1 — Idealismo Alemão. 2 — A Filosofia Alemã depois
de Kant. 3 — O Idealismo Absoluto: Hegel. Bibliografia Consultada.
Idealismo
O idealismo é uma atitude de
espírito aberta a um ideal. Idealista é aquele que crê no poder das ideias e na
nobreza dos sentimentos, para reformar o homem e a sociedade. Neste sentido, o
idealista se opõe tanto ao materialista quanto ao egoísta.
Designa de maneira geral a tendência filosófica que reconduz qualquer
existência ao pensamento — seja na realidade, seja no conhecimento. Aplica-se a
partir de então a doutrinas bem diferentes.
Em Platão, a existência separada atribuída às ideias com relação ao mundo material é igualmente denominada de "realismo platônico".
O idealismo de Berkeley, no qual o mundo exterior só existe
pelas percepções e ideias que dele temos, é mais corretamente denominado
imaterialismo.
Kant denomina de idealismo transcendental dos
fenômenos o fato de os últimos constituírem simples representações relativas a
nossos meios de conhecimento e não coisas em si. Trata-se portanto de um
idealismo crítico, que ele opõe ao idealismo "empírico" (Descartes,
Berkeley, Condillac), para o qual a existência dos objetos fora de nosso
pensamento é duvidosa ou impossível (observamos todavia que em Descartes esse
idealismo é apenas temporário e metódico).
A filosofia alemã do século XIX propõe ainda: o idealismo
"subjetivo" de Fichte, o idealismo mágico de Novalis, o
idealismo "objetivo" de Schelling, antes da afirmação por Hegel,
do idealismo absoluto, no qual a ideia garante seu próprio desenvolvimento
dialético até sua assimilação ao Espírito Absoluto.
Alternadamente oposta ao realismo, ao empirismo ou ao materialismo a
tendência idealista aparece desse modo como uma constante na história da
filosofia.
Notemos contudo que, para o pensamento contemporâneo, o termo sob a
influência crítica marxista, pode assumir um sentido pejorativo para designar
uma concepção decerto generosa ou ambiciosa mas irrealizável ou utópica. Em
moral, mais particularmente, o idealismo significa com frequência uma
ignorância das condições concretas da conduta. (Durozoi, 1993)
2 — A
Filosofia Alemã depois de Kant
A Aufklärung, que atinge o seu ponto máximo com o criticismo
kantiano, produz na Alemanha do final do século XVIII um autêntico renascimento
da filosofia. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse renascimento toma uma
direção que não é exatamente o que Kant havia previsto.
O idealismo kantiano é ainda um idealismo formal; refere-se às condições
em que o sujeito pode conhecer e deixa o absoluto fora dos limites do
conhecimento. Contudo, as filosofias que o sucedem - em primeiro lugar as de
Fichte e Schelling e depois a de Hegel — criticam esses limites e tratam de
superar o divórcio entre o pensamento e a realidade, afirmando a identidade
entre sujeito e objeto como momentos do Absoluto que pode e deve ser conhecido.
(Temática Barsa, 2005)
Pós-kantismo e pré-romantismo
A difusão da filosofia kantiana na Alemanha ocorreu de imediato pela
obra de Karl Leonhard Reinhold (1758-1823). O centro dessa difusão é a
Universidade de Jena, onde se forma e de onde se expande o movimento
idealista.
Alguns aspectos do kantismo são vivamente criticados por filósofos
anteriores ao idealismo: Gottlieb Ernst Schulze (1761-1833), Salomon Maimon
(1754-1800) e Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819). Embora a partir de
posições diferentes, esses autores se opõem antes de tudo ao conceito kantiano
de coisa em si, destacando a contradição: a existência de algo que
pode ser pensado mas não conhecido.
O kantismo também desperta a oposição de filósofos que valorizam o
sentimento mais do que a razão e que denunciam, por isso, o caráter unilateral
do racionalismo kantiano: o já citado Jacobi e, muito particularmente, Johann
Georg Hamann (1730-1788) e Johann Gottfried Herder (1744-1803).
