1 — Em que Consiste o Conhecimento
O ser humano tem necessidade de conhecer. Há uma exigência
"física" de conhecimento, derivada do fato de viver: é preciso conhecer
a realidade, para se orientar, decidir e agir. Mas existe também no ser humano
uma exigência que já não é meramente de sobrevivência, e que podemos qualificar
de "exigência de verdade". Segundo Aristóteles, "todos os
homens, por natureza, desejam saber". Essa é sua dimensão teórica (teoria
quer dizer "contemplação"), que o leva não apenas a conhecer, mas
também a refletir sobre o próprio conhecimento: sua origem, seus limites ou os
critérios sobre nossas certezas. A parte da filosofia que aborda o problema do
conhecimento recebeu ao longo da história diferentes nomes: teoria do
conhecimento, gnosiologia, epistemologia etc.
A teoria do conhecimento é dividida em duas partes: uma que trata do conhecimento em geral e outra que trata do conhecimento científico em particular.
Conhecimento
racional
A primeira forma histórica de explicação da realidade foi o mito. A esta
sucedeu a forma racional, que explica as coisas por elas mesmas, procurando as
causas e as leis e expressando-as por meio de conceitos. Há um tipo de
conhecimento, o comum ou vulgar, cujos conteúdos são superficiais, desconexos,
dificilmente generalizáveis, e que não podem explicar por que as coisas
acontecem como acontecem. Esse tipo de conhecimento não pode justificar seus
conteúdos, mas tem a vantagem de que pode ser o ponto de partida para outras
formas de conhecer mais rigorosas - como, por exemplo, a ciência.
Conhecer é uma atividade mental por meio da qual o ser humano se
apropria do mundo ao seu redor. Essa apropriação consiste numa captação
intelectual. O filósofo Xabier Zubiri atribui três funções ao conhecimento:
discernir o que é daquilo que não é, distinguir a essência da aparência, o real
do ilusório; definir, determinar e especificar o que são as coisas, captando
suas diferenças em relação às outras; e entender por que as coisas são como
são.
Conhecer,
saber, pensar
A palavra "conhecer" é usada em dois sentidos diferentes: para
se referir ao conhecimento direto ou imediato (experiência direta das coisas ou
fatos) e para se referir ao conhecimento indireto ou mediato (conhecimento de
juízos e proposições). Para esse último tipo de conhecimento, costuma-se
utilizar a palavra "saber", que implica dispor de algumas razões que
justifiquem o que se sabe. Por exemplo: dizemos "conheço Paris", se
estivemos fisicamente lá, mas podemos dizer "sei que Paris é a capital da
França", embora nunca tenhamos estado nela. Há casos em que os dois termos
podem ser usados indistintamente: assim, podemos dizer "conheço a fórmula
química da água". É preciso distinguir também entre conhecimento e
pensamento. "Pensar" é examinar as ideias na mente; é possível,
portanto, pensar em algo sem conhecê-lo. No século XVIII, Kant distinguiu entre
"pensar" e "conhecer": "conhecemos" quando
aplicamos um conceito a uma intuição ocorrida na experiência;
"pensamos" quando temos o conceito, mas não a intuição sensível
correspondente. Ou seja, o pensamento carece de objeto empírico.
Objeto e
sujeito do conhecimento
O conhecimento é uma forma de relação entre um sujeito e um objeto:
nele, sempre existe um objeto conhecido ou por conhecer, e um sujeito que
conhece ou quer conhecer. No conhecimento, o objeto se encontra presente de
alguma forma no sujeito, mas não se trata de uma presença direta e sim de uma
representação: um determinado conteúdo mental (pode ser percepção, conceito
etc.) representa o objeto na mente do sujeito. A representação é, portanto,
imaterial, embora o objeto conhecido seja material. Quando nós conhecemos as
coisas, nós as possuímos de forma imaterial, não sensível.
A representação é sempre a representação que tem um sujeito. É ele que
realiza toda a atividade cognoscitiva, mas o representado é o objeto. O
conhecimento é intencional: refere-se a um objeto exterior à própria
representação e ao sujeito que a tem. O objeto do conhecimento são as próprias
coisas, e não sua representação, mas conhecemos coisas tal como as
representamos.
Na simples formulação dos dois fatores que intervêm em todo conhecimento - objeto e sujeito -, já estão implícitos grandes problemas. Por exemplo: como o material-sensível chega a ser possuído mentalmente de forma imaterial-não sensível? Ou: em que medida as representações que o sujeito tem sobre as coisas se ajustam ao que as coisas realmente são?
2 — Processos do Conhecimento
A experiência sensível — aquilo que captamos das coisas por meio dos
nossos sentidos — é o que está na origem de nossos conhecimentos. Nas palavras
de Kant, "não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a
experiência". Mas, como o próprio Kant acrescenta a seguir, "ainda
que nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso ele procede
inteiramente da experiência". Conhecer algo não consiste simplesmente em
"vê-lo", captá-lo pelos sentidos. Só conhecemos quando o
identificamos como determinado objeto ou como determinado outro (como um
"cão" ou um "pôr-do-sol"). Essa identificação é possível
graças ao conceito, que é o resultado de outro tipo de operação, já não
meramente sensível, mas intelectível.
Esse tipo de conhecimento se chama conhecimento empírico ou experiência.
O termo "experiência" deriva do latim experientia ("ensaio",
"prova") e é o equivalente do grego empeiria. A
psicologia atual prefere usar o termo "percepção".
A
sensação
Por intermédio de nossos órgãos dos sentidos, recebemos informação do
mundo que nos rodeia. Os estímulos que nos chegam do exterior incidem sobre os
nossos sentidos e provocam determinadas alterações de caráter físico ou
químico. Os sentidos transmitem uma corrente nervosa ao cérebro e provocam nela
uma reação. O resultado são as sensações, a captação de determinadas qualidades
sensíveis ou dados sensoriais. Os objetos físicos ou sensíveis vão sendo
"transformados" em qualidades psíquicas, que já não são físicas, pelo
próprio sujeito que as recebe. Em virtude desse processo, vemos cores, ouvimos
sons, captamos diversos cheiros, sentimos frio ou calor, suavidade ou dureza
etc.
Cada espécie animal possui alguns órgãos constituídos de tal maneira que
podem captar determinadas qualidades sensíveis, enquanto permanecem totalmente
insensíveis a outras. A retina do olho só pode captar impressões luminosas cujo
comprimento de onda esteja numa determinada faixa, que no caso dos humanos
representa 1/70 do total do espectro da luz solar. Assim, não vemos os raios infravermelhos
nem podemos ter uma ideia de como representaríamos o mundo físico caso
pudéssemos vê-los. Os morcegos são capazes de perceber certos sons que para os
ouvidos humanos são inaudíveis. Cada espécie animal percebe um mundo diferente,
do qual capta o necessário para sobreviver. O mundo dos humanos é um deles.
Tradicionalmente, diferenciam-se cinco sentidos: visão, audição, olfato,
paladar e tato. De todos, o tato é o mais complexo, porque por ele recebemos as
impressões de peso, de pressão, de frio-calor, de dor etc. Mas o sentido mais
considerado, devido a sua possibilidades cognitivas, é a visão: sempre se supôs
que ela é o sentido que permite obter uma informação mais completa do objeto.
Termos como, por exemplo, "teoria" (contemplação) derivam do
privilégio concedido à visão, ou à "ideia" platônica (em grego eidos:
o visível aos olhos da alma).
Percepção
As sensações constituem o material básico de nossa experiência dos
objetos, mas é um fato indubitável que não captamos qualidades isoladas. Quando
pegamos uma maçã de uma fruteira, não captamos apenas uma mancha de cores
vermelha ou verde, um determinado cheiro, e uma certa textura ou dureza.
Captamos um objeto único: uma maçã. É a isso que se chama propriamente de
percepção. O que os órgãos sensoriais captam é a sensação, enquanto que a
percepção é uma atividade pela qual o sujeito capta totalidades que têm um
significado para ele.
A percepção não é uma simples soma de sensações. É o resultado de uma
complexa operação pela qual recebemos as sensações, selecionamos delas as
que nos parecem mais significativas, reunimo-las num conjunto, relacionamo-las
com outras percepções armazenadas em nossa memória, identificamo-las como
formas perceptuais determinadas e, finalmente, atribuímos-lhes um nome. O resultado
desse processo é um determinado conhecimento do mundo - como pode ser, por
exemplo, o de que existe uma maçã sobre a mesa.
