1 — Os Sofistas. 2 — Sócrates. 3 —Platão. 4 — Aristóteles. 5 — Pensamento
Helenístico. 6 — O Pensamento
Trágico. 7 — A Ciência no Mundo
Clássico. 8 — Bibliografia
Consultada.
1 — Os Sofistas
O triunfo da democracia em Atenas (século V a.C.),
seu esplendor econômico e cultural, juntamente com sua preponderância política
na Grécia, provocaram uma situação inédita que levantou novos problemas e
orientou para outros rumos a especulação filosófica: do problema da physis ao
problema antropológico. Problemas práticos - política, moral, religião,
educação, linguagem etc. - ocuparam os novos personagens da época, os sofistas.
Sua atitude relativista em política, em moral, chegando mesmo a questionar a
possibilidade de um conhecimento verdadeiro e comum - era expressão do espírito
da época. A democracia supõe conceder valor à opinião e, portanto, à
diversidade de pontos de vista, o que é incompatível com a defesa de uma
verdade absoluta.
O movimento sofista
Dá-se o nome de sofistas a um conjunto de pensadores gregos que florescem na segunda metade do século V a.C. e que têm em comum, ao menos, os fatos de terem sido os primeiros educadores profissionais (organizavam cursos completos e cobravam grandes quantias para ensinar) e de que entre seus ensinamentos a retórica e um conjunto de disciplinas humanísticas (política, moral etc.) ocupavam lugar de destaque. O advento da democracia trouxe consigo uma mudança notável na natureza da liderança: a linhagem já não era suficiente, e a liderança política passava pela aceitação popular. Numa sociedade onde a assembleia do povo tomava as decisões e onde a aspiração máxima era a vitória, um político precisava dominar a arte de convencer, a arte de persuadir as massas de que a sua era a melhor proposta. Precisava, além disso, ter certas ideias a respeito da lei, a respeito do justo e do conveniente, e também a respeito do Estado. Eram esses os ensinamentos que os sofistas proporcionavam.
A palavra "sofista" foi, no princípio, um
sinônimo de "sábio" (sophos). Depois, o termo ganhou o sentido
pejorativo de hábil enganador. Isso mostra até que ponto os sofistas foram
personagens controvertidos em sua própria época. Na atualidade, os sofistas
encontraram mais compreensão e estima: são considerados os criadores de um
movimento que mereceu o nome de "iluminismo grego".
Atitude comum dos
sofistas: relativismo
Os sofistas não formaram escola nem defenderam uma
doutrina comum, mas apresentam algumas coincidências - fundamentalmente, sua
atitude relativista e até cética. Sua vontade pouco dada à especulação abstrata
levou-os a aceitar os sentidos como fonte válida do conhecimento, ao contrário
do que sustentavam alguns pré-socráticos, sobretudo a partir de Parmênides. Se
os sentidos mostram coisas diferentes a indivíduos diferentes, como decidir
qual deles está de posse da verdade? A verdade é relativa a cada um: não há
verdade absoluta, cada coisa é o que parecer ser para cada um. Seu relativismo
os conduz com frequência ao ceticismo: se cada humano tem sua verdade, faz
sentido falar de conhecimento ou de verdade? Mas também nos problemas do homem
e da sociedade eles se mostram relativistas: tinham podido comprovar em suas
numerosas viagens que não há dois povos que tenham as mesmas leis nem os mesmos
costumes.
Convencionalismo da lei
A constatação de que outros povos têm culturas
diferentes - com leis, normas, costumes e valores morais totalmente diferentes
das que eles, os gregos, pensavam ser as únicas possíveis - trouxe para o
centro da discussão filosófica o tema do convencionalismo das leis (nomos).
Até esse momento, as leis eram consideradas como algo inamovível, absoluto e
comum - eram por natureza; a partir de agora, as leis são vistas
como uma criação convencional, arbitrária e provisória, relativas, portanto, à
comunidade ou até ao próprio indivíduo.
Os sofistas defendiam o caráter convencional não
apenas das instituições políticas, mas também das normas morais: o que se
considera bom e mau, justo e injusto, não é universalmente válido e imutável.
Alguns sofistas importantes
Protágoras (480-410 a.C.) foi o sofista mais
destacado do seu tempo. Sustentava que existem tantas verdades quantas opiniões
e tantas opiniões quantos homens. O único critério para distinguir o verdadeiro
do falso era a utilidade e também a opinião da maioria. Assim, as leis da pólis
eram apenas convenções sancionadas por uma opinião majoritária. Pode-se resumir
o fundamental de sua filosofia na sentença: "o homem é a medida de todas
as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não
são". Também é muito característica de seu pensamento sua teoria dos
"raciocínios duplos": "Em toda questão, há dois raciocínios
opostos entre si", quer dizer, de cada coisa se pode dar sempre duas
versões opostas, já que, se não há verdade, um juízo é tão válido quanto seu
contrário. Outro sofista importante, Górgias (484-375 a.C.), sentenciava que
tudo o que existe é pura aparência. Chegava a sustentar que, se alguma coisa
existisse verdadeiramente, das duas uma: ou não poderíamos conhecê-la bem, ou,
se a conhecêssemos, não poderíamos comunicar isso. Seu ceticismo era
total. Menos céticos eram Trasímaco e Calicles, que viam no direito do mais
forte a expressão de uma lei natural, não convencional. Hípias, em troca,
sustentava que a autêntica lei natural se expressa por meio do princípio de
igualdade entre os homens.
Compreende-se que os sofistas fossem alvo de tantas
críticas. Os grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles os
consideravam perigosos e elaboraram parte de suas próprias concepções como
respostas destinadas a demonstrar o espírito da sofística, tão arraigado, por
outro lado, na época.
2 — Sócrates
"A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida." Citado por Platão, em Apologia a Sócrates
Sócrates. Nasceu em Atenas, em 470/469
a.C., coincidindo com o fim das guerras médicas pelas quais os gregos
puseram fim à hegemonia dos Persas no Mediterrâneo. Morreu em 399 a.C. Tudo o
que sabemos de Sócrates veio pelos testemunhos de Platão, Xenefonte e Aristóteles.
Sócrates concebeu a filosofia como uma busca coletiva cujo instrumento é
o diálogo e cujo objetivo, a clareza sobre a própria existência, tanto em sua
dimensão individual quanto em suas relações com outros membros da comunidade.
Sócrates exerceu sua atividade filosófica em Atenas, sempre na rua, pondo os
seus interlocutores contra a parede com suas armas dialéticas. Seu propósito
era combater os preconceitos, questionar as falsidades, destruir o discurso
demagógico dos poderosos, forçar seus concidadãos à reflexão permanente.
Tornou-se um personagem muito incômodo — ele mesmo se autoqualificava de
"mosca" — e foi acusado de haver profanado as crenças religiosas da
cidade e de corromper a juventude. Foi condenado á morte, e embora considerasse
a sentença uma injustiça, acatou-a com dignidade.
"Conhece-te a ti mesmo"
A filosofia não é para Sócrates uma simples especulação filosófica. A
filosofia não pode estar desligada da própria vida, entendendo-se que a vida é
algo não apenas pessoal, mas tem uma dimensão pública — política,
por ser da pólis — da qual não se pode prescindir. Essa atitude está condensada
na máxima favorita de Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo". Na tradição
mítica, essa sentença foi proferida pelo deus Apolo, e estava gravada no
frontispício do oráculo de Delfos.
