"Todo homem toma os limites de seu próprio
campo de visão como os limites do mundo." Studies in Pessimism ("Estudos
sobre o Pessimismo") [Schopenhauer] Arthur Schopenhauer (1788–1860) foi um filósofo alemão do
século XIX. Sua filosofia é conhecida pelo pessimismo e sua
vida pela solidão. Para ele, a vida é sofrimento; a arte representava apenas
uma trégua temporária a este. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento
indiano na metafísica alemã, pois entendia-os como uma confirmação da sua visão
pessimista do mundo. Schopenhauer combateu a filosofia hegeliana – por esta ser
otimista – e influenciou consideravelmente o pensamento de Nietzsche. O pessimismo de Schopenhauer veio da sua
metafísica, a metafísica da Vontade. A Vontade, ao contrário da razão, não tem
limites, pois ela vai para qualquer lado: bom ou ruim. Tanto um quanto o outro
gera um querer, o qual nos conduz ao caos. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de
si, o homem se vê movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade
da Vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana. Voltando o
olhar para a natureza, o filósofo percebe esta mesma Vontade presente em todos
os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento. A sua aproximação com o Budismo e o Hinduísmo se dá
da seguinte maneira: em algum momento, alguém tem que controlar estas forças da
Vontade. Controlar a Vontade geral é quase impossível, mas não a Vontade que se
manifesta em nós. Isso significa retirar-se do mundo (como os budistas o
fazem). Contudo, não é pela meditação budista, mas pela saída estética. Ou
seja, a pessoa quando se concentra num quadro, numa música ou em outra coisa
qualquer, ela se anula de tal maneira que chega a esquecer que tem Vontade. As suas principais obras são: Sobre a Raiz Quádrupla do Principio da Razão Suficiente (1813); O Mundo como Vontade e
Representação (1819); Sobre a Vontade
da Natureza (1836); Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (1841); Parerga e Paralipomena (1851). Schopenhauer
está na moda, pois todos acreditam que o mundo está um caos. A não-solução das
crises financeiras, a velocidade das notícias e os deslizes dos políticos
levam-nos ao pessimismo de Schopenhauer. &&& Ao tornar-se professor da Universidade de Berlim em
1820, teve a audácia de de agendar suas aulas de modo a coincidirem com as de
Hegel, cuja obra ele desprezava. Como se podia esperar, uma vez que Hegel era
catedrático, Schopenhauer não conseguiu atrair muitos alunos, ficou ressentido
e abriu mão da carreira acadêmica para se dedicar à escrita. Embora fosse considerado um completo pessimista,
Schopenhauer chegou a propor maneiras de transcender as frustrações da condição
humana, especialmente por meio da arte. (LEVENE, Lesley. Filosofia para Ocupados:
dos Pré-Socráticos aos Tempos Modernos. Tradução de Débora Fleck. Rio de
Janeiro: LeYa, 2019.)
Minha versão do mundo é limitada... ==> ... Observações limitadas que posso fazer de um vasto universo ==> ... Experiências limitadas de uma vasta Vontade universal, da qual minha vontade é apenas parte ==> Minha versão de mundo não inclui coisas que não percebi, nem a Vontade universal que não experimentei. ==> Eu tomo os limites de meu próprio campo de visão campo dos limites do mundo
Arthur Schopenhauer
não se alinhava com a tendência dominante da filosofia alemã do início do
século XIX. Reconhecia (e idolatrava) Immanuel Kant como uma grande influência,
mas rejeitava os idealistas de sua própria geração, que sustentavam que a
realidade consiste essencialmente de algo não material. Acima de tudo,
detestava o idealista George Hegel pelo estilo literário seco e pela filosofia
otimista.
Usando a metafisica
de Kant como ponto de partida, Schopenhauer desenvolveu sua própria visão de
mundo, que expressou em clara linguagem literária. Aceitou a visão kantiana de
que o mundo se divide entre o que percebemos por meio dos sentidos (fenômeno) e
as “coisas em si” (númenos), mas queria explicar a natureza dos mundos
fenomênico e numênico.