Na percepção não intervêm, portanto, apenas os sentidos (o que já não é
verdade nem sequer nas sensações), nem tampouco se explica pela intervenção do
sistema nervoso. Trata-se de uma operação ativa, na qual o sujeito não se
limita a registrar passivamente os dados sensoriais. O sujeito
"constrói" o objeto quando seleciona, organiza ou interpreta os dados
sensoriais. Isto ocorre em todos os casos, mas é mais evidente quando somos
capazes de identificar um objeto percebendo simplesmente um traço pequeno e
característico. A percepção é, portanto, uma atividade construtiva.
A
percepção e o conceito
A percepção implica a identificação, o reconhecimento de um conjunto de
sensações como algo determinado: como uma maçã, como uma
árvore etc. "Maçã" e "árvore" são conceitos. Na
percepção intervêm, portanto, conceitos, mas isso não significa que sejam a
mesma coisa. O conhecimento completo requer tanto a percepção quanto o
conceito.
A percepção capta objetos singulares: esse cavalo, aquela maçã,
com as características particulares que as diferenciam de outros cavalos e
outras maçãs. No entanto, quando dizemos de cada um deles que é um cavalo ou
uma maçã, estamos expressando algo que vale para todo cavalo
e toda maçã. O conteúdo do conceito é, portanto, uma
representação universal, aplicável a todos os objetos que possuam determinadas
características. Os objetos singulares que percebemos são um caso particular
daquilo representado no conceito.
Compreensão
e extensão do conceito
Em todo conceito, podem-se distinguir dois aspectos: a compreensão
(também chamada de "conotação" ou "intenção"), que é o
conjunto de indivíduos aos quais o conceito é aplicável. Por exemplo, a
compreensão do conceito "ser humano" seria "animal
racional"; a extensão seria o conjunto dos seres humanos. Nem todos os
conceitos têm a mesma extensão: existem os mais extensos e os menos extensos. O
conceito "animal" é mais extenso do que o conceito "ser
humano", já que, além de se aplicar aos homens, aplica-se a outros
indivíduos.
Entre compreensão e extensão, ocorre uma regra de relação inversa:
quanto maior é a extensão, menor é a compreensão. Se aos elementos que
constituem o conceito "animal" acrescentamos um traço, o de "ser
racional", a compreensão terá aumentado (até chegar ao conceito de ser
humano), mas a extensão terá diminuído, uma vez que o novo conceito já não será
aplicável a todos os animais, mas somente aos animais racionais. Ao suprimir
elementos de um conceito, sua extensão se amplia; ao lhe acrescentar novos
elementos, sua extensão se reduz. Quanto mais extenso é um conceito, mais
indeterminado; quanto menos extenso, menos indeterminado. De acordo com essa lei,
é possível organizar hierarquicamente os conceitos dentro de um gênero.
As
palavras e os conceitos
Os conceitos se expressam na linguagem, nas palavras que compõem o
vocabulário de uma língua.
As palavras, como já vimos, são signos linguísticos, e representam a
união de um significante e um significado. Por meio deste, a palavra remete a
um referente. Por outro lado, sabemos que os conceitos têm compreensão e
extensão. Pois bem: o significado da palavra corresponde à compreensão,
enquanto o referente corresponde à extensão do conceito.
Utilização
dos conceitos
Os conceitos permitem, em primeiro lugar e fundamentalmente, a
compreensão da realidade, e com isso a capacidade de se orientar nela. Os
conceitos nos permitem classificar os objetos, enquadrando-os em nossa
experiência anterior do mundo. Graças aos conceitos, podemos reconhecer os
objetos que percebemos como uma coisa determinada - como uma árvore, uma maçã
etc. Por outro lado, a natureza inteligível dos conceitos permite um
conhecimento mais amplo e mais complexo do que o recebido pelos sentidos. Por
isso, é possível fazer ciência, já que os conceitos permitem abordar a
realidade com um elevado grau de abstração, e não simplesmente com o caráter
concreto com que ela se apresenta na percepção.
O conhecimento conceitual da realidade nos permite ter expectativas
sobre ela, na medida em que a compreendemos. Dessa maneira, as coisas já não
são algo que escapa totalmente a nosso controle: é possível estabelecer
estratégias de comportamento.
Conceito,
proposição e raciocínio
Os conceitos são fruto de nosso entendimento ou razão, mas a atividade
da razão não se limita a produzir conceitos. A razão também os relaciona
em proposições: combinando, relacionando ou contrastando conceitos,
formamos proposições. Uma proposição é um pensamento que afirma ou nega alguma
coisa: tanto o que se afirma ou se nega como aquele ou aquilo de quem se afirma
ou se nega são conceitos. Por exemplo: "Todos os cães são mamíferos".
O conceito de "cão" foi posto em relação com o conceito de
"mamífero".
A razão, além disso, combina proposições e dessa maneira produz
raciocínios. Neles, a razão relaciona proposições de modo que umas derivam de
outras e com essa atividade nossos conhecimentos se fundamentam.
3 — Origem e Limites do Conhecimento
Como a questão é conhecer a realidade, parece que só a experiência pode
nos permitir chegar até ela. Segundo essa concepção, conhecida como
"empirismo", a origem de nosso conhecimento é a experiência. No
entanto, esse conceito fundamental tão irrefutável e próximo do senso comum foi
muito discutido ao longo da história da filosofia. O "racionalismo",
a concepção oposta a esta, considera que a experiência por si só não pode nos
proporcionar algo de natureza tão complexa e diferente da simples sensação como
é o conhecimento racional.
O problema da origem do conhecimento está profundamente ligado ao
problema de seus limites, e é também a experiência que articula todas as
respostas — não importa se nossos conhecimentos procedem ou não dela. Será
possível conhecer para além da experiência?
Empirismo
Os empiristas acham que a mente do ser humano, quando ele nasce, é como
uma lousa onde não há nada escrito. Tudo aquilo que o ser humano for conhecendo
será proporcionado pela experiência. Essa é a formulação básica de toda
concepção empirista, e foi assinalada por numerosos filósofos ao longo da
história (os sofistas, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino etc.). Porém a
formulação mais radical fica por conta do empirismo dos séculos XVII e XVIII: o
conhecimento não só procede da experiência, mas está limitada a ela. Não
podemos ir além do que a experiência nos mostra, e ficam fora dela realidades
como Deus, mas também nosso próprio eu e o princípio de causalidade, sobre o
qual se apoia toda a ciência empírica. Nem sequer podemos afirmar com total
segurança que existam fora de nossa mente os objetos que produzem nossas
sensações; só temos experiência de nossas sensações (a chamada
"experiência exterior") ou de nosso próprios atos metais — como,
por exemplo, duvidar, pensar, desejar, temer, odiar etc. ("experiência
interior").
Os empiristas defendem uma teoria conhecida como nominalismo. Segundo
essa teoria— que já tinha sido defendida por filósofos medievais, como
Guilherme de Occam — todas as nossas ideias ou conceitos são apenas
percepções ou imagens singulares. O único Universal são as palavras, os nomes (nomina,
em latim, de onde provém "nominalismo"), e representam na mente um
conjunto de percepções ou imagens particulares semelhantes. Por razões de
economia, a mente acaba dispensando as imagens singulares e por isso
utilizam simplesmente a palavra que as designa.
Racionalismo
A formulação clássica do racionalismo é a dos filósofos do
século XVII — sobretudo Descartes e Leibniz —, embora Parmênides e
Platão também possam ser considerados racionalistas. O racionalismo não nega
que a experiência proporcione um conhecimento muito útil para a vida
prática, mas denuncia a insuficiência e a ineficácia dos sentidos para nos
proporcionar um conhecimento autêntico, "científico". Por isso, a
única origem possível do conhecimento é a razão, não a experiência.
