26 novembro 2008

Cinco Tratados Franceses do Século XVIII

Regina Schöpke, doutora em filosofia e medievalista, e Mauro Baladi, graduado em filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, fazem a seleção, a apresentação e a tradução do livro Filosofia Clandestina: Cinco Tratados Franceses do Século XVIII, com o intuito de tornar público o "movimento" filosófico-literário, cuja marca foi a circulação de diversas obras anticlericais e de crítica política entre os séculos XVI e XVIII.

O Verdadeiro Filósofo, de autoria de César Chesneau du Marsais (1676-1756), célebre gramático, advogado e filósofo francês, nascido em Marselha, é o primeiro texto. Esta obra pode ser considerada um autêntico manifesto da nova filosofia do século das luzes, preocupada em intervir favoravelmente na formação crítica da população. Rejeita, assim, o caráter puramente metafísico da reflexão.

O segundo texto é o Breviário Filosófico ou História do Judaísmo, do Cristianismo e do Deísmo em 33 Versos, escrito por Giuseppe Antonio Giachimo Cerutti, jesuíta, escritor político e jornalista italiano, radicado na França ainda jovem. O livro apresenta um pequeno poema atribuído ao rei da Prússia, Frederico II. Cerutti critica, em notas, os episódios do Velho e do Novo Testamento, com a intenção de atacar a Igreja e seu instrumental de ritos e dogmas, no sentido de instituir a religião natural, fundamentada na razão e na virtude.

O terceiro texto, de autor anônimo, é o mais longo e sintetiza o conteúdo mais radical das críticas ao monopólio das ideias vigentes na época. O título é: Giordano Bruno Redivivo ou Tratado dos Erros Populares, de 1771. Dividido em cinco partes, ou seja: 1) Da Pluralidade dos Mundos; 2) Os Conhecimentos Humanos nada Têm de Seguro; 3) Da Existência de Deus; 4) Deus não é Imutável; 5) Não Seria Possível Conciliar a Ciência de Deus, seu Conhecimento e seu Governo Absolutos com o Mal que Existe no Mundo.

Das Conspirações contra os Povos ou Das Proscrições, de 1766, o quarto texto, traz a marca do iluminismo francês e da própria literatura clandestina de Voltaire. A trajetória de Voltaire é uma luta contra a ignorância, a superstição, a intolerância, o fanatismo e os abusos de toda ordem. Para tal fim, usa a sátira, temperada com uma sólida erudição e uma ironia que não poupa ninguém (e que chegou a levá-lo para a prisão e ao exílio). Esta obra poderia ser chamada: Uma Pequena História dos Grandes Massacres Motivados pela Intolerância Religiosa.

Profissão de Fé dos Teístas, também de Voltaire, é o quinto texto. Atribuído a um pretenso conde e veladamente dedicado a Frederico II, ele faz uma defesa apaixonada do teísmo, apresentado como a única religião verdadeira, visto que é natural, intuitiva e precede todas as outras. Trata-se de uma religião não institucionalizada, em que os dogmas devem ser substituídos pela razão, e os sacerdotes pelo bom senso. É totalmente inspirada e guiada pela "luz natural".

Fonte de Consulta

DU MARSAIS, César Chesneau. Filosofia Clandestina: Cinco Tratados Franceses do Século XVIII. Seleção, apresentação e tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. São Paulo: Martins, 2008. (Coleção Tópicos Martins)


21 novembro 2008

Giordano Bruno e a Heresia

Giordano Bruno (1548-1600), filósofo, astrônomo e matemático italiano, ao contrário do que se pensa, não foi queimado na fogueira por defender o heliocentrismo de Copérnico. A cosmologia, segundo a qual o universo seria infinito, povoado por milhares de sistemas solares, e interligado por outros planetas e contendo vida inteligente, foi a heresia apontada pela Inquisição. Bebendo da fonte de Nicolau de Cusa, prenunciou o avanço da ciência com suas teorias do universo infinito e da multiplicidade dos mundos. Rejeitou a astronomia geocêntrica tradicional e foi além da teoria heliocêntrica de Copérnico, que ainda admitia a existência de um universo finito.

A Idade Média, regida pela influência religiosa sobre a filosofia, produziu, sob o tribunal da Inquisição, muitas vítimas da heresia. Além de Giordano Bruno, um dos casos mais conhecidos foi do astrônomo italiano Galileu Galilei, que escapou por pouco da fogueira por afirmar que o planeta Terra girava ao redor do Sol (heliocentrismo). Muitos cientistas também foram perseguidos, censurados e até condenados por defenderem ideias contrárias à doutrina cristã. As mulheres também sofreram nesta época e foram alvos constantes. Os inquisidores consideravam bruxaria todas as práticas que envolviam a cura através de chás ou remédios feitos de ervas ou outras substâncias. As "bruxas medievais" que nada mais eram do que conhecedoras do poder de cura das plantas também receberam um tratamento violento e cruel.

A filosofia clandestina da Idade Média realça que a Igreja legitimava o Estado e este a Igreja. Faltava à sociedade um espírito crítico, capaz de elaborar pensamentos próprios, com liberdade de expressão. Diziam esses filósofos que, quando nos faltam esses elementos, o progresso fica mais difícil e de duração mais longa. Foi somente depois que a ciência se tornou teórico-experimental que pudemos avançar nas descobertas. Da luneta de Galileu atingimos o telescópio de Hubble.

A heresia atribuída a Giordano Bruno chama-nos a atenção para um ponto fundamental: razão e experiência devem andar de mãos dadas. Até então, a razão tinha prevalecido sobre a experiência. A lei de dilatação dos corpos - no caso o metal - ilustra bem este raciocínio. De acordo com esta lei, conforme a temperatura aumenta, o metal deve se dilatar. Se não testarmos essa teoria, podemos chegar à conclusão que o metal sempre se dilatará. Submetido à experiência, verificamos que a partir de um certo grau de temperatura, o metal não se dilata, mas funde-se.

A Igreja, na Idade Média, adotou a teoria de Aristóteles. Aristóteles, por sua vez, desenvolveu racionalmente as suas ideias. Não havia necessidade de experimentar as suas teorias, além do que não tinha os recursos que possuímos hoje, como é o caso dos programas de computador. Aristóteles fundamentou toda a física sobre a lógica e sobre o cálculo racional e nunca sobre a experiência.

Uma reflexão sobre a história sempre nos traz subsídios para uma melhor compreensão da ascendência cultural da sociedade. Um estudo sobre a obra e vida de Giordano Bruno muito contribuirá com isso.

 

19 novembro 2008

Aparência e Realidade

Não são as aparências que nos enganam;
nós é que nos enganamos com elas.

Na história da filosofia, a aparência teve dois significados diametralmente opostos: 1) ocultação da realidade; 2) manifestação ou revelação da realidade. No primeiro caso, a aparência vela ou esconde a realidade das coisas. É preciso transpô-la; no segundo caso, a aparência é o que manifesta ou revela a realidade. No primeiro caso, conhecer significa libertar-se das aparências (Sócrates e Platão); no segundo, conhecer é confiar na aparência, deixá-la aparecer.

Em metafísica, depois de Kant, o termo aparência caiu em desuso. A palavra fenômeno é o termo mais correto para distinguir a coisa em si daquilo que observamos pelos sentidos. O termo aparência hoje em dia conserva um sentido psicológico, ou seja, toda a representação, ou melhor, toda a presentação que se considere diferente do objeto que lhe corresponde. O termo antitético é realidade. Esta, por sua vez, indica o modo de ser das coisas existentes fora da mente humana ou independentemente dela. Consequentemente opõe-se por um lado ao que é aparente e ilusório, e, por outro lado, ao que é abstrato.

