28 outubro 2020

Os Universais

“Todas as verdades implicam universais, e todo conhecimento de verdades implica conhecimento direto de universais.” 

Universal. Universal (ou universais) é aquilo que se aplica à totalidade, que é válido em qualquer tempo ou lugar. Essência, qualidade essencial existente em todos os indivíduos de uma mesma espécie e definindo-os como tais. 

Platão denomina a essência pura de “ideia” ou “forma”. A “ideia” de justiça, por exemplo, não é idêntica a qualquer coisa que seja justa; ela é diferente das coisas particulares. Por isso, ela não pode existir no mundo dos sentidos. Ela é eterna, imutável e indestrutível. Para Platão, o mundo suprassensível é o verdadeiro mundo. Observação: como a palavra “ideia” tem muitos significados, em Platão, deve ser entendida como “universal”. 

Toda frase tem pelo menos um universal. Bertrand Russell acha estranho que a maioria, exceto os que estudam filosofia, não tem consciência disso. Um exemplo: “a cabeça de José foi cortada”. Cabeça, José e cortada são particulares. Contudo, a palavra “cabeça” e “cortar” são universais. Há uma “ideia”, uma “forma” de “cabeça” independentemente da cabeça de José. Do mesmo modo é a “ideia”, a “forma” de “corte”. Há uma “forma” de corte independentemente deste corte específico.

A essência dos universais não é meramente mental. Os pensamentos e os sentimentos, as mentes e os objetos físicos existem. Os universais subsistem ou têm uma essência, onde “essência” se opõe a “existência” como algo eterno. O conhecimento direto dos universais é o mais fácil de observar, pois não necessitamos de esforço de abstração. Como exemplo, temos:  a cor, o gosto, a rigidez de um objeto, entre outros. 

Há, também, muitas relações que temos um conhecimento direto. "Estar à esquerda de", "estar à direita de". Em se tratando do tempo, "antes de" e "depois de". A semelhança também é uma relação. Se vejo simultaneamente dois matizes de verde, posso ver que se assemelham entre si; se ao mesmo tempo também vejo um matiz de vermelho, posso ver que os dois verdes têm mais semelhança entre si do que ambos têm com o vermelho. Desta maneira adquiro conhecimento direto do universal semelhança ou similaridade.

Fonte de Consulta

RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução de Jaimir Conte.



26 outubro 2020

Princípios Gerais

Princípio. Primeira fase da existência de algo, de uma ação ou processo. O que é causa primeira, a base de algo. Valor de ordem moral. Ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Princípio geral. Diz respeito à generalidade de um determinado tipo de conhecimento.

Em se tratando dos princípios gerais, diz-se que primeiro devemos compreender alguma particularidade do princípio para, depois, compreender que a particularidade é irrelevante, e por isso, a generalidade tem a mesma legitimidade. Sabemos da aritmética que “dois mais dois são quatro” para um caso particular de dois pares. Observando o mesmo procedimento para outro caso particular, podemos deduzir a aplicação para quaisquer dois pares. 

Há diferença entre as proposições gerais conhecidas a priori, como “dois mais dois são quatro”, e generalizações empíricas como “todos os homens são mortais”. A dedução deve ser aplicada ao conhecimento a priori enquanto a indução ajusta-se melhor no segundo caso. Razão: as generalizações empíricas são mais incertas que seus casos particulares.

Controvérsia histórica: empiristas e racionalistas. Os empiristas defendem que todo o nosso conhecimento advém da experiência; os racionalistas, que, além do que conhecemos por meio da experiência, existem certas “ideias inatas” ou “princípios inatos”, que conhecemos independentemente da experiência. Em vez de “ideias inatas”, os autores modernos preferem o termo “a priori”, por ser menos suscetível de objeções.

A lógica e a matemática pura são conhecimentos a priori. Esta afirmação foi negada pelos empiristas. Os empiristas acham que de tanto vermos a soma de dois e dois darem quatro, concluiríamos, por indução, que sempre será assim. Whitehead discorda de tal raciocínio, pois pensa que em um dado momento, acharemos as particularidades irrelevantes, e optaremos pela tese geral de que a soma de dois e dois são quatro em quaisquer circunstâncias. 

