27 fevereiro 2020

Hume, David

"A grande vantagem das ciências matemáticas sobre as ciências morais consiste nisto: as ideias das primeiras, sendo sensíveis, são sempre claras e distintas." Investigação sobre o entendimento humano

David Hume (1711-1776) foi um filósofo, historiador, ensaísta e diplomata escocês. Tornou-se conhecido pela defesa do seu sistema filosófico baseado no empirismo, ceticismo e naturalismo. Considerado um dos mais importantes representantes do empirismo radical. Acusado de herege pela Igreja Católica, suas obras foram relacionadas no “Índice dos Livros Proibidos”.

Resumo de seu pensamentoVejo o sol nascer toda manhã. ==> Adquiro o hábito de esperar o sol nascer toda manhã. ==> Aprimoro isso no julgamento "o sol nasce toda manhã". ==> Esse julgamento não pode ser uma verdade de lógica, pois é concebível que o sol não nasça (ainda que altamente improvável). ==> O julgamento não pode ser empírico porque não posso observar o nascer futuro do sol. ==> Não tenho fundamento racional para minha crença, mas o hábito me diz que ela é provável. ==> O hábito é o grande guia da vida. (1)

David Hume, influenciado por Locke, propôs-se a explicar a natureza da humanidade e nosso lugar no universo considerando como adquirimos conhecimento e os limites do que podemos aprender usando a razão. Assim como Locke, ele acreditava que nosso conhecimento vem da observação e da experiência; portanto, estava particularmente interessado em um argumento [que o denominou de "argumento do desígnio"*], para a existência de Deus que começasse com a observação de alguns aspectos do mundo. (2)

Para Hume, o princípio fundamental de todo pensamento científico é o de causa-efeito: a previsão de determinados eventos pode ser deduzida em função das causas que os produziram. Não podemos, porém, levar essa tese às suas últimas consequências. Dá-nos, como exemplo, o choque entre duas bolas de bilhar: “certamente veremos uma continuidade espacial e temporal porque a bola atingida se move logo depois da primeira e começa seu movimento onde a outra se detém”... “Hume está pronto a admitir que é possível relevar também uma constância dos fenômenos, porque encontramos regularidades típicas no movimento dos corpos. Mas isso implica apenas hábito, não necessidade lógica: se nunca tivéssemos visto um choque entre duas bolas de bilhar seriamos incapazes de prever o seu movimento”.

Para Hume, as escolhas morais fundam-se no sentimento. Os comportamentos dos indivíduos estão mais sujeitos ao sentimento do que à razão. “Na realidade, seguimos as regras de moralidade e de justiça não com base em deduções abstratas, mas segundo um sentimento específico da sua utilidade coletiva”. (3)

(1) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(2) WARBURTON, Nigel. Uma Breve História da Filosofia. Tradução de Rogério Bettoni. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012. (Coleção L&PM POCKET)

(3) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005.

* Argumento do desígnio. Argumento segundo o qual o mundo (todo o universo) se assemelha o bastante a uma máquina ou a uma obra de arte ou de arquitetura, para ser razoável supor a existência de um arquiteto cujo intelecto é responsável por sua ordem e complexidade. Este é declaradamente um argumento por analogia: sustenta-se que, já que o universo é semelhante em alguns aspectos a um relógio, por exemplo, então o universo provavelmente também é, tal como o relógio, o produto de um desígnio. (BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.)

Notas de Livro

A experiência tem grande importância em nossas vidas. No cotidiano e na ciência, a experiência goza de grande autoridade. A experiência adquirida é considerada um capital acumulado e uma base sólida para nossa orientação no mundo. Desde dos tempos da filosofia grega, existe a tradição antiga e dominante que dá prioridade ao “espírito”, ao pensamento “puro” em relação à experiência “sensorial”.

A filosofia britânica é uma exceção e deu ênfase às conclusões que se poderiam tirar da experiência. Com David Hume, a tradição do empirismo britânico atingiu seu ponto alto. Em nome da experiência, atacou todos os preconceitos que levavam a razão a mentir para si própria. Com sua Investigação sobre o entendimento humano, Hume tirou conclusões do que a existência nos ensina filosoficamente. Daquilo que a metafisica tradicional havia oferecido até então como compreensão segura, já não restou muita coisa.

