1 — O Fenômeno Religioso. 2 — Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. 3 —
Hinduísmo e Budismo. 4 — Confucionismo e Taoísmo. 5 — Outras Religiões. 6 —
Atitudes Filosóficas diante da Religião. 7 — Bibliografia Consultada.
1 — O Fenômeno Religioso
Não foi apenas o pensamento racional que procurou dar respostas a certas preocupações humanas. As religiões também tentaram explicar temas como a origem do mundo e dos homens, seu destino após a morte e a melhor maneira de se comportar com os outros e consigo mesmo. Grande parte da história do pensamento racional transcorreu em paralelo ou se confundiu com a história das religiões. Apesar da rápida secularização de alguns países ocidentais, uma grande parte da humanidade continua a explicar o mundo e a orientar seu comportamento a partir de pressupostos religiosos.
Traços comuns
Certamente é difícil estabelecer uma definição que sirva para todas as
variantes religiosas que existem no mundo. O que se quer dizer quando se usa o
termo “religião”? Se formos procurar termos similares num dicionário de latim,
encontraremos palavras como religare (atar, prender, amarrar)
ou religo (consciência escrupulosa, sentimentos religiosos,
práticas religiosas, culto). Aqui já apareceriam algumas das poucas coisas comuns
às diversas religiões: todas elas reúnem comunidades de fiéis em torno de
sistemas (conjuntos coerentes) de crenças e de práticas rituais (cerimônias,
cultos) que ocorrem em geral em lugares sagrados. Mas nessas mesmas
características comuns já começam a surgir as diferenças.
As crenças
As crenças de algumas religiões se concentram em seres pessoais,
superiores aos homens, que vivem em outros planos ou mundos diferentes da nossa
realidade sensível. Geralmente esses seres foram os criadores do Universo e da
humanidade à qual transmitiram uma explicação da realidade e determinadas
normas de comportamento, que dão sentido e procuram organizar a vida individual
e coletiva.
Outras religiões, no entanto, não separam esses seres superiores da
realidade em que vivem: confundem-se com o mundo, com as forças da natureza, ou
se manifestam em nossos sentimentos ou na ação dos antepassados. Finalmente,
existem religiões em que os seres superiores cedem terreno diante da orientação
prática que procura a estabilidade individual e social. Nelas, o modo de vida é
mais importante do que a explicação do mundo e de alguns deuses não
necessariamente amistosos ou dependentes dos homens. Algumas dessas religiões
carecem propriamente de deuses.
Também são muito diferentes as maneiras de compreender o ser humano.
Embora quase todas as religiões dividam o homem em dois planos – um material (o
corpo) e outro imaterial (a alma, o espírito) –, nem todas acreditam na
imortalidade da parte imaterial. Alguns consideram sua extinção como um prêmio,
outras prometem uma eternidade de felicidade ou de dor de acordo com sua
atuação nessa vida, e outras a encadeiam a um ciclo de reencarnações em todos
os tipos de seres vivos do qual é difícil escapar. Geralmente, considera-se a
pessoa responsável por seus atos e por seu destino, mas algumas vezes se
insiste em sua capacidade de intervir no mundo, sendo recompensado ou castigado
pelos resultados.
Os rituais e a comunidade de
fiéis
Embora algumas religiões deem grande importância à experiência individual,
a maior parte utiliza as cerimônias e rituais para afirmar sua
institucionalização e o sentido de solidariedade de seus fiéis. Os ritos de
algumas religiões, como o judaísmo e o cristianismo, atualizam os
acontecimentos decisivos da história das relações de Deus com seus fiéis e
renovam sua espiritualidade. Outras, como o confucionismo, insistem
explicitamente na importância dos rituais para a harmonia social. Calendários
de festas, leitura pública de textos sagrados, símbolos e preces são elementos
aparentemente comuns a todas as religiões, mas também nisto existem diferenças:
dentro de uma religião, como a cristã, a sofisticada liturgia católica é
celebrada em igrejas repletas de imagens, e a dos protestantes em templos onde
a austeridade e a nudez são a norma. Também é diferente a valorização da
palavra, desde o sermão cristão até o silêncio do budismo zen, no qual os
rituais e as técnicas são às vezes mais importantes do que as crenças.
