22 outubro 2008

Arthur Schopenhauer

"Todo homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo." Studies in Pessimism ("Estudos sobre o Pessimismo") [Schopenhauer]

Arthur Schopenhauer (1788–1860) foi um filósofo alemão do século XIX. Sua filosofia é conhecida pelo pessimismo e sua vida pela solidão. Para ele, a vida é sofrimento; a arte representava apenas uma trégua temporária a este. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã, pois entendia-os como uma confirmação da sua visão pessimista do mundo. Schopenhauer combateu a filosofia hegeliana – por esta ser otimista – e influenciou consideravelmente o pensamento de Nietzsche. 

O pessimismo de Schopenhauer veio da sua metafísica, a metafísica da Vontade. A Vontade, ao contrário da razão, não tem limites, pois ela vai para qualquer lado: bom ou ruim. Tanto um quanto o outro gera um querer, o qual nos conduz ao caos. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o homem se vê movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da Vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana. Voltando o olhar para a natureza, o filósofo percebe esta mesma Vontade presente em todos os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento.

A sua aproximação com o Budismo e o Hinduísmo se dá da seguinte maneira: em algum momento, alguém tem que controlar estas forças da Vontade. Controlar a Vontade geral é quase impossível, mas não a Vontade que se manifesta em nós. Isso significa retirar-se do mundo (como os budistas o fazem). Contudo, não é pela meditação budista, mas pela saída estética. Ou seja, a pessoa quando se concentra num quadro, numa música ou em outra coisa qualquer, ela se anula de tal maneira que chega a esquecer que tem Vontade.

As suas principais obras são: Sobre a Raiz Quádrupla do Principio da Razão Suficiente (1813); O Mundo como Vontade e Representação (1819); Sobre a Vontade da Natureza (1836); Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (1841); Parerga e Paralipomena (1851).

Schopenhauer está na moda, pois todos acreditam que o mundo está um caos. A não-solução das crises financeiras, a velocidade das notícias e os deslizes dos políticos levam-nos ao pessimismo de Schopenhauer.

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Ao tornar-se professor da Universidade de Berlim em 1820, teve a audácia de de agendar suas aulas de modo a coincidirem com as de Hegel, cuja obra ele desprezava. Como se podia esperar, uma vez que Hegel era catedrático, Schopenhauer não conseguiu atrair muitos alunos, ficou ressentido e abriu mão da carreira acadêmica para se dedicar à escrita. 

Embora fosse considerado um completo pessimista, Schopenhauer chegou a propor maneiras de transcender as frustrações da condição humana, especialmente por meio da arte. (LEVENE, Lesley. Filosofia para Ocupados: dos Pré-Socráticos aos Tempos Modernos. Tradução de Débora Fleck. Rio de Janeiro: LeYa, 2019.)


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Minha versão do mundo é limitada... ==> ... Observações limitadas que posso fazer de um vasto universo ==> ... Experiências limitadas de uma vasta Vontade universal, da qual minha vontade é apenas parte ==> Minha versão de mundo não inclui coisas que não percebi, nem a Vontade universal que não experimentei. ==> Eu tomo os limites de meu próprio campo de visão campo dos limites do mundo

Arthur Schopenhauer não se alinhava com a tendência dominante da filosofia alemã do início do século XIX. Reconhecia (e idolatrava) Immanuel Kant como uma grande influência, mas rejeitava os idealistas de sua própria geração, que sustentavam que a realidade consiste essencialmente de algo não material. Acima de tudo, detestava o idealista George Hegel pelo estilo literário seco e pela filosofia otimista.

Usando a metafisica de Kant como ponto de partida, Schopenhauer desenvolveu sua própria visão de mundo, que expressou em clara linguagem literária. Aceitou a visão kantiana de que o mundo se divide entre o que percebemos por meio dos sentidos (fenômeno) e as “coisas em si” (númenos), mas queria explicar a natureza dos mundos fenomênico e numênico.