Para Hume, o Deus calvinista era severo, exigia autocontrole e contínua investigação da alma, com o objetivo de encontrar os esconderijos mais secretos dos pecados humanos. Por isso, o seu mal-estar decorrente de suas convicções religiosas. Por outro lado, compreendeu a serenidade, como ideal de vida, que, para as escolas filosóficas da Antiguidade tardia, particularmente a estoica, era a consumação da felicidade.

Baseada na defesa da experiência de Francis Bacon e Isaac Newton, Hume encontrou o método de uma filosofia científica, fundamentada em experimentos e observações, e a ideia do homem como uma criatura, por natureza, benévola e social. Hume, assim, se separou da imagem pessimista da humanidade, ligada ao calvinismo, e se tornou partidário da imagem otimista do homem, típica do iluminismo britânico.

Na busca pela sólida cognição, ele deparou, por toda parte, com as atividades ilusórias da fantasia humana, e onde estava escrito “realidades” sempre encontrou “quimeras”. O empirismo havia desembocado em um ceticismo. Hume, porém, estabeleceu uma separação entre o ceticismo “moderado” e o ceticismo “pirrônico”.

Conquistara fama com sua obra História da Inglaterra, mas a Investigação teve um efeito duradouro na história da filosofia, que continua até hoje. Kant leu Hume em sua primeira tradução alemã, de 1755, e nele se inspirou para a crítica que fez à “razão pura” dos racionalistas.   

Na filosofia anglo-saxônica dominada pelo empirismo, Hume conquistou rapidamente a condição de clássico mais importante.

ZIMMER, Robert. O Portal da filosofia: Uma Breve Leitura de Obras Fundamentais da Filosofia Volume 2. Tradução Rita de Cassia Machado e Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

 

26 fevereiro 2020

Erasmo, Desidério

"Em terra de cego, quem tem um olho é rei." (Adágios)

Desidério Erasmo (Erasmo de Roterdã) (1466-1536) foi um teólogo e escritor holandês, o maior vulto do Humanismo cristão. Dedicou toda sua vida à causa da reforma interna da Igreja Católica. Seu sonho era uma Europa espiritual unida, com uma língua comum aproximando todas as pessoas. Em 1500 publica “Adágios”, uma coleção de citações latinas e provérbios. A obra representou, para a época, o máximo em literatura de divulgação, tornando célebre o nome do autor.

Em 1516 publica suas apreciações "Críticas do Novo Testamento" e “Cartas de São Jerônimo", dedicando-as ao Papa Leão X, obras que consolidam sua fama. Em 1517 tem início a Reforma Protestante. Atendendo aos desejos de Erasmo, uma sentença de Leão X permite-lhe deixar definitivamente o hábito da Ordem dos Agostinianos. Em 1535 vai para a Basileia, na Suíça, para supervisionar a edição de "Eclesisastes", seu último trabalho. (1)

O humanismo, que tem seu berço na Itália, estende-se por toda a Europa do século XVI. O humanismo se converte num movimento cultural que defende a tolerância e a liberdade individual, no padrão de uma síntese renovada entre a Antiguidade clássica e o cristianismo. A figura máxima do humanismo reformista do século XVI é Erasmo de Rotterdam. Sua doutrina, crítica com uma igreja — a romana —, prepara na realidade a Reforma protestante. Mas Erasmo não é um político, e o humanismo, reduzido ao âmbito cultural, acaba sendo deslocado pelo protestantismo de Lutero e pela Contra-Reforma que nasce no concílio de Trento. (2)

Diante dos grandes descobrimento geográficos e os notáveis avanços técnico-científicos, Erasmo exprime, em 1517, o seguinte pensamento: "vejo uma idade de ouro no futuro próximo". Quer dizer, os referidos avanços promoveriam os ideais de tolerância e concórdia entre todos os seres humanos autônomos. Este sonho não se torna real, pois o que se vê são as frequentes guerras entre os adeptos das várias religiões.

