02 novembro 2025

Filosofia Clássica e Helenismo (Algumas Notas)

1 — Os Sofistas. 2 — Sócrates. 3 —Platão. 4 — Aristóteles. 5 — Pensamento Helenístico. 6 — O Pensamento Trágico. 7 — A Ciência no Mundo Clássico. 8 — Bibliografia Consultada.

1 — Os Sofistas

O triunfo da democracia em Atenas (século V a.C.), seu esplendor econômico e cultural, juntamente com sua preponderância política na Grécia, provocaram uma situação inédita que levantou novos problemas e orientou para outros rumos a especulação filosófica: do problema da physis ao problema antropológico. Problemas práticos - política, moral, religião, educação, linguagem etc. - ocuparam os novos personagens da época, os sofistas. Sua atitude relativista em política, em moral, chegando mesmo a questionar a possibilidade de um conhecimento verdadeiro e comum - era expressão do espírito da época. A democracia supõe conceder valor à opinião e, portanto, à diversidade de pontos de vista, o que é incompatível com a defesa de uma verdade absoluta. 

O movimento sofista

Dá-se o nome de sofistas a um conjunto de pensadores gregos que florescem na segunda metade do século V a.C. e que têm em comum, ao menos, os fatos de terem sido os primeiros educadores profissionais (organizavam cursos completos e cobravam grandes quantias para ensinar) e de que entre seus ensinamentos a retórica e um conjunto de disciplinas humanísticas (política, moral etc.) ocupavam lugar de destaque. O advento da democracia trouxe consigo uma mudança notável na natureza da liderança: a linhagem já não era suficiente, e a liderança política passava pela aceitação popular. Numa sociedade onde a assembleia do povo tomava as decisões e onde a aspiração máxima era a vitória, um político precisava dominar a arte de convencer, a arte de persuadir as massas de que a sua era a melhor proposta. Precisava, além disso, ter certas ideias a respeito da lei, a respeito do justo e do conveniente, e também a respeito do Estado. Eram esses os ensinamentos que os sofistas proporcionavam.

A palavra "sofista" foi, no princípio, um sinônimo de "sábio" (sophos). Depois, o termo ganhou o sentido pejorativo de hábil enganador. Isso mostra até que ponto os sofistas foram personagens controvertidos em sua própria época. Na atualidade, os sofistas encontraram mais compreensão e estima: são considerados os criadores de um movimento que mereceu o nome de "iluminismo grego".

Atitude comum dos sofistas: relativismo

Os sofistas não formaram escola nem defenderam uma doutrina comum, mas apresentam algumas coincidências - fundamentalmente, sua atitude relativista e até cética. Sua vontade pouco dada à especulação abstrata levou-os a aceitar os sentidos como fonte válida do conhecimento, ao contrário do que sustentavam alguns pré-socráticos, sobretudo a partir de Parmênides. Se os sentidos mostram coisas diferentes a indivíduos diferentes, como decidir qual deles está de posse da verdade? A verdade é relativa a cada um: não há verdade absoluta, cada coisa é o que parecer ser para cada um. Seu relativismo os conduz com frequência ao ceticismo: se cada humano tem sua verdade, faz sentido falar de conhecimento ou de verdade? Mas também nos problemas do homem e da sociedade eles se mostram relativistas: tinham podido comprovar em suas numerosas viagens que não há dois povos que tenham as mesmas leis nem os mesmos costumes.

Convencionalismo da lei

A constatação de que outros povos têm culturas diferentes - com leis, normas, costumes e valores morais totalmente diferentes das que eles, os gregos, pensavam ser as únicas possíveis - trouxe para o centro da discussão filosófica o tema do convencionalismo das leis (nomos). Até esse momento, as leis eram consideradas como algo inamovível, absoluto e comum - eram por natureza; a partir de agora, as leis são vistas como uma criação convencional, arbitrária e provisória, relativas, portanto, à comunidade ou até ao próprio indivíduo.

Os sofistas defendiam o caráter convencional não apenas das instituições políticas, mas também das normas morais: o que se considera bom e mau, justo e injusto, não é universalmente válido e imutável.

Alguns sofistas importantes

Protágoras (480-410 a.C.) foi o sofista mais destacado do seu tempo. Sustentava que existem tantas verdades quantas opiniões e tantas opiniões quantos homens. O único critério para distinguir o verdadeiro do falso era a utilidade e também a opinião da maioria. Assim, as leis da pólis eram apenas convenções sancionadas por uma opinião majoritária. Pode-se resumir o fundamental de sua filosofia na sentença: "o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são". Também é muito característica de seu pensamento sua teoria dos "raciocínios duplos": "Em toda questão, há dois raciocínios opostos entre si", quer dizer, de cada coisa se pode dar sempre duas versões opostas, já que, se não há verdade, um juízo é tão válido quanto seu contrário. Outro sofista importante, Górgias (484-375 a.C.), sentenciava que tudo o que existe é pura aparência. Chegava a sustentar que, se alguma coisa existisse verdadeiramente, das duas uma: ou não poderíamos conhecê-la bem, ou, se a conhecêssemos, não poderíamos comunicar isso. Seu ceticismo era total. Menos céticos eram Trasímaco e Calicles, que viam no direito do mais forte a expressão de uma lei natural, não convencional. Hípias, em troca, sustentava que a autêntica lei natural se expressa por meio do princípio de igualdade entre os homens. 

Compreende-se que os sofistas fossem alvo de tantas críticas. Os grandes filósofos gregos, como Sócrates, Platão e Aristóteles os consideravam perigosos e elaboraram parte de suas próprias concepções como respostas destinadas a demonstrar o espírito da sofística, tão arraigado, por outro lado, na época. 

2 — Sócrates

"A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida." Citado por Platão, em Apologia a Sócrates

Sócrates. Nasceu em Atenas, em 470/469 a.C., coincidindo com o fim das guerras médicas pelas quais os gregos puseram fim à hegemonia dos Persas no Mediterrâneo. Morreu em 399 a.C. Tudo o que sabemos de Sócrates veio pelos testemunhos de Platão, Xenefonte e Aristóteles.

Sócrates concebeu a filosofia como uma busca coletiva cujo instrumento é o diálogo e cujo objetivo, a clareza sobre a própria existência, tanto em sua dimensão individual quanto em suas relações com outros membros da comunidade. Sócrates exerceu sua atividade filosófica em Atenas, sempre na rua, pondo os seus interlocutores contra a parede com suas armas dialéticas. Seu propósito era combater os preconceitos, questionar as falsidades, destruir o discurso demagógico dos poderosos, forçar seus concidadãos à reflexão permanente. Tornou-se um personagem muito incômodo — ele mesmo se autoqualificava de "mosca" — e foi acusado de haver profanado as crenças religiosas da cidade e de corromper a juventude. Foi condenado á morte, e embora considerasse a sentença uma injustiça, acatou-a com dignidade.

"Conhece-te a ti mesmo"

A filosofia não é para Sócrates uma simples especulação filosófica. A filosofia não pode estar desligada da própria vida, entendendo-se que a vida é algo não apenas pessoal, mas tem uma dimensão pública — política, por ser da pólis — da qual não se pode prescindir. Essa atitude está condensada na máxima favorita de Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo". Na tradição mítica, essa sentença foi proferida pelo deus Apolo, e estava gravada no frontispício do oráculo de Delfos. 

