16 outubro 2025

O Saber dos Antigos: Terapia para os Tempos Atuais (Notas de Livro)

Título: O Saber dos Antigos - Terapia para os Tempos Atuais

Autor: Giovanni Reale

REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos - Terapia para os Tempos Atuais. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

Prefácio

Depois de citar as obras 1984, de Orwell, O Mundo Novo, de Huxley e O Declínio do Homem, de Konrad Lorenz — cada qual com sua maneira de ver a perda da liberdade humana — chega aos Fragmentos Póstumos, de Nietzsche, cujo tema central é o niilismo, ou seja, a morte de Deus, conceito este que norteia o livro.

O objetivo de Giovanni Reale é indicar as razões para uma volta consciente às raízes de nossa cultura, a fim de recuperar o alimento que elas podem fornecer, no sentido de ajudar o homem moderno a recobrar as suas forças espirituais.

Prólogo

Tese: niilismo, raiz dos males do homem de hoje

Baseando-se nos fragmentos de Nietzsche, define o niilismo como a falta do fim, ou seja, a desvalorização dos valores supremos, o que levaria à perda dos seguintes princípios: a) Deus; b) fim último; c) ser; d) bem; e) verdade.

Para ele, as causas profundas dos males do homem de hoje são justamente os disfarces niilistas dos valores supremos que caíram (como tais) no esquecimento.

Assim, tais males e os vários disfarces niilistas dos valores perdidos a eles vinculados podem ser resumidos nos dez itens que se seguem.

1 — Reducionismo Cientificista da Razão: Aristóteles e a Distinção entre Razão Científica e Razão Metafísica

Tese: a communis opinio está convencida de que só é "verdadeiro" aquilo que pode ser demonstrado com base em cálculos matemáticos e comprovado segundo os cânones "da experiência", ou seja, os das ciências experimentais.

Apoiando-se nas teses de Konrad Lorenz, Rescher, Popper e outros, faz uma abordagem do cientismo e do tecnicismo, relacionando-os ao conceito de metafísica.

Por que está fazendo este estudo comparativo?

Porque, de acordo com Aristóteles, a metafísica considera o "inteiro" do ser, ao passo que as ciências particulares consideram apenas "partes" específicas do ser. Perdendo a idéia do todo, o edifício científico fica sem fundamento.

Observe que é isso mesmo o que está acontecendo: o cientismo e a técnica estão de tal maneira engendrados em nosso dia a dia que acabamos lhe emprestando o dom da supremacia.

A ânsia pela ciência foi tão intensa que acabou contaminando Comte, o criador do Positivismo (filosofia), ao emprestar-lhe um ar científico, esquecendo-se de que os objetivos da ciência e da filosofia são completamente distintos: a filosofia prima pelo inteiro; a ciência, pelo particular.

O erro crasso do reducionismo é ver a parte pelo todo. Por isso, o homem quando pensa a realidade e deseja dar alguma resposta significativa a suas interrogações mais profundas, não pode prescindir da metafísica, que é o eterno retorno, a absolutização do devir, uma visão do inteiro do ser em toda a sua precisão.

2 — Ideologismo e Esquecimento do Verdadeiro: A Sabedoria Antiga e a Verdade Como o que não está Oculto

Tese: para Marx, não se explica a práxis partindo das ideias; ao contrário, explicam-se as ideias partindo da práxis (material). Portanto, todos os produtos da consciência são "refutados" e "superados" não com outros produtos da consciência, mas com a inversão das relações sociais.

Para a ideologia o que importa não é o verdadeiro, mas o que se mostra verdadeiro ou verossímil. E basta isso para se vencer nos discursos sofísticos.

Já nos Fragmentos póstumos de Nietzsche, encontramos análises pertinentes e impiedosas sobre esse ponto: "é necessário que algo seja considerado verdadeiro; não que algo seja verdadeiro".

Platão dizia que a verdade não tem contestação. Ou seja, que a mentira poderá crescer como o joio no meio do trigo, mas chegará o momento em que ela cai por si mesma.

Portanto, quem deseja refutar a verdade é refutado por ela justamente no momento em que procura refutá-la.

3 — Praxismo e Produtivismo Tecnológico: O Alcance Ontogônico da Contemplação

Tese: o que é verdadeiro é aquilo que se faz ou que se pode fazer, isto é, são "verdadeiras" a práxis e a técnica, e todos os valores são absorvidos no fazer e no produzir. Consequentemente, as coisas e a natureza em seu conjunto correm o risco de perder toda "sacralidade", ou seja, seu estatuto e sua independência ontológica. Seu sentido é reduzido, quase que integralmente, à sua 'utilizabilidade" e "utilidade".

