suas ideias. Sacerdotes e teólogos começaram a desenvolver uma nova teologia de libertação, baseada em dois princípios. Primeiro, reconheceu a necessidade de libertação de todas as formas de opressão - política, econômica, social, racial ou sexual. Segundo, essa nova teologia deveria brotar das comunidades que representavam, sem ser imposta do alto pela Igreja. A solidariedade com os pobres iria transformar a sociedade, portanto todos os aspectos da Igreja, e seus ensinamentos deveriam ser vistos do ângulo dos pobres.

Em sua descrição de Cristo como uma figura política, a teologia da libertação sofreu ataques dos conservadores dentro da Igreja Católica. Em 1979, o papa João Paulo II alertou contra ver Cristo como um revolucionário, enquanto em 1983 a Congregação para a Doutrina da Fé tachou-a de marxista. Seus líderes principais ignoraram as críticas, embora com certo custo.  

Teoria (c. 360 a.C.) [Platão]

Processo resumido de contemplação e compreensão que pode ser sustentado por evidências

"O maior valor da vida depende do poder da contemplação." (Aristóteles)

O conceito moderno de teoria deriva de theoria, uma antiga noção grega de contemplação e visão metafórica associada à sabedoria. Theoria é um verbo usado para descrever uma ampla variedade de atividades intelectuais; Platão (424-348 a.C.) associou o verbo a cada estágio do processo intelectual de compreensão. 

A noção de se obter uma visão da realidade é subjacente ao conceito contemporâneo da teoria como um relato de alguma característica da realidade que resulta da investigação cuidadosa. A teoria da relatividade de Albert Einstein, por exemplo, foi formulada após considerações minuciosas quanto à relatividade de Galileu e às limitações da física newtoniana. De modo similar a teoria da seleção de Charles Darwin foi formulada após cuidadosa consideração do desenvolvimento de seres vivos em uma variedade de contextos ambientais.

Como todas as suposições científicas, teorias estão sujeitas a novas descobertas e podem ser derrubadas por relatos mais adequados. A teoria geocêntrica de Ptolomeu foi derrubada pela teoria heliocêntrica de Copérnico. A gravidade newtoniana foi substituída pela teoria geral da relatividade de Einstein. No uso popular, uma teoria é com frequência tratada como um relato de algo que ainda não foi testado (como um sinônimo da palavra "hipótese"), mas dentro dos círculos acadêmicos as teorias são visões da realidade bem amparadas, embora não infalíveis, que nos ajudam a explicar ocorrências naturais e sugerir novas investigações. 

"O Objetivo de Galileu era substituir o sistema de ideias estéril e petrificado pela busca imparcial e zelosa de um entendimento mais profundo e consistente dos fatos físicos e astronômicos. " (Albert Einstein, físico teórico)

Teoria dos muitos mundos (1957) [Hugh Everett III]

O Universo é apenas um entre uma infinidade de Universos existentes 

"Se uma ameba tivesse as lembranças de seu progenitor, ela não teria uma linha da vida,  mas uma árvore da vida." (Hugh Everett III)

De acordo com a teoria dos muitos mundos (ou interpretação dos muitos mundos), todo evento quântico capaz de produzir dois ou mais resultados produz todos os resultados ao mesmo tempo, cada um num universo paralelo. Todos os resultados possíveis de um evento ao longo da História já aconteceram em algum outro Universo. 

Em um nível quântico, é impossível observar uma partícula sem alterar seu compartimento, e, portanto, jamais saberemos ao certo qual o comportamento de uma partícula. Os físicos quânticos podem apenas prever seu comportamento pela probabilidade de um determinado resultado. Essa incerteza quântica levou o físico Niels Bohr (1885-1962) a propor que todas as partículas existem em todos os estados ao mesmo tempo, uma ideia conhecida como interpretação de Copenhague. O físico Hugh Everett Ill (1930-1982), no entanto, pensava diferente. Para Everett, o evento observado é o único que acontece neste Universo. Todos os outros resultados possíveis também acontecem, mas em universos paralelos. 

O conceito de universos paralelos já é uma ideia antiga entre os escritores de ficção, mas a teoria dos muitos mundos não era ficção, e sim uma tentativa de explicar por que o mundo quântico funciona da maneira que funciona. Apesar de ser uma entre muitas teorias, a teoria de Everett talvez seja a favorita. A ideia de que todos os resultados possíveis das escolhas que fazemos já aconteceram em universos paralelos é impressionante neste Universo e perturbadora em outro). 

Teoria Queer (1990) [Teresa de Lauretis]

Teoria da "diversidade" que desafia as ideias existentes de gênero e sexualidade. 

"Queer é tudo que contraria o normal, o legítimo, o dominante." (David Halperin, teórico do gênero)

Antes considerado um problema patológico sujeito ao código penal, a homossexualidade costuma ser agora considerada tão aceitável quanto a heterossexualidade. Mas esse modelo implica uma dualidade que alguns críticos consideram incorreta. A sexualidade não é uma questão de hétero ou gay, eles dizem, sendo ambivalente demais para ser assim confinada. Dessas ideias básicas surgiram os princípios da teoria queer.