A filosofia é diálogo, é um questionamento comum a partir da linguagem no qual nenhum dos interlocutores possui a verdade, mas deve tratar de buscá-la. Cada homem possui dentro de si uma parte da verdade, mas deve descobri-la com a ajuda dos outros. Sócrates foi o primeiro a pôr a busca racional da verdade no centro de cada vida. Talvez o ser humano jamais possa encontrar a verdade — de fato, muitos diálogos socráticos, tais como Platão testemunhou, acabavam sem conclusão definitiva —, mas não pode renunciar a ela. É isto o que constitui a verdadeira dimensão humana: pensar por si mesmo — ainda que seja em comum —, libertar-se das opiniões preconcebidas, exercer constantemente a crítica em relação ao que parece evidente, a opinião da maioria, o que o costume ou a tradição determina. 

Ironia e maiêutica

Trata-se de encontrar a verdade no diálogo, mas ela não pode ser simplesmente o resultado de um acordo entre os interlocutores, uma vez que poderiam chegar a um acordo injusto. Se não se encontra a verdade buscada, pelo menos as opiniões sem fundamento terão ficado para trás. Mais até: não existe nenhuma possibilidade de chegarmos à verdade sem nos libertarmos daquilo que acreditamos saber, mas que na realidade não sabíamos e sem reconhecer dessa forma nossa ignorância. "Só sei que nada sei", diz Sócrates. A ignorância constitui a condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece sua ignorância está predisposto para o questionamento da verdade; quem acredita que sabe não iniciará nenhum caminho, uma vez que acredita que já está de posse desse saber. 

O método utilizado por Sócrates é o diálogo dirigido conhecido como dialética, e que consiste na arte de fazer perguntas. O método consta de duas fases: a ironia e a maiêutica.

Para chegar a esse estado prévio de "não-saber", Sócrates lança mão da ironia. É a forma negativa do diálogo, a arma pela qual se refutam os falsos argumentos do opositor, sua presunção do saber. A ironia consiste em levar o interlocutor, seguro de que sabe do que está falando, até a ignorância que se esconde nesse suposto saber. Sócrates se esconde ingenuamente nesse não-saber para deixar o interlocutor diante de sua própria perplexidade quando se dá conta de que não sabe aquilo que acreditava saber.

Depois vem a forma positiva do diálogo, a maiêutica, que Sócrates diz ter aprendido com sua mãe, que era parteira. A maiêutica é a arte de dar à luz — no caso do método socrático, a arte de iluminar a verdade do interior do próprio interlocutor. Sócrates não gera a verdade, apenas abre caminho para que ela veja a luz. 

A descoberta do conceito

O pressuposto do método socrático é o de que é possível conhecer a verdade por meio da razão. A superação do ceticismo dos sofistas é factível porque o homem é capaz de pensar conceitualmente: da multiplicidade, sabe colher a unidade e diante de duas alternativas chega a conhecer qual é a verdadeira. Sócrates entrou para a história como o descobridor do conceito, no sentido de que esse filósofo é o primeiro a se dar conta de que só por meio desse pensamento conceptual é possível atingir a verdade. O objetivo é encontrar a definição do conceito investigado: uma definição válida universalmente. 

Intelectualismo ético

O interesse de Sócrates pela definição dos conceitos é prático: o comportamento só pode se fundamentar corretamente a partir do conhecimento. Só seremos virtuosos se sabemos em que consiste a virtude. O conhecimento proporciona a virtude, porque "ninguém faz o mal conscientemente". Aquele que age mal acredita que está fazendo o bem, e ignora em que consiste o bem. A postura de Sócrates é uma postura intelectualista: identifica virtude e conhecimento. Se para ser virtuoso é preciso conhecer a virtude, todas as virtudes podem ser reduzidas na realidade a uma única: a do conhecimento. Ao mesmo tempo, ser virtuoso equivale a ser feliz, que é o bem ao qual, segundo os gregos, todos os seres humanos aspiram. 

Sócrates, segundo Platão

“O que vós, cidadãos atenienses, haveis sentido com o manejo dos meus acusadores, não sei; o certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivos foram. Contudo, não disseram nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.  Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência se, todavia, denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade. Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.  Assim, pois, como acabei de dizer, pouco ou absolutamente nada disseram da verdade; mas, ao contrário, eu vo-la direi em toda a sua claridade. Contudo, por Zeus, não ouvireis, por certo, cidadãos atenienses, discursos enfeitados de locuções e de palavras, ou adornados como os deles, mas coisas ditas simplesmente com as palavras que me vierem à boca, pois estou certo de que é justo o que eu digo, e nenhum de vós espera outra coisa. Em verdade, nem conviria que eu, nesta minha idade, me apresentasse diante de vós, ó cidadãos, como um jovenzinho que estuda os seus discursos. E, todavia, cidadãos atenienses, isto vos peço: se sentirdes que me defendo com os mesmos raciocínios com os quais costumo falar nas feiras, ou nos lugares onde muitos de vós me tendes ouvido, não vos espanteis por isso, nem provoqueis clamor, porquanto, é esta a primeira vez que me apresento diante de um tribunal, e com mais de setenta anos de idade! Por isso, sou quase estranho ao modo de falar daqui. Se eu fosse realmente um estrangeiro, sem dúvida, me perdoaríeis, se eu falasse na língua e da maneira pelas quais tivesse sido educado; assim também agora vos peço uma coisa que me parece justa: permiti-me, em primeiro lugar, o meu modo de falar — e poderá ser pior, ou mesmo melhor — depois, considerai o seguinte e só prestai atenção a isto: se o que eu digo é justo ou não. Essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador: dizer a verdade.” Platão Apologia a Sócrates

A morte de Sócrates

A acusação contra Sócrates — impiedade e ensinar falsas divindades aos jovens — era grave: a impiedade implicava o questionamento do estado, dado o vínculo tradicional entre religião e ordem política. 

Durante o julgamento, Sócrates manteve uma atitude bem pouco conciliadora: não tentou adular o júri para obter sua simpatia e sua cumplicidade, não fez nada para obter sua absolvição. Pelo contrário, reafirmou tudo aquilo que havia sido motivo de seu julgamento. Quando foi declarado culpado, em vez de propor uma alternativa à pena de morte (o desterro, por exemplo, teria sido aceito), Sócrates pediu uma pensão do dinheiro público. Isso irritou especialmente o júri, que o condenou à pena capital por um número maior do que o que o havia declarado culpado. 

Embora pudesse ter evitado a morte fugindo graças à ajuda de seu discípulo Críton, ele optou por ficar e beber a cicuta, por coerência com suas convicções e por respeito às leis de Atenas. (Temática Barsa, 2005) 

3 —Platão

"A filosofia tem origem na admiração." (Teeteto)

Platão (427-347 a. C.). Filho de pais nobres. O maior discípulo de Sócrates. Viajou muito, tinha uma boa renda e viveu no mais alto estilo. Era íntimo de Dionísio I, tirano de Siracusa. Dizia-se que esperava fundar um Estado ideal, em Siracusa. Fundou a Academia num bosque de Atenas.

