Título: Convite a Platão
Autor: Giovanni Reale
Tradução de Maurício Pagotto Marsola
São Paulo: Edições Loyola, 2022
Introdução — Uma Filosofia Magistral
Roberto Radice
Nesta
introdução, Roberto Radice relata o peso negativo que é feito pelos
circuitos normais da comunidade acadêmica, e certo isolamento nesse âmbito
sobre o autor.
A abordagem a seu respeito se dava em razão do fato de suas obras serem "fáceis de se ler".
Reale reconhecia
explicitamente esse caráter polêmico no prefácio de A sabedoria dos
antigos:
Seja lícita nesse
ponto uma recordação pessoal: há algum tempo, alguns colegas [...] me acusavam
de ser "pouco científico", pois demonstrava crer ainda em algumas das
coisas ditas pelos antigos, e, portanto, em sua opinião, lhes tratava
metodologicamente de modo inconveniente, como materiais espirituais ainda
aproveitáveis, enquanto deveria, ao contrário, tratar aquelas filosofias de um
modo distanciado, como o biólogo manipula seu material in vitro.
Em suma, aos olhos de
Reale (que cita Lorenz em A sabedoria dos antigos), o status de
consumidor relega o indivíduo "à passividade, o encoraja ao estado de
ânimo fraco e preguiçoso que caracteriza não apenas o homem cansado, mas também
o homem saciado, para não dizer supernutrido". Em poucas palavras, o
contamina com uma doença mortal.
Contudo, para Reale,
no fundo de tal diagnóstico, que se alimenta da tradição filosófica dos séculos
XIX e XX, há uma ideia ainda mais determinista e explicativa, que faz
referência à natureza totalizante da filosofia. Uma filosofia pode ser correta
ou equivocada, de acordo com o ponto de vista, mas, se renuncia a explicar o
"todo", perde sua essência e se torna inútil.
Foi Platão quem
inventou o "ideal" (correspondente ao mundo das ideias) e deu-lhe uma
realidade suprassensível, estável e fora do tempo e da história.
Resulta daí com
precisão o projeto e o desenvolvimento de uma educação perpétua, tomada como
finalidade da filosofia terapêutica. Melhor seria dizer de uma filosofia
magistral, isto é, nascida para ser comunicada e para se fazer compreender
em suas finalidades.
Capítulo I — A Questão Platônica
1 — A vida e as obras
Platão deve ter feito
um primeiro contato direto com a vida política em 404-403 a.C., quando a
aristocracia tomou o poder e dois de seus parentes, Cármides e Crítias.
A decepção com os
métodos da política praticada em Atenas atinge seu auge em 399 a.C., quando
Sócrates foi condenado à morte pelo grupo de democratas que havia retomado o
poder. De tal modo, Platão se convence de que, por ora, seria melhor manter
longe da política militante.
Após o ano de 399
a.C., Platão, com alguns outros socráticos, foi hospedado em Megara por
Euclides (provavelmente, para evitar possíveis perseguições que poderiam
ocorrer pelo fato de terem feito parte do círculo socrático), mas ali não se
deteve por muito tempo.
Primeira viagem à
Sicília. Em 388 a.C., quando estava com cerca de quarenta anos, ele partiu em
direção à Itália.
De volta a Atenas,
fundou a Academia (em um ginásio situado num local dedicado ao herói Acadêmico,
daí o nome "academia"), sendo o Mênon provavelmente
o primeiro manifesto da nova Escola. A Academia logo se consolidou e atraiu
numerosos jovens e também homens ilustres.
Em 367 a.C., Platão
faz uma segunda viagem à Sicília.
Em 361 a.C., Platão
retorna pela terceira vez à Sicília.
Em 360, Platão
retornou a Atenas e ali permaneceu na direção da Academia até sua morte, em 374
a.C.
As obras
Os escritos de Platão
chegaram a nós de modo completo. A ordem que lhes foi dada pelo gramático
Trasilo (século I d.C.) baseou-se no conteúdo dos trinta e seis escritos, que
foram subdivididos em nove tetralogias: 1. Eutifron, Apologia de
Sócrates, Críton, Fédon; 2. Crátilo, Teeteto, Sofista, Político;
3. Parmênides, Filebo Banquete, Fedro; 4. Primeiro
Alcebíades, Segundo Alcebíades Hiparco, Amantes; 5. Teages,
Cármides, Laques, Lísias; 6. Eutidemo, Protágoras, Górgias, Mênon;
7. Hípias menor, Hípias maior, Ion, Menexeno; 8. Clítofon,
República, Timeu, Critias; 9. Minos, Leis, Epinomis, Cartas.