Erasmo de Rotterdam tece comentários sobre a loucura de Cristo e dos cristãos. Para ele, as normas sociais nem sempre se coadunam com uma vida autenticamente cristã. Há, assim, dois tipos de loucura: a) dos poderosos, ou seja, daqueles que reduzem o Cristianismo à observância dos ritos; b) dos cientistas, que desafiam o desconhecido pelo amor ao conhecimento. Estes é que são os verdadeiros cristãos, porque abandonam tudo, para imitar a loucura da cruz

Para Erasmo, a responsabilidade ética pressupõe o livre-arbítrio. Acha que o homem pode pecar, porque age com liberdade. Acrescenta, porém, que sem a ajuda divina o homem não pode salvar-se, pois negaria a existência de Deus. Em síntese: a graça divina é a primeira condição para a salvação, seguida pela liberdade do homem e pelas suas obras meritórias. (3)

(1) https://www.ebiografia.com/erasmo_de_roterda/

(2) Temática Barsa Filosofia

(3) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005.

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Concílio de Trento

O Concílio de Trento foi a reação lógica da Igreja ante a extensão que adquiriram as doutrinas de Lutero e de outros reformistas. Mas foi também a constatação da profunda crise espiritual sofrida pela estrutura eclesiástica e da necessidade de redefinir seus projetos. 

 

 


Anselmo, Santo

"Pois também creio nisto: 'se não acreditar, não compreenderei.'" Proslógio 

Santo Anselmo (1033-1109) foi um filósofo e teólogo medieval, e pode ser considerado o primeiro expoente da escolástica (que se fundamenta no raciocínio dialético para solucionar as questões que surgiam). O objetivo era conciliar razão e fé, pois embora a razão não substituísse a fé, ela ajudaria as pessoas a entenderem melhor o que a sua fé já tinha aceitado. 

Seus dois principais tratados teológicos são o Monologion ("Monólogo) e o Proslógion ("Discurso). O primeiro contém versões do argumento cosmológico da bondade para chegar à existência de um bem supremo. O segundo contém o famoso argumento ontológico a favor da existência de Deus. Escreveu muitos diálogos específicos de lógica e teologia: De veritate ("Da verdade"), De libertate arbitrii ("Do livre-arbítrio").

Anselmo acreditava na capacidade da razão para investigar os mistérios divinos e propunha a prova ontológica da existência de Deus. Se Deus é considerado o absoluto, um ser superior, que não pode ser superado por nenhum outro, então Deus deve existir também na realidade, porque se não fosse assim, seria possível conceber outro ser tão superior quanto ele. (1)

(1) LEVENE, Lesley. Filosofia para Ocupados: dos Pré-Socráticos aos Tempos Modernos. Tradução de Débora Fleck. Rio de Janeiro: LeYa, 2019.




Xenófanes

"É preciso um sábio para reconhecer um sábio." (Xenófanes)

Xenófanes (570-475 a.C.) foi um filósofo, poeta e sábio da Grécia antiga, que escreveu em versos sua oposição às ideias de Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Viajou por diversos lugares, onde recitava seus poemas que, além de criticar o antropomorfismo, defendia a sabedoria e os prazeres vividos socialmente. Para Xenófanes, o que torna melhor os homens e as cidades (polis) em que eles vivem é a força da inteligência e da sabedoria. 

"Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo aquilo que para os homens é objeto de vergonha e baixeza: roubar, praticar adultério e enganar-se...  os mortais consideram que os deuses nasceram, e que possuem roupas, vozes e corpos como os seus...  os Etíopes acreditam que seus deuses possuem narizes achatados e que são negros; e os Trácios que os seus deuses possuem olhos azuis e cabelo vermelho... mas se os bois, cavalos e leões tivessem mãos e soubessem desenhar... os cavalos desenhariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, os bois semelhantes a bois." (1) 

Xenófanes ficou conhecido para a posteridade por suas breves citações. Eis uma delas: "Se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos e as usassem para produzir obras de arte, como fazem os homens, então os cavalos pintariam as formas dos deuses como cavalos, e o bois como bois, e fariam seus corpos à imagem de suas próprias diferentes espécies". É uma crítica a Homero e Hesíodo. Inaugura, também, a doutrina do relativismo: a posição de que a verdade sobre as coisas encontra-se nos olhos do observador. A Bíblia diz que Deus criou o homem à Sua própria imagem, Xenófanes efetivamente nos diz que o homem concebeu Deus à sua própria imagem. (2)

Combatendo o antropomorfismo, o filósofo pregava a ideia de que o verdadeiro deus é único, com poderes absolutos. Possuía características próprias, se diferenciando do homem.  No livro, Metafísica, o filósofo Aristóteles escreveu que Xenófanes foi o primeiro a identificar que o “Um” não é apenas um conceito ou uma matéria, mas está ligado a “Deus”. Como Xenófanes se dedicou a demonstrar a unidade e perfeição de deus, muitos acreditam que ele se aproximava mais de um reformador religioso do que de um filósofo propriamente dito. (3)

(1) http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=14

(2) RESCHER, Nicholas. Uma Viagem pela Filosofia: em 101 Casos Anedóticos. Tradução André Oídes. São Paulo: Ideias e Letras, 2018.