A expressão "toria queer" foi usada pela primeira vez em 1990 por Teresa de Lauretis (n. 1938), uma acadêmica italiana trabalhando nos EUA, numa conferência de trabalho sobre sexualidade lésbica e gay na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Depois ela o apresentou formalmente no artigo "Teoria queer, sexualidades lésbica e gay", publicado em edição especial de A Journal of Feminist and Cultural Studies, em 1991. Disse ela: "Queer (=estranho/bicha) perturba e questiona o gênero da sexualidade". De Lauretis abandonou o termo quando foi adotado por aqueles que visava subverter, mas a ideia colou. 

Terrorismo (c. 70 d.C.) [Fundamentalistas judeus]

Busca de objetivos religiosos, políticos ou ideológicos por meio da disseminação de medo. 

"Como pode haver uma guerra contra o terrorismo se a guerra em si é terrorismo?" (Howard Zinn, historiador e ativista social)

O terrorismo, a ideia de criar terror por meio de ataques contra pessoas e/ou construções por uma variedade de propósitos, teve sua origem por volta de 70 d.C na prática dos sicários judeus — conhecidos por seu uso de uma espada curta (sica) — que matavam colaboradores judeus ricos durante o domínio romano.  

Tragédia (c. 534 a.C.) [Téspis]

Drama sobre sofrimento que pode oferecer alívio emocional para o público

Uma tragédia é um drama — ou, por extensão, uma narrativa — que culmina num final desastroso para o protagonista. Numa tragédia típica, o protagonista é admirável mas imperfeito; o curso dos acontecimentos conduzindo à conclusão é apresentado como uma inevitabilidade decorrente de seu caráter e da situação, e a apresentação é séria e solene, como convém a uma representação do esplendor e da miséria da condição humana. Téspis (século VI a. C.), autor da Grécia antiga, foi considerado o inventor da tragédia, e portanto também do drama, após ter encenado a primeira tragédia registrada por volta de 534 a.C.

Na Grécia antiga a tragédia era um dos grandes gêneros, e as tragédias de Ésquilo, Eurípedes e Sócrates ainda são consideradas obras canônicas. A discussão de Aristóteles sobre a tragédia em sua obra Poética (335 a.C.), baseada nessas peças, ainda é influente...

Do século XVIII em diante tragédias passaram a ser cada vez mais deslocadas dos teatros para meios menos exigentes intelectualmente: tragédia doméstica, melodrama e tragicomédia, embora existam exceções discutíveis como as peças do século XX de Arthur Miller e Eugene O’Neill. O crítico George Steiner disse, em A morte da tragédia (1951), que após Shakespeare e Racine “a voz trágica no drama ficou turvo, ou até mesmo se calou”. Steiner atribui o impacto cada vez maior da tragédia à ascensão do otimismo associado ao iluminismo.

Tudo é Água (c. 600 a.C.) [Tales de Mileto]

Água é a substância básica na composição de toda matéria 

"Se há mágica neste planeta, ela está contida na água." (Loran Eisley, antropóloga e filósofa)

O filósofo da Grécia antiga Tales (624-546 a.C.) postulou a ideia de que "tudo é água" como uma das primeiras explicações abstratas quanto à origem da matéria. 

Na época de Tales havia uma crença comum de que a matéria era composta de um entre quatro elementos: ar, terra, fogo ou água. Mas para Tales essa teoria era incompleta. Através de suas observações do mundo, ele concluiu que tudo tem, ao menos em parte um pouco de água. Os oceanos são, obviamente, compostos de água, mas a água também é encontrada em animais, na flora, em nuvens, e até mesmo em pedras, que não parecem ser molhadas, mas ainda assim apresentam certo nível de umidade. Isso levou Tales à conclusão de que dos quatro elementos a água deveria ser o mais importante. Se a água está presente em toda parte, ele raciocinou, ela deve ser a substância fundamental presente em todas as coisas.  

Apesar da noção de que existem apenas quatro elementos e que a água é o mais importante (embora não receba mais crédito), a ideia é reconhecida mais por aquilo que não presumiu do que por sua precisão. Antes de Tales e de sua teoria aquática, os gregos antigos abordaram questões de origens e explicações em termos de mitos e deuses. A ideia de Tales afastou tais pensamentos do sobrenatural, voltando o raciocínio na direção de noção abstrata que explica tudo. Nisso, a ideia estabeleceu a base para a filosofia grega, a ciência e o naturalismo.

V

Violência Libertadora (1961) [Franz Fanon]

Os povos colonizados devem recorrer à violência para se libertar do poderio colonial

“O camponês faminto é o primeiro dos explorados a descobrir que a violência compensa.” (Franz Fanon, Os condenados da Terra)

Em Os condenados da Terra (1961), Franz Fanon (1925-1961) defende o uso da violência como o único meio de libertar os povos colonizados da opressão colonial.

O diagnóstico de isolamento e a defesa da revolução tiveram influência da teoria de Karl Marx, mas Fanon rejeitava a ideia marxista de que era necessário desenvolver uma consciência de classe para inspirar uma rebelião.