A filosofia é diálogo, é um questionamento comum a partir da linguagem
no qual nenhum dos interlocutores possui a verdade, mas deve tratar de
buscá-la. Cada homem possui dentro de si uma parte da verdade, mas deve
descobri-la com a ajuda dos outros. Sócrates foi o primeiro a pôr a busca
racional da verdade no centro de cada vida. Talvez o ser humano jamais possa
encontrar a verdade — de fato, muitos diálogos socráticos, tais como Platão
testemunhou, acabavam sem conclusão definitiva —, mas não pode renunciar a ela.
É isto o que constitui a verdadeira dimensão humana: pensar por si mesmo —
ainda que seja em comum —, libertar-se das opiniões preconcebidas, exercer
constantemente a crítica em relação ao que parece evidente, a opinião da
maioria, o que o costume ou a tradição determina.
Ironia e maiêutica
Trata-se de encontrar a verdade no diálogo, mas ela não pode ser
simplesmente o resultado de um acordo entre os interlocutores, uma vez que
poderiam chegar a um acordo injusto. Se não se encontra a verdade buscada, pelo
menos as opiniões sem fundamento terão ficado para trás. Mais até: não existe
nenhuma possibilidade de chegarmos à verdade sem nos libertarmos daquilo que
acreditamos saber, mas que na realidade não sabíamos e sem reconhecer dessa
forma nossa ignorância. "Só sei que nada sei", diz Sócrates. A
ignorância constitui a condição prévia para o saber autêntico. Só quem
reconhece sua ignorância está predisposto para o questionamento da verdade;
quem acredita que sabe não iniciará nenhum caminho, uma vez que acredita que já
está de posse desse saber.
O método utilizado por Sócrates é o diálogo dirigido conhecido
como dialética, e que consiste na arte de fazer perguntas. O método
consta de duas fases: a ironia e a maiêutica.
Para chegar a esse estado prévio de "não-saber", Sócrates
lança mão da ironia. É a forma negativa do diálogo, a arma pela
qual se refutam os falsos argumentos do opositor, sua presunção do saber. A
ironia consiste em levar o interlocutor, seguro de que sabe do que está
falando, até a ignorância que se esconde nesse suposto saber. Sócrates se
esconde ingenuamente nesse não-saber para deixar o interlocutor diante de sua
própria perplexidade quando se dá conta de que não sabe aquilo que acreditava
saber.
Depois vem a forma positiva do diálogo, a maiêutica, que Sócrates diz
ter aprendido com sua mãe, que era parteira. A maiêutica é a arte de dar à luz —
no caso do método socrático, a arte de iluminar a verdade do interior do
próprio interlocutor. Sócrates não gera a verdade, apenas abre
caminho para que ela veja a luz.
A descoberta do conceito
O pressuposto do método socrático é o de que é possível conhecer a
verdade por meio da razão. A superação do ceticismo dos sofistas é factível
porque o homem é capaz de pensar conceitualmente: da multiplicidade, sabe
colher a unidade e diante de duas alternativas chega a conhecer qual é a
verdadeira. Sócrates entrou para a história como o descobridor do conceito, no
sentido de que esse filósofo é o primeiro a se dar conta de que só por meio
desse pensamento conceptual é possível atingir a verdade. O objetivo é
encontrar a definição do conceito investigado: uma definição válida
universalmente.
Intelectualismo ético
O interesse de Sócrates pela definição dos conceitos é prático: o
comportamento só pode se fundamentar corretamente a partir do conhecimento. Só
seremos virtuosos se sabemos em que consiste a virtude. O conhecimento
proporciona a virtude, porque "ninguém faz o mal conscientemente".
Aquele que age mal acredita que está fazendo o bem, e ignora em que consiste o
bem. A postura de Sócrates é uma postura intelectualista: identifica virtude e
conhecimento. Se para ser virtuoso é preciso conhecer a virtude, todas as
virtudes podem ser reduzidas na realidade a uma única: a do conhecimento. Ao
mesmo tempo, ser virtuoso equivale a ser feliz, que é o bem ao qual, segundo os
gregos, todos os seres humanos aspiram.
Sócrates, segundo Platão
“O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar. Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira. Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar — e poderá ser pior, ou mesmo melhor — depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade.” Platão Apologia a Sócrates
A morte de Sócrates
A acusação contra Sócrates — impiedade e ensinar falsas divindades aos
jovens — era grave: a impiedade implicava o questionamento do estado, dado o
vínculo tradicional entre religião e ordem política.
Durante o julgamento, Sócrates manteve uma atitude bem pouco
conciliadora: não tentou adular o júri para obter sua simpatia e sua cumplicidade,
não fez nada para obter sua absolvição. Pelo contrário, reafirmou tudo aquilo
que havia sido motivo de seu julgamento. Quando foi declarado culpado, em vez
de propor uma alternativa à pena de morte (o desterro, por exemplo, teria sido
aceito), Sócrates pediu uma pensão do dinheiro público. Isso irritou
especialmente o júri, que o condenou à pena capital por um número maior do que
o que o havia declarado culpado.
Embora pudesse ter evitado a morte fugindo graças à ajuda de seu discípulo Críton, ele optou por ficar e beber a cicuta, por coerência com suas convicções e por respeito às leis de Atenas. (Temática Barsa, 2005)
3 —Platão
"A filosofia tem origem na admiração." (Teeteto)
Platão (427-347 a. C.). Filho de pais nobres. O
maior discípulo de Sócrates. Viajou muito, tinha uma boa renda e viveu no mais
alto estilo. Era íntimo de Dionísio I, tirano de Siracusa. Dizia-se que
esperava fundar um Estado ideal, em Siracusa. Fundou a Academia num bosque de
Atenas.
A vocação filosófica de Platão acaba por ser determinada a partir do
julgamento e condenação à morte de Sócrates. Platão estava destinado, por
linhagem, à política, mas renunciou a participar de um sistema que havia sido o
causador do assassinato do mais sábio e justo dos homens — e, desiludido,
dedicou-se a uma atividade puramente teórica: a filosofa. Nela, tentou
encontrar um fundamento objetivo para o interesse do homem pelo conhecimento,
assim como para a possibilidade de o alcançar. O conhecimento não tem apenas
uma dimensão teórica, mas também uma prática: o conhecimento da verdade permite
uma vida justa e eticamente correta, assim como uma organização política que
corrija os graves defeitos das já existentes.
A teoria das ideias
Sócrates determina a vocação filosófica de Platão, assim como sua
pretensão fundamental: chegar à verdade a partir do diálogo, entendido aqui
como um autêntico exercício racional, e não meramente como a expressão de um
ponto de vista subjetivo, na maioria das vezes obtido de forma irrefletida. A
verdade assim encontrada — à diferença de Sócrates, que se conforma em
buscá-la, Platão está totalmente convencido de que é possível atingi-la — é o
único fundamento legítimo de nosso comportamento ético e político, e só ela
constitui o verdadeiro saber. Mas a influência de Sócrates não foi a única
decisiva. Heráclito e Parmênides também foram determinantes na elaboração de
sua grande contribuição filosófica a teoria das ideias. Heráclito —
na realidade, um discípulo dele, Crátilo — leva-o a ver que os objetos
materiais estão em contínuo devir, que fluem constantemente e que, uma vez que
não permanecem em nenhum estado fixo, é impossível conhecê-los; não se
deixam capturar, porque quando os captamos já não são aquilo que
eram. Só pode haver conhecimento de algo que não mude, de algo que, ao
permanecer sempre idêntico a si mesmo, realmente seja, condição indispensável
para ser plenamente inteligível, tal como Parmênides havia determinado.