(3) https://www.ebiografia.com/xenofanes/

 


25 fevereiro 2020

Empédocles

"A percepção humana é assustadoramente limitada; acreditamos estar vendo o todo, quando na verdade só vemos uma fração." (Empédocles)

Empédocles (495-435 a.C.), proveniente de família rica, era um sábio versátil. Foi filósofo (pré-socrático), físico, astrônomo, médico, legislador e poeta. Afirmava que todas as coisas eram terra, ar, água e fogo, misturados ou isolados. Natural da colônia de grega de Acragas (atual Agrigento), na Sicília. 

Sua filosofia estava voltada para a explicação natural do universo, em que afirmava que todas as coisas da natureza eram formadas de quatro substâncias: terra, ar, água e fogo, misturados ou isolados. Acreditava em dois poderes divinos, “amor” e “ódio”, que atuavam como forças que podiam unir ou separar as diferentes formas de matéria e explicar a sua variação e harmonia.

Escreveu suas obras em forma de poemas e de seus escritos se conservam “Purificações” onde prometia poderes miraculosos, entre eles, a destruição do mal, a cura da velhice e o controle sobre a chuva e o vento. Um tratado “Sobre a Natureza”, com aproximadamente 450 versos, onde explica não apenas a Natureza, mas também sua teoria dos 4 elementos, suas teorias da causa, da percepção e do pensamento, além de explicar sobre os fenômenos terrestres e os processos biológicos. Um tratado “Sobre a Medicina” e a obra “Políticos”. (1)

Parmênides e os eleáticos apontam as dificuldades para se explicar a mudança. Com isso, provocam uma ruptura entre razão e experiência. Posteriormente, os filósofos pluralistas tentam preenchê-la. Empédocles e Anaxágoras renunciam à ideia de um princípio único que dê conta de todas as coisas em favor de uma pluralidade de princípios. Com esse salto do monismo ao pluralismo, tentam conciliar o caráter imutável e eterno do ser exigido pela razão com a evidência empírica do devir incessante das coisas. (2) 

Tales, Anaximandro e Anaxímenes são os iniciadores do processo de reflexão racional sobre a origem das coisas. Além desses, destacam-se Heráclito (ênfase no movimento), Parmênides (ênfase no fixo, representando um contraponto a Heráclito), Empédocles (atração e repulsa, ou seja, as forças se atraem ou se repelem) e Anáxagoras (razão universal — noumeno). 

O fogo, junto à lareira, assume aspectos filosóficos. O devaneio diante do fogo - reflexão sobre si mesmo - inspira ao ser vivente o desejo de mudança: crescer, melhorar, progredir, rejuvenescer. A destruição é criativa, ou seja, jogar o velho no lixo e abrir a mente para o novo, para a renovação. Bachelard pensa que esse devaneio dá origem ao complexo de Empédocles: "um verdadeiro complexo em que se unem o amor e o respeito ao fogo, o instinto de viver e o instinto de morrer". Nesse caso, o sonho é mais forte que a experiência. (3)

(1) https://www.ebiografia.com/empedocles/

(2) Temática Barsa — Filosofia

(3) BACHELARD, Gaston. A Psicanálise do Fogo. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Tópicos



Protágoras

"O homem é a medida de todas as coisas." (Protágoras, citado em Teeteto)

Protágoras (490-420 a.C.) foi o sofista mais destacado do seu tempo. Sustentava que existem tantas verdades quantas opiniões e tantas opiniões quantos homens. A sua filosofia pode ser resumida na sentença: "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são". Também é muito característica de seu pensamento sua teoria dos "raciocínios duplos": "Em toda questão, há dois raciocínios opostos entre si", quer dizer, de cada coisa se pode dar sempre duas versões opostas, já que, se não há verdade, um juízo é tão válido quanto seu contrário. Seu agnosticismo: "Sobre os deuses, não posso saber se existem ou não, pois há dois obstáculos: a obscuridade do problema e a brevidade da vida humana". (1)