W

Wu wei (c. 550 a.C.) [Lao Tsé]

A eficiência máxima resulta da interferência mínima. 

O conceito de wu wei criado pelo filósofo taoísta Lao Tsé (século VI a.C.) em sua obra Tao Te Ching e aprimorado por Zhuangzi (369-286 a.C.) no século IV a.C. Wu wei pode ser traduzido como "não interferência", ou "ação não coercitiva", e o conceito se refere a deixar as coisas tomarem seu curso natural com intervenções mínimas. 

Wu wei não significa inação completa. É uma forma de maximizar a eficiência ao minimizar a interferência. A meta do taoísmo consiste num alinhamento perfeito com o mundo natural, e wu wei é o método pelo qual essa harmonia pode ser conquistada. 

O conceito de wu wei exerceu muita influência sobre o governo, a filosofia ambiental e as artes marciais. Politicamente, um bom líder deve focar apenas em educar a população, em vez de tentar controlá-la. A sociedade funciona da melhor forma quando as virtudes e os desejos do povo estão em harmonia com a natureza. Na filosofia ambiental, o wu wei rejeita o consumismo para harmonizar o impacto ambiental negativo causado pelo ser humano sobre o mundo natural. Artistas marciais se esforçam para seguirem os movimentos de seus oponentes, usando a própria energia do atacante para derrotá-lo em vez de se opor diretamente à força. 

X

Xamanismo (c. 40.000 a.C.) [Origem Desconhecida]

Tradição mágico-religiosa constituída por um praticante que faz contato com espíritos

“Não fui eu quem curou. Foi o poder do outro mundo, e as visões e cerimônias me fizeram como que um buraco, por meio do qual o poder pode vir àqueles de duas pernas.” [Black Elk, xamã dos Oglala Sioux]

O xamanismo é a tradição mágico-religiosa constituída em torno do xamã, e é um fenômeno tanto ancestral (datado de ao menos 40 mil anos atrás) quanto global. A maior parte da arte mais antiga no mundo — a pintura rupestre O feiticeiro na França, por exemplo — é xamânica, e a maior parte dos textos mais antigos do mundo — faz referência às práticas xamânicas, como a necromancia (entrar em contato com os espíritos dos mortos). A palavra xamã deriva da palavra tungue saman, que denota um “sacerdote” ou pessoa — homem ou mulher — que, em estado alterado de consciência (como transe ou uma alucinação induzida por algum psicotrópico), contata o mundo dos espíritos para obter ajuda.

Embora as características específicas do xamanismo variem dependendo da cultura em que são praticadas (o xintoísmo japonês é diferente do xamanismo  africano, por exemplo), todas as tradições xamanistas compartilham quatro características básicas. Primeiramente, o xamã  é visto como o intermediário entre o mundo humano e o mundo dos espíritos. Em segundo lugar, o xamã só se torna tal intermediário sendo escolhido pelos espíritos  e realizando determinados rituais, como o tocar de um tambor. Em terceiro lugar, em seu estado alterado de consciência, o xamã é capaz de perguntar aos espíritos como curar determinadas doenças, ou o que porvir reserva (previsão do futuro). E, por último, o xamã é responsável por perpetuar a tradição mágico-religiosa recontando mitos e histórias sagradas. 

Algumas religiões posteriores, como as abraâmicas, se opuseram às práticas xamânicas. A oposição  não se dava tanto pelas práticas em si (a figura do xamã é muito similar à do profeta ou à do sacerdote), mas devido à compreensão de que o xamã obtinha seus poderes da maneira errada, através tanto de espíritos bons quanto ruins. Ainda assim o xamanismo permanece até hoje, sendo uma das tradições religiosas mais antigos do mundo.

Z

Zen (c. 1191) [Myoan Eisai]

Conceito de que se pode chegar à iluminação por meio da meditação. 

"O zen transforma uma vida confusa numa vida de arte, cheia de criatividade." (D. T. Suzuki, escritor e palestrante)

O zen é a tradição religiosa e filosófica criada por Myoan Eisai (1141-1215) que estudou chán-budismo na China e fundou o primeiro templo zen no Japão em 1991.

Como o budismo, o zen afirma que o sofrimento no mundo é resultado de nosso apego ignorante aos ideais falsos, principalmente ao conceito do ser permanente. A natureza verdadeira da realidade é engi, ou despertar independente, no qual tudo faz parte de um ser dinâmico e interligado. Todas as coisas são impermanentes e nada existe fora do contexto social e natural. Por meio de práticas meditativas, uma pessoa pode sentir a verdade do engi e alcançar o sartori (iluminação), que se caracteriza por mushin, um estado "sem mente" que percebe as coisas como elas realmente são, sem abstração. A educação zen envolve o cultivo de duas virtudes principais: chie (sabedoria sobre a verdadeira natureza da realidade) e jihi (compaixão por todos os seres sensíveis). As duas principais escolas do zen são o Soto, que se foca na meditação, e a Rinzai, que dá ênfase à contemplação dos koans, ou enigmas paradoxais.  






 

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