De acordo com Kant, cada um de nós constrói uma versão do mundo a partir das nossas percepções — o mundo fenomênico —, mas nunca experimentamos o mundo numênico como ele é “em si”. Então, cada um de nós tem visão limitada do mundo, já que as percepções são construídas a partir da informação adquirida por um conjunto limitado de sentidos.
A diferença importante entre Kant e Schopenhauer é que, para o último, o fenomênico e o numênico não são duas realidades ou mundos diferentes, mas o mesmo mundo, sentido de maneira diferente: um mundo com dois aspectos: Vontade e Representação. Schopenhauer usou a palavra “vontade” para representar uma energia pura que não tem direção ativa e mesmo assim é responsável por tudo o que se manifesta no mundo fenomênico.
Legado duradouro. Amplamente ignorado por filósofos alemães do seu tempo, Schopenhauer teve suas ideias ofuscadas pela obra de Hegel. Contudo, inspirou escritores e músicos. No final do século XIX, a primazia que ele conferiu à Vontade tornou-se tema da filosofia novamente. Friedrich Nietzsche, em particular, reconheceu sua influência e Henri Bergson e os pragmatistas norte-americanos também devem algo à análise do mundo como Vontade. O maior legado de Schopenhauer, contudo, talvez esteja no campo da psicologia, em que suas ideias sobre desejos básicos e frustração influenciaram as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Carl Jung. (O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.)
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Arthur
Schopenhauer nasce em 22 de fevereiro de 1788 em Dantzig. É o primogênito de um
casamento sem amor. Sua mãe, Johanna Trosiener, casa-se por dinheiro com o rico
comerciante Floris Schopenhauer, de uma família de ascendência holandesa. Ela
se aborrece terrivelmente, e só se realizará realmente depois de viúva. Johanna
de fato gosta das mundanidades, das recepções. É escritora. O pai de Arthur,
por sua vez, passa por períodos de violência e de irascibilidade inexplicáveis,
intercalados por fases de depressão e autismo durante as quais já nem reconhece
os amigos. Arthur, como indica sua filosofia, herda a inteligência da mãe, que
o orienta muito cedo na direção do conhecimento, da leitura e da escrita. Do
pai, de caráter tenebroso, irascível e depressivo, marcado pelo orgulho e pelo
sangue-frio, ele tem seu lado frio e duro.
Aos dez
anos, Arthur é mandado para Le Havre, onde permanece por dois anos com uma
família de acolhimento, para possibilitar que ele se eduque lendo “o grande
livro do mundo”. Depois, aos quinze anos, em oposição a seu gosto pelos estudos
clássicos e para incitá-lo a continuar sua atividade comercial, o pai lhe
propõe o seguinte trato: ou ele continua os estudos no liceu e se torna
professor, ou ele participa em família de uma viagem de vários anos através da
Europa, sob condição de que ao final desse périplo siga seus estudos na área do
comércio. Assim então, muito naturalmente, em 5 de maio de 1803 a família
inteira (Arthur, claro, seus pais e Adèle, sua irmã de seis anos) começa sua
viagem pela Holanda. O jovem Arthur faz anotações em seu diário. Ao percorrer a
Inglaterra, a França, Paris, Bordeaux, o Bagne de Toulon etc., ficará impressionado
com o espetáculo do sofrimento humano, mas também com o tédio da elite, para
quem os divertimentos não chegam nem a ser um viático. Só a paz que lhe
inspiram as montanhas suíças parece ser uma trégua para as dores do mundo.
Portanto, ele descobre sua vocação filosófica espantando-se diante da realidade
do mundo: “Aos dezessete anos, quando eu recebera apenas uma formação escolar
das mais medíocres, fui surpreendido pela miséria da vida, como o foi Buda em
sua juventude ao descobrir a existência da doença, da velhice e da morte[1]”.