Existem, assim, proposições conhecidas a priori, e que entre estas estão as proposições da lógica e da matemática pura, assim como as proposições fundamentais da ética.

Fonte de Consulta

RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução de Jaimir Conte.

 


24 outubro 2020

Barbarismo e Intelectualidade

Mário Ferreira dos Santos, na segunda parte do livro Invasão Vertical dos Bárbaros, trata do barbarismo relacionando-o à intelectualidade. Compara o barbarismo intelectual às pseudomorfoses (pseudos = falsos e morphósis = formações), pois essas formações não correspondem essencialmente ao que o cristal teria num desenvolvimento normal. Há, assim, muitas formações aparentemente cultas e civilizadas, mas que, na verdade, seu conteúdo é bárbaro, e bárbara também a sua causa eficiente.

A dúvida descabida que se empresta à inteligência tem levado os intelectuais modernos a tenderem para a mecanização do saber, para o cibernético etc., com graves prejuízos para o melhor desenvolvimento da capacidade intelectual do homem. 

As principais promoções para a barbarização da inteligência podem ser vistas.

A Desvalorização da VontadeA vontade é uma disposição para o bem, é uma disposição já intelectualizada. Confundir a vontade com o desejo é uma posição verdadeiramente bárbara. A vontade é uma deliberação intelectual e não um impulso cego

Ridicularização do inteligente — Em certos filmes, glorifica-se o estudante que apenas se interessa pelo atletismo, pelos esportes, e a caricaturização do estudante que se dedica ao conhecimento. Caricaturiza-se o sábio que constrói um invento, mas eleva-se o herói, de grande musculatura e agilidade, que vence e domina com facilidade.

Barbarização da Ciência e da Técnica — O estudo dos primeiros princípios está desterrado da maioria das escolas. Há legiões de professores cépticos e agnósticos, que dizem que nada podemos saber dos primeiros princípios.

A luta contra a universalização do conhecimento — Uma vez alcançada a universalização do conhecimento, a vantagem obtida pelos césares desaparecerá, pois estes enfatizam a especialidade, uma arma extremamente hábil empregada.

Desvirtuamento da Universidade — Quando Innocêncio III aceitou a universidade, reiterou que ela fosse sempre um foco de ideias sãs e não a propulsora de erros, que dariam resultados maléficos. Na Universidade de Paris, por exemplo, pediram a cabeça de Pasteur e impediram que Einstein proferisse conferências.

Silêncio sobre os que sabem pensar — As mediocridades colocadas nos altos postos tiveram sempre o cuidado de, em sua defesa, silenciar todos os criadores, aqueles que poderiam fazer-lhes sombra.

Há, ainda: a tendência em separar a Religião da Filosofia e esta da Ciência, a luta contra o criador, o Conceito de Deus, o fetichismo, a incompreensão sobre a diferença entre a Ética e a Moral, a juventude transviada...

Contra todos esses desmandos da inteligência, devemos enaltecer o verdadeiro sábio, que é um libertário. “É uma esperança que se robustece numa verdadeira fé, e que inaugurará a verdadeira caridade: o amor ao bem do homem, sem esquecer que esse bem está em sua grandeza e não em sua pequenez, que este bem está em sua exaltação não em sua depressão, que este bem está na vitória sobre tudo quanto separou, dividiu, amesquinhou”.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Invasão Vertical dos Bárbaros


23 outubro 2020

Barbarismo e Destruição do nosso Ciclo Cultural

Características de nossa cultura: todos são iguais perante Deus; a divindade é providencial (tem uma vidência pro, vê, dispõe com antecedência o que pode acontecer); o homem é um ser inteligente e livre, que pecou livremente; contudo, pode salvar-se, graças a um mediador (Cristo), e pela livre escolha da salvação; a paz reinará quando a boa vontade dominar entre os homens, a vontade sadia, liberta dos vícios, que a condenam ao erro.