A Grécia dedicou-se à pedagogia, ou seja, produzir e transmitir conhecimentos. Esta era a função dos sábios, chamados de sofistas, cujo ofício era uma profissão, pois cobravam pelas suas aulas. Sócrates se contrapõe à profissão dos sofistas, pois tinha esse ofício como missão. Os sofistas que se destacaram foram Górgias e Protágoras. Depreende-se que o diálogo foi descoberto por Parmênides, Sócrates e Platão; o antidiálogo surgiu com os sofistas Protágoras, Górgias e Trasímaco. Os primeiros são os amantes do logos; os segundos, "amantes da opinião" ou filodoxos.

Protágoras era considerado o chefe dos sofistas, ou seja, intelectuais que eram pagos para defender a opinião de seus patronos. Ele foi um palestrante incansável, que articulava e debatia ideias no mercado, um mercado de ideias que ainda existe. Pertencia a um enérgico grupo espirituoso de pensadores exigentes que haviam se cansado da mitologia grega, com seu panteão de deuses (ou ao menos, se tornara cético a seu respeito). Seu ponto de partida: nós medimos as coisas; elas não se medem a si mesmas. A argumentação contra Protágoras se resume a isso. Devemos rejeitar a teoria que afirma que "o homem é a medida" (2)

Sobre a existência da verdade. Para Protágoras, não há uma verdade objetiva válida. Contudo, sustentava a necessidade do estudo e da educação, pois não havendo proposições verdadeiras em absoluto, deve-se saber diferenciar entre as opiniões melhores e piores, mais ou menos úteis ao indivíduo e à sociedade. (3)

(1) Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.

(2) GROOTHUIS, Douglas. Filosofia em Sete Sentenças: Uma Pequena Introdução a um Vasto Tópico. Tradução Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, 2019.

(3) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005.

 



Anaxágoras

"Medimos a grandeza de uma ideia pela resistência que ela provoca." (Anaxágoras)

Anaxágoras (500-428 a.C.) foi um filósofo pré-socrático que se dedicou ao estudo da astronomia e da biologia. Tinha em mente tornar lógicas as explicações do mundo. Natural de Clazômenas, na Jônia, passou trinta anos em Atenas, divulgando a sua maneira de pensar. Em Atenas, seus ensinamentos influenciaram o estadista Péricles e o dramaturgo Eurípedes. Quando perguntado sobre a razão de ter nascido, sua resposta foi: "Para estudar o universo".

Parmênides e os eleáticos apontam as dificuldades para se explicar a mudança. Com isso, provocam uma ruptura entre razão e experiência. Posteriormente, os filósofos pluralistas tentam preenchê-la. Empédocles e Anaxágoras renunciam à ideia de um princípio único que dê conta de todas as coisas em favor de uma pluralidade de princípios. Com esse salto do monismo ao pluralismo, tentam conciliar o caráter imutável e eterno do ser exigido pela razão com a evidência empírica do devir incessante das coisas. (1)

A filosofia. Em se tratando da estrutura do universo, Anaxágoras achava que várias substâncias compunham a totalidade do espaço existente e que cada elemento constituinte seria fundamental em si mesmo. Supunha que o ar continha sementes de todas as coisas, que eram trazidas à terra pela chuva, e dava como exemplo as plantas. Para ele, junto à matéria existe um princípio ordenador, um nous ou inteligência como causa do movimento. Por isso foi classificado como o primeiro dualista.

O conhecimentoO conhecimento é dividido em três etapas: a experiência ou sensação, a memória e a técnica. experiência ou sensação é o tópico central para o conhecimento. Em consequência, tudo que é vivenciado através das sensações é então depositado na memória. O acúmulo desses conhecimentos na memória vai então gerar a sabedoria e esta vai gerar a técnica que é a nossa capacidade de fazer uso dos conhecimentos para transformar a natureza.

Anaxágoras resumiu sua filosofia em diversas frases, entre elas: “Tudo está em tudo”; “A fraqueza de nossos sentimentos impede-nos de alcançar a verdade”; “Nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão”; “Tudo tem uma explicação natural, a lua não é uma deusa, mas um grande globo de rocha e o sol não é um deus, mas um imenso mundo em fogo”. “Prefiro uma gota de sabedoria a toneladas de riqueza.” (2) 

(1) Temática Barsa Filosofia.