Para o racionalismo, a realidade é percebida confusamente na
experiência, e, no entanto, quando a compreendemos intelectualmente, temos
então um conhecimento "claro e distinto" segundo as palavras de
Descartes. Além disso, os sentidos podem nos enganar, proporcionando-nos um
conhecimento meramente ilusório. Por outro lado, as sensações e as percepções
só proporcionam um conhecimento particular e contingente: dizem-nos o que de
fato ocorre para os casos particulares de que tivemos a experiência, mas não
nos dizem que não pode ser de outra maneira, que necessariamente tem de ser
assim para todos os casos. O conhecimento autêntico deve ter validade universal
e necessária, e isto somente a razão proporciona. A razão é dotada de ideias
inatas, alguns princípios evidentes não adquiridos que servem de fundamento
para o resto dos conhecimentos. O inatismo dos conceitos é a forma de
justificar a possibilidade do conhecimento: se os sentidos não nos permitem
conhecer, a possibilidade do conhecimento deve estar no próprio sujeito, na
medida em que esse possua esses conceitos de forma inata.
Todo o conhecimento da realidade consiste num desdobramento dos
conteúdos da própria razão, e se isso é possível é porque o racionalismo
pressupõe que a estrutura da razão é também a estrutura da própria realidade.
O racionalismo não reconhece limites para a razão. Esta pode ir mais
além da experiência — embora, certamente, seu poder não seja ilimitado,
uma vez que o ser humano é algo finito.
Apriorismo
Segundo Kant, filósofo alemão do século XVIII, a quem se deve essa
concepção, o conhecimento não pode prescindir da experiência. Ela lhe
proporciona a "matéria": as sensações.
O conhecimento começa com a experiência, mas nem todo o conhecimento
provém dela: a razão, estimulada pelas impressões sensíveis, acrescenta
algo, dá a "forma" do conhecimento. O conhecimento é a união de
matéria (proporcionada pela experiência) e forma (trazida pela sensibilidade e
pelo entendimento, as duas faculdades que intervêm no processo cognoscitivo). A
matéria é a posteriori e a forma é a priori. O
conhecimento é sempre construção, já que a razão organiza os dados da
experiência.
O apriorismo não é inatismo, uma vez que a razão é a forma organizadora
do conteúdo que a experiência lhe proporciona, mas ela por si mesma não
proporciona conhecimento. Por outro lado, a ação dos elementos a priori é
o que outorga ao conhecimento seu caráter universal necessário, que a experiência
por si só é incapaz de proporcionar. Existe, portanto, uma conciliação das
teses empiristas e racionalistas.
Assim, reconhece um papel fundamental à razão, tal como o racionalismo
sustentava; mas esta só tem valor cognoscitivo em relação àquilo que a
experiência lhe proporciona.
No que diz respeito aos limites do conhecimento, para Kant é evidente
que ele não pode ir além da experiência, e com isso todo o conhecimento
metafísico fica sem fundamento e sem validade.
4 — Certeza e Verdade
Verdade e
certeza
O interesse da filosofia não se concentra apenas no processo de
conhecimento e no papel que a percepção e o conceito desempenham nele. Um dos
temas que mais a preocupam é o de como podemos estar seguros de que conhecemos.
Perguntas como "O que é a verdade?", "É possível alcançar um
conhecimento verdadeiro?", "Existe a realidade à margem daquilo que
conhecemos sobre ela?", "É possível conhecer algo?" tem sido
objeto de reflexão, mas não foi possível chegar a nenhuma resposta definitiva.
Verdade e certeza são dois conceitos-chave nesse contexto de problemas. A
partir da perspectiva do objeto que se pretende conhecer, falamos da verdade
(de conhecimento verdadeiro ou falso); a partir da perspectiva do sujeito que
conhece, falamos dos diferentes graus de certeza ou segurança que acompanham
esse conhecimento.
Aparência
e realidade
Uma das primeiras perguntas que a filosofia se faz é se as coisas são
exatamente como parecem. Perguntar-se sobre isto equivale a se perguntar se o
aspecto das coisas corresponde ao que elas efetivamente são. Essa formulação
pressupõe a existência de uma dualidade: a aparência das coisas e sua
verdadeira realidade. A palavra "aparência" está relacionada
etimologicamente com o verbo aparecer, mas também é usada para indicar que algo
não é o que parece - nesse casso, a palavra "aparência" está
relacionada com o verbo "parecer". Nesse último sentido, pressupõe-se
a existência de um engano da aparência, de uma ocultação da realidade por trás
da aparência. Frequentemente, os dois sentidos da palavra se superpõem: o
aparecer das coisas é percebido como enganoso e procura-se descobrir sua
verdadeira realidade. Nossa própria experiência comum - e não exclusivamente a
filosófica ou científica - conduz-nos a essa reflexão: o bastão na água "parece"
torto, o Sol "parece" bastante pequeno, a água e o gelo
"parecem" coisas diferentes etc. Em qualquer dos casos, falar de
aparência implica sempre remeter a algo diferente dela mesma - a realidade,
aquilo de que é a aparência, algo com o qual mantém uma relação que é preciso
elucidar. Uma forma de abordar essa relação é a partir do ponto de vista
epistemológico (do grego episteme, "conhecimento": a
epistemologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é o conhecimento), e a
esse respeito o problema seria sobretudo o do valor cognoscitivo da percepção.
A aparência é o aspecto das coisas quando as percebemos. Se supomos que mais
além da aparência existe a autêntica realidade, esta não poderá ser captada
pelos sentidos, mas conhecida apenas pelo entendimento ou pela razão. Justo com
a diferença entre aparência e realidade, surge portanto uma distinção entre
duas maneiras de conhecer: a sensível e a inteligível.
Existe outra maneira de abordar o problema que não é estritamente
epistemológico, mas também ontológico (do grego on,ontos,
"aquilo que é": a ontologia é uma disciplina filosófica cujo objeto é
o ser, a realidade). Aqui a questão é saber se o que aparece (a aparência) é a
própria realidade ou se, pelo contrário, a realidade se oculta por trás dessa aparência
- sendo necessário, portanto, outro tipo de conhecimento. Os dois
problemas - o ontológico e o epistemológico - estão, portanto,
estreitamente ligados.
A verdade
O problema da relação entre aparência e realidade traz atrelado um outro
problema: o da verdade. Distinguimos entre aparência e realidade porque
pretendemos conhecer o que as coisas efetivamente são, mais além de sua
aparência; pretendemos, por isso mesmo, que nosso conhecimento seja verdadeiro.
Existe, portanto, uma verdade ontológica, referente às próprias coisas, e
uma verdade epistemológica, referente a nosso conhecimento sobre elas.
Os primeiros filósofos conceberam o acesso à verdadeira realidade
(verdade ontológica) como um modo de "descobri-la": trata-se de tirar
o véu das aparências para deixar que a verdade emerja por si mesma. Isso é
justamente o que significa a palavra grega alethéia - verdade
-, que provém de uma forma do verbo lanthano, que significa
"permanecer oculto", mais a partícula a de negação.
"Verdade" quer dizer, portanto, "desocultação",
"desvelamento". No sentido ontológico, a verdade é entendida como
autenticidade, e seu contrário - inautenticidade - é a aparência.
No entanto, o significado mais habitual da palavra "verdade" é
o que se refere a nosso conhecimento: já que todo conhecimento se expressa em
proposições, falar de "verdade" é falar da verdade das proposições.
A verdade
formal e a verdade fática
Uma proposição é uma ideia ou pensamento que afirma ou nega alguma
coisa. Dependendo dos tipos de proposições, podemos distinguir entre dois tipos
de verdade: a fática e a formal.
As verdades formais (Leibniz as chama de "verdades de razão" e
Kant de "juízos analíticos a priori") são proposições
analíticas: necessariamente verdadeiras (é impossível que sejam falsas) em
virtude do significado outorgado a seus termos. É contraditório, e não
simplesmente falso negar uma proposição analítica verdadeira. A verdade dessas
proposições não depende da experiência. Sua estrutura é "A é A", ou
então podem ser deduzidas logicamente de proposições que têm essa estrutura. Um
exemplo desse tipo de proposição é: "O triângulo é uma figura que tem três
lados". São desse tipo as proposições da lógica e das matemáticas, as
chamadas ciências formais. E também proposições puramente verbais, como
"todo solteiro é um não-casado".
As verdades de fato (Leibniz as chama de "verdades de fato" e
Kant de "juízos sintéticos a posteriori") são proposições
sintéticas: são informativas, mas não necessariamente verdadeiras e sua negação
não implica uma contradição, já que a relação entre sujeito e predicado não é
necessária. Ou seja, analisando o sujeito não obtemos necessariamente o
predicado. Por exemplo: "os planetas giram ao redor do Sol". A
verdade dessas proposições depende da experiência, dos fatos - daí o seu nome
de fáticas. Uma vez que as verdades formais são necessariamente verdadeiras ou
contraditórias, o problema da verdade se coloca em relação às verdades
fácticas: como podemos saber se uma proposição é verdadeira?