Se observamos as coisas que nos rodeiam, notamos que elas mudam
continuamente e que, portanto, nunca nos proporcionarão esse conhecimento que
Platão considera indispensável para a vida humana. Se há de haver conhecimento,
ele terá como objeto outra realidade, de natureza totalmente
diferente daquela captada pelos sentidos, que só são capazes de nos mostrar o
mutável.
Mundo sensível e mundo inteligível
Platão distingue dois mundos: o mundo sensível, no qual nós
seres humanos sentimos, temos percepções, adquirimos um conhecimento particular
das coisas e experimentamos que elas são mutáveis; e o mundo das ideias,
um mundo separado, transcendente, uma vez que as ideias — em grego,eidos —,
são de natureza totalmente diferente da dos objetos sensíveis.
O "mito da caverna" é uma bela alegoria dessa duplicidade de
mundos.
Características das ideias
As ideias são as essências das coisas sensíveis, que dizer, aquilo por
meio do qual uma coisa (sensível) é o que é. Assim, a ideia de Beleza é a
Beleza em si mesma e aquilo por meio do qual as coisas belas são belas. São o
comum e universal dos objetos sensíveis, enquanto os objetos sensíveis têm,
além disso, características totalmente particulares. Por exemplo: isto é um
livro, tem a essência Livro, mas é um livro concreto, com características
particulares que o distinguem de outros livros. Cada ideia é única, não há
múltiplas ideias de livro; cada ideia é uma unidade. As ideias são imateriais,
encontram-se à margem do espaço e do tempo e, por isso mesmo não estão sujeitas
ao devir, são imutáveis e eternas — o que as torna perfeitas, em contraste com
a imperfeição dos objetos sensíveis e mutantes. Embora imateriais, são
totalmente reais, e mais até, são mais reais do que os objetos, a que dão
origem porque, se o objeto é como é, é graças à ideia correspondente. É o
objeto sensível que depende da ideia, e não a ideia do objeto sensível. Essas
são as características que Parmênides atribuía ao ser; as ideias são o ser — o
único plena e totalmente inteligível, quer dizer, só cognoscível pela
inteligência. Daí a expressão platônica mundo inteligível.
A relação entre as ideias e as coisas é denominada por meio de
diferentes expressões. Do ponto de vista das coisas, diz-se que é uma relação
de participação ou imitação; do ponto de vista das
ideias, é chamada de presença.
O bem: ideia suprema
O mundo das ideias é um mundo perfeitamente organizado e estruturado
hierarquicamente. Não há nele o menor indício de desordem, à diferença do que
ocorre no mundo sensível. No vértice da hierarquia está a ideia do Bem, que no
mito da
caverna está simbolizada pelo Sol que ilumina o exterior. Assim como o
Sol é fonte de vida de tudo o que existe, e com sua luz, torna visíveis os
objetos, o Bem é o que faz existirem as demais ideias e aquilo que as torna
inteligíveis e permite que as conheçamos.
Platão, ao fazer da ideia do Bem, a ideia suprema, tem uma intenção
claramente ética — política também —, mas não exclusivamente. A perfeição e a
imutabilidade das ideias fazem delas as realidades superiores, são um bem,
e por isso a ideia merece ocupar o cume da hierarquia.
O demiurgo e o caos originário
Se o mundo inteligível é o eterno e imutável e, por sua vez, o protótipo
do qual deriva o mundo sensível, é o caso de se perguntar por que isso
acontece. Quem produz esse mundo material que nossos sentidos captam e que a
razão remete a um ser permanente e imutável? Para dar resposta a essa pergunta,
Platão introduz a figura do Demiurgo. É a figura da divindade, a expressão da
suprema sabedoria, cuja atividade consiste em produzir o sensível a partir da
condição perfeita e arquétipa das ideias. O Demiurgo atua, no entanto, sobre o
informe, sobre a matéria. A produção do sensível a partir do inteligível, que a
atividade demiúrgica efetua, opera sobre um espaço que Platão entende
como receptáculo. Trata-se de um "contínuo" que não foi
criado nem se pode destruir: é o caos originário, que em virtude da
ação fecundadora do Demiurgo se transforma em cosmos, em estrutura
ordenada e inteligível do ser.
Conhecimento sensível e conhecimento inteligível
O dualismo entre mundo sensível e mundo inteligível é extensivo também
ao conhecimento. De uma realidade que não é plenamente real, que é apenas
imitação de outra, não pode haver conhecimento no sentido forte da palavra:
pelo conhecimento sensível se conhecem coisas mas, uma vez que essas são cópias
das ideias, é um conhecimento de segunda ordem. Esse conhecimento vulgar é o da
maioria das pessoas, razão pela qual essa maioria vive como em uma espécie de
sonho. É o que Platão chama de doxa ou opinião. É o único a
que os habitantes da caverna têm acesso.
Mas é possível também chegar ao reino da verdade, se é que
somos capazes de despertar e ascender ao conhecimento das ideias. Essa ascensão
esforçada e penosa é factível por meio do amor à sabedoria, isto é, por meio da
filosofia, que permite chegar a um saber que já não é mera opinião, mas episteme (ciência),
um saber totalmente racional que não admite dúvidas nem disputas.
Conhecer é recordar: teoria da reminiscência
Nossos sentidos, materiais, só podem ter acesso aos objetos materiais.
Como podemos conhecer, portanto, as ideias, se essas são imateriais e estão,
além disso, em outro mundo? Por que temos a ideia de igualdade, embora nunca
tenhamos visto duas coisas absolutamente iguais? Por que sabe da ideia de
justiça, com toda a sua pureza, apesar de nossa existência como seres sociais
ter sido sempre injusta?
A resposta é a teoria da reminiscência. Além do corpo, o ser humano tem
uma alma, imaterial e imortal, e é ela quem conhece as ideias em uma existência
anterior. O conhecimento só é possível para nós se possuímos uma alma imortal.
A mesma argumentação serve a Platão para demonstrar a imortalidade da alma e
para justificar a possibilidade do conhecimento.
Em sua preexistência, a alma esteve em contato com o mundo inteligível e
ali adquiriu um saber. Quando entra em contato com o corpo, dando lugar a um
ser humano, a alma esquece todo o seu conhecimento. Sabe, mas não
sabe que sabe. Ao longo de sua existência corporal, no entanto, a alma terá
oportunidade de ir recordando, e aquilo que nos parece a aquisição
de algo novo é apenas a lembrança de um saber esquecido. A passagem do
conhecimento sensível ao conhecimento inteligível, a ascensão que
conduz da mera opinião ao saber da episteme, a contemplação da
verdade, que é concedida a quem é capaz de abandonar a escuridão da caverna —
isso se produz como reminiscência de um saber que já se
possuía.
Nesses aspectos da teoria platônica se percebem os vértices das
doutrinas órfico-pitagóricas, com sua crença na transmigração das almas — isto
é, a metempsicose — que tem uma origem claramente oriental.