Aquilo que vemos é realmente o que vemos? Esta questão remete-nos ao próprio pensar do ser humano. Podemos simplesmente absorver uma informação (de modo passivo) ou, ao contrário, indagar se ela tem fundamento, se condiz com a verdade dos fatos. O nosso procedimento, como seres racionais, é o de questionar se a informação recebida tem um fundo de verdade. João, em seu Evangelho, já nos alertava para não acreditarmos em todos os espíritos. Antes disso, deveríamos verificar se eles são de Deus. Em outras palavras, desconfiemos das aparências.

Como penetrar o nosso olhar além das aparências das coisas? A dúvida metódica de Descartes muito nos auxilia nesta questão. Descartes analisa o conhecimento vigente e conclui que nada se lhe oferece, de modo indubitável, sobre o que possa fundamentar o seu trabalho. Tem que buscar alguma coisa fora da tradição, uma idéia, uma única que seja, mas que resista a todas as dúvidas. Ele coloca uma dúvida, não para simplesmente duvidar, mas para extrair da sua dúvida a verdade. Aristóteles, por outro lado, dizia: "... o que é diferente de alguma coisa é sempre diferente por qualquer coisa, e tanto assim que deve necessariamente haver algo de idêntico, pelo que são diferentes". (Metafísica, 1054b, 25 segs.) Parte-se, muitas vezes, do conhecido para o desconhecido.

A Psicologia oferece-nos o termo "apercepção tendenciosa", enfatizando que não apreendemos o mundo segundo um dado objetivo. O nosso psiquismo procede por seleção. Retém certos acontecimentos, esquece ou recusa outros e deforma aqueles que apenas lhe convém em parte. Para exemplificar, vejamos alguns tipos de distorções perceptivas: 1) estereotipagem - É o processo de usar uma impressão padronizada de um grupo de pessoas para influenciar a nossa percepção de um indivíduo em particular; 2) efeito halo - Consiste em deixar que uma característica de um indivíduo ou grupo encubra todas as demais características daquele indivíduo ou grupo; 3) expectativas - Consiste em "vermos" e "ouvirmos" o que esperamos ver e ouvir e não o que realmente está acontecendo.

Bibliografia Consultada

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993
BOWDITCH, J. L. e BUONO, A. F. Elementos de Comportamento Organizacional. São Paulo, Pioneira, 1992.




16 novembro 2008

O Filósofo e o Verdadeiro Filósofo

César Chesneau du Marsais, no seu texto sobre o Verdadeiro Filósofo (1796), traça um paralelo entre os que se dizem e os que são realmente filósofos. Muitos se dizem filósofos mais para enganar os outros - e consequentemente a si mesmos - do que para bem educar o seu pensamento. No primeiro caso, ele age segundo um dogma, uma superstição, uma emoção, um interesse; no segundo, em função de uma reflexão, de uma meditação e de uma tomada de decisão, baseada na lógica e na razão.

O verdadeiro filósofo não se espanta com o que os outros dizem. Observe que há muitos pensadores que falam em evitar as impressões dos sentidos para não se envolverem com as emoções que daí dimanam. O verdadeiro filósofo procura sentir, raciocinar e enfrentar toda e qualquer situação, para dela extrair o suco saboroso do conhecimento, conhecimento este que foi buscado, trabalhado e meditado sob a luz da razão. É aumentando a potência dos órgãos que aumentaremos o conteúdo doutrinal dos conhecimentos.

Neste texto, César Chesneau du Marsais faz uma crítica à demanda religiosa. Os religiosos da Idade Média raciocinavam segundo os cânones da Escolástica. Nela, havia os mais calorosos debates sobre as questões dos universais, da natureza de Cristo, da Trindade Universal etc. O autor destaca que essas discussões em nada auxiliavam a prática religiosa e a mudança comportamental dos seus adeptos. Daí, ele afirmar que meditar demais é tão prejudicial quanto meditar de menos. Para ele, "O devoto só é honesto por paixão, e as paixões nada têm de seguro".

O verdadeiro sábio age de acordo com aquilo que Veleius — militar e historiador romano — disse sobre Catão de Útica, político romano: Nunquam recte fecit, ut facere videretur, sed quia aliter facere non poterat (Ele jamais praticou uma boa ação para parecer que a praticou, mas porque não estava nele fazer de outro modo). Quer dizer, o filósofo verdadeiro não precisa de guarda, de fiscal, pois quando sentir que a sua consciência está tisnada, mudará imediatamente de comportamento, porque teme ficar em desacordo consigo mesmo.

O supersticioso crê que o Ser Supremo o colocou acima dos outros homens. É para este Ser que ele transfere todas as suas ações. O verdadeiro filósofo tem uma ideia melhor do que seja o bem público, porque as suas ações se voltam para o relacionamento com os outros homens, no sentido de servi-los. O sábio insensível dos estoicos está distante da perfeição do nosso filósofo. Este não deixa que o maravilhoso corrompa o racional. Além de se cuidar por fora, examina-se ainda mais cuidadosamente por dentro de si mesmo.

Em síntese, o verdadeiro filósofo escolhe para si uma religião pura, simples, clara e livre de quaisquer preconceitos.

Fonte de Consulta

DU MARSAIS, César Chesneau. O Verdadeiro Filósofo (1796). In: DU MARSAIS, César Chesneau. Filosofia Clandestina: Cinco Tratados Franceses do Século XVIII. Seleção, apresentação e tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. São Paulo: Martins, 2008. (Coleção Tópicos Martins)

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A filosofia, desde tempos remotos, visa desenvolver no iniciado o amor à sabedoria. A sabedoria, por sua vez, é um termo que significa erudição, saber, ciência, prudência, moderação, temperança, sensatez, enfim um grande conhecimento. Desta forma, a sabedoria não cai do céu. Há que se fazer esforço, dedicação e muita perseverança. E este deveria ser o trabalho de todo o indivíduo preocupado com o seu crescimento moral e intelectual. 

Recordemos a filosofia dos gregos antigos. O objetivo era descobrir a verdade que se ocultava na aparência das coisas. Cada qual tinha o seu método de procura. Comparemos Platão e Aristóteles. Platão – idealista – acreditava que as ideias provinham de um outro mundo, o mundo das essências, denominado topus uranus. Aristóteles – realista – acreditava que as ideias provinham das sensações ou do mundo circundante do aqui e do agora. Aristóteles achava que o ser humano não devia ficar preocupado com a contemplação do mundo das ideias, mas viver intensamente o momento presente. 

Com o tempo, os filósofos foram desenvolvendo os seus sistemas que, depois, eram aproveitados pelos seus seguidores. Nesse caso, o livre pensar acabava ficando em segundo plano. O pensamento de Kant ou de Descartes é veiculado formando uma base de conhecimento universitário. Por isso, diz que Scruton foi um filósofo de verdade e não um cidadão que se formou em filosofia.

  



15 novembro 2008

Filosofia Clandestina

filosofia clandestina é um movimento filosófico-literário que surgiu entre os séculos XVI e XVIII. Tinha por objetivo combater veladamente os desmandos da classe dominante, principalmente aqueles propagados pela Igreja. Os ingleses dão a este período o título sugestivo de The Dark Ages, ou seja, período das trevas, em que a filosofia – enquanto saber – perdeu muito de sua potência crítica e libertadora. Em seu lugar crescia o obscurantismo, acompanhado da superstição.