Teorias
sobre a verdade: a verdade como correspondência
A teoria clássica sobre a verdade é a teoria da correspondência: uma
proposição é verdadeira se corresponde ou se adapta à
realidade — quer dizer, quando descreve um estado de coisas que
ocorre na realidade. A proposição "A neve é branca" é verdadeira
porque corresponde aos fatos; por outro lado, a proposição "A Lua não gira
ao redor da Terra" é falsa porque não corresponde aos fatos.
A teoria da correspondência parece ser uma exigência do senso comum, mas
formula problemas importantes. A proposição expressa um juízo ou conteúdo
mental sobre a realidade. Conforme vimos anteriormente, trata-se de uma
representação sobre a realidade — não sendo, portanto, a própria
realidade. Para saber se o que está em nossa mente "corresponde" ao
que está fora dela, deveríamos sair de nós mesmos e comparar nossa
representação da coisa com a própria coisa, o que é totalmente impossível.
Dadas as dificuldades que essa teoria apresenta, criaram-se outras
concepções sobre a verdade. No entanto, na maioria dos casos, essas concepções
alternativas não questionam que a verdade consiste na correspondência com a
realidade: o que elas questionam de fato é o critério para se decidir quando
uma proposição é verdadeira.
A verdade
como coerência
Essa teoria sustenta que uma proposição é verdadeira se é coerente (ou
consistente) com o resto das proposições de que faz parte.
"Coerência" significa que a proposição em questão não se contradiz
com o conjunto de proposições, quer dizer, que é logicamente compatível com
o sistema a que pertence. A verdade é o resultado de uma relação entre
proposições, e não de uma relação entre duas coisas de naturezas diferentes: as
proposições e a realidade.
Essa concepção da verdade pode ser aplicada tanto às proposições
fácticas quanto às proposições das ciências formais. Por exemplo: a afirmação
"os duendes da floresta cantam pela manhã", que na aparência se
refere a fatos observáveis, não é coerente com o resto das proposições
científicas — e, portanto, podemos afirmar que é falso. A proposição
"dois mais dois são quatro", que é a expressão de uma operação
matemática, é verdadeira, pois faz parte do cálculo dos números naturais.
Um dos problemas que apresenta essa teoria é que ela permite saber se
uma proposição é verdadeira — se é coerente com o conjunto —, mas não
permite decidir se o conjunto a que pertence é verdadeiro ou não.
A verdade
como evidência
A palavra "evidência" provém do latim evidentia, ae, que
significa clareza, transparência, visibilidade. Evidente, portanto, é aquilo
que se vê claramente. Quando alguma coisa nos parece evidente, nós a aceitamos
como verdadeira. A evidência exige a presença imediata do objeto, que pode ser
uma coisa: "A evidência é a presença para a consciência do objeto em pessoa.
Uma evidência é uma presença", nas palavras de Sartre. Mas também pode ser
uma ideia — essa é, por exemplo, a concepção de Descartes. Para esse pensador,
as ideias evidentes, quer dizer, as ideias que minha razão vê com clareza, as
ideias que estão fora de qualquer dúvida, são ideias verdadeiras: a evidência
das ideias que provêm dos sentidos não tem o mesmo valor cognoscitivo.
A verdade
como utilidade
Segundo essa teoria, uma proposição é verdadeira se é útil ou eficaz na
prática. Essa teoria não está em desacordo com a verdade como correspondência,
mas entende a adequação, não como a adequação entre a cópia ou representação e
a realidade, mas como adequação a um objetivo: uma proposição é verdadeira se é
útil ou eficaz com vista à obtenção de algum fim. Os defensores dessa teoria
são os pragmatistas principalmente William James (1842-1910) e Charles S.
Peirce (1839-1914). No fundo dessa concepção, está presente a ideia de que o
ser humano é um ser que age e que, portanto, tem fins e objetivos e meios
ou métodos para poder atingi-los.
Os filósofos pragmatistas não querem afirmar
que qualquer proposição que nos seja benéfica é
verdadeira — só o será caso se ajuste aos acontecimentos. A utilidade pode
apenas decidir sobre a verdade provisória de uma proposição; se, no futuro,
encontra-se uma explicação mais satisfatória, a proposição anterior terá
deixado de ser útil e, portanto, verdadeiro. Por outro lado, segundo essa
teoria da utilidade, só podemos estabelecer a verdade de uma proposição se
verificarmos efetivamente os fatos, exigência que não ocorre na teoria da
correspondência, em que uma proposição pode ser verdadeira ainda que não a
tenhamos comprovado.
A verdade
como consenso
Esta teoria sustenta que é verdadeira aquela proposição que reflete o consenso,
o acordo a que chegaram determinados interlocutores. Essa teoria é fundada
sobre a reflexão de que a verdade não pode ser um fato privado do sujeito que
chegou a ela, mas que precisa ser comunicada e compartilhada por todos —
quer dizer, intersubjetiva. No caso dos problemas da ciência, o consenso deve
ser atingido pela comunidade científica.
Atualmente, a concepção da verdade como consenso é defendida por K. O.
Appel e J. Habermas, para quem o acordo a que os interlocutores devem chegar
tem de ser produzido em algumas condições ideais de diálogo: que cada um se
expresse em igualdade de condições com os outros, e com a mesma liberdade e
independência de critério. As objeções que podem ser feitas à teoria da verdade
como consenso são as de que, por um lado, existem condições ideais; e, por
outro lado, que a verdade acaba sendo uma questão de acordo e, portanto,
convencional.
A crença
e o saber
O resultado da atividade de conhecer pode ser a crença ou o saber. A
crença é o assentimento ou aceitação de uma proposição considerada verdadeira.
O objeto de uma crença é sempre uma proposição, quer dizer, a crença tem a
seguinte fórmula lógica: "Creio que 'p', onde 'p' é uma proposição".
O problema é, certamente, em quais casos se justifica a crença em determinada
ideia ou proposição.
Justificar uma crença é poder estabelecer suas razões, o que a
transforma numa crença racional. A crença irracional é, pelo contrário, a
crença não fundamentada em razões ou fundamentada em razões não pertinentes,
quer dizer, que não vêm ao caso. Ainda assim, o fato de que a crença seja
racional não significa que seja verdadeira — daí podermos considerar que,
embora o racional seja atribuir razões a nossas crenças, também é racional
aceitar que talvez só possamos aspirar a crenças prováveis, até muito
prováveis, mas não a crenças infalíveis.
A crença só se constitui em saber se estiver justificada e for
verdadeira. Assim, podemos dizer que sabemos que os planetas do sistema solar
são nove, ou que a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus. Essa
modalidade de saber — que as denomina "saber o que" — não
admite graus (ou se sabe ou não se sabe) e pode ser aprendida. Existe outra
modalidade de saber — "saber como" — que se refere às
estratégias e instrumentos necessários para fazer coisas ou atingir um
objetivo. Consiste, portanto, em dominar certas habilidades: é um saber prático
que se pode aprender e aprimorar e que, além disso, admite graus.
A certeza
O saber é uma crença verdadeira a que podemos atribuir razões. Ele vem
acompanhado de um sentimento de segurança sobre a verdade daquilo em que
cremos. Esse sentimento de segurança é a certeza, que não é uma
propriedade das ideias, mas um estado do sujeito; nesse sentido, dizemos que a
crença é subjetiva.
A certeza é causada normalmente pela evidência: esta outorga tamanha
força à ideia que faz com que nosso sentimento de segurança seja praticamente
inevitável. Quando alguma coisa nos parece evidente, não podemos deixar de
concordar: estamos certos e seguros de que hoje o Sol saiu ou de que dois mais
dois são quatro.
O contrário de certeza é a dúvida. Nesse caso, flutuamos entre duas
proposições, sem sabermos por qual decidirmos — seja porque carecemos de
razões para dar nosso assentimento, seja porque as razões que apoiam as duas
proposições estão equilibradas. Em alguns casos a dúvida é uma atitude
deliberada, um ato da vontade com a intenção de ganhar, justamente por meio
dela, alguma certeza racional. Esse é o caso de Descartes, que faz da dúvida
metódica a via de acesso à ideia da qual não é possível duvidar: que sou uma
coisa que pensa (cogito, ergo, sum).