A teoria da alma
Embora o ser humano seja constituído por corpo e alma, Platão não lhe
concede o mesmo grau de valor. É evidente que Platão, nas diferenças que
estabelece acerca da realidade ou acerca do conhecimento, sempre concede
prioridade àquilo que tem a ver com a ideia. No caso da relação entre corpo e
alma acontece a mesma coisa. O corpo é o cárcere da alma e sua vinculação é um
estado transitório. O lugar próprio da alma e a esse lugar a alma espera voltar
quando conseguir se libertar do corpo, quer dizer, quando este morrer. Mas o
retorno não é automático, pois a alma só pode voltar ao mundo das ideias quando
houver se purificado de seu contato com o corpo, e só se alcança a purificação
por meio do conhecimento. Enquanto não conseguir se purificar, a alma irá
transmigrando até a reincorporação definitiva ao mundo inteligível.
Platão distingue três funções ou partes da alma, e essa distinção lhe
permite fundamentar o seu estado utópico. As três partes da alma são a racional,
a irascível e a concupiscível, e as situa
respectivamente na cabeça, no tórax e no abdômen. Essa distinção parece
obedecer à constatação de que embora o corpo não possa nada por si mesmo, já
que a alma o dirige, na própria alma podemos distinguir inclinações ou
tendências. Uma tendência e evidentemente a racional, que permite o
conhecimento mas que também é capaz de orientar a ação ética e política. Mas
nem mesmo Platão é capaz de ignorar que no ser humano estão presentes inclinações
irracionais, no sentido de que não são governadas pela razão. Há paixões
nobres, como a ira que, impele o guerreiro no campo da batalha ou o desejo de
fama e honrarias. Mas também existem em nós paixões ignóbeis, exclusivamente
ligadas ao corpo e dependentes dele: os apetites mais baixos, os mais animais.
É preciso dominar essas últimas e colocar as nobres a serviço de nossa parte
racional.
A ética de Platão
Platão participa da convicção socrática de que os conceitos morais podem
ser estabelecidos mediante uma definição rigorosa e procura dotá-la de
fundamento e possibilidade, quando postula a existência das ideias. O bem,
a justiça e todos os nossos outros valores morais
são ideias. Portanto, sua definição é possível e não um simples
desejo. Quando possuímos essa definição, quer dizer, quando conhecemos os
valores morais tais como eles são em si mesmos, e não em suas imperfeitas
realizações humanas, teremos alcançado a vida virtuosa.
A virtude superior é a da justiça, vinculada diretamente a sua concepção
tripartite da alma. A cada parte da alma corresponde uma virtude, uma
disposição que lhe é própria. À parte racional corresponde a virtude da
prudência, a virtude própria do sábio, daquele que busca o conhecimento e
baseia nele seu comportamento ético-político. À parte irascível corresponde a
virtude da coragem ou da força. Essa é a virtude do soldado que põe acima de
tudo cumprimento do dever. À parte concupiscível corresponde a virtude da
temperança, que consiste em frear todas as tendências instintivas da alma. Além
destas três virtudes há uma outra, considerada fundamental por Platão: a
justiça. Esta consiste no acordo das três partes da alma, quer dizer, surge no
momento em que cada parte faz o que lhe é próprio fazer, o que significa que a
parte racional, sendo prudente, deve guiar a parte irascível, que deverá ser
corajosa, e ambas devem dominar o concupiscível, que será assim moderada.
O estado utópico
Platão estabelece uma clara correlação entre a alma e o estado: visto
que a alma tem essa estrutura tripartite, é preciso que essa estrutura se
reflita na organização do estado como sua única forma de garantia. Nessa república utópica
existem três classes sociais: aqueles a quem predomina a parte racional,
aqueles que possuíam a virtude da prudência e o verdadeiro amor à sabedoria,
são os que devem governar. São os governantes-filósofos, e só eles estão
capacitados para dirigir a vida política. Já aqueles em quem predominam as
paixões nobres e a virtude da força, que consagrem a sua vida à defesa do estado
e sejam seus guardiães, sempre dirigidos pelos governantes-filósofos.
Finalmente, aqueles que se deixam dominar por seus desejos instintivos, ainda
que devam aspirar à virtude da temperança, que sejam os que abasteçam a
comunidade tudo o que ela necessita para a subsistência: é a classe dos
produtores (artesões, lavradores e comerciantes). Sendo o bem da coletividade o
interesse máximo do Estado, Platão prevê um "comunismo" para as
classes superiores: abolição propriedade privada e da família. Desse modo,
governantes e guerreiros estão a salvo dos perigos da ambição pessoal ou de
casta, tão frequente na prática política.
O Estado será justo quando cada um dos seus membros desempenhar a função
para a qual se encontre mais capacitado, para a qual esteja dotado
naturalmente. O todo só funciona bem na harmonia das partes. (Temática
Barsa, 2005)
4 — Aristóteles
"O bem do homem nos parece como uma atividade da alma em
consonância com a virtude [...]. Mas é preciso ajuntar 'numa vida completa'. Porquanto uma
andorinha não faz verão, nem um dia tampouco."
Ética a Nicômaco
Aristóteles (384-322 a.C.). Filósofo grego, discípulo e crítico de Platão e o
mais renomado entre os filósofos de seu tempo. Aos 17 anos integrou-se à
Academia de Platão, onde permaneceu até pouco após a morte deste em 348-7 a.C.
Posteriormente foi designado tutor de Alexandre o Grande. Em 335 voltou para
Atenas, onde fundou uma escola e preparou uma coleção de manuscritos que se
tornou modelo para as bibliotecas que surgiram posteriormente.
Com
Platão, a maturidade idealista baseia-se na autoridade da razão. Com
Aristóteles, afirma-se outra orientação de igual sentido, mas baseada
na experiência, para construir a partir dela um sistema rigoroso.
A metafísica aristotélica
Para
Aristóteles, há a filosofia primeira, ou teologia — visto que trata
de Deus e dos seres imutáveis que estão acima das coisas sensíveis — e a filosofia
segunda, que é a física — visto que se ocupa da realidade do devir.
Andrônico de Rodes, no século I de nossa era, ao arrumar as obras de
Aristóteles em uma biblioteca, ordenou os livros da filosofia primeira depois
dos de física e se referiu a eles como "os que estão atrás da
física". Deste então, a metafísica é aquela parte da filosofia
que se ocupa do que está mais além do ser enquanto tal.
O conceito de substância
Platão
admitia uma separação entre o mundo das ideias e o mundo sensível. Para
Aristóteles, não há separação entre os dois mundos.
Ressalta
o valor do concreto. Com o objetivo de superar o dualismo platônico entre mundo
sensível e mundo inteligível introduz a noção de substância. Embora
atrás dela não consiga superar aquele dualismo, pelo menos reforça a ideia de
que o que realmente existe são as coisas de que temos conhecimento a partir da
experiência.
O
conceito de substância, que Aristóteles define como aquilo que existe por si
mesmo, aplica-se com total propriedade aos indivíduos concretos: esse lápis,
aquele homem... Nisso ele difere de Platão, para quem só o que existe por si
mesmo são as ideias, enquanto os objetos sensíveis, ao serem meras cópias das
ideias, não existem por si mesmos — existem por elas.
A
substância se distingue dos acidentes. Os acidentes não existem por
si mesmos: só têm existência na substância, que lhes serve de substrato ou
suporte. A substância é permanente e constitui a essência do indivíduo; os
acidentes são mutáveis e só lhe acrescentam a sua peculiaridade: podem mudar
sem que o indivíduo deixe de ser o que é.