Os livres-pensadores dessa época expressavam ideias pouco ortodoxas e críticas com relação à autoridade constituinte. Observe que nesse período a Igreja legitimava o Estado e este a Igreja, tendo como pano de fundo a obediência a Deus. Tanto os reis quanto os papas eram emanações da divindade. Com isso, eles determinavam o que era bom ou ruim para o povo. Qualquer ideia contrária, que ferisse a lógica por eles determinada, tinha que ser imediatamente banida. Para isso, instituíram a Inquisição, ou seja, um tribunal para "questionar judicialmente aqueles que, de uma forma ou de outra, se opõem aos preceitos da Igreja Católica".

As ideias básicas acerca da filosofia clandestina giram em torno da crítica bíblica, da contestação do caráter divino da Igreja, da denúncia dos abusos da nobreza e do clero e da defesa de novas ideias e novas concepções de mundo. Esses escritos trazem à luz os absurdos e as incoerências das narrativas sagradas, desafiam a legitimidade do poder constituído, principalmente pelo fato de todos serem determinados por Deus. Em outras palavras, se Deus ordenou, o que nos cabe fazer é obedecer.

Este movimento conseguiu unir livres-pensadores e filósofos numa empreitada pouco amena, porque qualquer ideia nova era passível de fogueira, em que tanto o livro quanto o seu autor poderiam ser queimados. Esse período embotou o pensamento criativo da Idade Média. Mesmo assim, no processo histórico, ele serviu de um marco vigoroso de reflexão, porque não podendo se manifestar ficou em potência, esperando o momento oportuno, como aconteceu com a Renascença, em que emergiu tudo o que estava encubado.

Essas ideias foram divulgadas em forma de tratados, diálogos, novelas e poemas para um público restrito, porque a ortodoxia religiosa e política tinha outro interesse, ou seja, manter o povo submisso ao seu poder. Em se tratando dos livros clandestinos escritores por autores franceses, eles tinham que ser publicados em países estrangeiros e, muitas vezes, sob um nome falso ou pseudônimo, para não acabarem nas fogueiras.

Por mais que se queira combater a verdade, ela não cede, pois no momento que a quisermos contestar seremos por ela contestado.

Fonte de Consulta

DU MARSAIS, César Chesneau. Filosofia Clandestina: Cinco Tratados Franceses do Século XVIII. Seleção, apresentação e tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. São Paulo: Martins, 2008. (Coleção Tópicos Martins)

 

12 novembro 2008

Metafísica

A palavra metafísica sofreu mudanças ao longo do tempo. Inicialmente, era o título dado por Androginos Rodes (século I) à obra de Aristóteles que vem após a Física. Presentemente, quer dizer o que está além da física e compreende os problemas da ontologia, da ontoteologia, da teleologia, da racionalidade e tudo o que diz respeito às causas primeiras, tais como, Deus, Espírito e Matéria.

metafísica, no sentido de "tudo o que está além da matéria", coincide com o próprio desenrolar da filosofia. Observe que a filosofia surgiu como uma tentativa de explicar o mundo e sua origem a partir da razão e não por intermédio do oráculo, do mito. No mito a verdade é revelada pelos deuses; na metafísica ela deve ser buscada, achada com o recurso da razão, com o esforço do ser humano.

Em termos históricos, Tales de Mileto é o primeiro dos metafísicos, pois ele quis achar a substância primeira, a physis, de onde tudo se originava. Pensou que este elemento primordial fosse a água, porque esta poderia se transformar em gelo (matéria sólida) pelo esfriamento e em ar (matéria gasosa) pelo aquecimento. Estava dada a partida para a busca da origem, do arqué, do princípio das coisas.

Sócrates e Platão não trataram diretamente da metafísica, mas forneceram subsídios úteis (Teoria das Ideias) à compreensão do tema. Se se toma como ponto de partida a obra de Aristóteles, a primeira chamada metafísica, ver-se-á que para defini-la são empregadas as seguintes expressões: sabedoria (sofhia), filosofia primeira (prote philosophia), ciência buscada ou procurada (zetoumene episteme) e teoria da verdade (tes aletheias theoria).

Na Idade Média, a escolástica de São Tomás, conciliando a religião com a filosofia de Aristóteles, "torna a metafísica a parte da filosofia que ultrapassa o real empírico para alcançar o conhecimento das realidades divinas e transcendentais, mas só pelo caminhos da razão e independentemente da revelação (que por sua vez fundamenta a teologia)".

Depois de a metafísica permanecer por longo tempo no campo da religião, ela retorna com Descartes. Este afirma que o conhecimento de Deus e da alma é alcançado "pela razão natural". Por isso, a sua célebre frase: cogito ergo sum (penso, logo existo). Depois de Descartes apareceram outros racionalistas. Kant, por exemplo, achava que o conhecimento depende apenas da razão, independentemente das experiências. Hegel, na sua dialética idealista e Marx, na sua dialética materialista, dão também as suas contribuições para a compreensão do tema.

metafísica é a ciência das causas primeiras. Ela está acima da ciência. A ciência busca as causas próximas; a metafísica, as causas profundas do ser enquanto ser, ou seja, do ser na sua essência, na sua interioridade, na sua imortalidade.

Fonte de Consulta

DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 199

ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.

Compilaçãohttps://sites.google.com/view/temas-diversos-compilacao/metaf%C3%ADsica

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Notas de Livro

A Metafísica não é um livro uniforme, mas uma coletânea dos apontamentos de suas aulas. Somente no século I d.C., Andrônico de Rodes começou a compilar os manuscritos de Aristóteles, temporariamente dispersos. Na ocasião, não foram seguidas as regras da atual filologia científica; assim, sabemos que o livro XI (na Antiguidade, os capítulos eram frequentemente chamados de “livros”) foi escrito por outro autor e incluído por engano na Metafisica. Andrônico é também responsável pelo título Metafísica (literalmente “depois” ou “atrás da física), o que pode significar que a Metafísica, na ordem das obras de Aristóteles, foi posicionada atrás da física ou, ainda, que os temas nela tratados ultrapassaram a física, isto é, a filosofia e a ciência naturais.

Segundo Aristóteles, essa “primeira filosofia” diferencia-se de todas as outras ciências e disciplinas por investigar não um campo específico da realidade, e sim, como ele diz, “to on he on”, o real ou ente desde que exista, isto é, seja real.

Segundo Aristóteles, quando afirmamos que um objeto “é”, não queremos, de modo algum, dizer sempre a mesma coisa. Na frase “Pedro é, na realidade, Paulo”, o “é” serve para estabelecer uma identificação. Na frase “É realmente como você diz”, empregamos o “é” para confirmar a veracidade de um fato. Na frase “Alguma coisa é desfolhada”, novamente o verbo “é” serve para atribuir características específicas a um objeto.

A Metafísica de Aristóteles foi da história da filosofia uma espécie de fermento. Depois de ter se perdido no Ocidente em meio aos tumultuosos anos iniciais da Idade Média, o conhecimento da filosofia aristotélica ultrapassou a mediação dos pensadores islâmicos na Alta Idade Média e se tornou uma força intelectual determinante, o fundamento da ciência e filosofia. Tomás de Aquino fez de Aristóteles o mentor teórico de uma nova visão de mundo cristã e o chamou simplesmente de “o filósofo”.  

A fascinação do primeiro grande sistemático da filosofia baseia-se na relação singular entre conhecimento enciclopédico, argumentação lógica severa e capacidade visionária. Embora hoje muitos duvidem que o objetivo de decifrar o projeto racional do mundo possa algum dia ser atingido, incontáveis descobertas foram feitas ao longo do caminho para o qual Aristóteles remeteu a filosofia. 