A vocação filosófica de Platão acaba por ser determinada a partir do julgamento e condenação à morte de Sócrates. Platão estava destinado, por linhagem, à política, mas renunciou a participar de um sistema que havia sido o causador do assassinato do mais sábio e justo dos homens — e, desiludido, dedicou-se a uma atividade puramente teórica: a filosofa. Nela, tentou encontrar um fundamento objetivo para o interesse do homem pelo conhecimento, assim como para a possibilidade de o alcançar. O conhecimento não tem apenas uma dimensão teórica, mas também uma prática: o conhecimento da verdade permite uma vida justa e eticamente correta, assim como uma organização política que corrija os graves defeitos das já existentes. 

A teoria das ideias

Sócrates determina a vocação filosófica de Platão, assim como sua pretensão fundamental: chegar à verdade a partir do diálogo, entendido aqui como um autêntico exercício racional, e não meramente como a expressão de um ponto de vista subjetivo, na maioria das vezes obtido de forma irrefletida. A verdade assim encontrada — à diferença de Sócrates, que se conforma em buscá-la, Platão está totalmente convencido de que é possível atingi-la — é o único fundamento legítimo de nosso comportamento ético e político, e só ela constitui o verdadeiro saber. Mas a influência de Sócrates não foi a única decisiva. Heráclito e Parmênides também foram determinantes na elaboração de sua grande contribuição filosófica a teoria das ideias. Heráclito — na realidade, um discípulo dele, Crátilo — leva-o a ver que os objetos materiais estão em contínuo devir, que fluem constantemente e que, uma vez que não permanecem em nenhum estado fixo, é impossível conhecê-los; não se deixam capturar, porque quando os captamos já não são aquilo que eram. Só pode haver conhecimento de algo que não mude, de algo que, ao permanecer sempre idêntico a si mesmo, realmente seja, condição indispensável para ser plenamente inteligível, tal como Parmênides havia determinado. 

Se observamos as coisas que nos rodeiam, notamos que elas mudam continuamente e que, portanto, nunca nos proporcionarão esse conhecimento que Platão considera indispensável para a vida humana. Se há de haver conhecimento, ele terá como objeto outra realidade, de natureza totalmente diferente daquela captada pelos sentidos, que só são capazes de nos mostrar o mutável.

Mundo sensível e mundo inteligível

Platão distingue dois mundos: o mundo sensível, no qual nós seres humanos sentimos, temos percepções, adquirimos um conhecimento particular das coisas e experimentamos que elas são mutáveis; e o mundo das ideias, um mundo separado, transcendente, uma vez que as ideias — em grego,eidos —, são de natureza totalmente diferente da dos objetos sensíveis. 

O "mito da caverna" é uma bela alegoria dessa duplicidade de mundos.

Características das ideias

As ideias são as essências das coisas sensíveis, que dizer, aquilo por meio do qual uma coisa (sensível) é o que é. Assim, a ideia de Beleza é a Beleza em si mesma e aquilo por meio do qual as coisas belas são belas. São o comum e universal dos objetos sensíveis, enquanto os objetos sensíveis têm, além disso, características totalmente particulares. Por exemplo: isto é um livro, tem a essência Livro, mas é um livro concreto, com características particulares que o distinguem de outros livros. Cada ideia é única, não há múltiplas ideias de livro; cada ideia é uma unidade. As ideias são imateriais, encontram-se à margem do espaço e do tempo e, por isso mesmo não estão sujeitas ao devir, são imutáveis e eternas — o que as torna perfeitas, em contraste com a imperfeição dos objetos sensíveis e mutantes. Embora imateriais, são totalmente reais, e mais até, são mais reais do que os objetos, a que dão origem porque, se o objeto é como é, é graças à ideia correspondente. É o objeto sensível que depende da ideia, e não a ideia do objeto sensível. Essas são as características que Parmênides atribuía ao ser; as ideias são o ser — o único plena e totalmente inteligível, quer dizer, só cognoscível pela inteligência. Daí a expressão platônica mundo inteligível.

A relação entre as ideias e as coisas é denominada por meio de diferentes expressões. Do ponto de vista das coisas, diz-se que é uma relação de participação ou imitação; do ponto de vista das ideias, é chamada de presença

O bem: ideia suprema

O mundo das ideias é um mundo perfeitamente organizado e estruturado hierarquicamente. Não há nele o menor indício de desordem, à diferença do que ocorre no mundo sensível. No vértice da hierarquia está a ideia do Bem, que no mito da

caverna está simbolizada pelo Sol que ilumina o exterior. Assim como o Sol é fonte de vida de tudo o que existe, e com sua luz, torna visíveis os objetos, o Bem é o que faz existirem as demais ideias e aquilo que as torna inteligíveis e permite que as conheçamos.

Platão, ao fazer da ideia do Bem, a ideia suprema, tem uma intenção claramente ética — política também —, mas não exclusivamente. A perfeição e a imutabilidade das ideias fazem delas as realidades superiores, são um bem, e por isso a ideia merece ocupar o cume da hierarquia.

O demiurgo e o caos originário

Se o mundo inteligível é o eterno e imutável e, por sua vez, o protótipo do qual deriva o mundo sensível, é o caso de se perguntar por que isso acontece. Quem produz esse mundo material que nossos sentidos captam e que a razão remete a um ser permanente e imutável? Para dar resposta a essa pergunta, Platão introduz a figura do Demiurgo. É a figura da divindade, a expressão da suprema sabedoria, cuja atividade consiste em produzir o sensível a partir da condição perfeita e arquétipa das ideias. O Demiurgo atua, no entanto, sobre o informe, sobre a matéria. A produção do sensível a partir do inteligível, que a atividade demiúrgica efetua, opera sobre um espaço que Platão entende como receptáculo. Trata-se de um "contínuo" que não foi criado nem se pode destruir: é o caos originário, que em virtude da ação fecundadora do Demiurgo se transforma em cosmos, em estrutura ordenada e inteligível do ser. 

Conhecimento sensível e conhecimento inteligível 

O dualismo entre mundo sensível e mundo inteligível é extensivo também ao conhecimento. De uma realidade que não é plenamente real, que é apenas imitação de outra, não pode haver conhecimento no sentido forte da palavra: pelo conhecimento sensível se conhecem coisas mas, uma vez que essas são cópias das ideias, é um conhecimento de segunda ordem. Esse conhecimento vulgar é o da maioria das pessoas, razão pela qual essa maioria vive como em uma espécie de sonho. É o que Platão chama de doxa ou opinião. É o único a que os habitantes da caverna têm acesso.

Mas é possível também chegar ao reino da verdade, se é que somos capazes de despertar e ascender ao conhecimento das ideias. Essa ascensão esforçada e penosa é factível por meio do amor à sabedoria, isto é, por meio da filosofia, que permite chegar a um saber que já não é mera opinião, mas episteme (ciência), um saber totalmente racional que não admite dúvidas nem disputas. 

Conhecer é recordar: teoria da reminiscência

Nossos sentidos, materiais, só podem ter acesso aos objetos materiais. Como podemos conhecer, portanto, as ideias, se essas são imateriais e estão, além disso, em outro mundo? Por que temos a ideia de igualdade, embora nunca tenhamos visto duas coisas absolutamente iguais? Por que sabe da ideia de justiça, com toda a sua pureza, apesar de nossa existência como seres sociais ter sido sempre injusta?

A resposta é a teoria da reminiscência. Além do corpo, o ser humano tem uma alma, imaterial e imortal, e é ela quem conhece as ideias em uma existência anterior. O conhecimento só é possível para nós se possuímos uma alma imortal. A mesma argumentação serve a Platão para demonstrar a imortalidade da alma e para justificar a possibilidade do conhecimento.

