O "útil" caracteriza-se pela intermediação, vale por
tudo aquilo a que se dirige, não por si mesmo. A criação e a renovação
constante são seus atributos. O "inútil", em se tratando de um
fim em si mesmo, caracteriza-se pela perfeição e pela liberdade. Nesse sentido,
a existência lúdica, a estética e a especulação intelectual desinteressada
tornam-se uma necessidade, porque distanciam-nos dos aspectos práticos da vida.
A contemplação de uma boa música ou de uma obra de arte pode levar-nos ao
êxtase.
Na antiguidade, a busca do saber não visava o lucro, mas a apreensão da
verdade. Para tanto, basta recordar as vivências de Sócrates, Platão e
Aristóteles. Sócrates, com sua ironia e maiêutica, criava contradição naqueles
que se julgavam donos da verdade. Platão, no Teeteto, diz que os
"homens livres" não têm problemas com o tempo, enquanto os
"escravos" estão condicionados por um patrão que decide. Aristóteles,
por sua vez, afirmava que é pela admiração que os indivíduos se põe a
filosofar, e que em seus níveis mais elevados o conhecimento não é "uma
ciência prática".
Há, ao longo da história, outros pensadores que enalteceram a livre
busca do conhecimento. Em Nova Atlântica (1627), Francis Bacon
enfatiza que os seus ilhéus não mantinham o comércio para obter lucro, mas
somente para "aumentar o conhecimento". Shakespeare, em O Mercador de Veneza, no
reino de Belmonte, mostra que o ouro e a prata são desprezados. Para Kant, o
desinteresse atingirá também o juízo estético. Martin Heidegger, refletindo
sobre a essência da obra de arte, diz: "O mais útil é o inútil. Mas
experienciar o inútil é o mais difícil para o homem moderno."
A maioria das universidades, hoje,
está reduzindo os níveis de dificuldade a fim de permitir que os estudantes
passem nos exames com maior facilidade. Muitas delas estão cortando as verbas
dos cursos que não dão retorno financeiro, e deixando cada vez esquecidos os
autores clássicos da filosofia. Há, contudo, um problema, pois muitas descobertas
se deram no campo do desinteresse. Basta consultar a vida de alguns grandes
cientistas: estes não foram movidos pelo lucro, mas por seus insights, por sua
missão humanitária.
A produção técnica tem o seu valor, ou seja, fornece-nos o conforto do
lar, a facilidade da comunicação, a locomoção rápida pelas grandes aeronaves...
Contudo, não nos esqueçamos que a vida, na sua essência, transcende tudo isso.
Fonte de Consulta
ORDINE, Nuccio. A Utilidade do
Inútil: Um Manifesto. Tradução de Luiz Carlos Bombasaro. Rio de Janeiro:
Zahar, 2016.
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