Concepção hilemórfica do ser
Por serem
os indivíduos concretos as verdadeiras substâncias, Aristóteles faz do
movimento um problema central em sua filosofia. As substâncias são seres em
movimento, e Aristóteles propõe uma série de conceitos para explicá-lo. Em
primeiro lugar, os de matéria e forma.
A
substância é um composto de de dois elementos: matéria (hyle) e forma (morphé),
dos quais deriva o termo hilemorfismo para designar essa concepção. A matéria é
aquilo do que uma coisa é feita, e a forma é o que faz com que algo seja o que
é. Por exemplo, a matéria de uma mesa é a madeira, e a forma, a de mesa. Esses
elementos não podem existir separados: a matéria sempre está informada por uma
forma, e a forma informando a matéria. O importante aqui é destacar que a noção
de forma não é equivalente à de ideia platônica — à maneira de um protótipo
existente em um mundo à margem das coisas sensíveis, embora conectado necessariamente
com elas.
Potência e ato
Semelhante
à distinção entre matéria e forma é a de potência e ato,
que Aristóteles utiliza para explicar a estrutura do movimento. A potência é a
possibilidade de chegar a ser algo diferente, o ato é o que esse objeto é no
presente. O movimento é a passagem da potência ao ato; é a atualização de uma
forma que se encontrava em potência. Há uma estreita relação entre a matéria e
a forma e a potência e o ato: a matéria é potência, pois nela estão as
diferentes possibilidades do ser; a forma á ato. Ou seja, a matéria possui em
potência a forma que depois possuirá em ato.
Por meio
desses complexos conceitos metafísicos, Aristóteles procura conciliar o grande
problema do pensamento grego, ou seja, o caráter incompatível entre a
permanência e a imutabilidade do ser exigido pela razão, e a experiência de uma
realidade que é devir e que, em consequência, está sujeita à mudança e ao
desaparecimento.
O encaixe
metafísico aristotélico traz um novo caminho de solução para esse dualismo,
mediante uma explicação essencialmente dinâmica. O movimento é sempre o
movimento de uma substância e, portanto, há algo que permanece na mudança: a
própria substância, que é a que experimenta a mudança. O movimento era
impossível desde Parmênides, porque era entendido como uma passagem do não-ser
ao ser ou vice-versa, o que implicava contradição. Com Aristóteles, evita-se a
contradição ao se conceber que uma substância experimenta a mudança na
atualização de certas qualidades que tinha essa potência e que, portanto, já
existiam.
A noção de causa
Em geral,
entende-se por causa um acontecimento que provoca a existência
de outro — estando esse outro implicado na existência do primeiro. Com a noção
de causa, Aristóteles aborda outra dimensão da explicação do movimento.
São quatro as causas que determinam o movimento de um objeto: a
causa material, a causa formal, a causa eficiente e
a causa final. A causa material é a matéria, a causa formal é a
forma, a causa eficiente é o agente do movimento e, por último, causa final é a
finalidade do movimento — o para quê. Numa estátua, por exemplo, vemos que a
primeira é a matéria de que ela é formada (bronze, mármore etc.), enquanto a
segunda é a que gerou a forma concreta da estátua (um soldado, um magnata, um
monarca etc.). No exemplo anterior, a causa eficiente é o cinzel com que o
escultor esculpiu a estátua, enquanto a causa final constitui o objetivo que o
artista buscou no momento de realizar sua obra.
Deus: motor imóvel
Aristóteles não esclarece suficientemente a existência da matéria como
entidade privada de qualquer forma. Em contrapartida, no entanto, defende com
vigor a existência de uma forma pura privada de matéria. Essa forma pura é
Deus.
Deus é o primeiro motor imóvel, e Aristóteles argumenta da
seguinte maneira. Tudo o que se move precisa de um motor (A é
movido por B, esse por C, e assim sucessivamente). Mas
é impossível que haja uma cadeia infinita na série dos motores e é preciso que
haja um motor que seja o primeiro. E esse motor tem que ser imóvel, para não
precisar, por sua vez, ser movido por algo e continuar assim até o infinito.
Deus é, de acordo com a concepção aristotélica, o motor imóvel do Universo.
Move sem ser movido porque ele é o fim, a causa final, de todos os movimentos;
todos os seres do Universo aspiram à imobilidade e à perfeição divinas, embora,
por certo, nunca as consigam. Deus não se "move" porque nele não há
nenhuma potência que deva se transformar em ato. Em outras palavras: Deus
é ato puro, forma sem matéria, e por isso mesmo perfeito, já que
não tem nada a alcançar, já que o é em ato. Nesta imobilidade que constitui a
sua perfeição, não cabe pensar que crie a matéria — o conceito de criação a
partir do nada é alheio ao pensamento grego — nem que intervenha no mundo
(imperfeito). Sua única atividade, se é que se pode falar nesses termos, é a
atividade imaterial por excelência: o pensamento puro, mas não pensamento sobre
outra coisa, e sim pensamento de si mesmo, autocontemplação. Nisso se encontra
o gozo da felicidade eterna e é, para os humanos, o ideal perfeito e realizado
do sábio.
A física
A física aristotélica não se refere ao estudo das leis do movimento e da
matéria inanimada. Esse é um conceito atual da física. No sistema aristotélico,
a física (ou filosofia natural ou mesmo filosofia da
natureza) trata da "essência dos seres que possuem em si mesmos e
enquanto tais o princípio de seu movimento". Ou seja, estuda tudo aquilo
que tem um modo de ser que lhe é próprio (em contraposição à arte, por exemplo,
ou ao que é convencional). Para Aristóteles, a natureza (physis) é
"um princípio e uma causa de movimento e de repouso para a coisa na qual
reside imediatamente por si e não por acidente".
Na física aristotélica, podem-se distinguir cinco modos de ser: a terra,
o fogo, a água, e o ar (que são os quatro elementos de Empédocles) e um quinto
elemento ou quintessência, que é o éter. Os quatro primeiros se encontram no
mundo sublunar; o último é o elemento próprio do mundo celeste.
No mundo sublunar, os modos do ser que provêm dos quatro elementos são
corruptíveis. Os seres celestes constituídos pelo éter são, em troca,
incorruptíveis e com um movimento circular eternamente idêntico. A concepção
aristotélica de que Céu e Terra têm naturezas diferentes marcará negativamente
a evolução da física medieval e só será superada na ciência moderna.
O movimento
Para Aristóteles, o movimento ou devir se desenvolve em quatro tipos
fundamentais (entendendo-se que em cada um deles se realiza a passagem da
potência ao ato). O movimento substancial se refere à geração
e corrupção de seres; o movimento qualitativo é a modificação
das qualidades; o movimento quantitativo tem a ver com o
aumento e a diminuição; e o movimento local constitui o movimento propriamente
dito e se distingue, por sua vez, em movimento natural e movimento violento
(artificial).
O movimento natural se subdivide, ainda, movimento para o alto ou para baixo
e em movimento circular. O primeiro é característico do mundo sublunar: é
imperfeito e ocorre na terra, no fogo, na água e no ar, quer dizer, entre os
elementos que ao se misturarem dão lugar aos seres mutáveis, sujeitos à
corrupção e à morte. O movimento circular em contrapartida, é geometricamente
perfeito e corresponde aos astros: produz-se no éter, elemento eterno e
incorruptível.