A interpretação
correta e a avaliação desses escritos apresentam uma série de problemas
complexos, em seu conjunto, constituem aquilo que foi denominado questão
platônica.
Autenticidade dos
escritos de Platão. Hoje, tende-se a considerar quase todos os diálogos como
autênticos.
A República pertence à fase central da produção platônica, precedida do Fédon e
do Banquete, e seguida do Fedro.
As doutrinas não escritas
Sobretudo ao longo
das últimas décadas, surgiu em primeiro plano um terceiro problema, o das assim
chamadas doutrinas não escritas (ágrapha dogmata), que
tornou a "questão platônica" muito mais complexa, mas que por muitos aspectos
mostrou-se de importância decisiva.
As lições sobre as
realidades últimas
Fontes antigas dizem
que Platão proferiu cursos internos à Academia intitulados Sobre o Bem,
que ele quis fixar por escrito. Nesses cursos, ele abordava as realidades
últimas e supremas, ou seja, os Primeiros Princípios, e conduzia os discípulos
a compreender tais Princípios por meio de um rigoroso percurso metódico e
dialético. Platão estava profundamente convencido de que essas "realidades
últimas e supremas" não podiam ser comunicadas senão mediante uma
preparação adequada e por verificações rigorosas, que podiam ser realizadas
apenas pelo diálogo vivo e na dimensão da oralidade dialética.
O próprio Platão diz
em sua Carta VII:
Carta VII
O conhecimento dessas
coisas não pode ser comunicado como os outros conhecimentos, mas após muitas
discussões a seu respeito, e após uma mudança de vida, subitamente, como a luz
que se acende de uma centelha, assim nascendo na alma, que se alimenta por si
mesma [...] (341c-d).
Essas coisas são
apreendidas necessariamente em conjunto e em conjunto aprende-se o falso e o
verdadeiro que concerne a qualquer realidade, após uma aplicação total e após
muito tempo, como disse no início: friccionando-se umas nas outras, tais
coisas, ou seja, nomes e definições e visões e sensações, e sendo postas à
prova por refutações benévolas e ensaiadas em discussões feitas sem inveja,
resplandece subitamente o conhecimento de cada uma e a intuição do intelecto,
para aquele que realiza o máximo esforço possível à capacidade humana (344b-c).
"Acerca dessas coisas não há nenhum escrito meu, nem haverá"
Em conclusão, para
compreender Platão devemos levar em conta, além dos diálogos escritos, também
essas doutrinas não escritas transmitidas pela tradição indireta, que dizem
respeito a elementos-chave de todo o sistema. Atualmente, muitos estão
convencidos de que alguns diálogos e, sobretudo, algumas de suas partes,
consideradas passagens enigmáticas ou problemáticas, recebem nova luz se forem
postas em conexão com as doutrinas não escritas.
Sócrates nos diálogos platônicos
Platão recursou-se a
ser "sistemático", procurando reproduzir o espírito do diálogo
socrático, imitando sua peculiaridade, ou seja, reproduzindo aquela incessante interrogação,
com todas as dificuldades da dúvida...
Um novo gênero
literário
Nasce, assim, o
diálogo socrático, que se torna gênero literário específico, adotado por
numerosos discípulos de Sócrates e também por filósofos posteriores. Platão foi
provavelmente o inventor desse gênero (do qual damos os exemplos da Apologia,
do Crátilo, do Críton, do Eutifron e
do Protágoras nas p. 31-36) e, sem dúvida, o único
representante autêntico, já que somente nele é reconhecível a verdadeira
natureza do filosofar socrático, o que, nos outros escritores, decai num
maneirismo banal.
Portanto, o Sócrates
dos diálogos, na verdade, é Platão, e o Platão escrito, pelas razões
supracitadas, deve ser lido levando-se em conta o Platão não escrito. É, de
qualquer modo, errado ler os diálogos como fontes autônomas do pensamento
platônico, repudiando, assim, a tradição indireta.
O significado do mito em Platão
O mito
A filosofia nasceu
como distanciamento do logos em relação ao mito e à fantasia.