ZIMMER, Robert. O Portal da filosofia: Uma Breve Leitura de Obras Fundamentais da Filosofia Volume 2. Tradução Rita de Cassia Machado e Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

 

22 outubro 2008

Arthur Schopenhauer

"Todo homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo." Studies in Pessimism ("Estudos sobre o Pessimismo") [Schopenhauer]

Arthur Schopenhauer (1788–1860) foi um filósofo alemão do século XIX. Sua filosofia é conhecida pelo pessimismo e sua vida pela solidão. Para ele, a vida é sofrimento; a arte representava apenas uma trégua temporária a este. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã, pois entendia-os como uma confirmação da sua visão pessimista do mundo. Schopenhauer combateu a filosofia hegeliana – por esta ser otimista – e influenciou consideravelmente o pensamento de Nietzsche. 

O pessimismo de Schopenhauer veio da sua metafísica, a metafísica da Vontade. A Vontade, ao contrário da razão, não tem limites, pois ela vai para qualquer lado: bom ou ruim. Tanto um quanto o outro gera um querer, o qual nos conduz ao caos. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o homem se vê movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da Vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana. Voltando o olhar para a natureza, o filósofo percebe esta mesma Vontade presente em todos os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento.

A sua aproximação com o Budismo e o Hinduísmo se dá da seguinte maneira: em algum momento, alguém tem que controlar estas forças da Vontade. Controlar a Vontade geral é quase impossível, mas não a Vontade que se manifesta em nós. Isso significa retirar-se do mundo (como os budistas o fazem). Contudo, não é pela meditação budista, mas pela saída estética. Ou seja, a pessoa quando se concentra num quadro, numa música ou em outra coisa qualquer, ela se anula de tal maneira que chega a esquecer que tem Vontade.

As suas principais obras são: Sobre a Raiz Quádrupla do Principio da Razão Suficiente (1813); O Mundo como Vontade e Representação (1819); Sobre a Vontade da Natureza (1836); Os Dois Problemas Fundamentais da Ética (1841); Parerga e Paralipomena (1851).

Schopenhauer está na moda, pois todos acreditam que o mundo está um caos. A não-solução das crises financeiras, a velocidade das notícias e os deslizes dos políticos levam-nos ao pessimismo de Schopenhauer.

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Ao tornar-se professor da Universidade de Berlim em 1820, teve a audácia de de agendar suas aulas de modo a coincidirem com as de Hegel, cuja obra ele desprezava. Como se podia esperar, uma vez que Hegel era catedrático, Schopenhauer não conseguiu atrair muitos alunos, ficou ressentido e abriu mão da carreira acadêmica para se dedicar à escrita. 

Embora fosse considerado um completo pessimista, Schopenhauer chegou a propor maneiras de transcender as frustrações da condição humana, especialmente por meio da arte. (LEVENE, Lesley. Filosofia para Ocupados: dos Pré-Socráticos aos Tempos Modernos. Tradução de Débora Fleck. Rio de Janeiro: LeYa, 2019.)

 




16 outubro 2008

Baruch Spinoza

"É o medo que cria, mantém e alimenta as superstições." (Spinoza)

Baruch Spinoza (1632-1677) nasceu em Amsterdã, na Holanda, em uma família de judeus ortodoxos. Mas, ao contrário dos pais, não tinha qualquer identificação com a religião. Tanto, que foi expulso da comunidade judaica por expressar ideias contrárias. Para Spinoza, os judeus não eram o povo escolhido e nem a Bíblia uma verdade revelada, mas compilação de textos, escritos por autores diversos, ao longo dos anos. Esta postura rendeu-lhe o título de "o mais radical dos pensadores modernos". Morreu jovem, com 35 anos, de tuberculose.

Spinoza é um caso complexo, porque depende de Descartes. Esforça-se por apresentar uma solução diferente  para a relação espírito matéria daquela dada por Descartes. Quer dar uma solução diferente, mas seguindo os passos de Descartes. Assim, a essência da filosofia de Spinoza é o seu sistema totalizante, que tudo abarca. Tal sistema, concebido matematicamente, entende Deus como Natureza (Deus sevi Nature). A partir de suposições básicas (definições e axiomas) e uma série de demonstrações geométricas constrói o universo que vem ser igualmente Deus.

Descartes ensinava que o universo é feito de duas espécies de substância: o espírito e o corpo. Esse dualismo não satisfaz Spinoza. Ele pergunta: como o espírito se relaciona com a matéria? Ensina que há apenas uma substância que constitui todo o universo. A isso chamou Deus. Vista de certo modo é corpo, vista de outro é espírito. A uma, Spinoza chamou extensão; a outra, espírito. A substância é absolutamente independente de tudo, pois representa tudo. É infinita, causada por si mesma e autônoma. Essa concepção unificadora é conhecida como panteísmo. Muito apegado a essa teoria, muitos a ele se têm referido como inebriado de Deus.

O corpo não afeta o espírito nem este àquele. Ambos, porém, são manifestações de uma única e mesma realidade universal, Deus. A árvore é um atributo de Deus; o pensamento que nos ocorre neste momento é um atributo de Deus. Tudo o que acontece no corpo, acontece também no espírito. É o que se chama paralelismo psicológico, isto é, o corpo e o espírito são sempre paralelos, pois constituem dois aspectos de uma só e mesma realidade. No homem o espírito percebe os seus próprios atos, é consciente. Quer dizer, a substância do espírito é mais complexa do que a substância do corpo, embora todas façam parte de uma única substância.

O sistema filosófico de Spinoza é determinista. Tudo no universo segue alguma coisa, mas numa cadeia causal definida, cujos elos se acham necessariamente ligados ao antecedente e ao consequente. A alma não pode ser imortal num sentido individualista; tem na realidade, imortalidade com um modo de Deus que, da mesma maneira que Deus, não pode ser destruída.

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Spinoza parte do princípio de que Deus é a origem de tudo, tal qual o motor imóvel de Aristóteles. A ética, sua principal obra, é um livro sobre Deus e o mundo. Trata-se de um livro sobre Deus no mundo e sobre o mundo em Deus. Uma espécie de panteísmo.

Baruch Spinoza (1632-1677), filho de judeus, educado no judaísmo, muda sua ortodoxia depois entrar em contato com a concepção do mundo de Copérnico, Kepler, Galileu, segundo a qual todos os processos no mundo possuem causas naturais e obedecem a leis da natureza. Tendo como base a matemática, associou os conceitos de Deus à ideia de uma ordem racional do mundo matematicamente explicável, e, com isso, abandonou os fundamentos da fé judaica.

Sintetizemos algumas das influências que recebeu dos pensadores precedentes. Dos pré-socráticos, do atomismo e do estoicismo, a crença de que o cosmo era governado por uma única razão de mundo; de Platão, a teoria das ideais; de Aristóteles, a noção de “substância” e do “motor imóvel”; de Giordano Bruno, que o universo era infinito; de René Descartes, o racionalismo e as noções de “res extensa” e “res cogitans”; De Galileu Galilei, o método teórico-experimental da ciência.

Para Spinoza, Deus não está fora do mundo, e tudo é regido pela lei de causa e efeito. Em se tratando de Deus, Deus é a causa de si mesmo. Ele não é pessoal, nem antropomórfico. Por isso, as suas ideias desagradaram substancialmente a Igreja. Os amigos publicaram, em 1677, suas obras com o título Opera Posthuma, incluindo A ética, mas em 15 de junho de 1678, como previra, o livro foi proibido pela censura.

No período clássico da literatura e da filosofia alemãs, entre 1770 e 1830, foi impregnado pelo espírito espinosiano. Lessing, Goethe e Herder eram declaradamente partidários de Spinoza. Fichte e Schelling, mas, particularmente, Hegel, se basearam em Spinoza, em que a ideia de uma razão de mundo permeada pela realidade tornou-se o ponto de partida da filosofia do idealismo alemão.   