De acordo com Kant, cada um de nós constrói uma versão do mundo a partir das nossas percepções — o mundo fenomênico —, mas nunca experimentamos o mundo numênico como ele é “em si”. Então, cada um de nós tem visão limitada do mundo, já que as percepções são construídas a partir da informação adquirida por um conjunto limitado de sentidos. 

A diferença importante entre Kant e Schopenhauer é que, para o último, o fenomênico e o numênico não são duas realidades ou mundos diferentes, mas o mesmo mundo, sentido de maneira diferente: um mundo com dois aspectos: Vontade e RepresentaçãoSchopenhauer usou a palavra “vontade” para representar uma energia pura que não tem direção ativa e mesmo assim é responsável por tudo o que se manifesta no mundo fenomênico.

Legado duradouro. Amplamente ignorado por filósofos alemães do seu tempo, Schopenhauer teve suas ideias ofuscadas pela obra de Hegel. Contudo, inspirou escritores e músicos. No final do século XIX, a primazia que ele conferiu à Vontade tornou-se tema da filosofia novamente. Friedrich Nietzsche, em particular, reconheceu sua influência e Henri Bergson e os pragmatistas norte-americanos também devem algo à análise do mundo como Vontade. O maior legado de Schopenhauer, contudo, talvez esteja no campo da psicologia, em que suas ideias sobre desejos básicos e frustração influenciaram as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Carl Jung. (O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.)

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Arthur Schopenhauer nasce em 22 de fevereiro de 1788 em Dantzig. É o primogênito de um casamento sem amor. Sua mãe, Johanna Trosiener, casa-se por dinheiro com o rico comerciante Floris Schopenhauer, de uma família de ascendência holandesa. Ela se aborrece terrivelmente, e só se realizará realmente depois de viúva. Johanna de fato gosta das mundanidades, das recepções. É escritora. O pai de Arthur, por sua vez, passa por períodos de violência e de irascibilidade inexplicáveis, intercalados por fases de depressão e autismo durante as quais já nem reconhece os amigos. Arthur, como indica sua filosofia, herda a inteligência da mãe, que o orienta muito cedo na direção do conhecimento, da leitura e da escrita. Do pai, de caráter tenebroso, irascível e depressivo, marcado pelo orgulho e pelo sangue-frio, ele tem seu lado frio e duro.

Aos dez anos, Arthur é mandado para Le Havre, onde permanece por dois anos com uma família de acolhimento, para possibilitar que ele se eduque lendo “o grande livro do mundo”. Depois, aos quinze anos, em oposição a seu gosto pelos estudos clássicos e para incitá-lo a continuar sua atividade comercial, o pai lhe propõe o seguinte trato: ou ele continua os estudos no liceu e se torna professor, ou ele participa em família de uma viagem de vários anos através da Europa, sob condição de que ao final desse périplo siga seus estudos na área do comércio. Assim então, muito naturalmente, em 5 de maio de 1803 a família inteira (Arthur, claro, seus pais e Adèle, sua irmã de seis anos) começa sua viagem pela Holanda. O jovem Arthur faz anotações em seu diário. Ao percorrer a Inglaterra, a França, Paris, Bordeaux, o Bagne de Toulon etc., ficará impressionado com o espetáculo do sofrimento humano, mas também com o tédio da elite, para quem os divertimentos não chegam nem a ser um viático. Só a paz que lhe inspiram as montanhas suíças parece ser uma trégua para as dores do mundo. Portanto, ele descobre sua vocação filosófica espantando-se diante da realidade do mundo: “Aos dezessete anos, quando eu recebera apenas uma formação escolar das mais medíocres, fui surpreendido pela miséria da vida, como o foi Buda em sua juventude ao descobrir a existência da doença, da velhice e da morte[1]”.