5 — Estrutura Lógica do Conhecimento
Com a linguagem emitimos juízos, que são os atos da mente pelos quais
afirmamos ou negamos algo. Emitimos juízos por meio de um tipo de frase ou
oração a que chamamos de "enunciado", ou "proposição".
O encadeamento articulado de proposições constitui o discurso. A lógica
é a disciplina que estuda a forma do discurso argumentativo: o raciocínio. O
raciocínio é a passagem de algumas proposições (premissas) a outras (conclusão).
Podemos dizer das proposições que são verdadeiras ou falsas, caso aquilo
que afirmem seja ou não uma realidade. A verdade se aplica às proposições e se
refere a seu conteúdo. A validade se aplica ao raciocínio e se refere a sua
forma, ou estrutura abstrata.
Com a ajuda de uma linguagem formal, a lógica pretende captar os
mecanismos que fazem com que um raciocínio seja válido.
A lógica
enquanto ciência formal
A lógica é uma das ciências que estudam os conhecimentos, ainda que de
maneira diferente da de outras disciplinas, como a epistemologia ou a
psicologia. A lógica se interessa pelo estudo das normas ou regras do
pensamento que devem ser seguidos para se efetuar um raciocínio correto, um
raciocínio que nos proporcione um conhecimento válido. O campo da lógica é a
validade dos raciocínios - sua estrutura formal -, não a verdade das
proposições que os formam. A verdade faz referência aos conteúdos dos
enunciados, e cabe às ciências empíricas se ocuparem dela.
Como sinônimo de raciocinar, usa-se habitualmente a palavra
"discorrer", aludindo com isso ao caráter de movimento do raciocínio.
O raciocínio é um "discurso", um movimento que avança a partir de um
lugar para chegar a outro. Raciocinar é apoiar ou fundamentar uma afirmação -
que, chamamos de conclusão - em outras - que chamamos de premissas. Raciocinar
é o "discurso" das premissas até a conclusão, como o curso (discurso)
de um rio, de suas fontes até o mar.
Esse avanço, no entanto, deve ser feitos de maneira correta, com a garantia
de que a conclusão se deriva necessariamente das premissas.
Raciocinamos sempre na e por meio da linguagem.
A lógica se interessa pelos enunciados emitidos por meio da linguagem, mas
apenas no aspecto de que da verdade ou falsidade de uns pode se derivar da
verdade ou falsidade de outros, de acordo com sua própria estrutura. A lógica
se interessa pela forma dos enunciados, não por seu conteúdo, por isso a lógica
é uma ciência formal (assim como as matemáticas): não leva em conta os
conteúdos, apenas a forma do raciocínio.
A lógica é uma ferramenta fundamental para a ciência, pois lhe permite
analisar, explicar e organizar as verdades já conhecidas. A partir da verdade
de alguns enunciados científicos, a lógica pode assegurar outras verdades que
estão ligadas logicamente às primeiras. Esse caráter instrumental já se
manifesta desde os primeiros tratados de lógica, escritos por Aristóteles, que
receberam o nome de Organon (instrumento).
A
linguagem artificial da lógica
As linguagens naturais (as línguas faladas, criadas, recriadas e
transmitidas pelos homens ao longo de sua história) não são linguagens exatas.
Sua lenta construção ao longo de muitos anos, fruto da relação do homem com o
mundo, torna-as muito ricas e cheias de matizes, mas também vagas e cheias de
ambiguidades e confusões. Os pontos de vista a partir dos quais uma linguagem
natural pode ser estudada são três: o sintático, que analisa as relações das
palavras entre si; o semântico, que investiga o significado das palavras; e o
pragmático, que se ocupa do uso feito pelos falantes da língua.
As ciências optam pelo uso de linguagens especializadas com o objetivo
de evitar ao máximo possível os equívocos e mal-entendidos. O rigor científico
exige uma linguagem formal clara, precisa, unívoca e objetiva.
A lógica, embora pretenda determinar a estrutura do raciocínio expressa
nas linguagens naturais, mas com o objetivo de evitar problemas, emprega uma
linguagem artificial, desligada de conteúdos concretos, capaz de formular com
mais precisão, e em toda a sua nudez, a sintaxe do raciocínio: sua forma. A
esse tipo de linguagem dá-se o nome de linguagem formal, construída com
símbolos que eliminam qualquer consideração semântica ou pragmática. No
entanto, essa linguagem artificial construída com símbolos permitirá depois
interpretações semânticas, quando esse signos forem substituídos por expressões
linguísticas com significado. Dessa maneira, uma mesma fórmula simbólica pode
ser traduzida numa série indefinida de expressões semânticas.
Uma linguagem totalmente formalizada, reduzida a símbolos e a sua
dimensão sintática, é uma linguagem reduzida a um conjunto de regras que
permitem operar com símbolos, da mesma forma que um cálculo aritmético ou
algébrico.
Princípios
lógicos elementares
Os princípios lógicos básicos sobre os quais se sustentam todas as
operações lógicas são:
- Princípio de identidade: se uma proposição é verdadeira,
então é verdadeira. Toda proposição se deduz logicamente de si mesma.
- Princípio de não-contradição: se uma proposição é
verdadeira, não pode ser falsa ao mesmo tempo.
- Princípio do terceiro excluído: dada uma proposição, ou
ela é verdadeira ou sua negação o é. Não pode haver outra possibilidade.
A escritura é essencial para divulgar o saber científico.
Assim como os símbolos e as regras são necessários para se calcular,
compreender e explicar todos os tipos de fenômenos físicos, químicos e
matemáticos, a lógica também se serve de uma linguagem que permite enunciar
proposições que expliquem as normas do pensamento para efetuar um raciocínio
que nos proporcione o conhecimento.
6 — O Raciocínio e suas Variantes
O raciocínio dedutivo é o tipo de raciocínio analisado pela lógica
formal. Nele, as conclusões derivam necessariamente das premissas. É um
raciocínio forte.
Existem, no entanto, outros tipos de raciocínios nos quais a verdade não
é necessária, mas apenas provável. Esses tipos de raciocínio mais fracos são a
generalização indutiva e a analogia.
O raciocínio tem também suas armadilhas. Existem ocasiões em que
raciocínios que parecem corretos na verdade não são. São as falácias.
Raciocínio
dedutivo
O tipo de raciocínio capaz de ser analisado pela lógica é o raciocínio
dedutivo. O raciocínio dedutivo é aquele em que a conclusão deriva
necessariamente das premissas: se as premissas são verdadeiras, a conclusão tem
de ser necessariamente verdadeira. As premissas implicam logicamente conclusão,
e a conclusão é uma consequência lógica das premissas. É um raciocínio forte ou
sólido, que proporciona a máxima segurança, por ser independente da experiência
e inferido exclusivamente pelo raciocínio, desde que haja os dois requisitos
seguintes: que as premissas sejam verdadeiras (enquanto de conteúdo real ou
conteúdo de verdade) e que esse esquema de raciocínio seja válido (requisito de
conteúdo formal ou esquema válido).
No raciocínio dedutivo, conclusão já está contida nas premissas,
explicitamente, de modo que se poderia dizer que a conclusão não agrega novas
informações ou novos conhecimentos. Basta derivar por meio das leis da lógica a
informação apresentada pelas premissas para se chegar à conclusão.
Embora isto não seja correto, de alguma forma as novas proposições, derivadas
das premissas parecem apresentar informação nova, já que a capacidade de
enxergar a conclusão só com as premissas não é instantânea: depende, em muitos
casos, da própria complexidade do raciocínio. O raciocínio dedutivo, portanto,
é uma das formas mais seguras de ampliar os conhecimentos, e é empregado pela
matemática e pela lógica.
A validade de um raciocínio dedutivo é independente da verdade ou
falsidade das proposições que o integram. A verdade ou falsidade é uma
propriedade das proposições, enquanto que a validade depende da relação lógica
entre as premissas e a conclusão. Num raciocínio válido, se as premissas são
verdadeiras a conclusão também é; mas, se as premissas são falsas, a verdade da
conclusão é indeterminada (pode ser verdadeira em alguns casos e não em
outros). A correção ou incorreção de um raciocínio dedutivo depende, portanto,
da forma. Demonstrar a validade é tornar explícitos todos e cada um dos passos
que permitem deduzir de forma correta ou legítima (com o uso das leis ou regras
de inferência da lógica) a conclusão a partir das premissas. Num raciocínio não
válido, a conclusão é indiferente à verdade das premissas.