A tese de Spinoza acerca de Deus aproxima-se do conceito de Deus em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Possivelmente, se tivesse a noção de perispírito, poderia também ter feito a ligação entre corpo e espírito.

ZIMMER, Robert. O Portal da filosofia: Uma Breve Leitura de Obras Fundamentais da Filosofia Volume 2. Tradução Rita de Cassia Machado e Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

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Sendo a essência da substância o ser causa de si mesmo, portanto, conceitos idênticos, a noção de substância equivale a Deus. Assim, em última análise, só Deus – que, em Espinosa, é um Ser que consta de um número infinito de atributos todos perfeitos – pode perfazer completamente o conceito de substância. Deus é a única e verdadeira substância. Tudo existe em Deus, fora de Deus nada pode existir, pois Ele esgota todas as possibilidades existenciais.

É aí que aparece o Panteísmo Espinosiano, porém, Espinosa quebra a rigidez panteísta desmembrando em dois momentos o conceito: Natura Naturans ou Natura Naturata, isto é, Natureza Criadora e Natureza Criada: "Deus sive substância sive natura". Espinosa realiza a ideia embrionária existente no espírito de Descartes: Um Deus imanente na Criação, isto é, não uma individualidade dirigindo de fora o universo, mas aquela entidade suprema que, imanente em todas as coisas, nelas palpita e as mantém.

Este panteísmo de Espinosa constitui a forma mais precisa de compreensão da existência de uma "Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas". Uma Inteligência ou Entidade que abrange a totalidade de tudo quanto há e pode haver, e, como abrangente de tudo, não pode estar de fora, pois, não há espaço em que não esteja; é um panteísmo que clareia a intuição teológica de Deus no que tem de possível. (Copiado de SÃO MARCOS, M. P. Noções de História da Filosofia. São Paulo: Feesp, 1993, página 82 e 83.)

 



10 outubro 2008

Correção do Intelecto

A palavra reforma é usada para nos referirmos à melhoria do ser. Ela não é a mais adequada. Observe que Espinosa utilizou o termo emendatio em seu Tratado da Reforma da Inteligência, uma obra inacabada. De acordo com Lívio Teixeira, tradutor da obra, emendatio significa não só melhoria, mas retificação, ação de restabelecer a verdade. Correção seria a melhor tradução, ou seja, “Tratado da Correção do Intelecto”.

Espinosa se coloca diante do mundo e daquilo que é motivo de cobiça dos seres humanos, quais sejam as honras, as riquezas e os prazeres. Em suas reflexões, acaba descobrindo que a procura desses bens é vão e fútil, porém muitas vezes necessária. Apela para a sua inteligência, no sentido de buscar o verdadeiro bem e a suprema felicidade. Quer criar um método, um caminho, que ele chama de “Tratado da Reforma da Inteligência”.

O caminho consiste em analisar os tipos de percepção que as pessoas têm. Segundo Espinosa, há quatro tipos, a saber: 1) percepção que temos pelo ouvir ou por algum outro sinal que designa convencionalmente; 2) percepção que se adquire pela experiência vaga; 3) percepção em que a essência de uma coisa se conclui de outra, mas não adequadamente; 4) Finalmente há uma percepção em que uma coisa é percebida só pela sua essência ou pelo conhecimento da sua causa próxima.

Para Espinosa, o verdadeiro método é o caminho, e conhecer exatamente a nossa natureza é o que nos leva à perfeição. Assim, deveríamos nos basear no conhecimento reflexivo ou na ideia da ideia. Quer dizer, deveríamos fazer um esforço para separar a ideia verdadeira das outras percepções e impedir a mente de confundir com as verdadeiras as que são falsas, fictícias ou duvidosas. Com isso, entende-se, também, que quanto mais conhecimento o sujeito absorve mais se lhe apura a sua visão de mundo, e facilita a captação de percepções mais refinadas.

Ninguém poderá chegar à mais alta sabedoria sem uma correção do intelecto. A emendatio é uma correção da inteligência. Na verdade, é fruto da nossa própria inteligência. Quanto mais conhecimento tivermos, mais se nos apresentará a ideia do ser perfeito. O nosso esforço deve se basear na obtenção de ideias claras e distintas, ideias que não sejam produzidas pelos movimentos fortuitos do corpo, mas que se produzem no pensamento. Ele disse: “A nossa felicidade ou infelicidade depende de que espécie de coisas damos o nosso amor; somente o amor das coisas eternas e infinitas nutre a alma (animus) de puro gozo".

Em síntese, busquemos a união da mente com a natureza inteira; o supremo bem é compreender a unidade e a totalidade das coisas.

Fonte de Consulta 

ESPINOSA, Baruch. Tratado da Reforma da Inteligência. Tradução de Lívio Teixeira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

 

24 setembro 2008

Os Filósofos Pré-Socráticos

Os filósofos, denominados pré-socráticos, como o próprio nome diz, foram os filósofos que viveram antes de Sócrates. Eles foram os primeiros a serem reconhecidos como filósofos, no sentido próprio da filosofia, ou seja, como resultado de uma atividade da razão humana que se defronta com a totalidade do real. Até então, os conhecimentos eram adquiridos por intermédio dos mitos. Foram eles que introduziram o comportamento humano mais acentuadamente racional. Nietzsche resumiu-os na seguinte frase: “Os outros povos nos deram santos, os gregos nos deram sábios”.

Physis é a palavra-chave para a compreensão da filosofia pré-socrática. Geralmente, traduzida por Natureza, o que não espelha o seu verdadeiro sentido. Para os antigos filósofos, a physis refere-se a tudo o que se pode imaginar: os rios, as estradas, o planeta, o tempo, o ódio, o amor. Martin Heidegger assim se expressou: “À physis pertencem o céu e a terra, a pedra e a planta, o animal e o homem, o acontecer humano como obra do homem e dos deuses, e, sobretudo, pertencem à physis os próprios deuses”.

Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Xenófanes de Cólofon, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia, Empédocles de Agrigento, Filolau de Cróton, Anaxágoras de Clazomena, Diógenes de Apolônia, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera são os representantes da filosofia pré-socrática. Nos seus fragmentos e nas suas poesias estão todo o conteúdo filosófico. Tales de Mileto, por exemplo, trouxe-nos a ideia de a água ser a substância primeira da matéria.

A grande dificuldade, nos dias que correm, é destacar os pré-socráticos. A razão é simples: durante muitos anos eles foram esquecidos, desprezados, tidos como sofistas. E, como é do conhecimento geral, a palavra sofista tem um conteúdo pejorativo, pois se referia às pessoas que ensinavam mediante pagamento de salário. Desde que Platão os denominou de falsos filósofos, nunca mais tiveram respeito. Hoje, devido às pesquisas de alguns filósofos, começa-se a dar-lhes outra conotação, uma conotação de verdadeiros filósofos.

A busca da verdade tem este preço: é preciso cavar muita terra. Observe que para muitos pensadores, a filosofia atual nada mais é do que uma nota de rodapé de Platão. Isso, porém, não impede que se busquem novas fontes de conhecimentos. Nesse sentido, libertar a filosofia dos pré-socráticos da tutela platônico-aristotélica, nada mais é do que escutar o que diziam os próprios fragmentos, evitando-se visualizá-los através de conceitos posteriores, e que lhes roubam a sua dimensão original.

Desconfiemos das aparências. A verdade pode estar escondida no fundo das coisas. Busquemos os fragmentos desses antigos filósofos e descortinemos novas verdades para a nossa concepção de vida.

Fonte de Consulta 

BORNHEIM, Gerd A. (org.) Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 1993.