Quando Arthur tem dezoito anos, seu pai morre: o corpo é encontrado no canal, sob o telhado de seu depósito. A hipótese mais provável é a de suicídio. De fato, ele passava por uma de suas crises de depressão, com angústias e ideias de suicídio. Arthur assiste então, reprovando-a intensamente, à emancipação de sua mãe, que imediatamente aproveita a viuvez para viver a vida com que sempre sonhara: muda-se para Weimar, onde abre um salão. O rapaz vê-se então diante de um dilema de consciência: manter o respeito à memória do pai ou trair sua promessa e abandonar o comércio, que não lhe agrada, para dedicar-se a estudos “eruditos” (primeiro medicina, depois filosofia). Tal como a mãe, ele opta por seu desenvolvimento pessoal e se torna filósofo.

Isso não o impede de desenvolver um grande ressentimento ao assistir aos lazeres da mãe: talvez seja essa a origem de sua misoginia. Basta ler o Essai sur les femmes [Ensaios sobre as mulheres] para lá encontrar implícitas algumas alusões à nova vida da mãe. No entanto, é em seu salão, que ganha cada vez maior importância, que ocorre seu precioso encontro com Goethe e, sobretudo, com Maier, que o introduz ao budismo e aos Vedas[2] (então pouco conhecidos). Essas descobertas são fundamentais para o nascimento de sua filosofia.

Entretanto, a mãe de Arthur já não suporta seu modo de criticar tudo, de contestar permanentemente seus convidados e seu aparente desprezo por ela. Intima-o a não mais comparecer a seus saraus, depois o expulsa quando ele exige que ela se separe do amante. A ruptura é consumada em 1814. A partir daí sua relação foi apenas epistolar. Johanna deserda o filho antes de morrer, em 1838.

As conquistas femininas do jovem Arthur não reparam esse sentimento de filho mal-amado. Por um lado submetido a uma forte pressão sexual, por outro muito desconfiado, só vive histórias amorosas muito breves ou sem ímpeto. No fim da vida, vangloria-se, diante dos discípulos, de nunca ter se casado.

Quanto ao sucesso intelectual esperado, este demora a chegar: embora, já aos vinte e seis anos, ele termine sua primeira grande obra, O mundo como vontade e como representação, ela não se vende e não é lida. O ensino universitário também é um fracasso: tendo seu curso colocado no mesmo horário que o de seu inimigo Hegel, que lota o anfiteatro, condena-se a falar para uma sala quase vazia. Herdeiro de uma parte da fortuna do pai e extremamente cioso de suas rendas, ele pode, apesar de tudo, viajar e viver sem depender nem da universidade, nem da editora, sempre observando seus contemporâneos. Apesar da consciência que tem das condições sociais deploráveis dos trabalhadores (às quais faz alusão em sua obra), seu medo caracterial da violência e da desordem leva-o a tomar posição a favor da contrarrevolução em 1848 — é o fracasso de sua consciência diante do caráter do homem! Aliás, em seu testamento lega sua fortuna à associação que ajuda as famílias dos soldados mortos ou mutilados por ocasião do levante revolucionário.

A celebridade vem tardiamente, em 1851, com a publicação de Parerga & Paralipomena, obra mais acessível, mais realista. Dispõe-se a determinados contatos, mas, apesar disso, recusa a visita de Richard Wagner, e não muda nada no final de sua vida muito regrada (era conhecido por seus quinze minutos de exercícios de flauta depois do almoço e por seus passeios solitários com seu poodle).

Morre numa sexta-feira, 21 de setembro de 1860, sentado em seu sofá, sem nenhuma expressão de dor.

[1] Essais sur les apparitions. Alcan, 1912, p. 185 [trad. fr. A. Dietrich].

[2] Conjunto de textos sagrados dos hindus. Há quatro Vedas: o Rigveda, o Samaveda, o Yajurveda e o Atharvaveda.

(BELLOQ, Céline. Com a colaboração de Fanny Morquin. Desapegar-se com Schopenhauer.  Tradução Monica Stahel. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.)




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