Em sua preexistência, a alma esteve em contato com o mundo inteligível e ali adquiriu um saber. Quando entra em contato com o corpo, dando lugar a um ser humano, a alma esquece todo o seu conhecimento. Sabe, mas não sabe que sabe. Ao longo de sua existência corporal, no entanto, a alma terá oportunidade de ir recordando, e aquilo que nos parece a aquisição de algo novo é apenas a lembrança de um saber esquecido. A passagem do conhecimento sensível ao conhecimento inteligível, a ascensão que conduz da mera opinião ao saber da episteme, a contemplação da verdade, que é concedida a quem é capaz de abandonar a escuridão da caverna — isso se produz como reminiscência de um saber que já se possuía.

Nesses aspectos da teoria platônica se percebem os vértices das doutrinas órfico-pitagóricas, com sua crença na transmigração das almas — isto é, a metempsicose — que tem uma origem claramente oriental.

A teoria da alma

Embora o ser humano seja constituído por corpo e alma, Platão não lhe concede o mesmo grau de valor. É evidente que Platão, nas diferenças que estabelece acerca da realidade ou acerca do conhecimento, sempre concede prioridade àquilo que tem a ver com a ideia. No caso da relação entre corpo e alma acontece a mesma coisa. O corpo é o cárcere da alma e sua vinculação é um estado transitório. O lugar próprio da alma e a esse lugar a alma espera voltar quando conseguir se libertar do corpo, quer dizer, quando este morrer. Mas o retorno não é automático, pois a alma só pode voltar ao mundo das ideias quando houver se purificado de seu contato com o corpo, e só se alcança a purificação por meio do conhecimento. Enquanto não conseguir se purificar, a alma irá transmigrando até a reincorporação definitiva ao mundo inteligível.

Platão distingue três funções ou partes da alma, e essa distinção lhe permite fundamentar o seu estado utópico. As três partes da alma são a racional, a irascível e a concupiscível, e as situa respectivamente na cabeça, no tórax e no abdômen. Essa distinção parece obedecer à constatação de que embora o corpo não possa nada por si mesmo, já que a alma o dirige, na própria alma podemos distinguir inclinações ou tendências. Uma tendência e evidentemente a racional, que permite o conhecimento mas que também é capaz de orientar a ação ética e política. Mas nem mesmo Platão é capaz de ignorar que no ser humano estão presentes inclinações irracionais, no sentido de que não são governadas pela razão. Há paixões nobres, como a ira que, impele o guerreiro no campo da batalha ou o desejo de fama e honrarias. Mas também existem em nós paixões ignóbeis, exclusivamente ligadas ao corpo e dependentes dele: os apetites mais baixos, os mais animais. É preciso dominar essas últimas e colocar as nobres a serviço de nossa parte racional. 

A ética de Platão

Platão participa da convicção socrática de que os conceitos morais podem ser estabelecidos mediante uma definição rigorosa e procura dotá-la de fundamento e possibilidade, quando postula a existência das ideias. O bem, a justiça  e todos os nossos outros valores morais são ideias. Portanto, sua definição é possível e não um simples desejo. Quando possuímos essa definição, quer dizer, quando conhecemos os valores morais tais como eles são em si mesmos, e não em suas imperfeitas realizações humanas, teremos alcançado a vida virtuosa. 

A virtude superior é a da justiça, vinculada diretamente a sua concepção tripartite da alma. A cada parte da alma corresponde uma virtude, uma disposição que lhe é própria. À parte racional corresponde a virtude da prudência, a virtude própria do sábio, daquele que busca o conhecimento e baseia nele seu comportamento ético-político. À parte irascível corresponde a virtude da coragem ou da força. Essa é a virtude do soldado que põe acima de tudo cumprimento do dever. À parte concupiscível corresponde a virtude da temperança, que consiste em frear todas as tendências instintivas da alma. Além destas três virtudes há uma outra, considerada fundamental por Platão: a justiça. Esta consiste no acordo das três partes da alma, quer dizer, surge no momento em que cada parte faz o que lhe é próprio fazer, o que significa que a parte racional, sendo prudente, deve guiar a parte irascível, que deverá ser corajosa, e ambas devem dominar o concupiscível, que será assim moderada.

O estado utópico

Platão estabelece uma clara correlação entre a alma e o estado: visto que a alma tem essa estrutura tripartite, é preciso que essa estrutura se reflita na organização do estado como sua única forma de garantia. Nessa república utópica existem três classes sociais: aqueles a quem predomina a parte racional, aqueles que possuíam a virtude da prudência e o verdadeiro amor à sabedoria, são os que devem governar. São os governantes-filósofos, e só eles estão capacitados para dirigir a vida política. Já aqueles em quem predominam as paixões nobres e a virtude da força, que consagrem a sua vida à defesa do estado e sejam seus guardiães, sempre dirigidos pelos governantes-filósofos. Finalmente, aqueles que se deixam dominar por seus desejos instintivos, ainda que devam aspirar à virtude da temperança, que sejam os que abasteçam a comunidade tudo o que ela necessita para a subsistência: é a classe dos produtores (artesões, lavradores e comerciantes). Sendo o bem da coletividade o interesse máximo do Estado, Platão prevê um "comunismo" para as classes superiores: abolição propriedade privada e da família. Desse modo, governantes e guerreiros estão a salvo dos perigos da ambição pessoal ou de casta, tão frequente na prática política. 

O Estado será justo quando cada um dos seus membros desempenhar a função para a qual se encontre mais capacitado, para a qual esteja dotado naturalmente. O todo só funciona bem na harmonia das partes. (Temática Barsa, 2005)

4 — Aristóteles

"O bem do homem nos parece como uma atividade da alma em consonância com a virtude [...]. Mas é preciso ajuntar 'numa vida completa'. Porquanto uma andorinha não faz verão, nem um dia tampouco."

Ética a Nicômaco

Aristóteles (384-322 a.C.). Filósofo grego, discípulo e crítico de Platão e o mais renomado entre os filósofos de seu tempo. Aos 17 anos integrou-se à Academia de Platão, onde permaneceu até pouco após a morte deste em 348-7 a.C. Posteriormente foi designado tutor de Alexandre o Grande. Em 335 voltou para Atenas, onde fundou uma escola e preparou uma coleção de manuscritos que se tornou modelo para as bibliotecas que surgiram posteriormente.

Com Platão, a maturidade idealista baseia-se na autoridade da razão. Com Aristóteles, afirma-se outra orientação de igual sentido, mas baseada na experiência, para construir a partir dela um sistema rigoroso.

A metafísica aristotélica

Para Aristóteles, há a filosofia primeira, ou teologia — visto que trata de Deus e dos seres imutáveis que estão acima das coisas sensíveis — e a filosofia segunda, que é a física — visto que se ocupa da realidade do devir. Andrônico de Rodes, no século I de nossa era, ao arrumar as obras de Aristóteles em uma biblioteca, ordenou os livros da filosofia primeira depois dos de física e se referiu a eles como "os que estão atrás da física". Deste então, a metafísica é aquela parte da filosofia que se ocupa do que está mais além do ser enquanto tal. 

O conceito de substância

Platão admitia uma separação entre o mundo das ideias e o mundo sensível. Para Aristóteles, não há separação entre os dois mundos. 