Algumas teorias sobre a religião
A partir da segunda metade do século XIX, começou a se desenvolver o que
poderíamos chamar de estudo “científico” da religião. A partir de disciplinas
como a psicologia, a antropologia ou a sociologia, iniciou-se um modo de
descrever e interpretar o fenômeno religioso desde seus fatos,
tratando-o como mais uma produção cultural e superado o enfoque puramente
abstrato da teologia ou da filosofia.
Entre os primeiros trabalhos relevantes, encontram-se os de M. Muller,
E. Tylor e J. G. Frazer. Esses autores investigaram as origens da religião,
interpretando-a como uma resposta a realidades naturais fora do controle
humano, que teriam sido sacralizadas, dando lugar às religiões animistas
primitivas. Mais influentes foram as teorias de E. Durkheim e M. Weber. Para o
primeiro, a religião é um fenômeno social que se define pela oposição entre o
sagrado e o profano. O sagrado, separado da experiência cotidiana, é na verdade
expressão das necessidades e dos valores essenciais da comunidade. Na verdade,
a própria sociedade se transforma, por meio da religião, em seu próprio objeto
de adoração. Durkheim insistiu em que as cerimônias e os rituais regulares eram
mais importantes para a coesão social do que as próprias crenças religiosas.
Weber, ao contrário de Durkheim, – que concentrou seus estudos em
religiões mais simples –, ocupou-se das mais desenvolvidas, aquilo que ele
chamava de as religiões mundiais. Suas investigações se centraram especialmente
na relação entre as religiões e a mudança social e econômica. As religiões
orientais tinham-se transformado num freio para o desenvolvimento do
capitalismo ao pregar a inibição do indivíduo frente à organização do mundo. O
protestantismo calvinista, ao contrário, teve um componente revolucionário e
transformador graças à sua defesa do trabalho e do dever moral estrito como
único modo de se manter na graça divina.
A partir de uma análise diferente, Mircea Eliade aprofundou o sentido do
comportamento religioso. O sagrado tem um efeito mediador entre a realidade
transcendente e o homem religioso e expressa, num espaço e num tempo
diferentes, uma realidade sobrenatural e plena. Eliade estudou também a
sobrevivência, nas sociedades secularizadas, de hábitos que tiveram origem na
religião.
2 — Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo
As três religiões monoteístas se caracterizam por sua insistência num
Deus único de natureza espiritual, diferente do mundo natural — e não
imanente, mas transcendente, exterior ao mundo. Também afirmam que Deus criou o
mundo do nada e cuida dele (Providência), ao mesmo tempo que se apresentam como
reveladas, pois suas doutrinas essenciais foram transmitidas pela divindade aos
escribas de seus textos sagrados. Caracteriza-se também por uma concepção
linear do tempo, progressivo e marcado por acontecimentos históricos que se
renovam nas festas e no culto, e dotam a pessoa de responsabilidade ativa na
salvação de sua alma. Juntas, elas reúnem mais da metade dos fiéis do
mundo.
3 — Hinduísmo e Budismo
O hinduísmo e o budismo são também duas propostas metafísicas para
explicar a realidade cósmica, o lugar que o homem ocupa no mundo e o sentido de
sua existência. Não são religiões sobrenaturais, nem defendem outra realidade
exterior ao Universo — embora sustentem que a realidade autêntica está
oculta por um véu de aparências que o homem precisa superar para escapar ao
sofrimento das sucessivas reencarnações. O fiel é responsável por sua salvação,
pois sua atitude e seu comportamento são mais importantes do que sua relação
com os deuses na hora de conseguir sua liberação definitiva.