Mário Ferreira dos Santos, em Invasão Vertical dos Bárbaros, aponta os estímulos à ruptura dessa cultura, quando os seres humanos, de um modo geral, preferem as atitudes dos bárbaros e não as dos homens civilizados. Vejamos algumas delas.

Supervalorização da força — o homem de músculos de aço é o herói popular, um idealtypus das multidões bárbaras. Não importa que seja um débil mental, mas se for capaz de bater recordes será um espécime humano de alta valia.

Valorização do visual sobre o auditivo — Entre os nossos sentidos, o auditivo supera ao visual e ao tátil. É mais fácil ver, contemplar, do que ouvir com atenção. O que se ouve com atenção guarda-se mais facilmente na memória. 

Acentuada supervalorização romântica da intuição, da sensibilidade e da sem-razão — O romantismo gerou a grande messe satânica dos frutos malditos. Tudo o que foi grande, amesquinhou-se; tudo que era nobre, vulgarizou-se; tudo que era superior, deprimiu-se. 

A superioridade da força sobre o Direito — O direito natural é postergado, é discutido, e é até negado para supervalorizar-se a norma emanada do arbítrio do legislador, a ordem jurídica emanada do que possui o kratos, o detentor do poder político, a autoridade constituída. 

A propaganda desenfreada e tendenciosa — A figura do criminoso é acentuada de tal forma que se torna exemplar, e muitos desejam alcançar a notoriedade que tais criminosos conseguem.

A valorização da memória mecânica — A memória culta não é mecânica; é a eidética, é a das ideias. A valorização da memória mecânica tem levado a uma valorização também exagerada da cibernética, na qual se colocam esperanças desmedidas.

Há, ainda, a valorização da horda, do tribalismo, a exploração sobre a sensualidade, a disseminação do mau-gosto, os credos primitivos, a Razão e o Caos, a valorização do inferior, a influência do negativo, a exploração viciosa do esporte*...

* "Em primeiro lugar convém observar que o esporte, pelos seus fundamentos e suas finalidades, merece a melhor das atenções. O que, porém, é de lamentar nele são as formas viciosas que toma, graças à sua barbarização e, por sua vez, o seu aproveitamento para favorecer a campanha de corrupção da estrutura cristã.

A característica da sistematização capitalista consiste no intuito de tornar tudo em bens para o mercado. O capitalista não entende nem aprecia nada, senão pelo seu significado em cifras. O valor não é mais o axiós, mas o timós, não o valor intrínseco da coisa, mas o extrínseco, o valor de troca, e não mais o de uso.

Marx chegou ao ápice do espírito capitalista em “O Capital”, mais completa obra de sistematização capitalista, porque o marxismo é apenas uma doutrina capitalista do Estado, a desprezar como secundário o valor de uso e a atentar apenas ao valor de troca, pois, como dizia ele, já que ninguém iria produzir o que não tenha utilidade, todos os bens econômicos têm valor de uso, mas o valor de troca é o que varia, e o que interessa nas avaliações econômicas.

Essa posição doutrinária na Economia é típica do capitalismo sistemático, porque este também não vê nas coisas o valor de uso, mas apenas o valor de troca e, sobretudo, o seu preço. Essa maneira errada de visualizar a realidade econômica, levou Marx a afastar-se de Proudhon, cuja visão concreta do valor era mais justa e filosoficamente mais séria, e fazer, então, da sua doutrina, a mais acabada defesa da concepção capitalista.

O resultado é a degradação que se verifica nos esportes, onde as mais deslavadas combinações e maquinações secretas são levadas a cabo, no intuito apenas de aumentar rendas e obter maior resultado. O esporte pelo esporte vai desaparecendo; o amadorismo morre à mingua de interessados, porque o próprio público só se interessa pelo esporte capitalizado.