Raciocínio
indutivo
O raciocínio indutivo é aquele por meio do qual, a partir do exame de um
número elevado de casos particulares (premissas), generalizam-se todos os
indivíduos do conjunto (conclusão). A conclusão, no raciocínio indutivo, é
apenas provável - não se depreende necessariamente das premissas. Não oferece segurança
absoluta, já que a verdade das premissas não assegura a verdade da conclusão:
sempre poderia aparecer um indivíduo (um novo caso) que não cumprisse a
promessa ou propriedade.
No entanto, a generalização é aceita, já que o costume nos faz pensar que
a natureza e as coisas têm comportamentos regulares - que aquilo que aconteceu
muitas outras vezes voltará a se repetir se as circunstâncias forem semelhantes
- ou que, definitivamente, existe um princípio de regularidade da natureza: o
Sol sai a cada dia; se deixo um objeto solto, ele cai no chão etc.
O raciocínio indutivo permite aumentar o conhecimento, mas sempre sob a
condição de que se admita a sua fragilidade. A conclusão não está implícita nas
premissas, apoia-se nelas, mas elas não a contêm. Produz-se o chamado salto
indutivo: a partir de casos conhecidos, generaliza-se todo o conjunto.
Aplica-se a todo o conjunto a verdade observada apenas numa parte dele. Quanto
maior o número de observações, maior é a probabilidade de que a conclusão seja
verdadeira, mas sem a total segurança. Quanto maior a perspicácia analítica de
quem elabora o raciocínio, será possível concluir aquilo que tem a maior
probabilidade de ocorrer. Esse tipo de raciocínio não é empregado pelas
ciências experimentais.
A validade de um raciocínio indutivo não depende da forma como as
premissas e a conclusão se relacionam. Um raciocínio indutivo é válido se, e
somente se, as premissas apoiam suficientemente a conclusão, se a verdade das
premissas torna provável (mais provável do que menos) a
verdade da conclusão. Num raciocínio indutivo válido, podemos conhecer a
verdade das premissas e nos equivocarmos na conclusão. A conclusão nunca será
necessariamente verdadeira, ainda que as premissas o sejam (raciocínio
dedutivo). Podemos afirmar as premissas e negar a conclusão sem entrar em
contradição. Diferentemente do raciocínio dedutivo, não há incoerência se as
premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa.
A indução pode ser completa ou incompleta. Ela é completa quando se pode
enunciar a propriedade de cada um dos elementos que formam o conjunto,
podendo-se ter a enumeração completa. Serve apenas para conjuntos fechados e
não é útil para conjuntos mais abertos. O problema se coloca, quando no âmbito
da realidade fica difícil de enumerar - se não impossível - todos os
casos particulares. A indução completa é a usada habitualmente nas
ciências.
Raciocínio
analógico
A base do raciocínio analógico consiste em relacionar duas ou mais
coisas nas quais estabelecemos algum traço em comum e, em função da semelhança
(analogia ou similitude) entre essas características ou situações conhecidas,
concluir que outra característica que uma tenha a outra também terá.
O raciocínio analógico não tem o caráter necessário do raciocínio
dedutivo, nem o caráter provável do indutivo: seus resultados são apenas
aproximados. A validade se baseia na plausibilidade das razões que se oferecem
para estabelecer tal analogia: quanto mais características os âmbitos
comparados tenham em comum, quanto menos diferenças, quanto mais relevantes
sejam as semelhanças, mais credibilidade o raciocínio analógico inspirará.
A confiabilidade desse tipo de raciocínio é relativa e pode induzir a
erros, mas é útil para sugerir relações e encontrar soluções para diversos
problemas, apesar de não proporcionar uma credibilidade absoluta. Implica um
elemento criador: é uma construção que, de um lado joga com os limites dos
elementos a serem relacionados, mas por outro joga com a liberdade imaginativa
de quem o produz. É usado nas ciências empíricas, como a medicina, por exemplo
- quando se espera que um medicamento se comporte da mesma forma num ser humano
depois de ter sido experimentado em animais de laboratório.
Os
raciocínios enganosos
A palavra falácia provém do verbo latino fallor, que significa
"enganar-se". Uma falácia é um raciocínio que aparenta ser válido mas
não o é, já que esconde algum erro, seja por sua forma ou estrutura lógica
(falácias formais), seja porque a informação que as premissas proporcionam não
é pertinente (confusa, escassa, errônea ou ambígua) para a formação da
conclusão (falácias não formais ou materiais). O estudo das falacias é antigo,
e por isso muitas delas são conhecidas por seu nome latino. Entre as mais
habituais, destacam:
Falácias formais
- Afirmação do consequente
- Negação do antecedente
- Falso silogismo disjuntivo
Falácias não formais
- Ad hominem (contra o homem)
- Ad verecundiam (ao respeito ou apelação à autoridade)
- Ad populum (às pessoas)
- ex populo (das pessoas)
- Tu quoque (você também)
7 — Conhecimento Científico
Fazer ciência não é a mesma coisa que dizer o que a ciência faz. Essa
última tarefa pertence à filosofia. A filosofia da ciência pretende refletir
sobre a forma de conhecimento considerada científica e sobre seus conteúdos, os
diferentes problemas que ela enfrenta de acordo com o âmbito de cada ciência e
suas metalologias específicas. A ciência (do latim scientia,
"saber") seria a forma de conhecimento que aspira a formular, por
meio de linguagens rigorosas e apropriadas, as leis que regem os fenômenos. Mas
não existe uma única ciência, e sim um conjunto de saberes considerados
científicos, conforme a parcela ou âmbito dos fenômenos que seja objeto de seu
estudo.
O objeto condiciona, por sua vez, o método próprio de cada uma das
ciências. A reflexão sobre o método científico coloca o problema da demarcação
entre o conhecimento científico e o pseudocientífico. Por sua vez, a
reivindicação do estatuto científico das ciências sociais (com suas
metodologias diferentes do método experimental das ciências da natureza,
considerado como paradigma metodológico) coloca o problema da compreensão dos
fenômenos diante da explicação.
O saber
científico
Alguns traços especificamente humanos são a ciência do saber e a vontade
de dominação sobre a natureza: compreendê-la para transformá-la segundo seu
interesse, embora a transformação corresponda a outro campo da atividade
humana: o da técnica. A ciência procura o conhecimento: é teoria. A técnica é a
aplicação prática desse conhecimento.
Não existe unanimidade na definição do que seja a ciência - há até quem
defenda que não é possível estabelecer essa definição (Chalmers). O que existe,
sim, é uma série de disciplinas cujos saberes consideramos científicos, e uma
série de atividades de algumas pessoas (os cientistas) que enunciam
"teorias" que pretendem explicar o mundo da experiência. Com a
palavra "ciência", designamos tanto a atividade cognoscitiva voltada
para a aquisição de saberes quanto o produto dessa atividade, como corpo
sistemático e organizado de conhecimentos.
Para que possa haver conhecimento científico (descoberta e formulação de
leis naturais), deve-se pressupor o princípio de regularidade da natureza dos
fenômenos naturais, e no fato de que tais fenômenos estejam relacionados entre
si de maneira determinada e estável.
A
classificação das ciências
A classificação das ciências comumente aceita é a que estabelece como
critérios sua ligação com os fatos. De acordo com esse critério, as ciências se
dividem em dois grandes grupos, claramente diferenciados: ciências não empíricas,
ou formais, e ciências empíricas, também chamadas de ciências fácticas.
As ciências formais são aquelas cujas proposições não afirmam nem negam
nada sobre os fatos que ocorrem no mundo - apenas "contêm fórmulas
analíticas" (M. Bunge). Seu objeto de conhecimento são entes ideais, com
existência exclusiva na mente humana: são formas suscetíveis de receber
múltiplos conteúdos.
O método das ciências formais é a demonstração ou a prova: todo o seu
conhecimento fica delimitado pelo conjunto do sistema que formam, sendo
sistemas autônomos, fechados sobre si mesmo, cujas proposições são verdadeiras
caso sejam deduzidas corretamente de outras proposições já aceitas pelo
sistema. A demonstração é uma operação exclusivamente racional, totalmente
alheia à confrontação com a experiência.