Os sofistas fizeram um use funcional (alguns dizem, iluminista, ou seja,
racionalista) do mito; mas Sócrates condenou esse uso, Exigindo o rigoroso
procedimento dialético. Platão, A princípio, partilha essa posição socrática,
mas já a partir do Górgias revalorizou o expediente
mitológico, que sucessivamente utilizou de modo constante e ao qual atribuiu
uma grande importância.
Hegel (e seus
seguidores) vê no mito platônico um impedimento ao pensamento, uma imaturidade
do logos que ainda não adquiriu plena liberdade. Ao contrário,
a escola de Heidegger encontra no mito a mais autêntica expressão do pensamento
platônico. Com efeito, o logos apreende o ser, mas não tem
vida, o mito vem em seu auxílio para explicar a vida, não apreensível
pelo logos.
O mito: uma forma de fé racionalizada
Platão reavalia o mito na medida em que começa a reavaliar algumas teses
fundamentais do orfismo e de sua tendência mística e seu componente religioso.
Nele o mito é expressão de fé e de crença mais que de fantasia. Com efeito, em
muitos diálogos, do Górgias em diante, a filosofia de Platão,
no que concerne a certos temas, torna-se uma forma de fé racionalizada: o mito
busca um esclarecimento no logos, e o logos busca
um complemento no mito. Platão confere à força do mito a tarefa, quando a razão
chega aos limites extremos de suas possibilidades, de superar intuitivamente
esses limites, elevando o espírito a uma visão, ou, ao menos, a uma tensão, que
se pode chamar de metarracional.
O mito como estímulo
do logos
O mito busca um
esclarecimento no logos, e o logos busca um
complemento no mito.
A paixão pela
política
Mas Platão, na Carta
VII (que apenas no século XX foi considerada autêntica), diz
claramente que sua paixão primeira foi exatamente a política. E sua própria
vida o confirma, sobretudo com as experiências sicilianas. Paradoxalmente,
também o confirmam os títulos das obras-primas platônicas: da República às Leis.
Síntese dos Diálogos
Apologia de Sócrates
A Apologia de Sócrates (escrita em algum ano após 399 a.C.) é o único dialogo no qual o
próprio Sócrates aparece no título. Em muitos dos outros diálogos, Sócrates é o
protagonista, mas como máscara dramática, mediante a qual Platão expressa seu
próprio pensamento, enquanto na Apologia apresenta a verdade
histórica acerca processo de defesa de Sócrates.
Os promotores do
processo foram Ânito, Lícon e Meleto, proponente da denúncia. Sócrates era
acusado de não crer nos deuses da cidade e de corromper a juventude.
No tribunal, Sócrates
pronuncia três discursos. O primeiro, em contra as acusações que lhe são
dirigidas, seja pelos mais antigos inimigos, seja pelos novos (19a-34b). Na
votação, 280 dos 500 juízes votaram contra Sócrates; 220 a seu favor. Conforme
a lei ateniense, se 250 tivessem votado a seu favor, ele teria sido absolvido.
A diferença, portanto, era de apenas 30 votos.
A lei ateniense
permitia aos condenados pronunciar, após a condenação, um novo discurso para
convencer os juízes a moderar a pena.
Entretanto, Sócrates
sustenta não merecer uma pena, mas um prêmio por aquilo que havia feito pela
cidade (35d-38b). Os resultados foram desastrosos: 360 votaram contra ele e
apenas 140 a seu favor.
Nesse ponto, o
condenado não teria mais nenhum direito de falar. Mas Sócrates, enquanto
esperava ser levado ao cárcere, fez um discurso de despedida (38c-42a).
Os conceitos de fundo
do pensamento de Sócrates são os seguintes: "A virtude não nasce das
riquezas, mas da virtude mesma nascem todas as riquezas e todos os bens dos
homens, sejam públicos, sejam privados"; "o bem maior para o homem é
raciocinar diariamente acerca da virtude", discutir e submeter a si mesmo
e aos outros a exame, enquanto "uma vida sem o exame não é digna de ser
vivida".
Aqueles que o
condenavam à morte, Sócrates, por fim, exprimia uma grande verdade: matando um
homem, não se mata a ideia que ele criou, mas a reforça.
Criton
O Críton é
considerado por muitos como tendo sido escrito nos mesmos anos da Apologia,
mas, conforme outros, data de muito mais tarde em razão da presença de algumas
ideias que não aparecem nos primeiros, mas nos últimos escritos.
