Título: O Saber dos Antigos - Terapia para os Tempos Atuais
Autor: Giovanni Reale
REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos - Terapia
para os Tempos Atuais. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
Prefácio
Depois de citar as obras 1984,
de Orwell, O Mundo Novo, de Huxley e O Declínio do Homem, de
Konrad Lorenz — cada qual com sua maneira de ver a perda da liberdade humana —
chega aos Fragmentos Póstumos, de Nietzsche, cujo tema central é o
niilismo, ou seja, a morte de Deus, conceito este que norteia o livro.
O objetivo de Giovanni Reale é indicar as razões para uma volta consciente às raízes de nossa cultura, a fim de recuperar o alimento que elas podem fornecer, no sentido de ajudar o homem moderno a recobrar as suas forças espirituais.
Prólogo
Tese: niilismo, raiz dos males do homem de hoje
Baseando-se nos fragmentos de
Nietzsche, define o niilismo como a falta do fim, ou seja, a desvalorização dos
valores supremos, o que levaria à perda dos seguintes princípios: a) Deus; b)
fim último; c) ser; d) bem; e) verdade.
Para ele, as causas profundas
dos males do homem de hoje são justamente os disfarces niilistas dos valores
supremos que caíram (como tais) no esquecimento.
Assim, tais males e os vários
disfarces niilistas dos valores perdidos a eles vinculados podem ser resumidos
nos dez itens que se seguem.
1 — Reducionismo
Cientificista da Razão: Aristóteles e a Distinção entre Razão Científica e
Razão Metafísica
Tese: a communis opinio está convencida de que só é
"verdadeiro" aquilo que pode ser demonstrado com base em cálculos
matemáticos e comprovado segundo os cânones "da experiência", ou
seja, os das ciências experimentais.
Apoiando-se nas teses de Konrad
Lorenz, Rescher, Popper e outros, faz uma abordagem do cientismo e do
tecnicismo, relacionando-os ao conceito de metafísica.
Por que está fazendo este
estudo comparativo?
Porque, de acordo com
Aristóteles, a metafísica considera o "inteiro" do ser,
ao passo que as ciências particulares consideram apenas "partes"
específicas do ser. Perdendo a idéia do todo, o edifício científico
fica sem fundamento.
Observe que é isso mesmo o que
está acontecendo: o cientismo e a técnica estão de tal maneira engendrados em
nosso dia a dia que acabamos lhe emprestando o dom da supremacia.
A ânsia pela ciência foi tão
intensa que acabou contaminando Comte, o criador do Positivismo (filosofia), ao
emprestar-lhe um ar científico, esquecendo-se de que os objetivos da ciência e
da filosofia são completamente distintos: a filosofia prima pelo inteiro; a
ciência, pelo particular.
O erro crasso do reducionismo é
ver a parte pelo todo. Por isso, o homem quando pensa a realidade e deseja dar
alguma resposta significativa a suas interrogações mais profundas, não pode
prescindir da metafísica, que é o eterno retorno, a absolutização do devir,
uma visão do inteiro do ser em toda a sua precisão.
2 — Ideologismo e
Esquecimento do Verdadeiro: A Sabedoria Antiga e a Verdade Como o que não está
Oculto
Tese: para Marx, não se explica a práxis partindo das ideias;
ao contrário, explicam-se as ideias partindo da práxis (material). Portanto,
todos os produtos da consciência são "refutados" e
"superados" não com outros produtos da consciência, mas com a
inversão das relações sociais.
Para a ideologia o que importa
não é o verdadeiro, mas o que se mostra verdadeiro ou verossímil. E basta isso
para se vencer nos discursos sofísticos.
Já nos Fragmentos póstumos
de Nietzsche, encontramos análises pertinentes e impiedosas sobre esse ponto:
"é necessário que algo seja considerado verdadeiro; não que algo seja
verdadeiro".
Platão dizia que a verdade
não tem contestação. Ou seja, que a mentira poderá crescer como o joio no
meio do trigo, mas chegará o momento em que ela cai por si mesma.
Portanto, quem deseja
refutar a verdade é refutado por ela justamente no momento em que procura
refutá-la.
3
— Praxismo e Produtivismo Tecnológico: O Alcance Ontogônico da Contemplação
Tese: o que é verdadeiro é aquilo que se faz ou que se pode
fazer, isto é, são "verdadeiras" a práxis e a técnica, e todos os
valores são absorvidos no fazer e no produzir. Consequentemente, as coisas e a
natureza em seu conjunto correm o risco de perder toda "sacralidade",
ou seja, seu estatuto e sua independência ontológica. Seu sentido é reduzido,
quase que integralmente, à sua 'utilizabilidade" e "utilidade".
Diz que estamos tão acostumados
ao praxismo e ao produtivismo, que perdemos a noção do todo, do inteiro, do
transcendente, do fim último de nossa existência, que é "viver bem".