Existem apenas duas ciências formais: as matemáticas e a lógica.
As ciências empíricas, ou fácticas, são aquelas cujas proposições
afirmam ou negam algo sobre os fatos que ocorrem no mundo. A verdade de suas
proposições depende da confrontação com a realidade, por meio da experiência.
As ciências experimentais corroboram ou verificam: a partir de dados da
observação ou da experiência, procuram estabelecer leis e teorias que permitam
predizer o futuro. Pretendem "explorar, descrever, aplicar e predizer os
acontecimentos que ocorrem no mundo em que vivemos" (C. Hempel), o que
determina seu campo de ação.
As ciências empíricas, por sua vez, são divididas, tradicionalmente, em
ciências naturais e ciências sociais. As ciências naturais são as que encontram
seu objeto de estudo no âmbito natural. São ciências naturais: a física, a
química, a biologia e a geologia.
As ciências sociais ou humanas são as que concentram seu objeto de
estudo no âmbito social ou nos resultados das ações humanas. São ciências
sociais ou humanas a sociologia, a política, a antropologia, a economia e a
história.
O critério dessa divisão é menos claro, e há autores que introduzem uma
zona limítrofe para algumas das ciências chamando-as de ciências socionaturais.
Entre elas estariam situadas a psicologia e a geografia.
Características
das ciências fáticas
A forma de conhecimento própria da ciência aprofunda e amplia o
conhecimento ordinário que temos das coisas. Os cientistas vão mais além do que
a simples experiência (entendida aqui como o conhecimento que nos chega através
dos sentidos) nos mostra: relacionam os fatos mais relevantes e os observam por
meio de um instrumental adequado (por exemplo, o microscópio). O conhecimento
científico vai além da experiência sobretudo em outro sentido: não se limita a
descrever a experiência, mas pretende uma explicação dos fenômenos observados,
mediante a formulação de hipóteses, leis e sistemas de leis (teorias),
que são produtos da razão, e não mero reflexo da experiência. A atividade
científica consiste em boa parte na invenção de conceitos (como os de átomo,
massa, energia, adaptação, seleção, classe social etc.), e esses não
correspondem a algo diretamente observável, ainda que possamos inferi-los a
partir de fatos experimentais.
O conhecimento científico é claro e preciso, frente ao conhecimento
comum, que é vago, impreciso e superficial. A precisão é alcançada por meio da
definição dos conceitos que utiliza e por meio da criação de linguagens
artificiais, quer dizer, linguagens específicas de cada ciência nas quais se
fixa exatamente tanto o significado dos símbolos que as constituem quanto as regras
de combinação desses símbolos. A matematização dos fenômenos também contribui
notavelmente para a precisão e a exatidão buscadas.
O conhecimento científico é verificável, o que quer dizer que todo o
conhecimento que se pretenda científico deve ser submetido à experiência. Esse
é um dos requisitos fundamentais da ciência. As técnicas de verificação são
muito diversificadas, mas sempre consistem em pôr à prova consequências
particulares de hipóteses gerais, uma vez que as hipóteses gerais não podem ser
verificadas diretamente. A verificação acontece mediante experiências. As
experiências são experimentações controladas e baseadas numa teoria. Esta é
justamente a diferença entre a experimentação e a experiência comum. A
experiência comum não obedece a nenhum plano teórico e, portanto, não sabe o
que olhar, nem o que buscar: falta-lhe um projeto que a oriente e lhe dê
sentido.
O conhecimento científico é sistemático. A ciência é um sistema de
ideias (teoria) ligadas logicamente entre si. O fundamento de uma determinada
teoria não é um conjunto de fatos, e sim, mais exatamente, um conjunto de
hipóteses com certo grau de generalidade. Dessas hipóteses se extraem as
conclusões, que recebem o nome de teoremas.
O conhecimento científico pretende a enunciação de leis gerais. A
ciência só pode ser conhecimento geral: o fato singular só é cognoscível na
medida em que é membro de uma classe ou caso de uma lei, o que pressupõe que
todo fato é classificável. As leis gerais nos proporcionam uma explicação dos
fatos. a explicação não é simplesmente uma descrição dos fatos, já que nos diz
não só como elas ocorrem, mas sobretudo por que ocorrem.
As leis científicas permitem, além de explicar os fatos, predizê-los. A
ciência é predicativa. Na medida em que são gerais, as leis não só se aplicam a
fatos passados, mas descrevem futuros estados de coisas a partir de condições
iniciais que se conhecem.
A ciência é metódica. O método é necessário para garantir a certeza e
evitar que se admita como verdadeiro algo que corresponda unicamente à
apreciação subjetiva do cientista. O método permite distinguir com clareza a
verdade da mera opinião.
Finalmente, um dos traços mais notáveis do conhecimento científico é que
ele é aberto. De um lado, por que não reconhece barreiras a priori que
limitem o conhecimento; de outro, porque não é um sistema dogmático. A atitude
verdadeiramente científica sabe que toda teoria é refutável, e que, portanto, a
ciência é capaz de progredir, não quanto ao domínio técnico da natureza, mas no
que se refere à superação das teorias científicas por outras que expliquem os
fatos de uma forma mais completa.
Métodos
científicos
No contexto da descoberta, as estratégias dos cientistas são
múltiplas e variadas — desde o caso em que os dados empíricos são tão
claros que facilmente permitem elaborar uma hipótese, até o caso das hipóteses
sobre a estrutura do átomo de Bohr, sugerida por uma analogia com o sistema
planetário). Na descoberta científica, influem fatores como a intuição, a
sagacidade do cientista e até a sorte ou casualidade.
No contexto da justificação, o método estabelece como será
provada, validada ou justificada uma teoria. Aqui, a questão acaba sendo muito
mais complicada, porque o cientista, além de provar a verdade da hipótese, deve
justificar a validade de seu método perante a comunidade científica. A questão
é importante porque nem todos os métodos permitem validar todas as hipóteses e,
portanto, deve-se justificar o método escolhido.
Mário Bunge enuncia aquilo que talvez seja "a única regra de ouro
para os cientistas: audácia ao conjecturar, prudência ao submeter as
conjecturas e confrontações".
O método
dedutivo
O método dedutivo é o método utilizado pelas ciências formais. Consiste
em mostrar a verdade de uma proposição (a conclusão) a partir do conhecimento
de outras proposições (premissas), em virtude de sua forma lógica. Uma dedução
só é válida quando as premissas forem verdadeiras e a conclusão também o for
necessariamente.
O método dedutivo exige a construção de um sistema axiomático, quer
dizer, um sistema formado por: axiomas, ou princípios fundamentais do sistema
que não são demonstráveis dentro dele; regras de formação e transformação, que
permitem deduzir novos enunciados válidos dentro do sistema; e teoremas, ou
enunciados obtidos dedutivamente a partir dos axiomas, seguindo-se as regras de
transformação.
Um sistema axiomático bem construído precisa: ser consistente, sem
contradições internas, de modo que seja impossível a dedução de um teorema e de
sua negação; ser solucionável, incluindo um procedimento efetivo por meio do
qual se possa estabelecer se uma expressão bem formada é um teorema; ser
completo, isto é, permitir que todas as possíveis proposições verdadeiras sejam
deduzidas a partir dos axiomas. E, finalmente, todos os seus axiomas devem ser
independentes, isto é, não podem ser deduzidos de outros axiomas.
O método indutivo consiste em extrair leis ou conclusões universalmente
válidas a partir da observação de casos particulares, tirados da experiência.
Por conta disso, é um método usado pelas ciências experimentais.
As etapas ou fases do método indutivo são:
- Observação e registro dos fatos significativos.
- Comparação e classificação. Generalização. Formação de leis.
- Dedução de consequências das leis. Predição.
O método indutivo traz numerosos problemas. Em primeiro lugar, seu valor
científico é discutível, já que as verdades que propõe são prováveis, baseadas
num raciocínio frágil, ainda que tanto mais prováveis quanto maior o número de
casos particulares que a avalizem.