Esses exemplos não são exagerados! Representam a realidade de uma desenfreada exploração sádica que o homem faz ao próprio homem. A culpa cabe a um número muito maior do que se pensa. Não são somente os empresários os culpados, pois estes não criam os gostos populares; são as exigências dos espectadores que levam a tomar alguns esportes a forma mais violenta e bárbara. Se os empresários pudessem livremente atender ao gosto sádico do público, sem dúvida que as lutas de gladiadores voltariam e outras coisas piores!"

SANTOS, Mário Ferreira dos. Invasão Vertical dos Bárbaros.



21 outubro 2020

“Organon” da Lógica de Aristóteles

Amicus Plato, sed magis amica veritas ("Querido é Platão, mas ainda mais querida é a verdade.") [Aristóteles]

Até o aparecimento de Aristóteles, a inteligência grega era indisciplinada. O "Organon" da lógica de Aristóteles deu outro rumo ao pensamento. Lógica significa a arte e o método do pensamento correto. É a logia ou método de toda ciência, de toda disciplina e de todas as artes.

Os vestígios dessa nova ciência podem ser encontrados na preocupação de Sócrates com as definições e no refinamento de cada conceito por parte de Platão. O pequeno tratado de Aristóteles sobre Definições mostra como a sua lógica se alimentava naquela fonte. "Se quiser conversar comigo", dizia Voltaire, "defina seus termos." Quantos debates não seriam mais curtos se todos definissem corretamente os seus termos?

De que modo iremos definir um objeto ou um termo? Para Aristóteles, a definição contém duas partes: primeiro, encaixa o objeto numa classe geral; segundo, indica os pontos em que o objeto difere de todos os outros membros de sua classe. Assim, no sistema aristotélico, o homem é um animal racional; sua “diferença específica” é que, ao contrário de todos os outros animais, ele é racional.

Aristóteles é um realista, preocupa-se com o presente objetivo; Platão, com o futuro subjetivo. A procura socrática-platônica por definições tinha a tendência de se afastar das coisas e dos fatos para as teorias e as ideias, dos particulares para as generalidades, da ciência para a escolástica. Aristóteles opta por uma volta à realidade. Sua preferência é pelo particular, pelo indivíduo de carne e osso.

“Aristóteles é tão implacável com Platão porque existe muito de Platão nele; também ele continua um amante de abstrações e generalidades, traindo repetidas vezes o fato simples por alguma teoria ilusoriamente enfeitada, e compelido a uma luta contínua para conquistar sua paixão filosófica por explorar o empíreo”.

"Organon" tem o seu valor: "Aristóteles descobriu e formulou todos os cânones da consistência teórica e todos os artifícios do debate dialético, com uma diligência e uma perspicácia para as quais não há elogios que cheguem; e seus trabalhos nessa direção talvez tenham contribuído, mais do que o de qualquer outro escritor, para o estímulo intelectual de gerações posteriores."

Fonte de Consulta

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução Luiz Carlos do Nascimento Silva. São Paulo: Nova Cultural, 2000. Título Original: The Story of Philosophy. Primeira Edição: 1926

13 outubro 2020

Complexidade e Eventos Extremos

Eventos extremos são os eventos fora do comum, raros, surpreendentes e dramáticos, que têm grande influência sobre a vida humana. Esses eventos — impactos dos asteroides, crises financeiras e ataques nucleares — foram muito pouco explorados pela ciência que, em geral, se atém ao estudo dos fenômenos recorrentes. Pergunta provocadora: como caracterizamos o risco em situações nas quais a teoria da probabilidade e as estatísticas não podem ser empregadas?

Em 2010, o arquiteto americano Bryan Berg construiu um castelo de cartas com três metros de altura e nove de largura. Qual a consequência de um espirro que pusesse abaixo o castelo construído em 44 dias? Observe como o nosso sistema de vida está entrelaçado: a internet depende da rede elétrica; esta do petróleo, do carvão, da fissão nuclear; carvão, petróleo e fissão nucelar necessitam de novas tecnologias de produção, as quais exigem eletricidade. O que aconteceria se não surgissem novas tecnologias durante uma década? 