Herder é o inspirador do movimento pré-romântico do Sturm and Drang ("Tempestade e tensão") encabeçado nessa
época pelo jovem Goethe. Como um movimento que anuncia o romantismo, o Sturm and Drang é irracionalista e
afirma a autoridade do coração e dos sentimentos frente à razão, e trata de
salvar o dualismo entre espírito e matéria incorporando a filosofia panteísta
de Spinoza.
O naturalismo de Spinoza terá muita importância no desenvolvimento do
idealismo alemão. Não coube exclusivamente a Herder a revalorização da
filosofia spinoziana, mas ao fato de havê-la integrado nos moldes de um
pensamento que postula a unidade interna do ser humano e que combate os
dualismos kantianos de sensibilidade e razão, experiência e conceitos puros,
forma e conteúdo. Sua principal obra — Ideias sobre uma filosofia
da história da humanidade (1784-1791) — reflete esse enfoque
naturalista ao conceber a história como um desdobramento de forças
orgânicas que recomeça sempre. Hegel, que é a figura mais importante do
idealismo alemão, fará grande uso dessa filosofia da história. (Temática Barsa,
2005)
Fichte: o idealismo ético
Essa característica é colocada em primeiro plano por Johann Gottlieb
Fichte (1762-1814), discípulo de Kant num primeiro momento e depois sucessor de
Reinhold na Universidade de Jena. Em sua obra Fundamentos da teoria
total da ciência (1794), ele apresenta a filosofia no sentido grego de episteme,
ou "ciência", cujos objetivos são o conhecimento e o saber em si
mesmos. Fichte se propõe então a reconstrução da filosofia como ciência que
harmonize as condições do conhecimento teórico com a doutrina prática da moral
e a teoria do estado. Mas, antes de derivar essas formas éticas, é preciso
colocar tudo no pensamento, quer dizer, num "eu". Este "eu"
abrange o sujeito e o objeto, o pensamento e o que é pensado, e tem como tarefa
capturar sempre algo que se opõe a ele como "não-sei".
Ou seja, por um lado Fichte é um idealista que entende que tudo o que
chamamos de "ser" é produto da atividade do pensamento, mas por outro
lado defende que a coisa em si de Kant, apesar de ser pensada
pelo "eu", coloca-se fora desse, contraditória e necessariamente como
"não-sei", isto é, como mundo. Dessa contraposição entre
"eu" e "não-eu", Fichte extrai o princípio da ação moral,
porque o "eu" é acima de tudo auto-realização, desdobramento ativo
diante do mundo que se opõe a ele: fazer. (Temática Barsa, 2005)
Schelling: o absoluto
Friedrich Schelling (1795-1854) suprime esse dualismo contraditório da coisa
em si que Fichte ainda mantém. O ponto de partida é então o do Absoluto,
entendido como uma identidade indiferente entre sujeito e objeto que depois, ao
produzir a si mesmo, diferencia-se nesses dois momentos que são captados pelo
pensamento.
O Absoluto é assim, para Schelling, como o Ser de Parmênides ou o Um dos
neoplatônicos: algo indiferenciado, carente de determinações. No entanto, o
Absoluto não é algo que esteja fora do pensamento: ele mesmo existe em virtude
de um movimento de auto-reflexão pelo qual adquire suas próprias determinações
como sujeito e objeto, espírito e natureza. A filosofia de Schelling evolui
mais tarde para o misticismo teológico em que são abandonadas as posições do
idealismo absoluto. Esse chegará então à sua plenitude com a filosofia de
Hegel. (Temática Barsa, 2005)
3 — O
Idealismo Absoluto: Hegel
O idealismo absoluto
O idealismo absoluto, cujos termos haviam sido intuídos, mais do que
sistematizados, por Schelling, atinge a sua maturidade com a filosofia de
Hegel. É preciso levar em conta, no entanto, que, para além desses antecedentes
imediatos, Hegel volta a formular todas as grandes questões da metafísica
ocidental.