(2) https://www.ebiografia.com/anaxagoras/

 



24 fevereiro 2020

Parmênides

"O ser é e não pode não ser e o não-ser não é e não pode ser de modo algum." (Parmênides)

Parmênides (510-445 a. C.) foi um filósofo grego da Antiguidade, o primeiro pensador a discutir questões relativas ao “Ser”. Foi um dos três mais importantes filósofos da escola eleática, junto com Xenófanes e Zenão. Tales, Anaximandro e Anaxímenes iniciam o processo de reflexão racional sobre a origem das coisas. Heráclito dá ênfase ao movimento. Parmênides enfatiza o fixo, representando um contraponto a Heráclito.

Parmênides é considerado o mais remoto precursor da lógica ao enunciar o princípio de identidade e de não contradição. Zenão, discípulo de Parmênides, vem em seguida, ao empregar a argumentação erística, ou seja, a arte da disputa ou da discussão. Posteriormente Sócrates, com a maiêutica, e Platão, com a teoria das ideias, completaram a base para o advento da lógica aristotélica.

O diálogo foi descoberto por Parmênides, Sócrates e Platão. O antidiálogo surgiu com os sofistas Protágoras, Górgias e Trasímaco. Os primeiros são os amantes do logos; os segundos, "amantes da opinião" ou filodoxos.

realidade. Para Parmênides, o ser é uma esfera bem redonda. “Os atributos do ser não podem ser encontrados por via experimental ou sensorial, mas deduzidos com coerência lógica do próprio conceito de ser”.

existência da verdade. Para Parmênides e Zenão, a verdade é o resultado de uma viagem. Esta começa nas casas da Noite, bairro da cidade de Eleia, cuja simbologia representa o homem que se deixa levar pelos sentidos, e termina nas portas do tempo, onde Parmênides recebe, diretamente da boca da deusa Necessidade, a doutrina do Ser, ideia básica de sua filosofia. Esta metáfora mostra que a verdade não é alcançável para todos, mas somente para aqueles que fazem esforços.

pensar. Para Parmênides, somente a razão vê o real. Os cinco sentidos testemunham toda a transformação da realidade. “É verdade que a vida cotidiana requer o uso dos órgãos dos sentidos, mas por meio deles não se chega à verdade. A razão, não o olho, vê o real”.

Linguagem. Para Parmênides, a linguagem consiste na doutrina do ser, sintetizada na célebre fórmula o ser é, o não-ser não é. A sua argumentação baseia-se no seguinte: “Enquanto aquilo-que-é pode ser dito – portanto, pensado –, aquilo-que-não-é afasta-se, por definição, de qualquer formulação linguística e intelectual. É impossível pensar o nada. No cotidiano, usamos o verbo ser de modo impróprio e acabamos por atribuir realidade a condições de ausência, a coisas que não existem: a escuridão e o silêncio, por exemplo, são condições de não-ser da luz e do som, portanto, pela lógica não existem”. (1)

(1) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005.

 



Heráclito

"Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio." (Heráclito)

Heráclito (535-475 a.C.) foi um filósofo pré-socrático, natural de Éfeso, na atual Turquia, filho de aristocráticos. Contemporâneo de Parmênides, conhecido pela ambiguidade de suas sentenças breves em forma de prosa.

Para Heráclito, o arché está o fogo, que cria e transforma todas as coisas. Heráclito trata o fogo muito mais como uma metáfora do que como um elemento natural específico. Observe a comparação que faz com a moeda: “pela sua capacidade de transformar uma coisa em outra, o fogo pode ser substituído pelo símbolo do dinheiro, que, por sua vez, é capaz de trocar uma mercadoria por qualquer outra”.

Heráclito afirma que não nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Explicação: nada existe de estável e definitivo na natureza; tudo muda continuamente. Cada coisa é e não é, ao mesmo tempo. Nós mesmos somos e não somos, porque existir, viver, significa tornar-se, ou seja, mudar a própria condição atual por uma outra.

Sobre o logos. De acordo com Heráclito, todos têm o logos, mas só os despertos o sabem. O logos é o pensamento, a razão, a inteligência, o discurso; é, também, o princípio de tudo, a lei que regula o funcionamento do cosmo. Todos participam do logos universal. “Alguns, os adormecidos, limitam-se às percepções imediatas, vivem como que num sonho e desenvolvem opiniões subjetivas; outros – os filósofos ou os despertos – utilizam o logos de modo consciente e conseguem penetrar profundamente na verdade da natureza”.