Estas ideias da física aristotélica constituem a base de uma cosmologia
que, posteriormente, será completada por Ptolomeu. Como isso se forma um modelo
geocêntrico do Universo, que permanecerá praticamente inalterado até a
revolução científica do século XVII.
A psicologia aristotélica
A alma, como princípio dos seres vivos, é estudada por Aristóteles não
em sua obra metafísica, mas na parte destinada ao estudo da natureza, isto é,
na física.
Na psicologia aristotélica, distinguem-se três tipos de alma: a vegetativa,
a sensitiva e a racional. São gradações que
correspondem às plantas, aos animais e ao seres humanos — nos quais, por certo,
as três se integram numa unidade indissolúvel. À alma racional corresponde o
pensamento. No entanto, esse processo intelectivo que é próprio da alma
racional só é concebível se existir um intelecto ativo. A alma,
segundo Aristóteles, possui a capacidade de receber todas as formas. Ou seja,
como intelecto, é potência, capacidade de conhecer as formas e, por isso, é ato
capaz de atualizar essa potencialidade.
Esse intelecto ativo foi interpretado na posteridade como o reduto da
imortalidade da alma, como a parte eterna e incorruptível da alma humana. Os
problemas que essa noção coloca, a respeito de ser ou não uma substância
separada dos indivíduos, são algo que o próprio Aristóteles não deixou
claro.
A lógica
Aristóteles foi o criador da lógica. É curioso que não inclua a lógica
nem no compartimento das ciências teoréticas nem no das ciências práticas. Isto
ocorre porque ele considera a lógica como um instrumento (Organon) que
se deve adquirir antes de se adentrar em qualquer das ciências particulares.
Primeiro, é preciso saber em que condições se dá o pensamento e qual é seu
alcance.
Na tradição socrática e platônica, Aristóteles defende que só existe
ciência (episteme) do universal e necessário. Portanto, se queremos ter
um conhecimento científico da realidade, quer dizer, das coisas particulares, o
único procedimento válido é relacioná-las necessariamente com o universal:
deduzir o particular do universal. É essa ligação, a do particular com o
universal, que a lógica nos ajuda a esclarecer.
As categorias
No vértice do universal se encontram alguns
conceitos que já não podem derivar uns dos outros: são os gêneros supremos das
coisas que constituem a base de todo o saber. Aristóteles denomina-os de categorias e chega a distinguir dez
delas: substância ("homem",
"cachorro"), quantidade
("três ou quatro palmos"), qualidade
("preto" ou "vermelho"), relação ("maior", "menor", "médio"), lugar ("na cidade", "no
campo"), situação
("sentado", "deitado"), posse
ou condição ("vestido",
"armado"), ação
("corre", "luta") e paixão
("perturbado", "desgostoso").
O julgamento
Na lógica aristotélica, o julgamento é estudado como uma proposição,
quer dizer, como afirmação ou negação de um predicado, acerca de determinado assunto.
Uma proposição é simples ou composta conforme se possa decompor ou não em
outras proposições. Os nomes e os verbos constituem as partes da proposição e
não são nem verdadeiros nem falsos. Só o julgamento é verdadeiro ou falso. A
verdade de uma proposição é dada por sua correspondência com a realidade, já
que é nesta que se encontra a ligação ontológica que o julgamento
gramaticalmente expressa.
O silogismo
Além do julgamento, há a doutrina do silogismo. Por
silogismo, deve-se entender aquele "argumento no qual, estabelecidas
certas coisas, resulta necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa
diferente das estabelecidas anteriormente".
Como raciocínio dedutivo, o silogismo contém uma conclusão
necessariamente derivada das premissas. No exemplo clássico, a conclusão do
julgamento "Sócrates é mortal" deriva das premissas: "Todos os
homens são mortais" e "Sócrates é um homem". Curiosamente, no
entanto, esse é um silogismo falso do ponto de vista lógico: não tem forma
condicional ("Se todos os homens..."), nem as duas primeiras
proposições estão ligadas por uma conjunção, nem todos os termos que introduz
são universais ("Sócrates" é um termo singular").
Na forma usada por Aristóteles, um silogismo correto é o que mantém o
seguinte esquema: Se A é predicado (é verdadeiro) de
todo B e B é predicado de todo C,
então A é predicado (é verdadeiro) de todo C.
Os três princípios da lógica
O silogismo não leva à aquisição de uma nova verdade, já que a conclusão
não deve conter nada que já não esteja contido nas premissas. No entanto,
Aristóteles o considera um instrumento necessário, sempre e quando se baseia em
dados reais recolhidos por meio de um processo de indução, que consiste na
passagem do particular ao universal. Se os dados da conclusão são falsos,
também será sua transformação em premissas de um silogismo.
Para Aristóteles, qualquer conceito que passa a fazer parte de um
silogismo se subordina ao que lhe considera os três princípios fundamentais da
lógica: O princípio de identidade afirma que toda coisa é
igual a si mesma (A=A). O princípio de não-contradição diz
que é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto (A não pode ser B e não-B). O princípio
do terceiro excluído enuncia que A resultará em B
ou em não-B, estando excluída qualquer outra possibilidade.
Estes três princípios são ao mesmo tempo lógicos e ontológicos, quer
dizer, referem-se tanto à linguagem quanto ao ser. Aristóteles defende que
constituem o ponto de confluência dos dois.
A filosofia prática
Na divisão aristotélica do saber, a ética e a política se inscrevem na
esfera da filosofia prática. Devido a isso, não têm a pretensão de ser exatas,
uma vez que a exatidão só é próprio das disciplinas teoréticas.
A ética é em Aristóteles, acima de tudo, uma ética do senso comum. Dela
se disse que foi feita na medida do homem, porque sua exigência primordial é a
de que a felicidade (eudaimonia), máximo bem a que é possível aspirar,
deve ser alcançada nesta Terra.
Virtudes — modos de comportamento que ocupam um exato meio-termo entre o
excesso e a coerência — devem ajudar a atingir esse fim. Algumas têm um caráter
prático, como a justiça, a prudência e a temperança: são as virtudes éticas propriamente
ditas. Outras têm um caráter intelectual: são as virtudes dianoéticas,
que emanam de uma atividade racional.
Existe uma estreita ligação entre ética e política, já que não é
possível alcançar a felicidade fora do limite da coletividade. O homem é um
animal político (zoon politikon) e seu fundamento se encontra na
família, no grupo, na cidade, ou no estado, conforme seja o grau de evolução da
comunidade a que pertence.
Contemporâneo como Sócrates e Platão da pólis, a cidade-estado grega,
Aristóteles não se inclina tanto por uma forma concreta de governo (seja ela
monárquica, aristocrática ou democrática), e sim pela organização racional da
comunidade. Essa organização racional é dada pela Constituição. A
Constituição transforma a coletividade em um organismo político no qual os cidadãos
se vinculam racionalmente entre si por intermédio de leis.
Poética
A Poética trata da tragédia e da epopeia, do ponto
de vista da poiésis, ou produção de obras. Aristóteles afirma que a
poesia é imitação (mimésis), embora não se trate de um simples decalque
da realidade: nela se recria uma ação na qual se representa o
que poderia ocorrer a cada um dos seres humanos.