Diz que estamos tão acostumados ao praxismo e ao produtivismo, que perdemos a noção do todo, do inteiro, do transcendente, do fim último de nossa existência, que é "viver bem".

Apoia-se em vários textos de Aristóteles e de Platão, tentando dar uma explicação mais precisa do que seja contemplação

Assim, a contemplação é ver a verdade e o inteiro. Mas não é somente ver. É aproximar-se deles.

Como se explica?

Sendo a Verdade eterna, fixa e imutável, ao nos movermos, devemos ir ao encontro dela, tirando as escamas do erro e da mentira.

4 — O Bem-Estar Material, Sucedâneo da Felicidade: Natureza da Verdadeira Felicidade

Tese: outro mal que aflige o homem de hoje é a busca ilimitada do bem-estar material como substituto da felicidade espiritual, liquidada como um quimérico e inexistente sonho do passado.

O progresso, multiplicando cada vez mais as necessidades materiais do homem, leva-o à busca ilimitada dos bens materiais como substituto da felicidade espiritual.

Será isso possuir ou ser possuído?

Para bem viver, deveríamos atender somente às nossas necessidades naturais e não às artificiais.

Mas o que é a felicidade?

Para os Pré-socráticos, a felicidade vem de eudaimonia, que significava ter um bom gênio protetor, do qual se considerava que dependia de uma vida próspera.

Para Sócrates: se queres ser feliz, cuida de tua alma.

Platão complementa a harmonia da alma socrática, repensando-a como "justa medida" da justiça.

Aristóteles, por sua vez, esclarece que a felicidade deriva da contemplação da verdade, fruto do conhecimento em seu nível mais elevado.

Lembremo-nos de que a busca ilimitada do bem-estar material, ameaça levar-nos para o fim contrário: para ter-cada-vez-mais corremos o risco de não-ser-mais.

5 — A Difusão da Violência: A Mensagem da Não-Violência

Tese: dentre os males do homem de hoje sobressai a sistemática elevação da violência a método privilegiado para a solução dos problemas.

Por que as crianças matam? Falta do exemplo sadio da sociedade. Se o próprio Estado mata, as crianças sentem-se no direito de tirar vidas.

As origens da violência podem ser encontradas na Bíblia: Caim matou Abel. A morte do irmão representa um gesto livre, irreversível, com o qual deixa uma marca numa vida que, de outra forma, vai embora sem sentido.

As raízes da não-violência podem ser encontradas em Sócrates: condenado injustamente à morte, rebela-se contra a fuga, considerando-a uma pseudo-solução. Prefere deixar a sociedade aplicar a sua lei, mesmo sendo injusta.

A não-violência tem que ser feita pelas armas da razão: observe Martin Luther King, que para libertar o negros nos Estados Unidos, valia-se dos textos bíblicos e de Sócrates.

À página 122 do presente livro, o autor escreve: "Até agora falamos de duas revoluções: a da violência, com todas as conseqüências que comporta, e a da não-violência, baseada na persuasão conduzida com a boa razão. Mas há também uma terceira revolução: a cristã, do amor de doação".

Efetivamente o amor de doação, aquele que sabe dar sem pedir nada em troca, aquele que leva a amar o amigo e o inimigo, constituiria a superação de toda forma de violência no sentido mais radical, total.

6 — Perda do Sentido da Forma: Platão e a Dimensão Ontológica do Belo

Tese: de que temos saudade diante da beleza? De ser belos: pensamos que muita felicidade deve depender disso. Mas é um erro.

É uma discussão do belo e sua relação com o bem.

Na visão de Nietzsche, não se deve confundir beleza com felicidade. A beleza, em sua opinião, não traz felicidade e não pode fazê-lo porque o homem escolheu não ser feliz, mas potente.

Para Platão, o Belo coincide com o Bem.

Por quê?

A beleza, que coincide com a bondade, é, com efeito, medida, proporção, e também virtude (no sentido helênico de perfeita realização da essência de uma coisa).

Mais precisamente, é necessário lembrar que para Platão nos diálogos, e sobretudo nas doutrinas não-escritas, o Bem coincide com o Um, Medida suprema de todas as coisas. E a manifestação do Bem e do Belo consiste na realização da unidade na multiplicidade, justamente por meio de proporção, ordem e harmonia.

7 — Esquecimento do Amor: Platão e o Sentido do Eros

Tese: a crise de valores sem precedentes que atingiu o homem contemporâneo poupou o amor, quase destruindo-o.

Hoje, "Eros, que pode assumir, simultânea ou separadamente, a forma de amor, erotismo, sexualidade, amizade, é a resposta fundamental ao mal da civilização, uma resposta que a própria civilização suscita e difunde com seus meios de comunicação de massa"

Para remediar o esquecimento niilista do amor, o homem de hoje recorre ao sexo. O que mais impressiona não é a redução do amor à dimensão do eros físico, mas a perda do senso de medida.

