26 setembro 2014

Vida Intelectual

vida é um conjunto dos fenômenos de toda a espécie, incluindo nutrição e reprodução, que se estende do nascimento até a morte. Intelecto é a faculdade de perceber, conceber, compreender; na Escolástica, designava a capacidade e a atividade cognitiva a que depois se chamou entendimento e inteligência. Intelectual é o que pertence à inteligência, ao intelecto, que está no entendimento.

A vida intelectual (ou racional), também chamada de vida intelectiva, designa o conjunto das operações propriamente racionais. Segundo a tradição aristotélico-tomista, a vida intelectiva integra as funções de ordem cognoscitiva, tendencial ou afetiva. Nesse sentido, opõe-se tanto à vida vegetativa como à vida sensitiva, constituindo o plano mais elevado dos três.

Para compormos uma obra intelectual, convém criarmos em nosso interior uma zona de silêncio, um hábito de recolhimento, uma atitude de desapego. Esse clima interior deixa-nos livres para pensar. Em seguida, convém o intelectual se dispor a pensar, ou seja, captar parte da verdade que o mundo lhe oferece. Nesse quesito, convém separarmos a memória de papagaio da memória profunda.

A intelectualidade é uma vocação. A vocação é uma disposição interior que nos leva a escolher determinadas tarefas em detrimento de outras, as quais somos completos ignorantes. Na vocação intelectual, convém não nos satisfazermos com leituras soltas e trabalhos superficiais. Devemos nos assemelhar aos atletas olímpicos que tudo fazem para ganhar uma competição.

O futuro herda do passado. Negligenciando a hora presente, estaremos necessariamente comprometendo o futuro. Aqui cabe a expressão ex nihilo nihil fit (do nada nada se espera). A ideia de perfeição deve acompanhar os nossos passos, pois o tempo perdido não volta mais.

O trabalhador intelectual deve ter momentos de solidão para uma reflexão, para pôr em ordem os pensamentos, para melhorar um entendimento. Contudo, não deve ser um isolado, pois tem uma missão: ajudar todos aqueles que não tiveram oportunidade de aprender algumas verdades que a vida intelectiva lhe proporcionou.

A virtude própria do homem de estudo é a estudiosidade. S. Tomás classificava a estudiosidade sob a forma da temperança moderada. A intelectualidade deve estar relacionada com os outros aspectos da vida, para evitar que o seu possuidor descambe para os excessos.

Fonte de Consulta

LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

SERTILLANGES, A.-D. A Vida Intelectual: seu Espírito, suas Condições, seus Métodos. Tradução de Lilia Ledon da Silva. 3. ed., São Paulo: É Realizações, 2014.

Notas extraídas do livro A Vida Intelectual, de Sertillanges

"Querem os senhores comporem uma obra intelectual? Comecem por criar em seu interior uma zona de silêncio, um hábito de recolhimento, uma vontade de despojamento, de desapego, que os deixem inteiramente disponíveis para a obra". (p.12)

"Um intelectual deve estar sempre de prontidão para o pensar, isto é, para receber uma parte da verdade que o mundo carreia em seu curso e que lhe foi preparada, para qual ou tal curva desse curso, pela Providência". (p.12)

"Uma vocação não se satisfaz de modo algum com leituras soltas e trabalhinhos esparsos". (p.21)

"Os atletas da inteligência, tal como os do esporte, devem prever as privações, os longos treinos e uma tenacidade às vezes sobre-humana". (p.22)

"Façam o que lhes agradar, contanto que isso lhes agrade de fato." (Disraeli) (p.22)

"Viver na superfície o castigará por ter negligenciado, a seu tempo, o futuro que sempre herda do passado". (p.24)

"'O gênio é uma longa paciência', mas uma paciência organizada, inteligente". (p.24)

"Uma outra característica da vocação intelectual consiste no fato de que o trabalhador cristão, que é um consagrado, não deve ser um isolado." (p.27)

"A solidão vivifica tanto quanto o isolamento paralisa e esteriliza". (p.27)