Se a ciência da complexidade já existe há mais de duas décadas, por que chamar a atenção para eventos extremos nesse momento? Eis a razão: as infraestruturas para manter o estilo de vida — energia, água, comida, saúde, segurança, finanças — estão tão interligadas que, se um desses sistemas desmoronar, há grande risco do desmoronamento do sistema como um todo. É por isso que em economia se diz que "tudo depende de tudo". 

Nossa vida resume-se em uma longa cadeia de acontecimentos. A maioria é irrelevante, como comer, beber, distrair-se etc. Entretanto, a decisão de um país invadir outro país, afeta o mundo inteiro por décadas. Esses acontecimentos são raros, e a possibilidade de previsão é ínfima. Contudo, eles não podem sem classificados como extremos. Para se caracterizar como evento extremo, o que importa é o grau de imprevisibilidade quanto ao seu impacto na sociedade como um todo. Exemplos: os ataques de 11 de setembro, a crise da hipoteca em 2007-2008 e o apagão da Costa Leste dos EUA em 2003 podem ser considerados eventos extremos. 

Pensemos num governo autoritário que se confronta com a população que descobriu novas liberdades. A complexidade do sistema de controle, que é o governo, e do sistema controlado, que é a população, requer uma solução. O governo pode prender líderes e encarregar a polícia de dispersar os manifestantes. Pode, também, acelerar a realização de eleições livres. Google, Twitter e Facebook ajudam a aumentar complexidade social da população, mas não a do governo. 

Há, assim, dois tipos de regime: 1) o regime normal, com um histórico e a possibilidade de previsão; 2) regime de eventos extremos, para os quais nossas ferramentas de cálculo simplesmente não servem.

Fonte de Consulta 

CASTI, John. O Colapso de Tudo — Os Eventos Extremos Que Podem Destruir a Civilização a Qualquer Momento. Tradução de Ivo Korytowski e Bruno Alexandre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012. 

&&&

A frase de abertura do texto De Bello Gallico, de Júlio César, proclama: “Toda a Gália é dividida em três partes.” Por isso, o livro foi dividido em três partes. 

 


09 outubro 2020

Valor da Filosofia

As ciências físicas, por suas pesquisas e invenções, despertam grande interesse por parte da maioria das pessoas. Por meio delas, as nossas necessidades materiais são prontamente atendidas. Elas têm um efeito sobre quem as estuda como também sobre as pessoas de um modo geral. E quanto à filosofia? Qual o seu valor? Quais são as recomendações para o seu verdadeiro estudo? 

A filosofia, como a ciência, visa primeiramente o conhecimento. O conhecimento que ela tem em mente difere do conhecimento científico, fundamentado na comprovação das hipóteses levantadas. O conhecimento filosófico esmera-se por conferir unidade e organização a todo o corpo do saber. Além disso, propicia-nos um exame crítico de nossas convicções, de nossos preconceitos e de nossas crenças.   

Há muitos problemas que a filosofia não consegue resolver, tal qual a ciência o faz prontamente. E mesmo que resolva, haverá enormes discordâncias entre os diversos filósofos. Cria-se, assim, uma enorme incerteza quanto ao estudo da filosofia. Poderíamos dizer que a força mesma da filosofia está aí, na sua incerteza. A filosofia convida o indivíduo a sair de si mesmo e buscar algo mais amplo, mais abrangente. A isso damos o nome de a contemplação filosófica. E a verdadeira contemplação filosófica não divide o mundo em dois campos opostos: amigos e inimigos, aliados e adversários, bons e maus; ela encara o todo imparcialmente.

Por isso, devemos ter cuidado para não criarmos uma divisão entre o Eu e o não-Eu. Quando o homem é a medida de todas as coisas, nada existe além da mente, fato este que provoca um viés da realidade. O conhecimento assim obtido não é uma união com o não-Eu, mas uma série de preconceitos entre nós e o mundo para além de nós. A verdadeira contemplação filosófica, ao contrário, encontra a sua satisfação na própria ampliação do não-Eu.