Platão narra que
muitos discípulos, conduzidos por Críton, contemporâneo e grande amigo de
Sócrates, haviam planejado sua fuga da prisão a fim de salvá-lo da pena de
morte, pois ele havia sido condenado injustamente (44b-46 a). Sócrates recusa
esse projeto de modo claro e explica as razões dessa recusa (46b-54d).
A grande ideia de
fundo expressa no diálogo é a seguinte: "Não é preciso restituir a
injustiça, e não é preciso fazer mal a nenhum homem, nem mesmo se alguém sofre
algo por sua causa. [...] De nenhum modo é justo cometer injustiça, nem
retribuir a injustiça, nem, recebendo um mal, vingar-se, pagando o mal com o
mal" (49c-d). Sua fuga do cárcere seria uma injustiça contra o Estado.
Sócrates sustenta
outra grande ideia verdadeiramente inovadora, que é aquela que justamente se
pode chamar de tese da revolução da não violência, segundo a qual a
verdadeira vitória não consiste em impor com violência sua
própria vontade, mas em persuadir e convencer os
outros, e, em particular, a cidade que o condenou de modo injusto: "Não se
deve desertar, nem retirar-se, nem abandonar seu posto, mas, na guerra, no
tribunal ou em qualquer outro lugar, é preciso fazer aquilo que a pátria e a
cidade ordenam, ou persuadi-la do que consiste a justiça; e, ao contrário,
fazer uso da violência não é algo são, nem nos confrontos com a mãe, nem nos
confrontos com o pai, tanto menos nos confrontos com a pátria" (51b-c).
Eutifron
O Eutifron é
um diálogo da juventude de Platão que se desenvolve entre Sócrates e o
personagem que dá nome ao diálogo, acerca do tema da piedade.
Eutífron deveria responder às perguntas de Sócrates sobre esse tema de modo
adequado, pois era um sacerdote. Na verdade, Eutífron revela-se de capacidade
intelectual, além de moral, muito limitada, portanto, o diálogo não pode
concluir-se senão de modo aporético. É o próprio leitor de que deve tirar suas
conclusões, enquanto Platão apresenta as premissas necessárias para resolver o
problema de modo adequado.
As cinco definições
da essência da piedade que Eutífron apresenta revelam-se todas inconsistentes e
falaciosas. Em primeiro lugar, a piedade seria aquilo que o próprio Eutífron
está fazendo, acusando o próprio pai, considerado por ele responsável pela
morte casual de um servo (5d-6e). Em segundo lugar, a piedade é definida como
aquilo que é caro aos deuses (6e-7b). Como terceira definição, a piedade é
apresentada como aquilo que é caro a tudo que diz respeito a todos os deuses
(9c-11b). Como quarta definição, por indicação de Sócrates, a piedade é
apresentada como "parte do justo" (11e-14b). Eutífron não sabe,
entretanto, tirar disso as devidas consequências, e define o caráter específico
da piedade como capacidade de pedir e dar aos deuses, definição esta que
retorna à segunda (14b-15c).
Em realidade, a
piedade não é tal na medida em que é cara aos deuses, mas é cara aos deuses por
si mesma, ou seja, na medida em que é piedade. A piedade, portanto, por sua
própria natureza, "é amável em si mesma, e, portanto, amada" (11a). O
verdadeiro Deus (não aquele da opinião comum dos gregos) ama a piedade, na
medida em que a piedade é, por sua própria natureza, um bem.
Protágoras
O Protágoras é
o último diálogo da juventude de Platão. É uma obra-prima, tanto do ponto de
vista filosófico quanto literário, sendo uma comédia em chave dialética,
escrita com uma ironia levada ao extremo.
O diálogo de Sócrates
com Protágoras inicia-se com uma discussão que questiona "se a virtude
pode ser ensinada". O sofista sustenta que a virtude é ensinada por todos,
mas melhor por ele do que pelos outros, como mestre da virtude (316a-328d).
Sócrates, para
superar as dúvidas sobre a possibilidade de se ensinar a virtude, formula o
problema da essência e da unidade da virtude.
O sofista não se mostra em condições de explicar sua tese, ou seja, em que
sentido as várias virtudes são parte de um todo, mas diferentes entre si e em
relação ao todo, e cai em contradição ao sustentar que um homem pode ser
injusto, mas ter a virtude da coragem. Enfim, refugia-se na tese de que o bem é
relativo e que não é compatível com as rígidas deduções socráticas (328d-334c).