"Toda a verdade é prática; a mais abstrata em aparência, a mais elevada, é também mais prática". (p.28)

"Mais do que nunca o pensamento aguarda os homens e os homens o pensamento. O mundo está em perigo por falta de máximas". (p.29)

"Todas as virtudes antigas têm vontade de reflorescer". (p.29)

"A virtude contém a intelectualidade em potencial". (P.31)

"Se o caráter chegar a perecer, é de se esperar, como decorrência, que o sentido das grandes verdades venha a sofrer consequências". (p.32)

"Praticando-se a verdade que já se sabe, passa-se a merecer aquela que se ignora". (p.32)

"Como farão para pensar adequadamente com uma alma doente, com um coração triturado pelos vícios, dilacerado pelas paixões, desorientado por amores violentos ou culpados?" (p.33)

"Apaziguar-nos é isolar em nós o sentido do universal; retificar-nos é isolar o sentido do verdadeiro". (p.34)

"A virtude própria do homem de estudo é a evidentemente a estudiosidade". (p.36)

"No reino da estudiosidade, dois vícios se opõem: a negligência de um lado, a vã curiosidade do outro". (p.36)

"Por mais que uma verdade particular ocupe o primeiro plano, as imensidões estão mais além". (p.40)

"Santo Tomás sempre orava antes de ditar ou pregar". (p.41)

"O pensamento nasce em nós depois de longas preparações em que a máquina corporal em seu todo está em operação". (p.42)

"Aqueles que não encontram tempo para fazer exercícios terão de encontrar tempo para ficar doentes". (p.45)

"A mortificação dos sentidos é exigida em prol do pensamento e é a única apta a nos levar a este estado de clarividência de que falava Graty". (p.46)

"Simplifiquem. Os senhores têm uma viagem difícil pela frente: não se sobrecarreguem com bagagens". (p.47)

"Os grandes dormem em leitos pequenos", Observa Henri Lavedan. (p.47)

"Uma vocação é uma concentração. O intelectual é um consagrado: que ele não vá se dispersar em futilidades cheias de exigências". (p.48)

Santo Tomás atribui tamanha importância à solidão que dos dezesseis conselhos ao intelectual, sete ele dedica aos relacionamentos e ao retiro. "Quero que sejas lento para falar e lento para dirigir-te ao parlatório." "Não te inquira de nenhum modo sobre os atos de outrem." "Mostra-te amável para com todos", mas "não sejas familiar demais com ninguém, pois familiaridade demais gera desprezo e dá ensejo a muitas distrações". "Não te imiscuas de nenhum modo em palavras e ações seculares." "Evita acima de tudo os deslocamentos inúteis." 'Ama tua cela, se queres ter acesso ao celeiro de vinhos." (p.50 e 51)

"Muitas palavras fazem o espírito esvair-se como água". (p.51)

"Evitem os trâmites inúteis que desperdiçam as horas e favorecem a ociosidade do pensamento". (p.51)

"A solidão lhes proporciona o contato consigo próprios, contato tão indispensável se quiserem realizar-se, a si próprios, e não ser mais o papagaio de um punhado de fórmulas que aprenderam, e sim o profeta do Deus interior que com cada um fala uma linguagem única". (p.53)

"A solidão é a pátria dos fortes, o silêncio é a sua prece", Ravignan. (p.54)

"O próximo, para o senhor, intelectual, é o ser que necessita da verdade, como o próximo do bom Samaritano era o ferido na estrada. Antes de dar a verdade, adquira-a, e não jogue fora o grão de mostarda". (p.54)

"Aquele que se crê em união com Deus sem estar em união com seus irmãos é um mentiroso", diz o apóstolo. (p.55)

"Eu disse relacionamento, mas preferiria dizer cooperação, pois relacionar-se sem cooperar não é agir de maneira intelectual". (p.56)