A mente que se habituou à liberdade e imparcialidade da contemplação filosófica guardará alguma coisa dessa contemplação nas suas ações diárias. Isso terá consequência quanto ao seu senso de justiça, amor e caridade. Ela nos torna cidadãos do universo. Ajuda-nos a vencer o egoísmo, o maior cancro que impede o progresso da alma.

Fonte de Consulta

RUSSELL, Bertrand. Os problemas da Filosofia. Tradução de Jaimir Conte. (Capítulo 15  "O Valor da Filosofia")

 



Razão e Sanidade Mental

“O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão.” (G. K. Chesterton)

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), mais conhecido como G. K. Chesterton, foi um escritor, poeta, filósofo, dramaturgo, jornalista, palestrante, teólogo, biógrafo, literário e crítico de arte inglês. Chesterton é muitas vezes referido como o "príncipe do paradoxo". 

No capítulo 2, “O maníaco”, de seu livro Ortodoxia, há um diálogo entre Chesterton e um editor. Referindo-se a alguém, disse o editor: “Aquele homem vai progredir; ele acredita em si mesmo”. Disse-lhe eu então: “Quer saber onde ficam os homens que acreditam em si mesmos? Os homens que realmente acreditam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos”. Resposta do editor: “Bem, se um homem não acredita em si mesmo, em que vai acreditar?”. Depois de uma longa pausa eu respondi: “Vou para casa escrever um livro em resposta a essa pergunta”. Este é o livro que escrevi para responder-lhe. 

O ponto de partida para as suas conjecturas é um manicômio. De início, quer apagar o erro comum de que a imaginação, especialmente a imaginação mística, é perigosa para o equilíbrio mental do ser humano. A história mostra que a maioria dos poetas não só foi gente sensata, mas também prática. Em contrapartida, afirma que o que gera a insanidade mental é a razão. Jogadores de xadrez e matemáticos enlouquecem, os poetas não. “O poeta apenas pede para pôr a cabeça nos céus. O lógico é que procura pôr os céus dentro de sua cabeça. E é a cabeça que se estilhaça”. 

Chesterton critica a atitude dos cientistas e dos teólogos para com o tratamento do loucura. A ciência, ao desaprovar certos pensamentos, chama-os de mórbidos; a teologia, de blasfemos. Acha que o indivíduo não pode sair do mal mental apenas pelo pensamento, pois este está desgovernado. Ele só pode ser salvo pela vontade ou fé. 

Continuando a sua análise, considera o materialismo uma espécie de simplicidade insana. Assemelha-se ao argumento do louco; temos simultaneamente a sensação de que ele cobre tudo e a sensação que deixa tudo de fora. Ele não pensa nas pessoas em luta, nas necessidades do dia a dia. A terra é muito grande, e o cosmos é muito pequeno. Nesse caso, a filosofia materialista é mais limitante do que qualquer religião. "O cristão tem perfeita liberdade para acreditar que existe uma considerável quantidade de ordem estabelecida e desenvolvimento inevitável no universo. Mas ao materialista não é permitido admitir em sua imaculada máquina a menor mancha de espiritualismo ou milagre".

Resumindo: a marca da insanidade é o uso da razão sem raízes, a razão no vazio. Pensar sem princípios deixa o ser humano louco. A mística favorece a sanidade, pois o homem tem um pé na terra e o outro na espiritualidade. 

 


03 outubro 2020

Agostinho e o Platonismo

Muitos pensadores, principalmente aqueles ligados à religião, tentaram fazer uma ponte entre a filosofia grega e o cristianismo. Nos capítulos 20 e 21 do livro VII das Confissões, Agostinho desenvolve o seu pensamento a respeito, realçando o mundo abstrato e espiritual, contudo indicando os limites frente à revelação e à fé cristã.