Apoia-se em vários textos de
Aristóteles e de Platão, tentando dar uma explicação mais precisa do que seja
contemplação
Assim, a contemplação
é ver a verdade e o inteiro. Mas não é somente ver. É aproximar-se deles.
Como se explica?
Sendo a Verdade eterna, fixa e
imutável, ao nos movermos, devemos ir ao encontro dela, tirando as escamas do
erro e da mentira.
4 — O Bem-Estar Material,
Sucedâneo da Felicidade: Natureza da Verdadeira Felicidade
Tese: outro mal que aflige o homem de hoje é a busca
ilimitada do bem-estar material como substituto da felicidade
espiritual, liquidada como um quimérico e inexistente sonho do passado.
O progresso, multiplicando cada
vez mais as necessidades materiais do homem, leva-o à busca ilimitada dos bens
materiais como substituto da felicidade espiritual.
Será isso possuir ou ser
possuído?
Para bem viver, deveríamos
atender somente às nossas necessidades naturais e não às artificiais.
Mas o que é a felicidade?
Para os Pré-socráticos,
a felicidade vem de eudaimonia, que significava ter um bom gênio protetor, do
qual se considerava que dependia de uma vida próspera.
Para Sócrates:
se queres ser feliz, cuida de tua alma.
Platão complementa a harmonia da alma socrática, repensando-a
como "justa medida" da justiça.
Aristóteles, por sua vez, esclarece que a felicidade deriva da
contemplação da verdade, fruto do conhecimento em seu nível mais elevado.
Lembremo-nos de que a busca
ilimitada do bem-estar material, ameaça levar-nos para o fim contrário: para
ter-cada-vez-mais corremos o risco de não-ser-mais.
5 — A Difusão da Violência:
A Mensagem da Não-Violência
Tese: dentre os males do homem de hoje sobressai a
sistemática elevação da violência a método privilegiado para a solução dos
problemas.
Por que as crianças matam?
Falta do exemplo sadio da sociedade. Se o próprio Estado mata, as crianças
sentem-se no direito de tirar vidas.
As origens da violência podem
ser encontradas na Bíblia: Caim matou Abel. A morte do irmão representa um
gesto livre, irreversível, com o qual deixa uma marca numa vida que, de outra
forma, vai embora sem sentido.
As raízes da não-violência
podem ser encontradas em Sócrates: condenado injustamente à morte, rebela-se
contra a fuga, considerando-a uma pseudo-solução. Prefere deixar a sociedade
aplicar a sua lei, mesmo sendo injusta.
A não-violência tem que ser
feita pelas armas da razão: observe Martin Luther King, que para libertar o
negros nos Estados Unidos, valia-se dos textos bíblicos e de Sócrates.
À página 122 do presente livro,
o autor escreve: "Até agora falamos de duas revoluções: a da
violência, com todas as conseqüências que comporta, e a da não-violência,
baseada na persuasão conduzida com a boa razão. Mas há também uma terceira
revolução: a cristã, do amor de doação".
Efetivamente o amor de
doação, aquele que sabe dar sem pedir nada em troca, aquele que
leva a amar o amigo e o inimigo, constituiria a superação de toda forma de
violência no sentido mais radical, total.
6 — Perda do Sentido da
Forma: Platão e a Dimensão Ontológica do Belo
Tese: de que temos saudade diante da beleza? De ser belos:
pensamos que muita felicidade deve depender disso. Mas é um erro.
É uma discussão do belo e sua
relação com o bem.
Na visão de Nietzsche, não se
deve confundir beleza com felicidade. A beleza, em sua opinião, não traz
felicidade e não pode fazê-lo porque o homem escolheu não ser feliz, mas
potente.
Para Platão, o Belo coincide
com o Bem.
Por quê?
A beleza, que coincide com a
bondade, é, com efeito, medida, proporção, e também virtude (no
sentido helênico de perfeita realização da essência de uma coisa).
Mais precisamente, é necessário
lembrar que para Platão nos diálogos, e sobretudo nas doutrinas não-escritas, o
Bem coincide com o Um, Medida suprema de todas as coisas. E a manifestação
do Bem e do Belo consiste na realização da unidade na multiplicidade,
justamente por meio de proporção, ordem e harmonia.
7 — Esquecimento do Amor:
Platão e o Sentido do Eros
Tese: a crise de valores sem precedentes que atingiu o homem
contemporâneo poupou o amor, quase destruindo-o.
Hoje, "Eros, que pode
assumir, simultânea ou separadamente, a forma de amor, erotismo, sexualidade,
amizade, é a resposta fundamental ao mal da civilização, uma resposta que a
própria civilização suscita e difunde com seus meios de comunicação de
massa"
Para remediar o esquecimento
niilista do amor, o homem de hoje recorre ao sexo. O que mais impressiona não é
a redução do amor à dimensão do eros físico, mas a perda do senso de medida.