Sobre o devir. Heráclito acha que a guerra é pai de todas as coisas. O devir se realiza por meio de uma contínua passagem de um contrário ao outro. Daí, parecer que a guerra é o que regula o mundo. Isto é verdade, mas muito superficial, ou seja, sob o antagonismo dominante, pode-se perceber uma lei de harmonia, porque as coisas em oposição, para existir, precisam umas das outras. “Entre os opostos há uma guerra constante, mas também uma secreta harmonia, uma mútua necessidade: não existiria saúde sem doença, saciedade sem fome. Dito de outra forma: não pode existir uma subida que, ao mesmo tempo, de um outro ponto de vista, não seja também uma descida”. (1)

Algumas de suas sentenças: "não podemos entrar duas vezes no mesmo rio"; "a  doença faz da saúde algo agradável e bom: "os que procuram ouro escavam muita terra, mas encontram pouco metal"; "tu não encontrarás os confins da alma, caminhes o quanto caminhares, tão profunda é ela"; "se não esperares, não irás achar o inesperado, porque ele não se pode achar e é inacessível"; "a  luta é a regra do mundo e a guerra é que cria todas as coisas". 

(1) NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: das Origens à Idade Moderna. Tradução de Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005.

 

23 fevereiro 2020

Kant, Immanuel

"Aja somente de acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo uma lei universal." (Fundamentação da metafísica dos costumes)

Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos filósofos que mais profundamente influenciou a formação da filosofia contemporânea. Nasceu em Königsburg, antiga Prússia, que hoje se situa na Polônia. Filho de pais pobres, tem sua formação universitária financiada por um teólogo, amigo da família. Em 1740, matricula-se na universidade de Königsburg. Em 1755, torna-se livre docente nesta mesma universidade. A partir de 1770, ano em que se faz professor catedrático, ministra diversos cursos de interesse acadêmico. É nesse período que prepara uma de suas mais importantes obras, a Crítica da Razão Pura, que veio a lume em 1781. A Crítica da Razão Pura (1781) e a Crítica da Razão Prática (1788) sintetizam o pensamento renovador de Kant e a essência da sua filosofia.

Resumo de seu pensamento: Nossa sensibilidade é a capacidade de sentir as coisas no mundo. ==> Nosso entendimento é a capacidade de pensar sobre as coisas. ==> Espaço e tempo não podem ser conhecidos pela experiência; são intuições da mente. ==> Então, uma coisa aparece no espaço e no tempo apenas na medida em que é sentida pela mente. ==> Os conceitos só se aplicam às coisas na medida em que são sentidos pela mente. ==> Uma "coisa em si" (algo considerado exterior à mente) pode não ter nada a ver com espaço, tempo ou qualquer um de nossos conceitos. ==> "Coisas em si" são incognoscíveis. ==> Existem dois mundo: o mundo da experiência sentida por nossos corpos e o mundo das coisas em si. (1)

O horizonte histórico vivenciado por Kant é marcado pela independência americana e a Revolução Francesa. Sua filosofia está na confluência do racionalismo, do empirismo inglês (Hume) e da ciência físico-matemática de Newton. À Hegel, acrescentam-se o idealismo e criticismo kantiano.

A base da filosofia de Kant (1724-1804) está na teoria do conhecimento. Deseja saber, mas sem erro. Para tanto, elabora-a na relação entre os juízos sintéticos "a priori" e os juízos sintéticos "a posteriori". Aos primeiros, chama-os puros, que caberia à matemática desvendá-los; aos segundos, de fenômenos, influenciados pela percepção sensorial. Nesse sentido, o idealismo e o criticismo kantiano nada mais são do que seus próprios esforços para aproximar o fenômeno à "coisa em si".

Para Kant, "Uma ação realizada por dever não tira seu valor do objetivo a ser alcançado por ela, mas da máxima segundo a qual é decidida". O indivíduo age exclusivamente segundo a regra que estabelece, ou seja, "sem levar em conta nenhum dos objetos da faculdade de desejar" e "fazendo-se abstração dos fins que podem ser alcançados por tal ação" (Fundamentos..., I). "Ela não tem a menor necessidade da religião", insiste Kant, nem de um fim ou objetivo qualquer: "ela se basta a si própria" (A religião nos limites da simples razão, Prefácio).