Ressalta o valor do concreto. Com o objetivo de superar o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo inteligível introduz a noção de substância. Embora atrás dela não consiga superar aquele dualismo, pelo menos reforça a ideia de que o que realmente existe são as coisas de que temos conhecimento a partir da experiência.

O conceito de substância, que Aristóteles define como aquilo que existe por si mesmo, aplica-se com total propriedade aos indivíduos concretos: esse lápis, aquele homem... Nisso ele difere de Platão, para quem só o que existe por si mesmo são as ideias, enquanto os objetos sensíveis, ao serem meras cópias das ideias, não existem por si mesmos — existem por elas.

A substância se distingue dos acidentes. Os acidentes não existem por si mesmos: só têm existência na substância, que lhes serve de substrato ou suporte. A substância é permanente e constitui a essência do indivíduo; os acidentes são mutáveis e só lhe acrescentam a sua peculiaridade: podem mudar sem que o indivíduo deixe de ser o que é.

Concepção hilemórfica do ser

Por serem os indivíduos concretos as verdadeiras substâncias, Aristóteles faz do movimento um problema central em sua filosofia. As substâncias são seres em movimento, e Aristóteles propõe uma série de conceitos para explicá-lo. Em primeiro lugar, os de matéria e forma

A substância é um composto de de dois elementos: matéria (hyle) e forma (morphé), dos quais deriva o termo hilemorfismo para designar essa concepção. A matéria é aquilo do que uma coisa é feita, e a forma é o que faz com que algo seja o que é. Por exemplo, a matéria de uma mesa é a madeira, e a forma, a de mesa. Esses elementos não podem existir separados: a matéria sempre está informada por uma forma, e a forma informando a matéria. O importante aqui é destacar que a noção de forma não é equivalente à de ideia platônica — à maneira de um protótipo existente em um mundo à margem das coisas sensíveis, embora conectado necessariamente com elas.

Potência e ato

Semelhante à distinção entre matéria e forma é a de potência e ato, que Aristóteles utiliza para explicar a estrutura do movimento. A potência é a possibilidade de chegar a ser algo diferente, o ato é o que esse objeto é no presente. O movimento é a passagem da potência ao ato; é a atualização de uma forma que se encontrava em potência. Há uma estreita relação entre a matéria e a forma e a potência e o ato: a matéria é potência, pois nela estão as diferentes possibilidades do ser; a forma á ato. Ou seja, a matéria possui em potência a forma que depois possuirá em ato. 

Por meio desses complexos conceitos metafísicos, Aristóteles procura conciliar o grande problema do pensamento grego, ou seja, o caráter incompatível entre a permanência e a imutabilidade do ser exigido pela razão, e a experiência de uma realidade que é devir e que, em consequência, está sujeita à mudança e ao desaparecimento.

O encaixe metafísico aristotélico traz um novo caminho de solução para esse dualismo, mediante uma explicação essencialmente dinâmica. O movimento é sempre o movimento de uma substância e, portanto, há algo que permanece na mudança: a própria substância, que é a que experimenta a mudança. O movimento era impossível desde Parmênides, porque era entendido como uma passagem do não-ser ao ser ou vice-versa, o que implicava contradição. Com Aristóteles, evita-se a contradição ao se conceber que uma substância experimenta a mudança na atualização de certas qualidades que tinha essa potência e que, portanto, já existiam.

A noção de causa

Em geral, entende-se por causa um acontecimento que provoca a existência de outro — estando esse outro implicado na existência do primeiro. Com a noção de causa, Aristóteles aborda outra dimensão da explicação do movimento.

São quatro as causas que determinam o movimento de um objeto: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. A causa material é a matéria, a causa formal é a forma, a causa eficiente é o agente do movimento e, por último, causa final é a finalidade do movimento — o para quê. Numa estátua, por exemplo, vemos que a primeira é a matéria de que ela é formada (bronze, mármore etc.), enquanto a segunda é a que gerou a forma concreta da estátua (um soldado, um magnata, um monarca etc.). No exemplo anterior, a causa eficiente é o cinzel com que o escultor esculpiu a estátua, enquanto a causa final constitui o objetivo que o artista buscou no momento de realizar sua obra. 

Deus: motor imóvel

Aristóteles não esclarece suficientemente a existência da matéria como entidade privada de qualquer forma. Em contrapartida, no entanto, defende com vigor a existência de uma forma pura privada de matéria. Essa forma pura é Deus.

Deus é o primeiro motor imóvel, e Aristóteles argumenta da seguinte maneira. Tudo o que se move precisa de um motor (A é movido por B, esse por C, e assim sucessivamente). Mas é impossível que haja uma cadeia infinita na série dos motores e é preciso que haja um motor que seja o primeiro. E esse motor tem que ser imóvel, para não precisar, por sua vez, ser movido por algo e continuar assim até o infinito. Deus é, de acordo com a concepção aristotélica, o motor imóvel do Universo. Move sem ser movido porque ele é o fim, a causa final, de todos os movimentos; todos os seres do Universo aspiram à imobilidade e à perfeição divinas, embora, por certo, nunca as consigam. Deus não se "move" porque nele não há nenhuma potência que deva se transformar em ato. Em outras palavras: Deus é ato puro, forma sem matéria, e por isso mesmo perfeito, já que não tem nada a alcançar, já que o é em ato. Nesta imobilidade que constitui a sua perfeição, não cabe pensar que crie a matéria — o conceito de criação a partir do nada é alheio ao pensamento grego — nem que intervenha no mundo (imperfeito). Sua única atividade, se é que se pode falar nesses termos, é a atividade imaterial por excelência: o pensamento puro, mas não pensamento sobre outra coisa, e sim pensamento de si mesmo, autocontemplação. Nisso se encontra o gozo da felicidade eterna e é, para os humanos, o ideal perfeito e realizado do sábio.

A física

A física aristotélica não se refere ao estudo das leis do movimento e da matéria inanimada. Esse é um conceito atual da física. No sistema aristotélico, a física (ou filosofia natural ou mesmo filosofia da natureza) trata da "essência dos seres que possuem em si mesmos e enquanto tais o princípio de seu movimento". Ou seja, estuda tudo aquilo que tem um modo de ser que lhe é próprio (em contraposição à arte, por exemplo, ou ao que é convencional). Para Aristóteles, a natureza (physis) é "um princípio e uma causa de movimento e de repouso para a coisa na qual reside imediatamente por si e não por acidente". 

Na física aristotélica, podem-se distinguir cinco modos de ser: a terra, o fogo, a água, e o ar (que são os quatro elementos de Empédocles) e um quinto elemento ou quintessência, que é o éter. Os quatro primeiros se encontram no mundo sublunar; o último é o elemento próprio do mundo celeste.

No mundo sublunar, os modos do ser que provêm dos quatro elementos são corruptíveis. Os seres celestes constituídos pelo éter são, em troca, incorruptíveis e com um movimento circular eternamente idêntico. A concepção aristotélica de que Céu e Terra têm naturezas diferentes marcará negativamente a evolução da física medieval e só será superada na ciência moderna. 

O movimento

Para Aristóteles, o movimento ou devir se desenvolve em quatro tipos fundamentais (entendendo-se que em cada um deles se realiza a passagem da potência ao ato). O movimento substancial se refere à geração e corrupção de seres; o movimento qualitativo é a modificação das qualidades; o movimento quantitativo tem a ver com o aumento e a diminuição; e o movimento local constitui o movimento propriamente dito e se distingue, por sua vez, em movimento natural e movimento violento (artificial).