4 — Confucionismo e Taoísmo
Trata-se de duas religiões sem deuses, tanto pelas raras referências a
seres pessoais sobrenaturais quanto pela importância atribuída às próprias
forças do homem para sua salvação ou felicidade. O modo de agir e de perseverar
numa determinada linha de conduta é muito mais importante do que a ação de
deuses que não ajudam as pessoas. O objetivo da vida humana não é a plenitude,
mas antes uma dissolução individual, seja na harmonia social, seja na harmonia
do Universo.
5 — Outras Religiões
O xintoísmo e as religiões tradicionais africanas assumem a utilidade
social das cerimônias, as tradições e a veneração aos antepassados. Suas
doutrinas são vagamente elaboradas, o que lhes permite conviver e às vezes
confundir-se com outras religiões. A tradição é mantida graças à presença
atenta de deuses próximos e de ancestrais que povoam a natureza, dotada assim
de um sentido muito diferente do de outras religiões.
6 — Atitudes Filosóficas diante da
Religião
A filosofia ocidental caminhou tempo demais ao lado das religiões da
Bíblia para poder entender a religião sem um Deus pessoal e protetor. A partir
dessa concepção teísta, desenvolveu sua relação com as doutrinas religiosas.
Até o século XVIII, Deus e o mundo recebiam uma mesma explicação. O
desenvolvimento científico posterior separou definitivamente a investigação
natural da teológica, animando a filosofia a uma investigação crítica —
isto é, esclarecedora dos conteúdos religiosos — e a requerer
justificativa para explicações até então consideradas como verdades absolutas.
Alguns problemas filosóficos com
a religião
A filosofia nasceu ao mesmo tempo que algumas das filosofias orientais:
Lao-tzu, Confúcio, Buda e Zaratustra (o fundador da religião persa) são
contemporâneos de pensadores como Tales, Anaximandro, Pitágoras e Heráclito.
Mas não foram essas as religiões que interessaram amplamente aos filósofos.
Apesar de alguns episódios panteístas, que identificaram Deus com o mundo (como
as filosofias de Hegel e Spinoza), a visão religiosa predominante foi a de um
Deus transcendente, provedor, único, racional e justo. Com o passar do tempo,
essa figura começou a despertar interrogações que a tradição filosófica costuma
chamar de problemas. Estes são alguns deles:
— A existência de Deus. O enunciado "Deus existe"
coloca o problema de sua justificação central junto com a natureza de Deus.
Como demonstrar a sua existência? Como é Deus?
— Sua ligação com esse mundo sensível. Deus criou o mundo?
Ele é transcendente (exterior) ou imanente (interior) ao Universo? Cuida do
mundo ou se limita a concebê-lo e colocá-lo em movimento? Controla os homens ou
os deixa entregues à sua livre vontade?
— O problema do mal (ligado ao anterior): Se Deus é
onipotente, por que existe o mal?
— A relação entre moral e religião. Será possível uma moral
sem religião? Existem princípios morais comuns a todas as religiões?
— As relações entre a alma e o corpo. Existe a alma? Ela é
imortal? Que função desempenha? Como coexiste com o corpo? Depois da morte, ela
voltará a se reunir com a ele?
Algumas atitudes filosóficas
diante da religião
Todas essas perguntas foram respondidas ao longo de 2.600 anos de
maneira bem diferenciadas. Estas são algumas das respostas.
Os pré-socráticos, os primeiros filósofos gregos, aceitavam os deuses
como parte de seu ambiente, embora em geral não o utilizaram em suas
explicações da natureza.
Embora alguns sofistas reconhecessem a utilidade social dos deuses, não
os consideravam tão evidentes, como o povo o fazia. É famoso o agnosticismo de
Protágoras: "Sobre os deuses, não posso saber se existem ou não, pois há
dois obstáculos: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana".
Platão, por sua vez, afirmava a ideia do Divino, como concentração do
racional, do bem e do belo. A ideia do Bem representa essa fusão. Em seu
diálogo Timeu, descreve a construção do mundo por um artesão
divino, o Demiurgo, intermediário entre os dois mundos.
O deus de Aristóteles é um Deus ocioso, que pensa a si mesmo, sem
interferir no mundo. É o primeiro motor do Universo, atraído inexoravelmente
para Ele.