03 setembro 2008

Pseudoprofundidade

A filosofia, fornecendo-nos subsídios para a verdadeira argumentação, faz-nos artífices do raciocínio correto. Com isso, desvia-nos dos sofismas e de tudo o que possa tisnar a verdade dos fatos. A pseudoprofundidade, não resta dúvida, é um desses desvios. Reflitamos um pouco sobre este assunto.

pseudoprofundidade é a utilização de técnicas — nem sempre naturais e sinceras — capazes de dominar o público. Geralmente é exercida por um guru, indivíduo cheio de insigths, que tem grande influência sobre um determinado grupo social. O setor de marketing abriga uma gama enorme deles. Depois de se tornar mundialmente famoso, passa a divulgar as suas teorias, entrelaçadas com seus próprios jargões.

Falar o “óbvio”, mas de forma pausada, palavra por palavra, é um procedimento muito utilizado por esses profissionais. Dinheiro, morte e amor são os seus temas preferidos. Exemplo: “o dinheiro serve para compras coisas”; “todos desejamos amar e ser amado”; “a morte é fim de tudo”. Ninguém contesta essas palavras, pois elas soam como verdadeiras. Quem poderá dizer que a morte não é o fim, se, depois dela, essa pessoa não existe mais? Contudo, trata-se de um slogan, uma palavra-força usada para captar a atenção e a simpatia dos ouvintes.

Nessa mesma linha de pensamento, esses gurus usam frases longas e complicadas em vez de curtas. Pense nas palavras feliz e triste. Para exprimir que uma pessoa está feliz ou triste, eles usam a seguinte frase: “orientações atitudinais positivas e negativas”. Caso esse bem-estar ou mal-estar possa ser passado para outra pessoa, eles diriam: “Orientações atitudinais positivas e negativas são altamente transferíveis de uma pessoa para outra”. Dependendo ainda do tom de voz, o impacto sobre a plateia pode ser muito maior.

Além das palavras longas e complicadas, usam também os termos “energias” e “equilíbrios”, que fornecem ao interlocutor a ilusão de profundidade. Eles podem dizer: “Antes de sair para as suas atividades diárias, aplique “energias” curadoras em volta de si mesmo”; “o seu equilíbrio depende de sua atitude mental”; “pense grande e será grande”; “querer é poder”. Quer dizer, há sempre uma técnica oratória para fisgar o ouvinte. De certa forma, assemelha-se ao reflexo condicionado de Pavlov, aplicado à propaganda, ou seja, usa a intensidade e repetição para melhor atrair.

Saibamos acatar a autoridade da verdade, esteja ela onde estiver. A busca do conhecimento tem este preço.

 

15 agosto 2008

Origens da Filosofia

O ser humano, premido pelo medo do desconhecido, foi obrigado a buscar explicações que pudessem transformar uma desordem inicial em ordem perene. O mito foi a primeira tentativa de interpretar os mistérios do Universo. Os mitos nada mais são do que histórias acerca da criação: do ser humano, do mundo, da vida. Essas narrações ocorreram num tempo "pré-humano", ou seja, num tempo em que o ser humano ainda não existia. No entanto, o que ocorreu nesse tempo serve para explicar o que acontecerá depois que o ser humano aparecer na Terra.

Na Grécia antiga, berço da civilização ocidental, o nascimento do pensamento racional coincide com o surgimento da pólis. A vida na cidade exige uma outra maneira de explicar as coisas. Essa nova maneira de pensar as coisas recebeu o título de Filosofia. Os filósofos, ou melhor, os amantes do saber, já não se contentavam com os relatos sobrenaturais; eles desejaram explicações mais racionais, mais de acordo com a razão. O logos grego queria captar as coisas tais quais eram, tais quais se revelavam, ou seja, queriam descobrir a aletheia (verdade), que significa "revelar algo que estava oculto".

A transição da consciência mítica para a consciência ao nível racional não foi instantânea. Começaram pelo estudo da physisPhysis era entendido como a totalidade do Universo e também como uma forma permanente das coisas. Este termo abrange tudo o que existe e tudo o que não existe. Traduz-se, geralmente, por física, mas não deve ser entendida como a Física dos dias presentes. Em realidade, os primeiros filósofos estavam preocupados em descobrir a origem de todas as coisas. Tales vai dizer que o princípio de tudo é a água; Anaximandro, o infinito indeterminado, Anaxímenes, o ar; Heráclito, o fogo; Pitágoras, o número; Empédocles, os quatro elementos: terra, água, ar, fogo, em vez de uma substância única.

Para melhor compreendermos o pensamento antigo, dividamo-lo em três grandes períodos: 1) até Sócrates, em que a preocupação era com a physis, ou seja, a busca do elemento primordial do Universo. Este período é também o período da admiração, do espanto e da perplexidade; 2) os sistemas metafísicos de Platão e de Aristóteles, em que estes procuravam conciliar o devir e as exigências do pensamento racional; 3) o advento do cristianismo, em que a crença era baseada na . Nesse período, estabelece-se um retorno ao mito.

Religião e filosofia entram em cena e, com elas, as discussões entre fé e razão. O cristianismo é uma religião, revelada, que aceita a  por meios extra-racionais. A filosofia, por outro lado, tenta uma compreensão por vias racionais. A fé é sobrenatural; a razão, natural. Embora de natureza distinta, razão e fé mantêm uma ligação, marcada muitas vezes por tensões. Os primeiros Pais da Igreja, por exemplo, não se contentaram apenas em aceitar a fé; eles queriam estudá-la à luz da razão.

A origem da filosofia está na admiração, no espanto, na perplexidade. Saibamos bem utilizar esses insights para uma melhor compreensão da realidade que nos envolve.

Fonte de Consulta

TEMÁTICA BARSA. Rio de Janeiro, Barsa Planeta, 2005.


13 agosto 2008

Consciência da Liberdade

Os ensinamentos dos primeiros Profetas em Israel, de Buda, na China, de Zoroastro, na antiga Pérsia e dos pré-socráticos, na Grécia, tiveram grande influência na formação da liberdade e da compreensão do outro como sujeito. Esses ensinamentos mostram-nos a passagem de uma consciência mítica  sujeito ligado ao objeto  para uma consciência ao nível racional, em que o sujeito se desliga momentaneamente do objeto, para melhor avaliá-lo.

Hegel, em suas Lições sobre a Filosofia da História, mostra-nos a evolução da história como o advento da liberdade, em que a consciência-de-si é constituída na relação com o outro, na luta pelo reconhecimento. O reconhecimento, porém, só pode se dar no âmbito da liberdade. Quando o ser humano começa a ver o outro como um sujeito e não como um objeto no meio dos objetos, aí começa verdadeiramente a comunicação das consciências, pois cada uma começa a respeitar as outras, com suas virtudes e os seus defeitos.

reconhecimento do outro como sujeito se dá na tessitura do tempo. A escolha do sujeito é o fato marcante. Nesse sentido, o sujeito quando toma uma decisão, ele a toma baseando-se na faticidade do passado e nas possibilidades do futuro. A formação do ser humano baseia-se nessa relação, pois mesmo que não faça uma escolha, isso também é uma escolha, como diria Sartre, em sua filosofia existencialista.

A decisão fundamental do ser humano é a busca do sumo bem. A procura do sumo bem, por sua vez, tem íntima relação com interioridade do ser. E quem, no processo histórico, deu o primeiro passo para essa concretização foi Sócrates com o "conhece-te a ti mesmo". Na época, toda a filosofia estava preocupada com as coisas externas ao ser, principalmente na busca da arché, do princípio de todas as coisas. Sócrates faz o sujeito desviar-se dessas coisas externas e aplicar-se às internas, ou seja, ao conhecimento de sua alma imortal.

interioridade é a chave. Ela não pode, porém, ser uma mera contemplação, uma mera meditação, mas uma reflexão para uma melhor apreensão do dever, que ainda é a busca do sumo bem no relacionamento com o outro. O outro é a medida exata do nosso progresso moral e espiritual. Dos outros recebemos abusos, agressões, repreensões, censuras, mas dos outros também recebemos elogios que, embora não os merecendo, servem de estímulo à nossa vivência diária.