O movimento natural se subdivide, ainda, movimento para o alto ou para baixo e em movimento circular. O primeiro é característico do mundo sublunar: é imperfeito e ocorre na terra, no fogo, na água e no ar, quer dizer, entre os elementos que ao se misturarem dão lugar aos seres mutáveis, sujeitos à corrupção e à morte. O movimento circular em contrapartida, é geometricamente perfeito e corresponde aos astros: produz-se no éter, elemento eterno e incorruptível.

Estas ideias da física aristotélica constituem a base de uma cosmologia que, posteriormente, será completada por Ptolomeu. Como isso se forma um modelo geocêntrico do Universo, que permanecerá praticamente inalterado até a revolução científica do século XVII.

A psicologia aristotélica

A alma, como princípio dos seres vivos, é estudada por Aristóteles não em sua obra metafísica, mas na parte destinada ao estudo da natureza, isto é, na física.

Na psicologia aristotélica, distinguem-se três tipos de alma: a vegetativa, a sensitiva e a racional. São gradações que correspondem às plantas, aos animais e ao seres humanos — nos quais, por certo, as três se integram numa unidade indissolúvel. À alma racional corresponde o pensamento. No entanto, esse processo intelectivo que é próprio da alma racional só é concebível se existir um intelecto ativo. A alma, segundo Aristóteles, possui a capacidade de receber todas as formas. Ou seja, como intelecto, é potência, capacidade de conhecer as formas e, por isso, é ato capaz de atualizar essa potencialidade. 

Esse intelecto ativo foi interpretado na posteridade como o reduto da imortalidade da alma, como a parte eterna e incorruptível da alma humana. Os problemas que essa noção coloca, a respeito de ser ou não uma substância separada dos indivíduos, são algo que o próprio Aristóteles não deixou claro. 

A lógica

Aristóteles foi o criador da lógica. É curioso que não inclua a lógica nem no compartimento das ciências teoréticas nem no das ciências práticas. Isto ocorre porque ele considera a lógica como um instrumento (Organon) que se deve adquirir antes de se adentrar em qualquer das ciências particulares. Primeiro, é preciso saber em que condições se dá o pensamento e qual é seu alcance. 

Na tradição socrática e platônica, Aristóteles defende que só existe ciência (episteme) do universal e necessário. Portanto, se queremos ter um conhecimento científico da realidade, quer dizer, das coisas particulares, o único procedimento válido é relacioná-las necessariamente com o universal: deduzir o particular do universal. É essa ligação, a do particular com o universal, que a lógica nos ajuda a esclarecer.

As categorias

No vértice do universal se encontram alguns conceitos que já não podem derivar uns dos outros: são os gêneros supremos das coisas que constituem a base de todo o saber. Aristóteles denomina-os de categorias e chega a distinguir dez delas: substância ("homem", "cachorro"), quantidade ("três ou quatro palmos"), qualidade ("preto" ou "vermelho"), relação ("maior", "menor", "médio"), lugar ("na cidade", "no campo"), situação ("sentado", "deitado"), posse ou condição ("vestido", "armado"), ação ("corre", "luta") e paixão ("perturbado", "desgostoso").

O julgamento 

Na lógica aristotélica, o julgamento é estudado como uma proposição, quer dizer, como afirmação ou negação de um predicado, acerca de determinado assunto. Uma proposição é simples ou composta conforme se possa decompor ou não em outras proposições. Os nomes e os verbos constituem as partes da proposição e não são nem verdadeiros nem falsos. Só o julgamento é verdadeiro ou falso. A verdade de uma proposição é dada por sua correspondência com a realidade, já que é nesta que se encontra a ligação ontológica que o julgamento gramaticalmente expressa. 

O silogismo

Além do julgamento, há a doutrina do silogismo. Por silogismo, deve-se entender aquele "argumento no qual, estabelecidas certas coisas, resulta necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa diferente das estabelecidas anteriormente".

Como raciocínio dedutivo, o silogismo contém uma conclusão necessariamente derivada das premissas. No exemplo clássico, a conclusão do julgamento "Sócrates é mortal" deriva das premissas: "Todos os homens são mortais" e "Sócrates é um homem". Curiosamente, no entanto, esse é um silogismo falso do ponto de vista lógico: não tem forma condicional ("Se todos os homens..."), nem as duas primeiras proposições estão ligadas por uma conjunção, nem todos os termos que introduz são universais ("Sócrates" é um termo singular"). 

Na forma usada por Aristóteles, um silogismo correto é o que mantém o seguinte esquema: Se A é predicado (é verdadeiro) de todo B e B é predicado de todo C, então A é predicado (é verdadeiro) de todo C.

Os três princípios da lógica

O silogismo não leva à aquisição de uma nova verdade, já que a conclusão não deve conter nada que já não esteja contido nas premissas. No entanto, Aristóteles o considera um instrumento necessário, sempre e quando se baseia em dados reais recolhidos por meio de um processo de indução, que consiste na passagem do particular ao universal. Se os dados da conclusão são falsos, também será sua transformação em premissas de um silogismo.

Para Aristóteles, qualquer conceito que passa a fazer parte de um silogismo se subordina ao que lhe considera os três princípios fundamentais da lógica: O princípio de identidade afirma que toda coisa é igual a si mesma (A=A). O princípio de não-contradição diz que é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto (A não pode ser B e não-B). O princípio do terceiro excluído enuncia que A resultará em B ou em não-B, estando excluída qualquer outra possibilidade.

Estes três princípios são ao mesmo tempo lógicos e ontológicos, quer dizer, referem-se tanto à linguagem quanto ao ser. Aristóteles defende que constituem o ponto de confluência dos dois.

A filosofia prática

Na divisão aristotélica do saber, a ética e a política se inscrevem na esfera da filosofia prática. Devido a isso, não têm a pretensão de ser exatas, uma vez que a exatidão só é próprio das disciplinas teoréticas. 

A ética é em Aristóteles, acima de tudo, uma ética do senso comum. Dela se disse que foi feita na medida do homem, porque sua exigência primordial é a de que a felicidade (eudaimonia), máximo bem a que é possível aspirar, deve ser alcançada nesta Terra. 

Virtudes — modos de comportamento que ocupam um exato meio-termo entre o excesso e a coerência — devem ajudar a atingir esse fim. Algumas têm um caráter prático, como a justiça, a prudência e a temperança: são as virtudes éticas propriamente ditas. Outras têm um caráter intelectual: são as virtudes dianoéticas, que emanam de uma atividade racional. 

Existe uma estreita ligação entre ética e política, já que não é possível alcançar a felicidade fora do limite da coletividade. O homem é um animal político (zoon politikon) e seu fundamento se encontra na família, no grupo, na cidade, ou no estado, conforme seja o grau de evolução da comunidade a que pertence.

Contemporâneo como Sócrates e Platão da pólis, a cidade-estado grega, Aristóteles não se inclina tanto por uma forma concreta de governo (seja ela monárquica, aristocrática ou democrática), e sim pela organização racional da comunidade. Essa organização racional é dada pela Constituição. A Constituição transforma a coletividade em um organismo político no qual os cidadãos se vinculam racionalmente entre si por intermédio de leis.

Poética

Poética trata da tragédia e da epopeia, do ponto de vista da poiésis, ou produção de obras. Aristóteles afirma que a poesia é imitação (mimésis), embora não se trate de um simples decalque da realidade: nela se recria uma ação na qual se representa o que poderia ocorrer a cada um dos seres humanos.