Alguém escreveu recentemente: "A dificuldade dos romancistas em nossos dias me parece ser a seguinte: se eles não frequentam a sociedade, seus livros são ilegíveis, e se a frequentam, eles não têm mais tempo para escrevê-los". (p.59)

"A contemplação recolhe, a ação despende; uma chama luz, a outra ambiciona o dom". (p.61)

"As ideias estão nos fatos, elas não vivem por si próprias, como acreditou Platão: esse ponto de vista metafísico tem consequências práticas. Na qualidade de homem de pensamento, é preciso manter-se nas proximidades do que é, do contrário o espírito vacila". (p.63)

"Parece-me resultar disso tudo que a solidão útil, o silêncio e o retiro do pensador são realidades abrandadas, mas fundamentadas num espírito com alto grau de exigência". (p.65)

"Tudo o que puderes", diz Santo Tomás ao estudioso, "esforça-te por guardá-lo no cofre do espírito, como aquele que tenciona encher um vaso". (p.69)

"Instrui-te com tuas dúvidas", diz Santo Tomás a seu discípulo. (p.105)

"O espírito do homem pode descobrir até o infinito, apenas a preguiça impõe limites à sua sabedoria e suas descobertas". (Bossuet) (p.106)

"Saber, procurar, saber de novo e partir novamente para procurar outra vez, é esta a vida de um homem votado ao verdadeiro, tal como acumular, independentemente do valor de sua fortuna, é o objetivo do avarento". (p.107)

"Os vaivéns nunca levam a bons resultados". (p.109)

"Mais um outro fator é ainda mais importante, é o de nos submetermos paralelamente à disciplina do trabalho, à disciplina do verdadeiro, e esta é a condição imprescindível para ficar em contato com a verdade". (p.110)

"Nosso intelecto é globalmente uma potência passiva, é-se forte, intelectualmente, na medida em que se é receptivo". (p.111)

"Eis o trabalho profundo: deixar-se penetrar pela verdade, submergir-se nela mansamente, nela afogar-se, não mais pensar que se pensa, nem que se é, nem que nada no mundo é, afora a própria verdade. Tal é o bem-aventurado êxtase". (p.112) 

Regra de ouro inserida por Santo Tomás entre seus Dezesseis Preceitos: "Não olhes de quem tu ouves as coisas, mas tudo o que se disser de bom, confia-o à tua memória". (p.113)

"'Considerai, com toda a humildade, todos os outros superiores a vós' (Filipenses 2,3). É superior, naquele momento, aquele que se encontra mais perto da verdade e recebe sua luz". (p.113)

"Os que pensam tudo compreender só com isso já provam que não compreenderam nada". (p.117)

"Não foi Biot que, tendo sido abordado por um colega nestes termos: 'Vou fazer-lhe uma pergunta interessante", respondeu: 'É inútil: se sua pergunta é interessante eu não tenho a resposta'?" (p.117)

"O que se proscreve é a paixão de ler, a compulsão, a intoxicação por excesso de nutrição espiritual, a preguiça disfarçada que prefere o contato fácil a qualquer esforço". (p.120)

"A leitura desordenada entorpece o espírito, em vez de alimentá-lo". (p.120)

"Quanto discernimento deve-se empregar no que serve de alimento a nosso espírito e que deve ser a semeadura de nossos pensamentos!" (p.122)

"Para ser um pouco mais preciso, eu distingo quatro espécies de leitura. Lê-se para ter uma formação e ser alguém; lê-se em vista de uma tarefa; lê-se como treinamento para o trabalho e para o bem; lê-se por ser uma distração. Há leituras fundamentais, leituras ocasionais, leituras de treinamento ou edificantes, leituras relaxantes". (p.124)

"Depois dos gênios, seguem-se imediatamente aqueles que sabem reconhecer o valor dos gênios", dizia Thérèse Brunswick referindo-se a Beethoven. (p.127)

"O espírito humano não pode ir muito longe, a não ser com esta condição: que o pensamento do indivíduo se acrescente paciente e silenciosamente ao pensamento das gerações". (Rodin) (p.129)