Após a leitura dos livros platônicos, Santo Agostinho foi levado por eles a buscar a verdade incorpórea, e percebeu que “as perfeições invisíveis são visíveis em suas obras” (Epístola de São Paulo aos romanos, 1, 20). Sentiu que as trevas de sua alma impediam-no de contemplar a verdade. Estava certo da existência de Deus, mas não compreendia a sua infinitude. Contudo tinha certeza de que tudo é originado de Deus, mas sentia-se fraco para gozar a presença do Criador.

“Tagarelava e enchia minha boca como um sabichão, mas se não buscasse o caminho para Vós em Cristo Nosso Salvador, seria apenas um perituro e não um perito*. Já então cheio de meu castigo começava a desejar parecer um sábio; não chorava e, além disso, inflava-me com a ciência. Onde se encontrava aquela caridade que se ergue sobre o alicerce de humildade que é Jesus Cristo? Quando é que estes livros me ensinariam esta caridade?

“Por isso lancei-me avidamente sobre as veneráveis escrituras inspiradas por teu Espírito, sobretudo ao do apóstolo Paulo. E desnaveceram em mim aquelas dificuldades nas quais julguei descobrir contradições entre ele e seu texto, em desacordo com os testemunhos da Lei e dos Profetas. Compreendi a unidade daqueles castos escritos, e aprendi a me alegrar com tremor”

Descobre coisas que não estão escritas nos livros platônicos: naquelas páginas não há um sentimento de piedade, o sacrifício da alma abatida, um coração contrito e humilhado. Nos livros platônicos não se encontram os apelos da salvação em Cristo. “Ninguém ali ouviu o convite: Vinde a mim os que sofreis. Desdenham teus ensinamentos, porque és manso e humilde de coração. Porque escondeste estas coisas dos sábios e doutos, e as revelaste aos pequeninos”

*Trata-se de um jogo de palavras: perito significa “sábio”, “especialista”, e perituro, “aquele que perecerá”.

 


01 outubro 2020

Idade Média: Metafísica ou Teologia?

O Ocidente latino começa, a partir da segunda metade do século XII, a tomar contato com as obras árabes e gregas, que expunham os avanços do saber nas mais diferentes áreas, incluindo matemática, medicina, ótica, física, metafisica.

O aparecimento das traduções gregas e árabes acirra o debate de ideias. Procura-se verificar quais são as relações entre os limites da filosofia e a possibilidade mesma de atribuir-se caráter científico à teologia cristã. Boécio afirmava que a teologia, além de ser uma disciplina científica, era a disciplina filosófica suprema. Quer dizer, a teologia de que falava Boécio era, na verdade, apenas uma parte de outra disciplina: a metafísica.

Avicena, por sua vez, defende que todo o conhecimento humano faz parte da filosofia. A diferença reside na caracterização da ciência suprema. Esta é a metafísica e não a teologia. Se a teologia cristã se identifica com a teologia aristotélica, então ela deveria ser subordinada à metafísica. Isso é o mesmo que admitir que os ensinamentos cristãos estavam subordinados às verdades dos pagãos e infiéis, o que era inaceitável.

Para resolver este problema, ganhou força a distinção entre a teologia dos filósofos, parte da metafisica, e a teologia propriamente cristã. Porém, qual das duas é superior? Tomás de Aquino (1225- 1274), por exemplo, em sua obra, trabalha para estabelecer os limites entre a filosofia (conjunto das disciplinas científicas) e a teologia. Parte Da Trindade de Boécio, intercalando comentários de texto e questões.

Para Tomás de Aquino, os filósofos investigam o que a razão humana pode conhecer acerca de Deus, e os teólogos tomam como ponto de partida as Sagradas Escrituras. Admitindo-se que há verdades sobre a natureza divina que escapam à compreensão humana, os filósofos são incapazes de fornecer um conhecimento completo sobre a natureza de Deus. Eles necessitam das verdades reveladas que estão na Bíblia. Assim, as ciências investigam o que a razão humana pode conhecer, a teologia cristã ensina o que ultrapassa os limites do conhecimento humano.

Fonte de Consulta

STORCK, Alfredo. Filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Zahar, item "A Filosofia do Século XIII".