Sócrates pretende ir
embora, mas aceita continuar a discussão pela intervenção de Cálias, de
Alcebíades, de Crítias, de Pródico e de Hípias (334c-338e).
Protágoras desloca a
discussão para o plano da exegese dos poetas, interpretando um poema de
Simônides. Sócrates responde a essa proposição de Protágoras com três
interpretações do poema ainda mais tolas que a do sofista, logo, com um
estupendo jogo de farsa (338e-347a).
Retorna-se, portanto,
à discussão conceitual, e Sócrates mostra como a virtude é una e
é ciência. Ainda que se aceitasse a tese comum de que o bem é o
prazer, tudo dependeria não do próprio prazer, mas da "escolha que se faz
dos verdadeiros prazeres". E tal escolha só poderia ser feita por meio de
uma ciência cuja explicação é remetida a outra ocasião (357b).
As teses de fundo, portanto, são de que a virtude é uma ciência e que, enquanto tal, pode ser ensinada. No Mênon, Platão explica como essa ciência é possível pela anamnese.
Aprofundamento — Da Oralidade à Escrita
Platão como figura emblemática da grande mudança cultural do Ocidente
Eric Havelock, em uma
obra póstuma, sustenta que Platão, pelo conjunto de seus escritos, marcou a
passagem da cultura do passado para a do futuro não apenas do mundo grego em
particular, mas do Ocidente em geral.
Portanto,
daquele corpus de escritos formou-se e consolidou-se — de modo
direto ou indireto — grande parte do pensamento do Ocidente. E ainda hoje a
influência de Platão tem um peso significativo: continua sendo o filósofo mais
lido de todos os tempos no Ocidente e seus livros continuam a ser best-sellers.
A defesa da escrita e as três regras do escrever de modo correto
Platão demonstrou que
a verdadeira arte de escrever pode fundar-se somente sobre a "arte
dialética" e, portanto, sobre a filosofia, que se baseia no método dialético;
por isso, somente pode ser verdadeiro escritor quem for filósofo.
1. Em primeiro lugar, quem escreve deve conhecer muito bem aquilo sobre
o que pretende falar; deve apreender sua essência, ou seja, conhecer sua ideia,
e saber defini-la de modo adequado.
2. Deve conhecer a natureza da alma das pessoas às quais se dirige em
suas várias formas, pois as almas dos homens são muito diversas entre si e têm
diferentes capacidades de receber as mensagens que lhe são comunicadas.
3. Deve construir seus discursos em função das capacidades de serem
recebidos por aqueles tipos específicos de almas às quais pretende dirigir-se.
O dialético foi
caracterizado por Platão como aquele que está "em condições de apreender o
momento certo de falar e de calar".
Por que, embora defendendo a escrita, Platão estabelece a oralidade
dialética acima da escrita
O filósofo, como
verdadeiro dialético, é o melhor escritor. Mas propriamente como filósofo vai
além da escrita. Se alguém escreve tudo aquilo que conhece, é um poeta, um
legislador ou um logógrafo (um escritor de discursos). O filósofo é filósofo na
medida em que possui as "coisas de maior valor" com relação àquelas
que pôs por escrito.
A escrita é como um
jogo muito belo, muito mais belo que qualquer outro jogo, mas ainda mais belo é
o "esforço" e a "seriedade" de quem tem o conhecimento
verdadeiro e não escreve nas linhas de um papel, mas na alma dos homens capazes
de receber suas mensagens e defendê-las.
Os problemas de fundo suscitados pelas doutrinas não escritas (ágrapha dogmata)
As razões pelas quais
Platão negava a oportunidade de escrever sobre tais coisas são as descritas a
seguir.
Em primeiro lugar, o
conhecimento de tais coisas não pode ser comunicado e apreendido tal como o
conhecimento das outras, na medida em que — como já dissemos acima — requer uma
estreita comunhão entre quem ensina e quem aprende, a fim de que nasça na
própria alma de quem aprende a luz que ilumina a verdade.