Aristóteles recusa a condenação platônica da arte e exalta seu valor
como catarsis ou purificação das turbulentas paixões da alma:
o espectador se liberta de suas paixões sentido-as imaginariamente. (Temática
Barsa, 2005)
5 — Pensamento Helenístico
Platão e Aristóteles constituem a tradição
dominante do pensamento grego, mas não são a única. Na época helenística, que
começa quando Alexandre o Grande chega ao Poder (336 a.C.), surgiu três novas
escolas filosóficas que têm um lugar próprio na história do pensamento: o
epicurismo, o estoicismo e o ceticismo. O ponto comum às três escolas é a
ênfase numa ética de caráter individualista na qual a busca da felicidade se
torna prioridade. Isto é consequência do fim da pólis e da formação do poderoso
estado alexandrino: o indivíduo perde sua capacidade de intervenção na vida
política e se retrai a uma esfera privada, na qual aspira apenas a cultivar a
si mesmo.
O epicurismo: uma filosofia materialista
A filosofia de Epicuro (341-270 a.C.), fundador
dessa doutrina materialista, situa-se no extremo oposto das teorias
de Platão e Aristóteles, e afirma ser continuador do atomismo de Demócrito. Seu
materialismo o leva a rechaçar, em primeiro lugar, todo vestígio de
transcendência — só existe um mundo, este é totalmente material — e,
em segundo lugar, coloca o conhecimento inteligível separado do sensível: a
sensação é o fundamento do conhecimento. Tudo o que existe é material inclusive
a chamada "alma". A morte de um indivíduo humano é o desaparecimento
de corpo e alma. Não existe, portanto, nem imortalidade nem um "mais
além": não há outros mundos fora deste. Apesar disso, um dos aspectos mais
notáveis da moral epicurista é, precisamente, o ensinamento de que a morte não
é algo a se temer. Não se deve ter medo da morte porque, sendo a morte a perda
de todas as sensações depois dela não experimentamos nada. Quando estamos vivos
a morte não está presente, e quando ela se apresenta nós já não somos —
nada pode nos acontecer. Epicuro é um dos primeiros filósofos a afirmar
que o medo torna os humanos escravos e que é preciso refletir cuidadosamente
sobre o fundamento de nossos temores, com a clara intenção de dissipá-los.
A vida é tudo o que temos: é preciso vivê-la. A
busca da felicidade é a busca do prazer. Convém não confundir o
epicurismo com o hedonismo, que busca o prazer a todo o custo. Às vezes é
inevitável certa cota de dor. A cada um cabe refletir sobre o que mais lhe
convém, tendo em conta que o ideal da vida é alcançar a ataraxia —
a tranquilidade do espírito que evita cair na dor decorrente da carência ou do
excesso de prazeres — e a autarquia — autossuficiência, não depender
de nada a não ser de si mesmo, encontrar satisfação com pouco, uma vez que o
desejo de abundância nos torna dependentes do objeto. O sábio epicurista sabe
que desejar o que está fora de seu alcance é loucura, e também sabe que existem
momentos na vida em que a dor se apresenta e o prazer se ausenta. Sabe,
portanto, combater a dor sem se queixar, relembrando os momentos felizes; e
sabe que os pequenos prazeres, os mais modestos, são os mais exequíveis e, por
isso, mais prazerosos.
O estoicismo
O estoicismo, cujo fundador foi Zenão de Cicia
(335-264 a.C.), exerceu uma enorme influência em épocas posteriores, sobretudo
no que se refere à ética. O estoicismo terá grande importância na época romana
(com Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio). Nos séculos XVI e XVII, ocorre na
Europa um vigoroso renascimento das concepções estoicas, que influenciarão
Descartes, Kant e Hegel, entre outros autores. É importante também a
contribuição dos estoicos para a lógica aristotélica e o rigor que introduzem
na terminologia gramatical.
A física estoica concebe o mundo como um todo
unitário e harmonioso, regido pela necessidade inflexível de uma lei universal
(logos, razão). O homem constitui uma parte deste universo harmonioso e
deve se submeter à ordem universal, deve aprender a viver de acordo com a
natureza, e isso equivale a viver orientando-se pela razão. A razão nos permite
conhecer essa ordem, mostra-nos a necessidade presente naquilo que acontece e
nos ensina que é uma quimera pretender alterá-lo.
A vida de acordo com a razão é a vida do sábio,
conforme acabamos de ver, mas também a do virtuoso. Mais uma vez, sabedoria e
virtude se identificam. Dada essa lei inexorável, o sábio só pode aspirar
à ataraxia, à serenidade do espírito e à imperturbabilidade.
Para isso, é preciso não apenas aceitar a ordem do Universo — e o
estoicismo dá a isso uma enorme importância — mas também libertar-se das
paixões (pathos), pois essas nos escravizam. Nisto consiste a apatia.
O sábio não deseja nunca o que está fora de seu alcance e suporta as
adversidades sem se alterar, já que, se elas não dependem de nós, nada podemos
fazer para evitá-las, a não ser procurar que nos produzam o mínimo de dor
possível. Um homem assim há de ser, inevitavelmente, feliz.
O ceticismo
O ceticismo vai encontrar essa tranquilidade de
espírito, que constitui o ideal dos epicuristas e dos estoicos, não numa
doutrina própria, mas na recusa de qualquer doutrina. Pirro de Élida (365-275
a.C.), iniciador dessa corrente que tem os sofistas como predecessores,
considera que a razão não pode penetrar na essência das coisas e aconselha a
suspensão do julgamento e o hábito da dúvida diante de todas as questões.
A partir dessa postura frente ao problema da
verdade, Pirro desenvolve uma ética da imperturbabilidade (ataraxia): já que
nada sabemos com certeza sobre as coisas do mundo, tudo deve nos deixar em
absoluta indiferença — e que nada perturbe nosso espírito.
Nas versões modernas do ceticismo, a suspensão do
julgamento se transforma em uma atitude de temor em relação à possibilidade de
conhecimento, ou na afirmação de que nosso conhecimento é limitado e não chega
a aprofundar-se na realidade, ou na convicção de que o conhecimento é
apenas provável, sem jamais ter certeza total sobre as coisas.
6 — O Pensamento Trágico
Depois dos pré-socráticos, e ainda no século V
a.C., o pensamento grego concentra sua atenção no homem. Já não se trata de
revelar, por meio da razão, os mistérios da natureza, mas de se perguntar
diretamente pelo sentido da vida humana, por aquele destino dos homens que,
naqueles momentos, aparece ainda nas mãos do destino, quer dizer, governado
pelos deuses e sem possibilidade alguma de escapar à sua determinação
fatalista.
Na Atenas desse período surgem os sofistas. Sua
filosofia retórica e cética está relacionada com o espírito trágico, uma
mentalidade caracteristicamente grega forjada diante da experiência universal
da dos humanos. Essa visão trágica do mundo está presente em todo o pensamento
grego, mas nessa época ocupa o primeiro plano, devido à cultura filosófica
dos sofistas.
O espírito da tragédia
As raízes da tragédia, considerada como gênero
dramático, encontram-se na Grécia arcaica e estão ligadas desde a origem ao
culto a Dionísio. Divindade complexa e ambivalente, Dionísio é a expressão da
vida como contradição e como agonia (que em seu sentido primitivo significa
"luta, combate"). Quando se afirma que os gregos tinham uma
mentalidade trágica, aponta-se de imediato para essa ideia de existência como
luta entre os opostos (entre a vida e a morte, o prazer e a dor, a evolução e a
involução, a unidade e a multiplicidade). A existência humana está cheia de
contradição e, o que é mais importante, reproduz-se em virtude delas.