A liberdade — no relacionamento com o outro — pode ser comparada à semente que se joga ao solo. Uma vez lançada, a fruta virá com certeza. Do mesmo modo são os nossos atos, uma vez tomada uma decisão, a consequência virá. Por isso, o silêncio, em muitas das nossas rusgas diárias é o melhor remédio.


01 agosto 2008

A Memória

A memória é a faculdade de lembrar e de conservar estados de consciências passados e tudo quanto se ache relacionado aos mesmos, é tudo aquilo que damos uma importância especial, emitimos um fluxo maior de atenção, retendo o que os nossos sentidos captaram. Diz-se que, para se ter uma memória robusta, convém repetir o fato gerador do estímulo, aquele sinal que se destacou dos demais e prendeu a nossa atenção. Pode-se assim dizer que a memória é o conjunto de tudo aquilo que lembramos e também esquecemos, porque a arte de lembrar é também uma arte de esquecer, esquecer daquilo que não interessa aos nossos objetivos de vida.

A memória está relacionada com o tempo. Os gregos empregavam duas palavras para definir o tempo: cronos e kairosCronos referia-se ao tempo objetivo, histórico, irreversível; kairos, ao tempo subjetivo, vivido, reversível. Há, assim, duas maneiras essenciais de nos lembrarmos de um fato: a primeira, de modo frio, histórico, factual; a segunda, utilizando os nossos sentimentos, as nossas emoções. Estas últimas são mais duradouras, porque são corporificadas pelos verbos amar, gostar, venerar.

Presentemente, todos os seres humanos podem ter uma memória on-line. Tudo o que pensamos, pesquisamos, anotamos e escrevemos pode ser postado na grande rede de computadores, a Internet, cujos provedores oferecem cada vez mais e mais espaço para tais atividades. A informação on-line serve tanto para os internautas como para nós mesmos, pois a qualquer momento e, em qualquer lugar do mundo, podemos ter acesso a esses dados e trazê-los para o momento presente.

Há que se tomar cuidado com o excesso de memória, pois muitas vezes estamos dando ênfase a coisas inúteis, que nada servem para o nosso progresso espiritual. O fluxo energético de nossas emoções deve ser canalizado para aquilo que é útil ao nosso projeto de vida. Nesse sentido, não é muito honesto buscar o que interessa aos outros. Cada um de nós veio para uma missão: aquilo que foi motivo de atenção do outro, de maneira nenhuma deve ser a nossa também.

A memória é a questão fundamental do ser humano. O demente, que vem do grego des (sem) e mens (mente) é um sujeito que vai perdendo a sua mente, onde os neurônios morrem, perdendo-se com eles todas as suas conexões. Pergunta: como nos lembrarmos de algo cuja mente perdeu a sua conexão? Há, ainda, uma outra questão, que deve servir mais à nossa reflexão do que à obtenção de uma resposta imediata: se sou o que me lembro, quem sou eu?

Exercitemos a nossa memória, pois se a deixarmos ociosa, ela se atrofia, fica enferrujada. A memória é uma dessas faculdades que merece uma atenção especial, porque sem ela, como poderíamos conhecer a nós mesmos?

 

O Ruído e o Silêncio

Para os físicos, o ruído é o conjunto de todas as informações, entre as quais é difícil distinguir as que nos interessam. É a superposição de tantos sinais que fica difícil distinguir uns dos outros. Além do ruído das informações, há o ruído auditivo propriamente dito, ou seja, sons com intensidade muito acentuada. Observe uma apresentação musical: os aparelhos são tão potentes que mal podemos ouvir a voz do cantor.

Os dicionários dizem que o silêncio é o “estado de quem se cala”, a “privação de falar”, a “interrupção de correspondência epistolar”, a “taciturnidade”. O Dicionário Aurélio destaca também a “interrupção de ruído”. Para nós que vivemos no século do barulho, das conversas ao celular e dos sons estridentes, o silêncio é muito mais a cessação do ruído do que o estado de alma que procura a paz interior.

Estamos tão acostumados com os aparelhos sonoros que mal percebemos o que fazemos com eles. Há o caso do padre que teve de parar a sua homilia porque um de seus ouvintes atendeu o celular em alta voz. Ele parou, fez-se silêncio, mas a voz ao celular se destacou no meio do público, canalizando todas as atenções para ela. Temos que nos adaptar, mas não nos aprisionar à nova tecnologia. A máquina foi feita para o ser humano e não o ser humano para a máquina. Alguns para se defenderem do barulho externo, tornam-se perfeitas ilhas internas, com os seus “walkman”, andando de um lado para outro, como se fossem robôs.

Há muitos ruídos que vêm de dentro de nós mesmos. Entre eles, citemos aqueles provenientes de uma ansiedade, de uma depressão, de uma esquizofrenia, de uma melancolia. Vez ou outra a nossa mente fica recheada deles e, por mais esforços que fazemos, não conseguimos nos desvencilhar deles com facilidade, ocasionando o que se chama de obsessão, que é a influência persistente de um Espírito sobre um ser encarnado. Às vezes uma mágoa, remoída, dia após dia, acaba corroendo o nosso silêncio interior.

As sociedades, principalmente as orientais — China e Japão —, constroem verdadeiras ilhas de silêncio no meio do barulho de seu trânsito infernal. Todas as outras sociedades deveriam copiar este exemplo, provendo lugares para um retiro, para uma meditação, para um encontro com o Cristo interno de cada vivente. Isso seria bom porque haveria uma diminuição sensível do estresse e propiciaria uma maior capacidade de o ser humano construir-se internamente.

O silêncio é um remédio eficaz para tudo. Aquilo que, no calor das emoções, gostaríamos de dizer e nos calamos, pode ser muito útil, pois com essa ação podemos estancar um mal maior.


04 julho 2008

Zaratustra

Zoroastro (660-580 a.C.) é o suposto autor do Zend-Avesta, livro sagrado do mazdeísmo, cujo dogma essencial é o dualismo de dois deuses em luta: o da luz e o das trevas. O Zaratustra (ou Zoroastro) de Nietzsche é a antítese do Zoroastro histórico, pois as suas teses têm uma mensagem não-dualista. De posse desse princípio, adquirido em seus 10 anos de reclusão no topo de uma montanha, critica todo o tipo de ideia — religiosa, científica e filosófica —, que se fundamenta numa acepção dualista.

No prólogo de Assim Falou Zaratustra, critica Jesus e Platão. Aos 30 anos Zaratustra deixa a sua terra natal e vai meditar no topo da montanha. É uma contraposição a Jesus que, aos 30 anos, saiu para pregar a sua doutrina. Zaratustra convida o sol a entrar na caverna para iluminá-la. É uma tese oposta a Platão que, na sua teoria das ideias, expõe que um dos escravos, que ele chamou filósofo, deixa a caverna e vai ter com o sol (conhecimento). O livro todo versará sobre essa percepção dualista do ser humano.

