O que é o fogo?
A resposta não é muito fácil. O fenômeno da combustão (fogo) teria sido
explicado pela observação dos fenômenos naturais - tempestades, fricção de
ramos secos de madeira, erupções vulcânicas etc. Embora se diga que é uma
explicação científica, parte-se muito mais de uma interpretação intuitiva
e pessoal. Em se tratando dos gravetos de madeira, a fricção produz realmente o
fogo?
Gaston
Bachelard, em A Psicanálise do Fogo, defende a tese de que o fogo
tem um sentido psicológico e, por isso, pode falar de psicanálise do fogo:
começa dizendo que a fonte inicial do estudo do fogo é impura: "a
evidência primeira não é uma verdade fundamental". Ele afirma que, ao
tentarmos explicar o que é o fogo, caímos numa zona objetiva impura em que se
misturam as intuições pessoais e as experiências científicas. O fogo tem um
sentido social e um sentido natural.
O sentido social
do fogo é mais importante do que o sentido natural. Esta observação leva-nos ao
complexo de Prometeu, semelhante ao complexo de Édipo, mas com enfoque no
aspecto intelectual: a inteligência do filho quer ultrapassar a inteligência
dos seus pais e dos seus mestres. O fogo está associado a uma interdição
social, ou seja, como ele queima, a criança deve ficar longe dele. A criança,
então, rouba o fósforo do seu pai e vai fazer uma experiência num lugar deserto
e distante de sua casa.
O fogo é um
fenômeno que explica tudo. O que muda lentamente se explica pela vida; o que
muda rapidamente se explica pelo fogo. Na mitologia, o fogo
representa tanto o bem quanto o mal. Há mitos ligados ao temor pelo poder
destruidor do fogo; há mitos também ligados à gratidão pelos seus benefícios, à
sua pretensa virtude rejuvenescedora. É como se estivesse brilhando no Paraíso
e abrasando no Inferno. Enaltece a criança que brinca ao lado da lareira, mas
castiga a desobediência de se aproximar demasiadamente de suas chamas.
O fogo, junto à
lareira, assume aspectos filosóficos. O devaneio diante do fogo — reflexão
sobre si mesmo — inspira ao ser vivente o desejo de mudança: crescer, melhorar,
progredir, rejuvenescer. A destruição é criativa, ou seja, jogar o velho no
lixo e abrir a mente para o novo, para a renovação. Bachelard pensa que esse
devaneio dá origem ao complexo de Empédocles: "um verdadeiro complexo em
que se unem o amor e o respeito ao fogo, o instinto de viver e o instinto de
morrer". Nesse caso, o sonho é mais forte que a experiência.
Saiamos da
metáfora e caiamos na real. Não deixemos que as aparências tomem o verdadeiro
valor das coisas.
Fonte de
Consulta
BACHELARD,
Gaston. A Psicanálise do Fogo. Tradução Paulo Neves. São
Paulo: Martins Fontes, 2008. (Tópicos)
Nenhum comentário:
Postar um comentário