Quando
Arthur tem dezoito anos, seu pai morre: o corpo é encontrado no canal, sob o
telhado de seu depósito. A hipótese mais provável é a de suicídio. De fato, ele
passava por uma de suas crises de depressão, com angústias e ideias de
suicídio. Arthur assiste então, reprovando-a intensamente, à emancipação de sua
mãe, que imediatamente aproveita a viuvez para viver a vida com que sempre
sonhara: muda-se para Weimar, onde abre um salão. O rapaz vê-se então diante de
um dilema de consciência: manter o respeito à memória do pai ou trair sua
promessa e abandonar o comércio, que não lhe agrada, para dedicar-se a estudos
“eruditos” (primeiro medicina, depois filosofia). Tal como a mãe, ele opta por
seu desenvolvimento pessoal e se torna filósofo.
Isso não o
impede de desenvolver um grande ressentimento ao assistir aos lazeres da mãe:
talvez seja essa a origem de sua misoginia. Basta ler o Essai sur les femmes [Ensaios
sobre as mulheres] para lá encontrar implícitas algumas alusões à nova vida
da mãe. No entanto, é em seu salão, que ganha cada vez maior importância, que
ocorre seu precioso encontro com Goethe e, sobretudo, com Maier, que o introduz
ao budismo e aos Vedas[2]
(então pouco conhecidos). Essas descobertas são fundamentais para o nascimento
de sua filosofia.
Entretanto,
a mãe de Arthur já não suporta seu modo de criticar tudo, de contestar
permanentemente seus convidados e seu aparente desprezo por ela. Intima-o a não
mais comparecer a seus saraus, depois o expulsa quando ele exige que ela se
separe do amante. A ruptura é consumada em 1814. A partir daí sua relação foi
apenas epistolar. Johanna deserda o filho antes de morrer, em 1838.
As
conquistas femininas do jovem Arthur não reparam esse sentimento de filho
mal-amado. Por um lado submetido a uma forte pressão sexual, por outro muito
desconfiado, só vive histórias amorosas muito breves ou sem ímpeto. No fim da
vida, vangloria-se, diante dos discípulos, de nunca ter se casado.
Quanto ao
sucesso intelectual esperado, este demora a chegar: embora, já aos vinte e seis
anos, ele termine sua primeira grande obra, O
mundo como vontade e como representação, ela não se vende e não é lida. O
ensino universitário também é um fracasso: tendo seu curso colocado no mesmo
horário que o de seu inimigo Hegel, que lota o anfiteatro, condena-se a falar
para uma sala quase vazia. Herdeiro de uma parte da fortuna do pai e
extremamente cioso de suas rendas, ele pode, apesar de tudo, viajar e viver sem
depender nem da universidade, nem da editora, sempre observando seus
contemporâneos. Apesar da consciência que tem das condições sociais deploráveis
dos trabalhadores (às quais faz alusão em sua obra), seu medo caracterial da
violência e da desordem leva-o a tomar posição a favor da contrarrevolução em
1848 — é o fracasso de sua consciência diante do caráter do homem! Aliás, em
seu testamento lega sua fortuna à associação que ajuda as famílias dos soldados
mortos ou mutilados por ocasião do levante revolucionário.
A
celebridade vem tardiamente, em 1851, com a publicação de Parerga & Paralipomena, obra mais acessível, mais realista.
Dispõe-se a determinados contatos, mas, apesar disso, recusa a visita de
Richard Wagner, e não muda nada no final de sua vida muito regrada (era
conhecido por seus quinze minutos de exercícios de flauta depois do almoço e
por seus passeios solitários com seu poodle).
Morre numa
sexta-feira, 21 de setembro de 1860, sentado em seu sofá, sem nenhuma expressão
de dor.
[1]
Essais sur les apparitions. Alcan, 1912, p. 185 [trad. fr. A. Dietrich].
[2]
Conjunto de textos sagrados dos hindus. Há quatro Vedas: o Rigveda, o Samaveda,
o Yajurveda e o Atharvaveda.
(BELLOQ, Céline. Com a colaboração de Fanny Morquin. Desapegar-se com Schopenhauer. Tradução Monica Stahel. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.)
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