Aristóteles recusa a condenação platônica da arte e exalta seu valor como catarsis ou purificação das turbulentas paixões da alma: o espectador se liberta de suas paixões sentido-as imaginariamente. (Temática Barsa, 2005)

5 — Pensamento Helenístico

Platão e Aristóteles constituem a tradição dominante do pensamento grego, mas não são a única. Na época helenística, que começa quando Alexandre o Grande chega ao Poder (336 a.C.), surgiu três novas escolas filosóficas que têm um lugar próprio na história do pensamento: o epicurismo, o estoicismo e o ceticismo. O ponto comum às três escolas é a ênfase numa ética de caráter individualista na qual a busca da felicidade se torna prioridade. Isto é consequência do fim da pólis e da formação do poderoso estado alexandrino: o indivíduo perde sua capacidade de intervenção na vida política e se retrai a uma esfera privada, na qual aspira apenas a cultivar a si mesmo.

O epicurismo: uma filosofia materialista 

A filosofia de Epicuro (341-270 a.C.), fundador dessa doutrina materialista, situa-se no extremo oposto das teorias de Platão e Aristóteles, e afirma ser continuador do atomismo de Demócrito. Seu materialismo o leva a rechaçar, em primeiro lugar, todo vestígio de transcendência — só existe um mundo, este é totalmente material — e, em segundo lugar, coloca o conhecimento inteligível separado do sensível: a sensação é o fundamento do conhecimento. Tudo o que existe é material inclusive a chamada "alma". A morte de um indivíduo humano é o desaparecimento de corpo e alma. Não existe, portanto, nem imortalidade nem um "mais além": não há outros mundos fora deste. Apesar disso, um dos aspectos mais notáveis da moral epicurista é, precisamente, o ensinamento de que a morte não é algo a se temer. Não se deve ter medo da morte porque, sendo a morte a perda de todas as sensações depois dela não experimentamos nada. Quando estamos vivos a morte não está presente, e quando ela se apresenta nós já não somos — nada pode nos acontecer. Epicuro é um dos primeiros filósofos a afirmar que o medo torna os humanos escravos e que é preciso refletir cuidadosamente sobre o fundamento de nossos temores, com a clara intenção de dissipá-los.

A vida é tudo o que temos: é preciso vivê-la. A busca da felicidade é a busca do prazer. Convém não confundir o epicurismo com o hedonismo, que busca o prazer a todo o custo. Às vezes é inevitável certa cota de dor. A cada um cabe refletir sobre o que mais lhe convém, tendo em conta que o ideal da vida é alcançar a ataraxia — a tranquilidade do espírito que evita cair na dor decorrente da carência ou do excesso de prazeres — e a autarquia — autossuficiência, não depender de nada a não ser de si mesmo, encontrar satisfação com pouco, uma vez que o desejo de abundância nos torna dependentes do objeto. O sábio epicurista sabe que desejar o que está fora de seu alcance é loucura, e também sabe que existem momentos na vida em que a dor se apresenta e o prazer se ausenta. Sabe, portanto, combater a dor sem se queixar, relembrando os momentos felizes; e sabe que os pequenos prazeres, os mais modestos, são os mais exequíveis e, por isso, mais prazerosos.

O estoicismo

O estoicismo, cujo fundador foi Zenão de Cicia (335-264 a.C.), exerceu uma enorme influência em épocas posteriores, sobretudo no que se refere à ética. O estoicismo terá grande importância na época romana (com Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio). Nos séculos XVI e XVII, ocorre na Europa um vigoroso renascimento das concepções estoicas, que influenciarão Descartes, Kant e Hegel, entre outros autores. É importante também a contribuição dos estoicos para a lógica aristotélica e o rigor que introduzem na terminologia gramatical.

A física estoica concebe o mundo como um todo unitário e harmonioso, regido pela necessidade inflexível de uma lei universal (logos, razão). O homem constitui uma parte deste universo harmonioso e deve se submeter à ordem universal, deve aprender a viver de acordo com a natureza, e isso equivale a viver orientando-se pela razão. A razão nos permite conhecer essa ordem, mostra-nos a necessidade presente naquilo que acontece e nos ensina que é uma quimera pretender alterá-lo. 

A vida de acordo com a razão é a vida do sábio, conforme acabamos de ver, mas também a do virtuoso. Mais uma vez, sabedoria e virtude se identificam. Dada essa lei inexorável, o sábio só pode aspirar à ataraxia, à serenidade do espírito e à imperturbabilidade. Para isso, é preciso não apenas aceitar a ordem do Universo — e o estoicismo dá a isso uma enorme importância — mas também libertar-se das paixões (pathos), pois essas nos escravizam. Nisto consiste a apatia. O sábio não deseja nunca o que está fora de seu alcance e suporta as adversidades sem se alterar, já que, se elas não dependem de nós, nada podemos fazer para evitá-las, a não ser procurar que nos produzam o mínimo de dor possível. Um homem assim há de ser, inevitavelmente, feliz.

O ceticismo

O ceticismo vai encontrar essa tranquilidade de espírito, que constitui o ideal dos epicuristas e dos estoicos, não numa doutrina própria, mas na recusa de qualquer doutrina. Pirro de Élida (365-275 a.C.), iniciador dessa corrente que tem os sofistas como predecessores, considera que a razão não pode penetrar na essência das coisas e aconselha a suspensão do julgamento e o hábito da dúvida diante de todas as questões.

A partir dessa postura frente ao problema da verdade, Pirro desenvolve uma ética da imperturbabilidade (ataraxia): já que nada sabemos com certeza sobre as coisas do mundo, tudo deve nos deixar em absoluta indiferença — e que nada perturbe nosso espírito.

Nas versões modernas do ceticismo, a suspensão do julgamento se transforma em uma atitude de temor em relação à possibilidade de conhecimento, ou na afirmação de que nosso conhecimento é limitado e não chega a aprofundar-se na realidade, ou na convicção de que o conhecimento é apenas provável, sem jamais ter certeza total sobre as coisas.

6 — O Pensamento Trágico

Depois dos pré-socráticos, e ainda no século V a.C., o pensamento grego concentra sua atenção no homem. Já não se trata de revelar, por meio da razão, os mistérios da natureza, mas de se perguntar diretamente pelo sentido da vida humana, por aquele destino dos homens que, naqueles momentos, aparece ainda nas mãos do destino, quer dizer, governado pelos deuses e sem possibilidade alguma de escapar à sua determinação fatalista.

Na Atenas desse período surgem os sofistas. Sua filosofia retórica e cética está relacionada com o espírito trágico, uma mentalidade caracteristicamente grega forjada diante da experiência universal da dos humanos. Essa visão trágica do mundo está presente em todo o pensamento grego, mas nessa época ocupa o primeiro plano, devido à cultura filosófica dos sofistas.

O espírito da tragédia

As raízes da tragédia, considerada como gênero dramático, encontram-se na Grécia arcaica e estão ligadas desde a origem ao culto a Dionísio. Divindade complexa e ambivalente, Dionísio é a expressão da vida como contradição e como agonia (que em seu sentido primitivo significa "luta, combate"). Quando se afirma que os gregos tinham uma mentalidade trágica, aponta-se de imediato para essa ideia de existência como luta entre os opostos (entre a vida e a morte, o prazer e a dor, a evolução e a involução, a unidade e a multiplicidade). A existência humana está cheia de contradição e, o que é mais importante, reproduz-se em virtude delas.