Com Epicuro, surgiu um agnosticismo prático, que permitia defender uma
ética de origem exclusivamente humana. Ainda que denunciasse a falsa
religiosidade popular, negou a intervenção divina no mundo: a felicidade auto-suficiente
dos deuses descartava o seu interesse em interferir em nosso mundo.
Os estoicos, defenderam que o próprio mundo é o Deus racional, submetido
à lógica de seu pensamento. Esse panteísmo racionalista exigia a sujeição da
mente e da vontade humanas à mente cósmica.
Durante a Idade Média, filosofia e teologia caminham juntas, com a
primeira reduzida a um instrumento de fé. O estabelecimento dos principais
conceitos da teologia católica absorveu a maior parte da especulação racional
do Ocidente cristão. A cultura muçulmana conseguiu demarcar com mais clareza as
áreas da ciência e da religião, e obteve resultados práticos em algumas
ciências.
A revolução científica dos séculos XVI e XVII não pôs em dúvida
imediatamente a existência de Deus, mas deu uma nova imagem do divino. Deus é o
criador de uma máquina perfeita, que Ele se limita a vigiar depois de tê-la
posto em marcha.
Voltaire, como Rousseau, foi deísta. Seu Deus foi o de Newton, entendido
como arquiteto do Universo, mas que não interfere no destino dos homens.
Reconheceu a necessidade social da crença num Ser Superior — é famosa sua
frase "Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo" —, mas
foi implacável com o fanatismo e a ignorância que atribuía à Igreja Católica. No
século XVIII, posições materialistas e ateias já puderam se manifestar com
relativa liberdade, negando abertamente a existência de Deus.
No próprio século XVIII, e coerente com seu ceticismo metódico, Hume faz
sérias objeções à possibilidade de se demonstrar a existência de Deus fosse de
forma racional ou de forma experimental.
Kant defendeu um agnosticismo teórico (é impossível o conhecimento
racional de Deus), e destruiu os argumentos tradicionais que procuravam
demonstrar sua existência, mas condicionou a possibilidade da moral a tal
existência. De certa forma, substituiu a teologia especulativa por outra, de
tipo moral.
Hegel, por sua vez, formulou um panteísmo dinâmico e as três etapas da
realidade — ideia, natureza e espírito — poderiam confundir-se com as
de uma divindade não-transcendente ao mundo. Especialmente importante é a
terceira etapa, em que Deus toma consciência de si mesmo por meio das criações
superiores ao homem.
O homem devia se transformar em deus para o próprio homem. Essa era a
afirmação de Feuerbach, que explicou que a essência da religião, especialmente
a cristã, era a projeção das aspirações humanas na figura de um ser supremo.
Para ele, a religião era uma alienação, um desvio dos esforços do homem na
direção errada.
Marx analisou o fenômeno religioso em várias ocasiões, embora para ele
tivesse um interesse secundário. A religião era apenas uma produção ideológica
que desapareceria quando desaparecessem as condições sociais que tornavam
necessário seu consolo. Na verdade, existiria enquanto existisse "um mundo
necessitado de ilusões".
Nietzsche formulou um dos enunciados mais contundentes: anunciou a morte
de Deus na cultura ocidental. A morte da metafísica tinha provocado a morte de
um deus que moralmente tinha representado o triunfo do ressentimento dos fracos
contra a vitalidade e a excelência — uma traição a esse mundo, em favor de
um outro mundo imaginário.
Finalmente, a ideia religiosa entra em contato com as teorias
psicanalíticas pelas mãos de Freud, que definiu a religião como uma neurose
obsessiva da coletividade humana, e se referiu a uma coincidência muito
suspeita: "Seria muito agradável que Deus existisse, e que houvesse criado
o mundo, e que sua providência fosse benevolente. Seria excelente que existisse
como ordem moral no Universo, e que existisse uma vida futura, mas é muito
surpreendente que tudo isso coincida com o que todos nós somos obrigados a
desejar que exista."
7 — Bibliografia Consultada
Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.
São Paulo, março de 2016.
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