A filosofia hegeliana representa o apogeu de uma longa tradição
filosófica que tem seu ponto de partida nos gregos e é como uma grandiosa
recompilação de toda a história do pensamento, uma vasta síntese em que, pela
primeira e última vez, um filósofo consegue materializar o sonho do saber
absoluto.
Com Hegel, chega ao fim a filosofia entendida como metafísica que
procura construir uma explicação integral do Universo. Ao mesmo tempo, porém, a
filosofia hegeliana configurou de maneira decisiva a linguagem e o pensamento
de nossa época e está presente em todas aquelas filosofias contemporâneas que
não sejam positivas. (Temática Barsa, 2005)
Pensar o absoluto
A filosofia de Hegel é a filosofia do idealismo absoluto, o que
significa que nela se levam às últimas consequências as posições que Fichte e
Schelling tinham desenvolvido anteriormente em suas respectivas críticas ao
idealismo subjetivo de Kant.
Na filosofia kantiana, o mundo aparece dividido em sujeito e objeto,
formas a priori e a posteriori, razão e
experiência. A coisa em si, que é o conceito-chave que os idealistas alemães
pós-kantianos contestam, indica que por baixo daqueles dualismos permanece o
absoluto, o ser em si das coisas, como algo que o pensamento não pode conhecer.
Só conhecemos, diz Kant, a maneira como as coisas aparecem para
nós, isto é, os fenômenos.
Para Hegel, em contrapartida, tal como para Schelling, esse divórcio
entre o pensamento e a realidade essa cisão do sujeito e objeto são incorretas.
O idealismo consequente diz que existe uma identidade entre
sujeito e objeto. Nada existe além do pensamento. O ser é o que pode ser
pensado. O conhecimento, portanto, não é mero conhecimento fenomênico, mas
conhecimento total.
O absoluto — que em
termos religiosos tem um nome, Deus, e que Descartes definia como uma
substância perfeita e independente, que não necessita de nenhuma outra para
existir (sendo o eu pensante, o cogito, uma substância relativa) —, segundo Hegel, pode e deve ser
conhecido, porque é sujeito.
Nessa ideia de que "o absoluto é sujeito", encontra-se
resumida toda a filosofia hegeliana. Sugere-se nela, de saída, que essa
substância absoluta de Descartes constitui, como Spinoza já tinha destacado, o
objeto do pensamento. Ou seja, o pensamento deve ter como conteúdo o absoluto.
Em suas críticas a Kant, Hegel põe em relevo essa necessidade de pensar
o absoluto, afirmando que "a essência oculta do Universo não tem em si
força alguma que possa oferecer resistência à ousadia do saber" e que,
consequentemente, "tem de se abrir diante dele, colocando-lhe diante da
visão, para que as desfrute, suas riqueza e profundidade". (Temática
Barsa, 2005)
A ideia
Hegel parte do originário que é o Absoluto e que ele denomina de Ideia.
Há uma semelhança com a Ideia Platônica. Enquanto para Platão o
mundo ideal é imutável e transcendente, a Ideia hegeliana é uma Essência
absoluta que existe no mundo, é imanente e demonstra sua existência justamente
porque sai de si mesma e se desdobra num movimento pelo qual primeiro se converte
em natureza (objeto) e depois em espírito (sujeito) — no início, há uma
identidade indiferenciada entre sujeito e objeto. A Ideia — que Descartes e Spinoza chamavam
de substância absoluta (em linguagem religiosa: Deus) — era essa
unidade indiferenciada, mas depois — e é aqui que Hegel
intervém — essa unidade indiferenciada se divide, entra em movimento,
cindindo-se na dupla polaridade de sujeito e objeto. (Temática Barsa,
2005)
Do eu a nós
Hegel estuda esse movimento de auto-reflexão da ideia a partir de dois
ângulos. Em primeiro lugar, a partir do ângulo do sujeito, na Fenomenologia
do espírito (1807); em segundo lugar, de forma inversa a partir do
objeto, na Ciência da lógica (1812-1816).