Platão sustenta, além
disso, a tese do caráter inoportuno da comunicação de tais doutrinas por
escrito a muitos. Com efeito, a multidão não as compreenderia e as desprezaria,
ou mesmo se encheria de presunção, convencida de ter aprendido grandes coisas,
que, na verdade, não seriam compreendidas pelos de fora da Academia:
Isto sei: que se devessem
ser postas por escrito ou ser ditas, o faria do melhor modo possível, e que se
fossem mal escritas, não me perturbaria. Se, ao contrário, cresse que devessem
ser escritas e se pudessem comunicar de modo adequado a muitos, o que poderia
ter feito de mais belo em minha vida senão escrever uma doutrina enormemente
proveitosa aos homens e trazer à luz para todos a natureza das coisas? Mas não
creio que uma abordagem e uma comunicação sobre tais argumentos seja um
benefício para os homens, senão para uns poucos que por si são capazes de
encontrar o verdadeiro com poucas indicações dadas a eles, enquanto outros se
preencheriam, alguns, de um injusto desprezo, em nada conveniente, outros, ao
contrário, de uma soberba e vazia presunção, convictos de ter aprendido coisas
magníficas (Carta VII, 341d-342a).
Contudo, o próprio
Platão fornece a tal pergunta uma resposta precisa:
Não há perigo de que
alguém se esqueça de tais coisas, uma vez que foram bem compreendidas na
alma, dado que se resumem em pouquíssimas palavras (Carta
VII, 344d-e).
E tais doutrinas sobre os princípios supremos do "Uno como Medida suprema de todas as coisas" e da "Díade indefinida do grande e do pequeno" — que são os princípios do Bem e do Mal —, dos quais falamos acima, são aquelas que para Platão eram as "coisas de maior valor", que recusou escrever, a fim de escrevê-las na alma dos alunos no interior da Academia.
Capítulo II — A Teoria das Ideias e dos Primeiros Princípios
1 — A descoberta da metafísica
Esse ponto
consiste na descoberta da existência de uma realidade suprassensível, ou seja,
de uma dimensão suprafísica do ser, de um gênero de ser não físico, que a
anterior filosofia da physis não havia abordado.
A segunda navegação (deuteros
plous)
Para responder a essa
questão, Platão empreende aquela que ele próprio denomina como a imagem
emblemática da "segunda navegação" (deuteros plous). Na antiga
linguagem náutica, a segunda navegação era empreendida quando não havia mais
vento e não mais funcionavam as velas; assim, usavam-se os remos. Na imagem
platônica, a primeira navegação simboliza o percurso da filosofia seguindo o
vento da filosofia naturalista; a "segunda navegação" representa, por
sua vez, a abordagem pessoal de Platão, a navegação feita com as próprias
forças e, por isso, muito mais fatigante. A primeira navegação mostrou-se
substancialmente insuficiente, porque os filósofos pré- socráticos não
conseguiram explicar o sensível por meio dos próprios sensíveis; a segunda
navegação, por outro lado, visa encontrar uma nova rota que leva à descoberta
do suprassensível, ou seja, do ser inteligível
Os dois planos do ser
A "segunda navegação" conduz, portanto, ao reconhecimento da existência de dois planos do ser: um plano fenomênico invisível, outro invisível, metafenomênico, apreensível apenas pela mente e, por tanto, puramente inteligível. Eis a passagem na qual Platão afirma isso de modo mais claro:
2 — Os três grandes pontos focais da filosofia de Platão: a teoria das
Ideias, dos Princípios e do Demiurgo
A passagem central
do Fédon que acabamos de examinar apresenta o projeto que
abrange todo o quadro da metafísica platônica, evidenciando seus três pontos
focais: (1) a teoria das Ideias, (2) a teoria dos Princípios primeiros, (3) a
doutrina do Demiurgo (da inteligência divina). Platão adverte explicitamente os
seus leitores da dificuldade que comporta a compreensão desses três pontos.
Da teoria dos
Princípios já sabemos o que pensava Platão: somente alguns a compreendem, e
esses poucos a compreendem sobretudo na dimensão da oralidade dialética. O
escrito, para esses poucos que a compreendem, seria inútil, e, para a maioria
dos homens, seria danoso, por causa das incompreensões e dos equívocos a que
essa teoria dá lugar. Portanto, escreve Platão: "Acerca dessas coisas não
há um escrito meu e nunca haverá".
3 — Hiperurânio ou o mundo das Ideias
O que são Ideias?
Platão também usou o
termo "paradigma" (parádeigma) para indicar que as Ideias
constituem algo como o modelo permanente de cada coisa (como deve ser
cada coisa).
