Características de nossa cultura: todos são iguais perante Deus; a
divindade é providencial (tem uma vidência pro, vê, dispõe com
antecedência o que pode acontecer); o homem é um ser
inteligente e livre, que pecou livremente; contudo, pode salvar-se, graças a um
mediador (Cristo), e pela livre escolha da salvação; a paz reinará quando a boa
vontade dominar entre os homens, a vontade sadia, liberta dos vícios,
que a condenam ao erro.
Mário Ferreira dos Santos, em Invasão Vertical dos Bárbaros,
aponta os estímulos à ruptura dessa cultura, quando os seres humanos, de um
modo geral, preferem as atitudes dos bárbaros e não as dos homens civilizados.
Vejamos algumas delas.
Supervalorização da força — o homem de músculos de aço é o herói
popular, um idealtypus das multidões bárbaras. Não importa que
seja um débil mental, mas se for capaz de bater recordes será um espécime
humano de alta valia.
Valorização do visual sobre o
auditivo — Entre os nossos sentidos, o
auditivo supera ao visual e ao tátil. É mais fácil ver, contemplar, do que
ouvir com atenção. O que se ouve com atenção guarda-se mais facilmente na
memória.
Acentuada supervalorização romântica
da intuição, da sensibilidade e da sem-razão — O romantismo gerou a grande messe satânica dos
frutos malditos. Tudo o que foi grande, amesquinhou-se; tudo que era nobre,
vulgarizou-se; tudo que era superior, deprimiu-se.
A superioridade da força sobre o
Direito — O direito natural é postergado, é
discutido, e é até negado para supervalorizar-se a norma emanada do arbítrio do
legislador, a ordem jurídica emanada do que possui o kratos, o
detentor do poder político, a autoridade constituída.
A propaganda desenfreada e
tendenciosa — A figura do criminoso é acentuada
de tal forma que se torna exemplar, e muitos desejam alcançar a notoriedade que
tais criminosos conseguem.
A valorização da memória
mecânica — A memória culta não é mecânica; é a
eidética, é a das ideias. A valorização da memória mecânica tem levado a uma
valorização também exagerada da cibernética, na qual se colocam esperanças
desmedidas.
Há, ainda, a valorização da horda,
do tribalismo, a exploração sobre a sensualidade, a disseminação do mau-gosto,
os credos primitivos, a Razão e o Caos, a valorização do inferior, a influência
do negativo, a exploração viciosa do esporte*...
* "Em primeiro lugar convém observar que o esporte,
pelos seus fundamentos e suas finalidades, merece a melhor das atenções. O que,
porém, é de lamentar nele são as formas viciosas que toma, graças à sua
barbarização e, por sua vez, o seu aproveitamento para favorecer a campanha de
corrupção da estrutura cristã.
A característica da sistematização
capitalista consiste no intuito de tornar tudo em bens para o mercado. O
capitalista não entende nem aprecia nada, senão pelo seu significado em cifras.
O valor não é mais o axiós, mas o timós, não o valor
intrínseco da coisa, mas o extrínseco, o valor de troca, e não mais o de uso.
Marx chegou ao ápice do espírito
capitalista em “O Capital”, mais completa obra de sistematização capitalista,
porque o marxismo é apenas uma doutrina capitalista do Estado, a desprezar como
secundário o valor de uso e a atentar apenas ao valor de troca, pois, como
dizia ele, já que ninguém iria produzir o que não tenha utilidade, todos os
bens econômicos têm valor de uso, mas o valor de troca é o que varia, e o que
interessa nas avaliações econômicas.
Essa posição doutrinária na Economia
é típica do capitalismo sistemático, porque este também não vê nas coisas o
valor de uso, mas apenas o valor de troca e, sobretudo, o seu preço.
Essa maneira errada de visualizar a realidade econômica, levou Marx a
afastar-se de Proudhon, cuja visão concreta do valor era mais justa e
filosoficamente mais séria, e fazer, então, da sua doutrina, a mais acabada
defesa da concepção capitalista.
O resultado é a degradação que se
verifica nos esportes, onde as mais deslavadas combinações e maquinações
secretas são levadas a cabo, no intuito apenas de aumentar rendas e obter maior
resultado. O esporte pelo esporte vai desaparecendo; o amadorismo morre à
mingua de interessados, porque o próprio público só se interessa pelo esporte
capitalizado.
Esses exemplos não são exagerados!
Representam a realidade de uma desenfreada exploração sádica que o homem faz ao
próprio homem. A culpa cabe a um número muito maior do que se pensa. Não são
somente os empresários os culpados, pois estes não criam os gostos populares;
são as exigências dos espectadores que levam a tomar alguns esportes a forma
mais violenta e bárbara. Se os empresários pudessem livremente atender ao gosto
sádico do público, sem dúvida que as lutas de gladiadores voltariam e outras
coisas piores!"
SANTOS, Mário Ferreira dos. Invasão
Vertical dos Bárbaros.