13 fevereiro 2025

Sócrates e a Responsabilidade

As grandes ideias — que perfazem mais de 2500 anos — têm fracassado na penetração do coração humano. Os ideais da tradição judaico-cristã e do cristianismo, rememorados por milhões de pessoas, não têm sido suficientes para impedir as atrocidades de uma guerra global, holocaustos e assassinatos em massa. Cristo, Moisés e Platão têm permanecido apenas como ideias. Mas as ideias não transformam o ser humano?

A filosofia do mundo ocidental nasceu da percepção de impotência da mente. Para Sócrates, tanto a religião como a ciência de seu tempo não estavam orientando o homem à virtude. É bom esclarecer o sentido específico da virtude: Sócrates dizia que a virtude consistia no objetivo da vida humana. O termo “autodomínio” não possui esta tonalidade precisa do significado, isto é, que o único objetivo digno de um ser humano é a criação de um canal de responsabilidade e relacionamento entre a verdade, ideias e mente, de um lado e as estruturas inconsistentes da natureza humana, de outro.

Sócrates não focou especificamente na ciência, na religião, na arte, na política. Ele apenas questionava e interrogava. Mas, em que consistia o questionamento socrático? Consistia em rasgar continuamente o mundo das aparências. Fica a seguinte dúvida: se a virtude era o objetivo de Sócrates, por que era perseguida por intermédio de questionamentos ao invés da exposição de doutrinas, de análises conceituais, sínteses de grandes ideias?

Penetrar além do mundo das aparências significa pôr em xeque nossas crenças, opiniões e certezas, não apenas com respeito aos objetos, mas a nós mesmos. Para Sócrates, o canal da virtude, o poder da verdadeira filosofia, reside no poder de auto indagação. Podemos amar a grandeza da verdade; contudo isso, por si, não nos modifica, não nos transforma.

Tudo o que sabemos de Sócrates veio por intermédio de Platão. Platão apresenta Sócrates como um homem que nada sabe, cuja “sabedoria” consiste no fato de que apenas ele, dentre todos os atenienses, se dá conta da própria ignorância. Aí está a raiz da “ironia” socrática. 

Fonte de Consulta

NEEDLEMAN, Jacob. O Coração da Filosofia. Tradução de Júlio Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1991.

Notas sobre a Autoridade

Autoridade. Do lat. auctoritas, que por sua parte deriva-se do verbo augere, aumentar, crescer, criar e dá, como substantivo, autor.

O argumento de autoridade fundamenta-se na posição de alguém, considerado como conhecedor competente de determinada matéria. Na religião, baseia-se nas revelações, as quais são obtidas por meio de indivíduos escolhidos pela divindade. Na ciência, possui valor relativo, pois exige verificação e confirmação. Na filosofia, o argumento da autoridade é falho, pois na filosofia a única e verdadeira autoridade é a demonstração.

Em se tratando da ciência e da filosofia, a prova é o elemento preponderante. Observe que a ciência é o conhecimento das causas cujas afirmações são provadas. A prova pode ser a experimental ou a demonstração lógica. A ciência observa e experimenta, e a filosofia demonstra. O filosofar apenas opinativo é um filosofar prático e não teórico, é um filosofar primário.

Santo Agostinho distingue autoridade divina da humana: Auctoritas autem partim divina est, partim humana; sed vera, firma, summa ea est quae divina nominatur. (A autoridade, contudo, é parte divina e parte humana; mas a verdadeira, firme, suprema, é a que se chama divina). Portanto, Deus é a mais alta autoridade.

Alguns tipos de autoridade

Autocracia. O poder de si mesmo, gerado de si mesmo. A capacidade de exercê-lo e legislar acima de qualquer outro. Consiste no poder entregue a uma autoridade arbitrária, a qual se acha nas mãos de um homem ou de um grupo, ou de um partido. Assim: despotismo, oligarquia, ditadura. Opõe-se à democracia.

Autoridade carismática.  É a ascendência que exerce uma pessoa sobre outra ou grupos sociais, dando-lhes a impressão e a convicção de possuir um poder que transcende a natureza humana.

Democracia. É o sistema político no qual os cidadãos, independentemente de castas, classes, estamentos, exercem a autoridade, quer por si mesmos (democracia plebiscitária) quer por intermédio de delegados ou representantes do povo (democracia eletiva).

Ditadura. Sistema político no qual uma pessoa ou um pequeno grupo tem a total autoridade sobre a vida política de um povo, sobre o qual legisla e executa suas leis, sem subordinação de qualquer espécie a nenhum outro poder.

Fonte de Consulta 

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.


06 fevereiro 2025

Apetite e Beatitude

Apetite. Em termos fisiológicos, apetite é o desejo por comida. Na concepção filosófica, o “apetite”, do gr. peto, pedir, solicitar, partir para algo (daí — ím - peto) indica a propensão para algo desejado, conveniente e adequado ao apetecente. É uma espécie de impulso veemente que nos leva a satisfazer desejos e necessidades. Na Escolástica, é o desejo implicado numa tendência.

Como o desejo está entrelaçado ao apetite? Pode-se dizer que o desejo tem uma característica mais violenta e apaixonada como se vê na expressão latina cupidus gloriae (ansioso pela glória). Há, porém, uma diferença sutil entre desejo e apetite. O apetite apresenta um aspecto mais “técnico” e ao mesmo tempo mais geral. Assim sendo, o desejo pode ser descrito como uma forma de apetite; por outro lado, o apetite nunca poderá ser descrito como uma forma de desejo.

Qual a relação entre apetite e vontade? Pode-se dizer que a vontade é um apetite intelectual e difere sensivelmente do apetite sensitivo.  Como um ser só aspira ao que é adequado à sua natureza, a sua tendência à busca das coisas imateriais, reforça a ideia de que a sua natureza não pode ser apenas material, ou seja, aspirar somente aos bens materiais.

Beatitude vem de beare, apetecer. O ser humano tende para o bem e apetece-lhe a felicidade perfeita — beatitude. O apetite é uma tendência para uma coisa conveniente, adequada ao ente. Há, assim, o tender da coisa para o seu próprio bem. Essa apreensão pode ser perfeita ou imperfeita. Daí, podemos dizer que o apetite elícito — legal, aceitável e lícito — que se segue à apreensão imperfeita do fim é o apetite sensitivo; e o elícito, cuja apreensão é perfeita, é o apetite racional, é a vontade.

Na Ética a Nicômaco de Aristóteles, a beatitude é o estado de satisfação em que não há mais carências, ausências. É o estado ideal do sábio, porque a sabedoria liberta o homem das carências e das ausências, e só ela lhe pode dar a plenitude da tranquilidade, que é o momento que se eterniza, em que a alma humana perdura, satisfeita por nada mais carecer.

Nas religiões, o estado de beatitude é alcançado por aqueles que, cumprindo os ritos e as normas religiosas, conseguem libertar-se de tudo quanto amesquinha e corrompe, e penetram assim na visão frontal da divindade, que é o estado beatífico.

Fonte de Consulta

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.