A ideia central do livro é a morte de Deus. De acordo com Nietzsche, a morte de Deus pode ser vista: a) para o Homem, a morte de Jesus Cristo expiando na cruz os pecados dos homens; b) o Fato do desaparecimento de Deus de nossa cultura; c) para o Último Homem, supressão de um senhor demasiado exigente; d) para o Homem Superior, um desaparecimento que ele se recusa a levar em conta; f) para o Criador, uma etapa na criação do super-homem, etapa destruidora, necessária, com a qual ele se alegra, e cuja realização acelera, mas apenas uma etapa, à qual sucede uma etapa de reconstrução.

A meta a atingir é o super-homem. O super-homem é a linha de chegada do último homem, completamente reconstruído, em que a razão e a crença no além-túmulo estão superadas. É um homem que vive o "aqui e o agora", não se importando com o que há de vir, porque a conquista da sua felicidade se resume em aproveitar o dia que passa. Pode-se dizer que o super-homem já superou todas as etapas que o crescimento espiritual requer. Enfim, ele soube vencer toda a sorte de preconceitos e ideias dualistas que lhe foram passadas ao longo do tempo.

Para que o homem se torne um super-homem, ele necessita da vontade de potência. A vontade de potência é intenção profunda de um sair de uma potência; o que esse ser ou essa potência quer; é a vontade de superar a si mesmo; transcender. Nesse sentido, todo ser humano é vontade de potência, pois está sempre querendo ou negando alguma coisa.

A potência, a realidade mais profunda de todos os seres deve, em última análise, vencer o niilismo, que é a desvalorização do mundo em nome de um além-mundo ou, ainda, a depreciação do além-mundo e deste. A sua ênfase no aqui e no agora mostra que ser humano deverá envidar muitos esforços para se libertar dos apelos religiosos da recompensa futura. Ele terá que se esforçar para viver o presente, com bastante coragem para agir e sofrer em benefício da verdade.

Assim Falou Zaratustra é um bom exercício para a edificação do nosso pensamento. Sopesemos cada uma de suas afirmações, procurando separar o joio do trigo, no sentido de uma construção racional de uma nova moral.

Fonte de Consulta

HÉBER-SUFFRIN, Pierre. O "Zaratustra" de Nietzsche. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

Valor e Juízo de Valor

A palavra valor é polissêmica, ou seja, impregnada de diversos sentidos. Linguisticamente falando, ela vem de valere, que significa ser forte, ter boa saúde. Toma, também, o sentido de qualidade, de coragem, de virtude. Na matemática, fala-se em valor de uma variável, de uma função, de uma grandeza. Em Economia, estabelece-se a distinção entre valor de uso e valor de troca. Em Economia Política, usa o termo valor nominal para designar as distorções quanto ao poder de compra do consumidor. Em Sociologia, o valor social é definido em termos de ideias, normas e conhecimentos técnicos.

O valor, em Filosofia, recebeu o nome de axiologia, de axios, em grego, o que é preciso, digno de ser estimado. Expressa a primazia do querer sobre o inteligir. O valor não pode ser transformado em conhecimento, pois este envolve o raciocínio, a lógica, a teoria. Pode-se dizer que o valor está mais ligado à intuição, ao sentimento, uma espécie de sexto sentido que os grandes homens da humanidade têm ao se relacionar com um fato qualquer. Eles captam a essência num piscar de olhos.

Em termos de construção do conhecimento, a Ciência explica como funciona, o que a coisa é, no sentido de buscar as causas mais próximas. À Filosofia cabe explicar o porquê daquele fato. A ciência é o que é; tem o condão de ser positiva, ou seja, estabelecer hipóteses e testá-las. A Filosofia relaciona-se com o que deve ser, emite um juízo de valor. Isto, contudo, não quer dizer que o cientista não filosofa e nem que o filósofo não faz ciência. Não é porque o cientista fez um corte na realidade, para melhor compreendê-la, que ele não vislumbrou o todo.

A separação entre juízo de realidade e juízo de valor é outra dificuldade. Diz-se que a realidade é o que é e o juízo aquilo que dela se pensa. Acontece, porém, que tanto a ferramenta científica quanto a ferramenta filosófica estão relacionadas com o mesmo fato observado, e nem sempre é fácil separar uma análise da outra. Observe, por exemplo, a seguinte sentença: o copo de leite está quente. Nele há um juízo de realidade e um juízo de valor. Pode-se entender que o leite está quente, e não deve ser tomado, ou que o leite está quente, não frio, factível de ser tomado.

Há diferença entre o observador e a coisa observada? Krishnamurti, filósofo indiano, acha que o observador e a coisa observada é uma e única coisa, pois não podemos separar aquele que olha do objeto visto. Quando reclamamos de nossas ações, dá-se impressão que a ação não foi cometida por nós, mas por um elemento transcendente a nós mesmos. Dentro desse raciocínio, acabamos achando que sempre estamos com a razão e o outro em erro. É ele que nos perturba, e não nós que o aborrecemos. Onde está a verdade?

Como vemos, cada vez mais os valores científicos, filosóficos e religiosos se comprimem no sentido de nos fazer aproximar, o mais possível, à verdadeira realidade, aquela realidade que nos liberta do erro.

Fonte de Consulta

AGATTI, Antonio Paschoal Rodolpho. Os Valores e os Fatos: o Desafio em Ciências Humanas. São Paulo: Ibrasa, 1977. (Biblioteca Psicológica e Educação, 87)




Vida: Desenvolvimento da Consciência

tempo marca a nossa passagem na vida. Quando nos reportamos a alguém, dizemos que ele é um indivíduo com trinta, quarenta ou cinquenta anos de idade. Dificilmente nos lembramos de analisar como eles foram vividos. Nesse sentido, uma pessoa com quarenta anos pode ter vivido mais do que uma de oitenta. É dentro do contexto de uma vivência plena e abundante que a nossa vida deve ser avaliada.

Consciência é uma palavra que tem vários significados: no sentido comum, é a compreensão de alguma coisa; no sentido moral, é representada pela "consciência moral" (voz da consciência), isto é, senso subjetivo do bem e do mal; no sentido psicológico, é a compreensão dos fatos interiores, como a capacidade de perceber as modificações psíquicas; no sentido das doutrinas espiritualistas, a palavra "consciência" adquire um significado muito mais vasto, universal e profundo, até identificá-la com a própria essência do Espírito, que penetra toda manifestação.

Aprofundando-nos no estudo da consciência, percebemos que aquilo que chamamos consciente é o mais inconsciente da consciência. A verdadeira consciência não pode manifestar-se pelo pensamento: ela é um patrimônio do Espírito. Quando a comunicamos através de nossas palavras, estamos simplesmente expressando o nosso universo simbólico, geralmente fruto da tradição e dos costumes.

A busca da autenticidade de nossa existência só pode ser alcançada quando começarmos a tirar as várias camadas que encobrem o nosso "eu" verdadeiro. Temos de extirpar todos os nossos condicionamentos, incluindo os dogmas e preconceitos. É um trabalho árduo que exige muito esforço e dedicação. Toda mudança é difícil, porque exige uma ruptura do comodismo e dos automatismos arraigados no nosso psiquismo.

A procura do eu interior deve ser ardente. Não podemos ser preguiçosos e indolentes. A tão propagada reforma interior não deve ser feita para agradar aos outros, mas sim, para estimular o nosso crescimento espiritual. Metamos mãos à obra: não há mais tempo a perder. Cada dia de nossa existência deve ser um dia de muita luta, de muito esforço e de muita realização no campo do aperfeiçoamento moral.

Desenvolver a consciência é ampliar a nossa concepção de vida. Qualquer vivência que não se preocupa com a sua melhoria interior é uma vivência vazia e destituída dos verdadeiros valores do progresso espiritual.

Fonte de Consulta

BATÀ, A. M. la S. O Desenvolvimento da Consciência (Método Prático com Questionários e Exercícios). São Paulo, Pensamento, 1976.