Existe um problema ainda maior em relação à validade do método
indutivo — problema que já foi colocado no século XVIII pelo empirista
David Hume. Toda generalização pretende ser válida não apenas para fatos já
passados, mas também para fatos futuros, e por isso a generalização só é
possível se pressupomos a regularidade da natureza. O método indutivo se
fundamenta, portanto, no princípio de regularidade da natureza, mas a própria
fundamentação desse princípio é impossível, dado que a regularidade da natureza
só pode ser afirmada pelo princípio da indução, quer dizer, por meio de uma
generalização a partir de fatos já passados. O argumento que pretende
justificar é um argumento circular, isto é, dá por demonstrado exatamente
aquilo que o argumento deveria provar. A regularidade dos fenômenos naturais só
pode ser postulado, quer dizer, estabelecido como crença, e tem valor pelo fato
de ser útil, já que permite avançar na formulação de hipóteses.
Por último, a observação e o registro dos fatos significativos são
feitos sempre a partir de uma teoria prévia, que não foi obtida por indução. Ou
seja, os fatos só são significativos na medida em que temos um padrão de
referência a partir do qual eles cobram significação.
O método
hipotético-dedutivo
O método hipotético-dedutivo, ou método geral da ciência, segundo M.
Bunge, é o modelo metodológico seguido pelas ciências experimentais em geral,
mas sobretudo pelas ciências da natureza.
Para Galileu Galilei (1564-1642), que o chamou de método de resolução e
composição, a física devia partir da observação resolvendo a natureza de suas
propriedades essenciais e primárias, expressas matematicamente, para compor uma
hipótese (literalmente, "suposição"), unindo as propriedades
essenciais escolhidas e expressas em linguagem matemática. Basicamente,
consiste na dedução — a partir de uma hipótese prévia —
de uma série de consequências confrontáveis por meio de uma
experiência promovida para confirmá-la.
São muitas as diferentes enumerações que já foram feitas das fases ou etapas
desse método. Enumeremos aqui as que M. Bunge chama de "pauta de
investigação científica":
a) Colocação do problema:
reconhecimento, classificação e seleção de fatos relevantes;
descoberta do problema (lacuna ou incoerência no corpo do saber já existente);
formulação do problema (redução do problema a seu núcleo significativo.
b) Construção do modelo teórico: seleção dos fatores
pertinentes; invenção das hipóteses (enunciados de lei que se espera possam se
adequar aos fatos observados); tradução matemática, na medida do possível.
c) Dedução das consequências particulares: já verificadas no
mesmo campo ou em campos próximos; e/ou elaboração de previsões empíricas que
possam ser verificadas.
d) Prova das hipóteses: esboço e execução da prova;
elaboração e interpretação dos dados da experimentação, à luz do modelo
teórico.
e) Introdução das conclusões na teoria: comparação das
conclusões com as previsões para confirmar o modelo (confrontação).
As conclusões da ciência sempre são consideradas provisórias. Esse
método não tem a segurança do método dedutivo, mas é progressivo, já que se
autocorrige: os resultados são as fontes de novas perguntas.
O maior problema do método hipotético-dedutivo se enraíza na
confrontação das hipóteses. Sendo as hipóteses enunciados universais, nunca
podem ser confrontadas com todos os casos possíveis . A comprovação é feita
pela dedução do hipótese de fatos que possam ser observados por meio da
experimentação — o que permite confirmar a hipótese.
A
falseabilidade
As deficiências do critério de verificação para confirmar uma hipótese
(nunca é possível uma verificação concludente, já que não se pode realizar uma
verificação completa de todos os casos possíveis) levaram Karl Popper
(1902-1994) a propor em A lógica da investigação científica (1934)
uma reformulação do método hipotético-dedutivo. Trata-se, não de buscar fatos
que confirmem as consequências da hipótese, mas de buscar fatos que as refutem,
ou falseiam. O cientista deve fazer todo o possível para refutá-las,
arriscando-se a fazer previsões a partir de suas hipóteses, sob o risco de elas
acabarem por se mostrar falsas. O método proposto por Popper é o conhecido como
falseabilidade.
A falseabilidade se baseia na impossibilidade de uma inferência lógica
que permite passar de enunciados particulares a enunciados universais —
porque a confrontação por confirmação nunca corrobora suficientemente em
enunciado universal, ao passo que um único enunciado particular pode
contradizer um enunciado geral e obrigar a abandoná-lo, já que esse enunciado
particular se baseia numa inferência lógica correta ou válida (modus tollens).
Tal como no método hipotético-dedutivo, para a falseabilidade toda a
hipótese é considerada válida provisoriamente, enquanto não aparecer um caso
que a refute ou contradiga. Uma hipótese — e em consequência uma
lei — nunca poderá ser considerada definitivamente verdadeira.
A questão sobre a diferenciação entre os enunciados científicos e os não
científicos — resolvida pelos positivistas com o critério de verificabilidade
e pela falseabilidade com o critério de falsificação — é o conhecido como
o problema da demarcação.
Os
métodos das ciências humanas e sociais
As ciências humanas e sociais têm características próprias que fazem com
que seu modelo metodológico não seja o das ciências naturais.
— A complexidade do ser humano como objeto de investigação, tanto
do ponto de vista individual quanto do ponto de vista social; a dificuldade de
captar o comportamento humano devido à sua grande variedade, às motivações
individuais e às circunstâncias em que são produzidas; a variável
"liberdade" que impede que se fale de acontecimentos
constantes — tudo isso dificulta enormemente a formulação de leis
gerais e enfraquece a capacidade de fazer previsões.
— A dificuldade de se utilizar métodos experimentais, razão pela qual se
dever buscar a confrontação das hipóteses por outras vias, como observação, a
estatística ou a análise de documentos
— O fato de que o próprio pesquisador é um ser humano: isto coloca o
problema da relação entre objeto de investigação e o sujeito que a
realiza — o sujeito faz parte do objeto de estudo.
— Não existe neutralidade valorativa: o pesquisador não se comporta com
imparcialidade, já que inconscientemente existe uma carga afetiva e algumas
ideias prévias (preconceitos, valores, tradições etc.) que não estão presentes
quando o objeto de estudo não é humano.
A tradição empirista ou positivista, que persegue a unidade da ciência,
exige que se aplique o método das ciências naturais às ciências sociais: eles
devem explicar os fenômenos. O desenvolvimento cada vez mais sofisticado dos
métodos quantitativos (estatísticos) é seu instrumento de análise da realidade
social, sem que por conta disso tenham alcançado a capacidade preditiva das
ciências naturais.
A tradição hermenêutica fala de compreensão científica,
além de explicação. A explicação de um fenômeno é a elucidação de suas causas.
A compreensão é a capacidade de captar o sentido do acontecimento, sua
singularidade, sua complexidade e seu contexto: os fenômenos devem ser
compreendidos, além de explicados e por isso deve-se adotar uma metodologia
própria. As técnicas qualitativas (entrevistas, grupos, histórias de vida etc.)
não buscam a generalização, mas a compreensão de casos concretos baseando-se
num conhecimento prévio da realidade, que se pretende compreender. O círculo
hermenêutico se baseia em duas reflexões específicas: que toda a compreensão do
ser humano é feita a partir de uma pré-compreensão, do ponto de vista da
cultura atual; e que, quando se compreende, atribui-se sentido àqueles dados
que estão sendo analisados.
Para a teoria crítica (a escola de Frankfurt), além disso, as ciências
sociais não devem apenas compreender os fenômenos sociais, mas criticá-los: não
existem teorias neutras, pois todas estão guiadas por algum interesse. As
ciências sociais devem se orientar pelo interesse emancipatório, buscando com
critério a partir do qual efetuarão a crítica de nossa sociedade naquilo em que
ela é contrária a tal interesse.
Teoria e
realidade
Um dos problemas epistemológicos mais interessantes é o da relação entre
as teorias científicas e o modo ao qual se pretende aplicá-las. As teorias
científicas são construções humanas, produto da razão humana; ao longo da
história, estão sujeitas a mudanças e, em muitas ocasiões, são até abandonadas
em favor de outras teorias mais potentes do ponto de vista da explicação que
proporcionam. Essa evidência levanta uma questão: qual a relação entre teoria e
realidade.
Uma postura possível é a do realismo, que defende que as teorias científicas são representações reais de como é a natureza. A concepção alternativa, o instrumentalismo, considera as teorias científicas exclusivamente como instrumentos úteis para a compreensão da realidade, mas sem a pretensão de serem expressão da própria realidade.
8 — Bibliografia Consultada
Temática Barsa - Filosofia. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005.
São Paulo, fevereiro de 2016.
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