O espírito trágico, portanto, não está associado unicamente a um gênero literário específico — a tragédia —, mas impregna a própria raiz do pensamento grego. Pode-se afirmar até que toda a filosofia grega constitui uma resposta a esse sentido trágico da existência.

A experiência da dor

O pensamento trágico, no entanto, surge, antes de tudo, diante da experiência da dor, uma dor que é universal. Não que existam indivíduos felizes e outros infelizes, e sim que o sofrimento é o quinhão mais bem repartido da vida humana: atinge a todos, mais cedo ou mais tarde. Ninguém escapa dele.

Os gregos começam a descobrir essa experiência na própria natureza: exuberante e fertilíssima, doadora de vida, é também destruidora e mata aquilo que criou. É o destino, seu caráter intelectual, seu fatalismo; é o fado.

A experiência da culpa

Na vida trágica, entendida como contradição, é difícil orientar-se. Diante de qualquer conflito, a situação é em si ambígua. Isto sempre fica bem claro nos personagens das tragédias: são culpados e inocentes ao mesmo tempo; agiram mal, mas talvez não pudessem ter agido de outro modo; ou talvez tenham agido com a melhor das intenções e provocaram consequências funestas.

Num mundo em que a escolha moral é tão problemática, a culpa está sempre presente em toda ação. Aparece então como castigo dos deuses, como destino inelutável. É revelador o fato de que a noção de causa — fundamental para o desenvolvimento de uma filosofia posterior como a aristotélica — fosse em suas origens um termo jurídico que entre os gregos designava precisamente ação de "acusar". Assim, o fundamento ou a origem de algo remete em seus inícios à ideia de culpa.

O espírito trágico na filosofia

Na segunda metade do século V a.C., a mentalidade trágica penetra na filosofia por intermédio dos sofistas. O desenvolvimento das trocas comerciais, o aumento da riqueza e a maior participação na vida politica são fatores que agravam o jogo de interesses opostos na vida da pólis.

A necessidade de se orientar entre as diferentes opções de vida e de poder distinguir entre o verdadeiro e o falso passa então a ocupar o primeiro plano. Não é por acaso que nessa época florescem os grandes trágicos Ésquilo, Sófocles e Eurípides.

Ainda mais importante, porém, do ponto de vista filosófico, é a resposta que o pensamento dá ao sentido trágico da vida. Os sofistas, ao orientarem os comportamentos públicos por meio da transmissão de conhecimentos sobre como se deve agir, satisfazem uma necessidade mais decisiva: a de arrancar a vida do homem do fatum, da inevitabilidade do destino nas mãos dos deuses. Essa tarefa atingirá o apogeu com Sócrates e permitirá depois o amplo desdobramento do pensamento platônico aristotélico.

7 — A Ciência no Mundo Clássico

A aplicação do conhecimento humano para satisfazer às necessidades do homem se confunde com as origens da humanidade. Alguns milênios antes da nossa era, a astronomia e as matemáticas atingiram um desenvolvimento considerável em algumas civilizações do Oriente Médio. O conhecimento científico e técnico vem de muito longe.

No entanto, o nascimento da ciência como tal (quer dizer, como conjunto de conhecimentos objetivos e sistemáticos acerca da natureza e do homem) ocorre na Grécia, a partir do ano 600 a.C. e é inseparável das origens e da evolução do próprio pensamento filosófico.

Filosofia e ciência nascem juntas, formam uma unidade, e só a partir da época helenística é que se pode estudar o conhecimento científico como resultado específico e, até certo ponto, à margem do conhecimento filosófico.

A filosofia e a ciência na Grécia

Na época em que nasce o pensamento e científico (isto é, a partir de 600 a.C.), os gregos dominavam um conjunto considerável de conhecimentos técnicos herdados, em parte, de civilizações anteriores. Temos um testemunho direto desse alto nível tecnológico a partir da arquitetura, da escultura e da cerâmica gregas que chegavam até nós. Ao mesmo tempo, aparece documentado que os gregos possuíam amplos conhecimentos nos mais diversos campos, como, por exemplo, a engenharia e a metalurgia, a astronomia e a navegação, a agronomia e a mineralogia ou a anatomia e a fisiologia.

Uma característica do espírito grego, no entanto, é a divisão do saber em duas ramificações: de um lado, o pensamento puro; de outro, o conhecimento que leva à transformação da natureza, próprio da ciência aplicada. Para os gregos, o ideal consistia no saber puro, não no fazer, e o bem supremo era compreender por meio de um caminho contemplativo os enigmas do homem e do Universo.

Essa distinção talvez explique a ausência do termo "científico" no mundo grego. Naturalmente, havia palavras para diferenciar a atividade dos que se dedicavam à botânica, à medicina ou à arquitetura. No entanto, o que atualmente entendemos por científico é algo que os gregos associavam pura e simplesmente com a condição de filósofo. Da mesma forma, embora dispondo de uma palavra para designar a ciência, a episteme, essa era vista como aquele conhecimento acima de qualquer dúvida, incontroverso, totalizante, que se adquire com a filosofia. De modo que filósofo e cientista, assim como filosofia e ciência, são, no início, uma mesma pessoa e uma mesma coisa. Por isso, quando se fala que a ciência nasce na Grécia, alude-se diretamente a essa capacidade de generalização e objetivação de que o conhecimento puramente aplicado necessita para transformar-se em conhecimento científico. Essa capacidade de abstrair e de formular, de converter em lei objetiva os fenômenos observados na natureza, que é característica da ciência, provém da filosofia. A ciência surge com a filosofia e da filosofia, e por isso se diz que nasce na Grécia, e não nas civilizações do Oriente Médio, apesar do elevado grau de conhecimento técnico-científico que essas possuíam.

A evolução da ciência no mundo clássico

Na época dos pré-socráticos, a identificação entre filosofia e ciência é total. Não é possível separar uma da outra na obra de Tales de Mileto, Pitágoras ou Empédocles. Depois, no período ateniense que vai de 480 a 300 a.C., as atividades científicas começam a se diferenciar de filosofia. Sócrates, por exemplo, qualificava de inferiores as ocupações no campo da medicina ou da astronomia. A grande figura é a do filósofo-cientista, como Platão. Mas é sintomático que em sua época floresça a atividade naturalista e científica da medicina hipocrática, assim como o fato de que a investigação de base empírica seja uma das grandes preocupações de Aristóteles e de sua escola.

A ciência, em sua acepção própria,  e diferenciada da filosofia, destaca-se plenamente como tal durante o período helenístico. Essa é a época de Euclides, Arquimedes e Hiparco, quer dizer, de homens que já são cientistas em toda a sua plenitude. Sua atividade se desenvolve em Alexandria, que já tinha substituído Atenas como capital científica e cultural do mundo grego e está associada à primeira grande instituição com categoria científica da história: o Museu de Alexandria.

A ciência no mundo clássico evolui, por fim, no Império Romano, para uma nova fase que, sem ser original, segue as diretrizes do período anterior e, em alguns casos, aprimora-as. O aperfeiçoamento da técnica é bem característico dessa etapa, em que Roma suplanta Alexandria. 

8 — Bibliografia Consultada

TEMÁTICA BARSA (Filosofia). Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. 

São Paulo, fevereiro de 2016.

 

 

 

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