O espírito trágico, portanto, não está associado
unicamente a um gênero literário específico — a tragédia —, mas impregna a
própria raiz do pensamento grego. Pode-se afirmar até que toda a filosofia
grega constitui uma resposta a esse sentido trágico da existência.
A experiência da dor
O pensamento trágico, no entanto, surge, antes de
tudo, diante da experiência da dor, uma dor que é universal. Não que existam
indivíduos felizes e outros infelizes, e sim que o sofrimento é o quinhão mais
bem repartido da vida humana: atinge a todos, mais cedo ou mais
tarde. Ninguém escapa dele.
Os gregos começam a descobrir essa experiência na
própria natureza: exuberante e fertilíssima, doadora de vida, é também destruidora
e mata aquilo que criou. É o destino, seu caráter intelectual, seu
fatalismo; é o fado.
A experiência da culpa
Na vida trágica, entendida como contradição, é
difícil orientar-se. Diante de qualquer conflito, a situação é em si ambígua.
Isto sempre fica bem claro nos personagens das tragédias: são culpados e
inocentes ao mesmo tempo; agiram mal, mas talvez não pudessem ter agido de
outro modo; ou talvez tenham agido com a melhor das intenções e provocaram
consequências funestas.
Num mundo em que a escolha moral é tão
problemática, a culpa está sempre presente em toda ação. Aparece então como
castigo dos deuses, como destino inelutável. É revelador o fato de que a noção
de causa — fundamental para o desenvolvimento de uma filosofia
posterior como a aristotélica — fosse em suas origens um termo jurídico que
entre os gregos designava precisamente ação de "acusar". Assim, o
fundamento ou a origem de algo remete em seus inícios à ideia de culpa.
O espírito trágico na filosofia
Na segunda metade do século V a.C., a mentalidade
trágica penetra na filosofia por intermédio dos sofistas. O
desenvolvimento das trocas comerciais, o aumento da riqueza e a
maior participação na vida politica são fatores que agravam o jogo de
interesses opostos na vida da pólis.
A necessidade de se orientar entre as diferentes
opções de vida e de poder distinguir entre o verdadeiro e o falso passa então a
ocupar o primeiro plano. Não é por acaso que nessa época florescem os grandes
trágicos Ésquilo, Sófocles e Eurípides.
Ainda mais importante, porém, do ponto de vista
filosófico, é a resposta que o pensamento dá ao sentido trágico da vida. Os
sofistas, ao orientarem os comportamentos públicos por meio da transmissão de
conhecimentos sobre como se deve agir, satisfazem uma necessidade mais
decisiva: a de arrancar a vida do homem do fatum, da
inevitabilidade do destino nas mãos dos deuses. Essa tarefa atingirá o apogeu
com Sócrates e permitirá depois o amplo desdobramento do
pensamento platônico aristotélico.
7 — A Ciência no Mundo Clássico
A aplicação do conhecimento humano para
satisfazer às necessidades do homem se confunde com as origens da humanidade.
Alguns milênios antes da nossa era, a astronomia e as matemáticas atingiram um
desenvolvimento considerável em algumas civilizações do Oriente Médio. O
conhecimento científico e técnico vem de muito longe.
No entanto, o nascimento da ciência
como tal (quer dizer, como conjunto de conhecimentos objetivos e sistemáticos
acerca da natureza e do homem) ocorre na Grécia, a partir do ano 600 a.C. e é
inseparável das origens e da evolução do próprio pensamento filosófico.
Filosofia e ciência nascem juntas,
formam uma unidade, e só a partir da época helenística é que se pode estudar o
conhecimento científico como resultado específico e, até certo ponto, à margem
do conhecimento filosófico.
A filosofia e a ciência na Grécia
Na época em que nasce o pensamento e científico
(isto é, a partir de 600 a.C.), os gregos dominavam um conjunto considerável de
conhecimentos técnicos herdados, em parte, de civilizações anteriores. Temos um
testemunho direto desse alto nível tecnológico a partir da arquitetura, da
escultura e da cerâmica gregas que chegavam até nós. Ao mesmo tempo, aparece
documentado que os gregos possuíam amplos conhecimentos nos mais
diversos campos, como, por exemplo, a engenharia e a metalurgia, a astronomia e
a navegação, a agronomia e a mineralogia ou a anatomia e a fisiologia.
Uma característica do espírito grego, no entanto, é
a divisão do saber em duas ramificações: de um lado, o pensamento puro; de
outro, o conhecimento que leva à transformação da natureza, próprio da ciência
aplicada. Para os gregos, o ideal consistia no saber puro, não no fazer, e o
bem supremo era compreender por meio de um caminho contemplativo os enigmas do
homem e do Universo.
Essa distinção talvez explique a ausência do termo
"científico" no mundo grego. Naturalmente, havia palavras para
diferenciar a atividade dos que se dedicavam à botânica, à medicina ou à
arquitetura. No entanto, o que atualmente entendemos por científico é algo que
os gregos associavam pura e simplesmente com a condição de filósofo. Da mesma
forma, embora dispondo de uma palavra para designar a ciência, a episteme,
essa era vista como aquele conhecimento acima de qualquer dúvida,
incontroverso, totalizante, que se adquire com a filosofia. De modo que
filósofo e cientista, assim como filosofia e ciência, são, no início, uma mesma
pessoa e uma mesma coisa. Por isso, quando se fala que a ciência nasce na
Grécia, alude-se diretamente a essa capacidade de generalização e
objetivação de que o conhecimento puramente aplicado necessita para
transformar-se em conhecimento científico. Essa capacidade de abstrair e de
formular, de converter em lei objetiva os fenômenos observados na
natureza, que é característica da ciência, provém da filosofia. A ciência surge
com a filosofia e da filosofia, e por isso se diz que nasce na Grécia, e não
nas civilizações do Oriente Médio, apesar do elevado grau de conhecimento
técnico-científico que essas possuíam.
A evolução da ciência no mundo clássico
Na época dos pré-socráticos, a identificação entre
filosofia e ciência é total. Não é possível separar uma da outra na obra de
Tales de Mileto, Pitágoras ou Empédocles. Depois, no período ateniense que vai
de 480 a 300 a.C., as atividades científicas começam a se diferenciar de
filosofia. Sócrates, por exemplo, qualificava de inferiores as ocupações no
campo da medicina ou da astronomia. A grande figura é a do filósofo-cientista,
como Platão. Mas é sintomático que em sua época floresça a
atividade naturalista e científica da medicina hipocrática, assim como o
fato de que a investigação de base empírica seja uma das grandes preocupações
de Aristóteles e de sua escola.
A ciência, em sua acepção própria, e
diferenciada da filosofia, destaca-se plenamente como tal durante o período
helenístico. Essa é a época de Euclides, Arquimedes e Hiparco, quer dizer, de
homens que já são cientistas em toda a sua plenitude. Sua atividade se
desenvolve em Alexandria, que já tinha substituído Atenas como capital
científica e cultural do mundo grego e está associada à primeira grande
instituição com categoria científica da história: o Museu de Alexandria.
A ciência no mundo clássico evolui, por fim, no
Império Romano, para uma nova fase que, sem ser original, segue as diretrizes
do período anterior e, em alguns casos, aprimora-as. O aperfeiçoamento da
técnica é bem característico dessa etapa, em que Roma suplanta
Alexandria.
8 — Bibliografia Consultada
TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.
São Paulo, fevereiro de 2016.
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