"Quem tropeça e não cai, dá um passo maior." (p.132)

"Uma condição essencial para tirar proveito das leituras, sejam correntes, sejam geniais, é a de tender sempre a conciliar seus autores, em vez de os contrapor". (p.132)

"Lê-se unicamente para refletir, enriquece-se para utilizar, ingere-se alimentos para viver". (p.134)

"Tudo o que puderes, deposita-o no tesouro de teu espírito, como aquele que intenciona encher um vaso" (p.139)

"Uma memória não deve ser um caos. A ciência é um conhecimento pelas causas; uma ciência vale unicamente pelas suas conexões, seus agrupamentos e suas hierarquias de valores. Estocar amontoando tudo equivale a tudo tornar inutilizável e condenar-se a só rememorá-lo por mero acaso". (p.142)

Para obter boa memória, Santo Tomás propõe quatro regras:

1ª ordenar o que se quer reter;

2ª nisso investir profundamente o espírito;

3ª sobre isso meditar frequentemente

4ª quando se quiser rememorá-lo, tomar a cadeia de dependências por uma extremidade, a qual acarretará todo o restante. (p.144)

"Toda vida anda em círculo. Um órgão que se ativa cresce e se fortalece; um órgão fortalecido se ativa de modo mais potente. É preciso escrever ao longo de toda a vida intelectual". (p.157)

"Falar é ouvir sua alma e nela a verdade; falar solitária e silenciosamente por meio da escrita é ouvir-se e sentir o verdadeiro com o frescor de sensação de um homem matinal que ausculta a natureza ao alvorecer". (p.158)

"A virtude da palavra, falada ou escrita, é uma abnegação e uma retidão: abnegação que tira a pessoa do caminho quando se tratar de uma troca entre a verdade que fala para o interior e a alma que escuta; retidão que expõe ingenuamente o que se revelou na inspiração e não acrescenta qualquer verborragia". (p.159)

"Nunca se deve escrever "à maneira de...", mesmo que seja à maneira de si mesmo. Não se deve ter maneira alguma: a verdade não tem nenhuma; ela se coloca; ela é sempre nova. Mas o som emitido pela verdade não pode deixar de ser particular a cada um de seus instrumentos". (p.161)

"O floreio é uma ofensa ao pensamento, a menos que se constitua num truque para esconder seu vazio". (p.162

"O belo é a purgação de todo supérfluo". (Michelangelo) (p.162)

"Quanto mais um livro for escrito longe do leitor, mais forte ele será". (padre Gatry) (p. 166)

"Tudo o que se pensou só para os outros é habitualmente pouco natural." (Valvenargues) (p.166)

"Querer obter a aprovação pública é tirar do público uma força com a qual ele contava". (p.166)

"É preciso abordar o trabalho munido da constância que se mantém pronta para produzir, da paciência que suporta as dificuldades, da perseverança que evita o desgaste do querer". (p.168)

"Meu garotinho, nunca fiques de olho no relógio." (Edison) (p.169)

"Cai-se frequentemente na tentação de perder tempo porque "não vale a pena começar já", porque "ainda não está na hora"". (p.169)

"Outro efeito da constância é o de vencer as impressões do falso cansaço que tomam tanto o espírito quanto o corpo". (p.171)

"Todos os gênios se queixaram das atribulações do pensamento, declarando que seus trabalhos, apesar de constituírem-se para eles numa necessidade e numa condição para sua felicidade, lhes infligiam torturas duradouras, às vezes verdadeiras angústias". (p.172)

"Não há nada mais simples do que o que foi descoberto ontem, nem nada mais difícil do que o que será descoberto amanhã". (Biot) (p.173)

"O que ocorre nas nascentes profundas", escreve Nietzsche, "ocorre com lentidão; elas devem esperar por longo tempo para saber o que caiu em sua profundeza". (p.174)

"Não terminar uma obra é destruí-la. "Quem relaxa em seu trabalho é irmão daquele que o destrói", dizem os Provérbios (18,9)". (p.176)















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