Kant pública três tipos de crítica: a Crítica da razão pura, a Crítica da razão prática e a Crítica da faculdade do juízo. Na Crítica da razão pura, examina a teoria do conhecimento, estabelecendo os limites para a sua apreensão. Na Crítica da razão prática, examina o significado moral da liberdade, da imortalidade da alma e da existência de Deus. Na Crítica da faculdade do juízo, desenvolve a sua teoria acerca do belo, tendo por fundamento o mesmo das duas críticas anteriores, ou seja, o domínio da natureza e o domínio da liberdade/moralidade.

A filosofia de Kant tentava conciliar a autoridade da ciência com a experiência do dia a dia dos indivíduos em um mundo abarrotado de preocupações morais, estéticas, culturais e religiosas.

(1) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

Lao-tsé

"As palavras verdadeiras não são agradáveis e as agradáveis não são verdadeiras.” (Lao-Tsé)

Lao-tsé (c. séc. VI a.C.). Lendário fundador do taoísmo, cujos ensinamentos estão contido no Tratado sobre o caminho e o seu poder (Tao Te Ching). Enquanto o confucionismo representa o desenvolvimento social das potencialidades humanas, Lao-tsé representa a unidade com o universo, conseguida por meio de uma vida simples, não sofisticada, com desejos mínimos e uma máxima incorporação à natureza. A vida e a identidade de Lao-tsé são um tanto obscuras, e há alguma controvérsia sobre se ele viveu no século VI ou dois ou três séculos depois. Pensa-se que nasceu em Ch'u, na província de Hunan. (1)

Resumo do seu pensamento: Tao (O Caminho)... ==> A fonte de toda existência. ==> A raiz de todas as coisas, visíveis e invisíveis. ==> ... é atingido por meio da... ==> ... wu wei (não ação). ==> agindo ponderadamente e não por impulso. ==> agindo em harmonia com a natureza. ==> tendo uma vida solitária de meditação e reflexão. ==> vivendo com paz, simplicidade e tranquilidade. (2)

O Tao é nome que se dá aos ensinamentos veiculados por Lao-Tsé, há 2.600 anos, na China, no livro o Tao-Te-Ching. De acordo com o seu autor, o Tao não pode ser definido, apenas conhecido, pela mesma razão com que não podemos definir Deus. O livro foi escrito numa única noite, como resposta ao homem da fronteira, que lhe pediu para ensinar tudo o que sabia da vida. Diz-se que quando Lao-Tsé escreveu o livro ele estava mais do que inspirado, ele estava iluminado. Ao longo de todo esse tempo, esse livro foi traduzido para várias línguas, servindo de subsídio para muitas filosofias e religiões.

Toda sua sabedoria ele a transportou para um livro intitulado Tao-te-King. O King significa livro clássico e Tao-te são as duas palavras com as quais começam as duas partes de seu livro que, então, toma o seu nome como os livros do Pentateuco. Os dois títulos unidos significam Livro da virtude e do caminho. Sobre a antiguidade e autenticidade deste livro acham-se de pleno acordo os intelectuais e os Taos-ses, podendo assim lê-lo como verdadeiro. (3)

Frases de Lao-Tsé: “Tenho apenas três coisas a ensinar: simplicidade, paciência, compaixão. Esses três são teus maiores tesouros. Simples nas ações e pensamentos, retornas à fonte do ser. Paciente com amigos e inimigos, estás em harmonia com o modo de ser das coisas. Compassivo contigo mesmo, reconcilias todos os seres do mundo.” "Sem sair a canto algum, conhecer o mundo inteiro. Sem olhar pela janela, descobrir o Céu e a Terra." "Conhecer os outros é inteligência; conhecer a si mesmo é a verdadeira sabedoria." "O sábio contribui com o desenvolvimento natural de todas as coisas e não se atreve a agir." "Se alguém sabe como cessar os pensamentos, então há concentração; concentrando-se se pode ‘chegar à tranquilidade’; por meio da tranquilidade, pode-se obter a paz; com a paz se alcança a sabedoria; e com a sabedoria pode-se ter o Tao."

(1) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

(2) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(3) Titãs da Religião. Tradução J. Coelho de Carvalho. Rio de Janeiro: Ateneo, s.d.p