"A grande
vantagem das ciências matemáticas sobre as ciências morais consiste nisto: as
ideias das primeiras, sendo sensíveis, são sempre claras e distintas." Investigação sobre o entendimento humano
David Hume (1711-1776) foi um filósofo, historiador, ensaísta e diplomata
escocês. Tornou-se conhecido pela defesa do seu sistema filosófico baseado no
empirismo, ceticismo e naturalismo. Considerado um dos mais importantes
representantes do empirismo radical. Acusado de herege pela Igreja Católica,
suas obras foram relacionadas no “Índice dos Livros Proibidos”.
Resumo de seu
pensamento: Vejo o sol nascer toda manhã. ==> Adquiro o hábito de esperar o sol nascer toda manhã. ==> Aprimoro isso no julgamento "o sol nasce toda manhã". ==> Esse julgamento não pode
ser uma verdade de lógica, pois é concebível que o sol não nasça (ainda que altamente
improvável). ==> O julgamento não pode ser empírico porque não posso observar o nascer futuro do sol. ==> Não tenho fundamento racional para minha crença, mas o hábito me diz que ela é provável.
==> O hábito é o grande guia da vida. (1)
David Hume, influenciado por Locke, propôs-se a
explicar a natureza da humanidade e nosso lugar no universo considerando como
adquirimos conhecimento e os limites do que podemos aprender usando a razão.
Assim como Locke, ele acreditava que nosso conhecimento vem da observação e da
experiência; portanto, estava particularmente interessado em um argumento [que
o denominou de "argumento do desígnio"*], para a existência de Deus
que começasse com a observação de alguns aspectos do mundo. (2)
Para Hume, o princípio fundamental de todo pensamento científico é o
de causa-efeito: a previsão de determinados eventos pode ser deduzida em função
das causas que os produziram. Não podemos, porém, levar essa tese às suas
últimas consequências. Dá-nos, como exemplo, o choque entre duas bolas de
bilhar: “certamente veremos uma continuidade espacial e temporal porque a bola
atingida se move logo depois da primeira e começa seu movimento onde a outra se
detém”... “Hume está pronto a admitir que é possível relevar também uma
constância dos fenômenos, porque encontramos regularidades típicas no movimento
dos corpos. Mas isso implica apenas hábito, não necessidade lógica: se nunca
tivéssemos visto um choque entre duas bolas de bilhar seriamos incapazes de
prever o seu movimento”.
Para Hume, as escolhas morais fundam-se no sentimento. Os comportamentos dos indivíduos estão mais sujeitos ao sentimento do que à razão. “Na realidade, seguimos as regras de moralidade e de justiça não com base em deduções abstratas, mas segundo um sentimento específico da sua utilidade coletiva”. (3)
(1) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.
(2) WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Tradução de Rogério Bettoni. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012. (Coleção L&PM POCKET)
(3) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De
Luca. São Paulo: Globo, 2005.
* Argumento do desígnio. Argumento segundo o qual o mundo (todo o universo)
se assemelha o bastante a uma máquina ou a uma obra de arte ou de arquitetura,
para ser razoável supor a existência de um arquiteto cujo intelecto é
responsável por sua ordem e complexidade. Este é declaradamente um argumento
por analogia: sustenta-se que, já que o universo é semelhante em alguns
aspectos a um relógio, por exemplo, então o universo provavelmente também é,
tal como o relógio, o produto de um desígnio. (BLACKBURN, Simon. Dicionário
Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes.
Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.)
Notas de Livro
A experiência tem grande importância em nossas
vidas. No cotidiano e na ciência, a experiência goza de grande autoridade. A experiência
adquirida é considerada um capital acumulado e uma base sólida para nossa
orientação no mundo. Desde dos tempos da filosofia grega, existe a tradição
antiga e dominante que dá prioridade ao “espírito”, ao pensamento “puro” em
relação à experiência “sensorial”.
A filosofia britânica é uma exceção e deu ênfase
às conclusões que se poderiam tirar da experiência. Com David Hume, a tradição
do empirismo britânico atingiu seu ponto alto. Em nome da experiência, atacou
todos os preconceitos que levavam a razão a mentir para si própria. Com sua Investigação sobre o entendimento humano,
Hume tirou conclusões do que a existência nos ensina filosoficamente. Daquilo que
a metafisica tradicional havia oferecido até então como compreensão segura, já não
restou muita coisa.
Para Hume, o Deus calvinista era severo, exigia
autocontrole e contínua investigação da alma, com o objetivo de encontrar os esconderijos
mais secretos dos pecados humanos. Por isso, o seu mal-estar decorrente de suas
convicções religiosas. Por outro lado, compreendeu a serenidade, como ideal de
vida, que, para as escolas filosóficas da Antiguidade tardia, particularmente a
estoica, era a consumação da felicidade.
Baseada na defesa da experiência de Francis
Bacon e Isaac Newton, Hume encontrou o método de uma filosofia científica, fundamentada
em experimentos e observações, e a ideia do homem como uma criatura, por natureza,
benévola e social. Hume, assim, se separou da imagem pessimista da humanidade,
ligada ao calvinismo, e se tornou partidário da imagem otimista do homem, típica
do iluminismo britânico.
Na busca pela sólida cognição, ele deparou, por toda parte, com as atividades ilusórias da fantasia humana, e onde estava escrito “realidades”
sempre encontrou “quimeras”. O empirismo havia desembocado em um ceticismo. Hume,
porém, estabeleceu uma separação entre o ceticismo “moderado” e o ceticismo “pirrônico”.
Conquistara fama com sua obra História da Inglaterra, mas a Investigação teve um efeito duradouro na
história da filosofia, que continua até hoje. Kant leu Hume em sua primeira tradução
alemã, de 1755, e nele se inspirou para a crítica que fez à “razão pura” dos
racionalistas.
Na filosofia anglo-saxônica dominada pelo
empirismo, Hume conquistou rapidamente a condição de clássico mais importante.
ZIMMER,
Robert. O Portal da filosofia: Uma Breve Leitura de Obras Fundamentais da Filosofia Volume 2. Tradução
Rita de Cassia Machado e Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2014.