Na época de Platão não era
assim. O Banquete, considerado a obra prima de Platão, dá uma dimensão mais
exata do Eros: ... a trama do ensinamento de Diotima é, em poucas palavras, a
seguinte: Eros é um daimon*, que busca as coisas belas e boas, porque,
ao mesmo tempo, "é privado delas", mas por sua própria natureza sente
o desejo irrenunciável de alcançá-las e possuí-las.
Platão vai além, e esclarece
que, propriamente falando, Eros representa toda forma de atividade humana que
tende para o Bem; mas, por uma restrição de caráter lingüístico, só é chamada
"Eros" a tendência ao Bem na dimensão do Belo.
O niilismo é o esquecimento do
amor, embora o ágape cristão tenha transformado o "Eros" platônico em
"Eros" de doação.
8 — Individualismo Levado ao
Extremo: Sócrates: "Conhece-te a ti Mesmo"
Tese: um dos maiores males contemporâneos consiste na redução
maciça do homem a uma única dimensão.
Homens e mulheres de nossa
época trocaram o amor de doação pelo amor de aquisição.
As paixões que consomem se
consomem velozmente; o amor se enfraquece multiplicando-se, e com o tempo se
torna frágil. Os encontros que fazem nascer um novo amor matam o antigo amor.
A célebre advertência inscrita
no templo de Delfos e dirigida de modo emblemático ao homem, conhece-te a ti
mesmo, tem pois o seguinte significado: "homem, conhece tua alma, porque
tu és a tua alma".
Platão parte da tese de que só
o semelhante conhece o semelhante, e que se a alma conhece verdades imutáveis e
eternas (verdades éticas, estéticas, matemáticas), só pode fazê-lo se não
pertence à dimensão do mutável e do corruptível.
Discorrendo sobre as virtudes
éticas, Aristóteles diz-nos que virtude implica justa medida ou justa
proporção: é o caminho do meio. O excesso, isto
é, o muito, e a falta, isto é, o muito pouco, são vícios.
9
— Perda do Sentido do Fim: Sabedoria Antiga e Harmonia do Cosmos
Tese: O mundo não é um organismo, mas um o caos.
Relata várias abordagens de
diversos cientistas acerca do caos.
A sua intenção é analisar e
divulgar o erro de passar de um modelo matemático, físico para o campo da
metafísica.
Conclui este capítulo lembrando
Sêneca.
Só vemos o nada, o caos, o
acaso porque isto nos pertence. Se ampliarmos a nossa visão interior
começaremos a ver além do fato observado.
É o caso de uma vara dentro da
água. Tem-se a impressão que ela está quebrada, mas quando a retiramos ela fica
inteira. Quer dizer, o clarão da verdade ofusca-nos.
10 — Materialismo e
Esquecimento do Ser Platão: A "Segunda Navegação" e a Rejeição de
Todas as Formas de Materialismo
Tese: a partir do século XVII, o materialismo ontológico foi
claramente formulado: tudo aquilo que existe é realidade física ou epifenômeno
desta e, portanto, o ser em todas as suas manifestações possíveis é reduzido à
dimensão do físico.
Anota os pensamentos de Hobbes,
Feuerbach, Marx, Engels... sobre a supremacia do materialismo.
Lembra que Platão, com a sua
teoria das idéias, dava-nos uma dimensão espiritual, além da material.
Conclui este capítulo
afirmando: a justa medida é o correto tratamento da riqueza.
Epílogo — Duas Mensagens de
Platão aos Homens de Todas as Épocas
1) A Metáfora da "Con-Versão"
tese: a communis opinio é que o termo e o conceito de
"conversão" tenham caráter predominantemente (embora não
exclusivamente) religioso, sobretudo cristão.
Para Platão, converter-se
consiste em voltar-se com a alma, ou seja, mediante a razão humana, para a
visão do Bem e em viver na visão do próprio Bem.
2) A Oração do Filósofo
a oração pressupõe quatro
fases:
1) beleza interior:
a verdadeira beleza, a divina, não está no corpo mas na alma, e é esta que é
realmente preciosa.
2) concordância entre
interior e exterior: não procure aumentar o que você tem, mas faça com
que o que você tem esteja em harmonia com o que você é.
3) riqueza e sabedoria:
a sabedoria é justamente a filosofia, a própria fonte da vida honesta e sábia
4) ouro temperante:
o filósofo não expressa o desejo de ter apenas uma parte modesta da sabedoria,
mas deseja ter a máxima quantidade que o homem possa alcançar: deseja
aproximar-se o mais possível da "sabedoria" divina.
* Nas antigas religiões
politeístas, gênio ou espírito, benéfico ou maléfico, de natureza quase divina.
São Paulo, abril de 2009.
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