Na Fenomenologia, são analisadas todas as formas do saber humano,
partindo das formas mais imediatas, que são aquelas que ocorrem na consciência
sensível. Essa, num primeiro momento, relaciona-se simplesmente com o
"objeto como objeto", mas passa depois por uma série de experiências
ou "figuras" que fazem com que ela, mesma se coloque como objeto de
seu conhecimento; já se trata então de uma autoconsciência
(não apenas sabe, mas além disso sabe que sabe).
O pensamento hegeliano é um pensamento dialético, o que significa que
considera os conceitos não de maneira fixa e estática, mas por meio do
movimento incessante que faz com que as coisas se transformem em seu contrário.
Num primeiro momento, a consciência percebe o objeto; esse objeto era exterior
a ela, mas depois ela mesma, ao se transformar em autoconsciência, era ao mesmo
tempo a consciência que sabe e a coisa sabida. Isso significa que, ao passar
ser consciência de si mesma, a consciência se dividiu em sujeito e objeto.
(Temática Barsa, 2005)
O pensamento dialético
Quando Hegel fala de movimento ou desdobramento como a força que faz a
Ideia sair de si mesma para se transformar em Natureza ou Espírito, está
partindo daquela concepção de Heráclito, a partir da qual se afirma que tudo é
devir, mudança, processo em que cada coisa se converte em seu contrário.
Heráclito sustentava que tudo é uma luta de opostos que no fundo constitui a
expressão de uma unidade fundamental do ser.
Essa é a forma dialética de pensar que os gregos desenvolveram também
como uma arte do diálogo, quer dizer, como um confronto retórico por meio do
qual dois contendores chegavam, de seus raciocínios iniciais opostos, a alguma
forma de acordo. Platão, por sua vez, concebeu a dialética como um método de
elevação do sensível ao inteligível que permitia descobrir os nexos existentes
entre o Um e o múltiplo. (Temática Barsa, 2005)
O Espírito objetivo
A revelação do Absoluto, portanto, produz-se em sua forma mais elevada,
que é a do Espírito, por meio da história. Mas o Espírito, por sua vez,
desdobra-se dialeticamente de acordo com três momentos, que são os do Espírito
subjetivo, do Espírito objetivo e do Espírito absoluto.
Hegel trata do Espírito subjetivo em sua primeira obra,
isto é, a Fenomenologia; ali, como se viu, percebe a consciência individual e
sua elevação até aquele "nós" que é sujeito do saber absoluto e ao
qual se chega de forma concomitante depois de se atravessar as figuras
separadas da autoconsciência e atingir a razão.
Mas o Absoluto se realiza também como Espírito objetivo que
se encarna no mundo das instituições sociais e políticas. Estamos aqui nas
esferas do direito, da moral e daquilo que Hegel chama de eticidade e
que corresponde propriamente ao âmbito da comunidade dos cidadãos; essa esfera
comunitária, que é a da vida coletiva, está configurada, por sua vez, pela
família, pela sociedade e pelo estado. (Temática Barsa, 2005)
O Espírito absoluto
Por último, a revelação da Ideia, em sua forma mais elevada, ocorre como
realização do Espírito Absoluto, que é infinito e dialeticamente
sintetiza os dois momentos anteriores: o do espírito como individuo
(consciência) e o da vida espiritual individual. As formas em que o Espírito
absoluto se desdobra são a arte, a religião e a filosofia, uma tríade que em
sua totalidade configura a autoconsciência vivente da substância divina do
Universo.
O grau mais elevado dessa autoconsciência corresponde à filosofia, que
é, segundo Hegel, a autoconsciência absoluta do Espírito. A história da
filosofia então, longe de ser uma simples sucessão arbitrária de concepções
filosóficas, configura um desenvolvimento orgânico e coerente pelo qual a ideia
desdobra dialeticamente suas próprias determinações conceituais.
Hegel entende que sua filosofia é a coroação desse longo processo, o fim
propriamente dito da história da filosofia, uma vez que nela se materializa o
sonho do saber absoluto. (Temática Barsa, 2005)
4 — Bibliografia
Consultada
DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução
de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.
Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.
São Paulo, março de 2016.
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