Na época de Platão não era assim. O Banquete, considerado a obra prima de Platão, dá uma dimensão mais exata do Eros: ... a trama do ensinamento de Diotima é, em poucas palavras, a seguinte: Eros é um daimon*, que busca as coisas belas e boas, porque, ao mesmo tempo, "é privado delas", mas por sua própria natureza sente o desejo irrenunciável de alcançá-las e possuí-las.

Platão vai além, e esclarece que, propriamente falando, Eros representa toda forma de atividade humana que tende para o Bem; mas, por uma restrição de caráter lingüístico, só é chamada "Eros" a tendência ao Bem na dimensão do Belo.

O niilismo é o esquecimento do amor, embora o ágape cristão tenha transformado o "Eros" platônico em "Eros" de doação.

8 — Individualismo Levado ao Extremo: Sócrates: "Conhece-te a ti Mesmo"

Tese: um dos maiores males contemporâneos consiste na redução maciça do homem a uma única dimensão.

Homens e mulheres de nossa época trocaram o amor de doação pelo amor de aquisição.

As paixões que consomem se consomem velozmente; o amor se enfraquece multiplicando-se, e com o tempo se torna frágil. Os encontros que fazem nascer um novo amor matam o antigo amor.

A célebre advertência inscrita no templo de Delfos e dirigida de modo emblemático ao homem, conhece-te a ti mesmo, tem pois o seguinte significado: "homem, conhece tua alma, porque tu és a tua alma".

Platão parte da tese de que só o semelhante conhece o semelhante, e que se a alma conhece verdades imutáveis e eternas (verdades éticas, estéticas, matemáticas), só pode fazê-lo se não pertence à dimensão do mutável e do corruptível.

Discorrendo sobre as virtudes éticas, Aristóteles diz-nos que virtude implica justa medida ou justa proporção: é o caminho do meio. O excesso, isto é, o muito, e a falta, isto é, o muito pouco, são vícios.

9 — Perda do Sentido do Fim: Sabedoria Antiga e Harmonia do Cosmos

Tese: O mundo não é um organismo, mas um o caos.

Relata várias abordagens de diversos cientistas acerca do caos.

A sua intenção é analisar e divulgar o erro de passar de um modelo matemático, físico para o campo da metafísica.

Conclui este capítulo lembrando Sêneca.

Só vemos o nada, o caos, o acaso porque isto nos pertence. Se ampliarmos a nossa visão interior começaremos a ver além do fato observado.

É o caso de uma vara dentro da água. Tem-se a impressão que ela está quebrada, mas quando a retiramos ela fica inteira. Quer dizer, o clarão da verdade ofusca-nos.

10 — Materialismo e Esquecimento do Ser Platão: A "Segunda Navegação" e a Rejeição de Todas as Formas de Materialismo

Tese: a partir do século XVII, o materialismo ontológico foi claramente formulado: tudo aquilo que existe é realidade física ou epifenômeno desta e, portanto, o ser em todas as suas manifestações possíveis é reduzido à dimensão do físico.

Anota os pensamentos de Hobbes, Feuerbach, Marx, Engels... sobre a supremacia do materialismo.

Lembra que Platão, com a sua teoria das idéias, dava-nos uma dimensão espiritual, além da material.

Conclui este capítulo afirmando: a justa medida é o correto tratamento da riqueza.

Epílogo — Duas Mensagens de Platão aos Homens de Todas as Épocas

1) A Metáfora da "Con-Versão"

tese: a communis opinio é que o termo e o conceito de "conversão" tenham caráter predominantemente (embora não exclusivamente) religioso, sobretudo cristão.

Para Platão, converter-se consiste em voltar-se com a alma, ou seja, mediante a razão humana, para a visão do Bem e em viver na visão do próprio Bem.

2) A Oração do Filósofo

a oração pressupõe quatro fases:

1) beleza interior: a verdadeira beleza, a divina, não está no corpo mas na alma, e é esta que é realmente preciosa.

2) concordância entre interior e exterior: não procure aumentar o que você tem, mas faça com que o que você tem esteja em harmonia com o que você é.

3) riqueza e sabedoria: a sabedoria é justamente a filosofia, a própria fonte da vida honesta e sábia

4) ouro temperante: o filósofo não expressa o desejo de ter apenas uma parte modesta da sabedoria, mas deseja ter a máxima quantidade que o homem possa alcançar: deseja aproximar-se o mais possível da "sabedoria" divina.

* Nas antigas religiões politeístas, gênio ou espírito, benéfico ou maléfico, de natureza quase divina.

São Paulo, abril de 2009.

 

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