As características
basilares das Ideias, conforme os textos, podem ser resumidas nos seis pontos
seguintes, que constituem pontos de referência imprescindíveis para se
compreender Platão:
— a inteligibilidade
(a Ideia é, por excelência, objeto do intelecto e apreensível apenas pelo
intelecto);
— a incorporeidade (a
Ideia pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo corpóreo sensível);
— o ser em sentido
pleno (as Ideias são o ser que verdadeiramente é);
— a imutabilidade (as
Ideias são separadas de qualquer forma de mudança, bem como do nascer e do
perecer);
— a perseidade (as
Ideias são em si e por si, ou seja, absolutamente objetivas);
— a unidade (as
Ideias são, cada qual, uma unidade, unificante da multiplicidade das coisas que
delas participam).
Hiperurânio significa
"lugar além do céu" ou "acima do cosmo físico", sendo,
portanto, representação mítica e imagem que, se compreendida corretamente,
indica um lugar que não é de fato um lugar.
Com efeito, as Ideias
são logo descritas como se tivessem características que não têm qualquer
relação com o lugar físico: não têm figura, são privadas de cor, invisíveis, e
somente são apreensíveis por nós por meio da inteligência. Portanto, o
Hiperurânio é a imagem do a-espacial mundo inteligível (do gênero do ser
suprafísico); e Platão sublinha com cuidado que esse Hiperurânio e as Ideias
nele estão "são apreendidos apenas pela parte mais elevada da alma, isto
é, pela que inteligência e apenas pela inteligência". Em suma, o Hiperurânio
é a meta que leva à "segunda navegação".
Concluindo, com a
teoria das Ideias, Platão pretendeu dizer o seguinte: o sensível apenas pode
ser explicado recorrendo-se à dimensão do suprassensível, o relativo em relação
ao absoluto, o móvel em relação ao imóvel, o corruptível em relação ao
eterno.
Acerca desse
princípio incondicionado e absolto, que está além do ser e do qual derivam
todas as Ideias, Platão nada escreveu nos diálogos, tendo reservado aquilo que
tinha a dizer a seu respeito à dimensão da "oralidade", ou seja, às
suas aulas.
A Doutrina dos
Princípios Primeiros e Supremos: o Uno [Bem] e a Díade Indefinida
Das anotações dos
discípulos em torno dessas lições, pode-se recuperar o seguinte: o Princípio
Supremo, que na República é chamado de "bem" (agathon)
nas doutrinas não escritas era chamado de "Uno) (Hen).
Da cooperação desses
dois princípios originários surge a totalidade das Ideias. O Uno age sobre a
multiplicidade ilimitada como princípio limitante e determinante.
Capítulo
III — O Conhecimento e a Dialética
Capítulo IV — A
Arte e o Amor Platônico
Capítulo V — A Concepção do Homem
8. Conclusões sobre a Escatologia Platônicas
A verdade de fundo
que os mitos pretendem sugerir e levar a crer é uma espécie de “fé racional”.
Em síntese, é a seguinte. O ser humano está de passagem pela terra e a vida
terrena é como uma prova. A verdadeira vida está no além, no Hades (o
invisível). E no Hades a alma é “julgada” com base apenas no critério da
justiça e da injustiça, da temperança e da moderação, da virtude e do vício. De
outro lado, os juízes do além não se preocupam: não conta se a alma foi de um
rei ou de um súdito, mas contam apenas os sinais de justiça ou de injustiça que
possuem. E a sorte que cabe à alma pode ser tríplice.
— se tiver vivido
em plena justiça, receberá um prêmio (andará em lugares maravilhosos nas Ilhas
dos bem-aventurados, ou num lugar ainda superior e indescritível).
— se tiver vindo em
plena injustiça a ponto de ter se tornado incurável, receberá um castigo eterno
(será precipitada ao Tártaro)
— se tiver
contraído apenas injustiças sanáveis, isto é, ter vivido em parte justamente,
arrependendo-se outras vezes das próprias injustiças, então, será apenas
temporariamente punida (depois de expiadas as suas culpas, receberá o prêmio
que merece)
Contudo, além dos conceitos de “juízo”, de “prêmio” e de “castigo”, transparece em todos os mitos escatológicos o conceito do significado “libertador” das dores e dos sofrimentos humanos, que, portanto, adquire um significado preciso: “O mérito advém às almas somente por meio das dores e dos sofrimentos, seja aqui na terra, seja no Hades; não é possível libertar-se da injustiça de outro modo”.
Capítulo VI — O
Estado (Politeia) Ideal
Capítulo VII — Conclusões
Capítulo VIII — A
Academia Platônica e os Sucessores de Platão
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