Inquisição. Do latim inquisitione.
Significa, primeiramente, pesquisa ou investigação. Escrita com maiúscula
torna-se uma investigação particular, muito mais policial do que teórica. É um
Tribunal eclesiástico, também chamado Santo Ofício, encarregado de
procurar e de perseguir os crimes em matéria de religião. Na Idade Média, a
pena maior dada ao herege era a morte pelo fogo.
A finalidade da Inquisição é combater a heresia. Nos primeiros tempos do
cristianismo havia apenas a excomunhão dos hereges. Nos fins do século XII, os
tribunais (sínodos) adotaram outra postura: atormentavam-nos primeiro para
espoliá-los depois, porque os bens dos infelizes eram imediatamente
confiscados. A denúncia, a delação e os rumores eram os principais
instrumentos de trabalho da tarefa inquisitória. Tão logo apareciam os rumores,
os auxiliares (chamados “familiares”) já se punham em campo para a averiguação
e a delação.
Não se sabe a data em que começou. A maioria dos pesquisadores costuma apontar
o sínodo de Toulouse, em 1229, logo após o êxito da cruzada contra os
albigenses, muito numerosos. Embora se pense que a Inquisição fosse monopólio
da Igreja, o Estado também tinha grande participação. Talvez mais do Estado do
que da Igreja, pois os reis, para centralizar o poder, recorriam ao Santo
Ofício.
A filosofia clandestina, movimento filosófico-literário dos séculos
XVI a XVIII, teve papel importante no combate aos desmandos da classe
dominante, principalmente aqueles provenientes da Inquisição, que tinham por
base "questionar judicialmente aqueles que, de uma forma ou de
outra, se opõem aos preceitos da Igreja Católica". Os reis e os
eclesiásticos determinavam o que era bom ou ruim para o povo. Qualquer ideia
contrária, que ferisse a lógica por eles determinada, tinha que ser
imediatamente banida. É contra esse status quo que esses filósofos se
rebelaram.
A Inquisição produziu muitas vítimas. Giordano Bruno (1548-1600),
filósofo, astrônomo e matemático italiano, foi queimado na fogueira. Galileu
Galilei, que escapou por pouco da fogueira (retratou-se) por afirmar que o
planeta Terra girava ao redor do Sol (heliocentrismo). Muitos cientistas foram
perseguidos, censurados e até condenados por defenderem ideias contrárias à
doutrina cristã. As "bruxas medievais" que nada mais eram do que
conhecedoras do poder de cura das plantas também receberam um tratamento
violento e cruel.
Esta pesquisa sobre a Inquisição enseja-nos a seguinte reflexão: até que ponto
não somos inquisidores da fé alheia, impondo-lhes o nosso modo de pensar?
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A Inquisição foi instituída pelo papado no século XII e abolida por Napoleão no século XIX. Durante a vigência desse tribunal eclesiástico, muitas atrocidades foram cometidas em nome do Santo Ofício. Criada para combater os cátaros albigenses, tachados de heréticos, tornou-se, com o tempo, um verdadeiro terror, pois utilizava a linguagem antes de passar às fogueiras, forcas e pelotões de fuzilamento. A sua atuação assemelhava-se à do nazismo. Para o nazismo, por exemplo, a frase "solução final dos problemas judaicos" significava simplesmente o extermínio físico de todos os indivíduos de ascendência judaica.
Elias Lipiner, em "Santa
Inquisição: Terror e Linguagem", elabora criteriosamente o vocabulário
inquisitorial. Dentre os termos estudados, estão: auto-de-fé, abjurar,
admoestação, confisco de bens e confitente. Os confitentes, por exemplo, são
obrigados a confessar os seus crimes. Se não confessavam perdiam os bens e a
vida; se os confessavam perdiam somente os bens, mas ficavam com a vida.
Lipiner diz-nos: "A confissão só era considerada sincera e aceitável, se o
confitente acertava com a culpa que lhe fora atribuída por denunciantes
secretos, nomeando todos os cúmplices, e revelando tudo que os Inquisidores já
sabiam de sua atividade herética, verdadeira, suposta ou falsa, de acordo com
os depoimentos que tinham sido tomados às testemunhas de acusação".
O episódio Galileu é digno de nota.
Pela observação das fases de Vênus, Galileu passou a confiar na visão
heliocêntrica de Copérnico, ou seja, o Sol como centro do Universo e não na de
Ptolomeu, onde a Terra era vista como o centro do Universo. Por sua visão
heliocêntrica, o astrônomo italiano teve que ir a Roma em 1611, pois estava
sendo acusado de herege. Condenado, foi obrigado a assinar um decreto do
Tribunal da Inquisição, onde declarava que o sistema heliocêntrico era
apenas uma hipótese. Contudo, em 1632, ele voltou a defender o sistema
heliocêntrico e deu continuidade aos seus estudos.
Conta-se que os cárceres da
Inquisição andavam cheios de bichos. Essa situação tenebrosa inspirou o célebre
poema "Os Ratos da Inquisição", de Antonio Serão de Castro, no século
XVII.
Isso mostra o poder da religião sobre a crença dos fiéis. Cristo, que veio para salvar o ser humano, via-o entregue aos maiores desmandos. A desconfiguração de Cristo era tamanha. H. Rohden lembra-nos de que Tomás de Aquino, o maior teólogo eclesiástico da época, declarou oficialmente na sua volumosa Summa Theologiae, que em quatro casos o Cristo permite, e até aconselha a matança de seres humanos, a saber: 1) em caso de justa defesa; 2) em caso de guerra justa; 3) a autoridade civil pode matar os grandes criminosos; 4) a autoridade eclesiástica pode decretar a morte dos hereges impenitentes.
Quantos crimes não foram cometidos em nome do Cristo e da religião? Eles ficarão impunes? Não. Mais cedo ou mais tarde todos os seus protagonistas deverão prestar contas à Lei Natural, instituída por Deus em nossa consciência.
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O Grande Inquisidor (1880) [Fiódor Dostoievski ]
Estudo
sobre a infantilização dos fieis por parte da Igreja
“O
grande inquisidor” é um capítulo de os irmãos Karamazov (1880), o grande
romance filosófico do escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-81) sobre Deus, a
moral e o livre-arbítrio. Escrito em forma de parábola, o capítulo envolve o
leitor numa profunda discussão sobre até que ponto a humanidade almeja, de
fato, a liberdade.
Ivan
Karamazov fala ao seu irmão Aliocha, um jovem noviço, de um poema que idealizou
sobre aparição de Jesus Cristo em Sevilha, Espanha, durante a Inquisição
(1478-1834). Cristo é reconhecido e cultuado como o Messias, mas, a despeito de
curar doente e operar outros milagres, é preso e levado ao grande inquisidor. O
líder da Igreja lhe diz que sua vinda à Espanha interfere com a missão da
Igreja e que nem ela e nem seus hierarcas têm necessidade de sua presença. Cristo
é, então, condenado à fogueira, mas posteriormente, libertado com ordens de
nunca mais voltar.
O
inquisidor denuncia Jesus por haver rejeitado, no deserto, as tentações do
Diabo — transformar pedras em pão para aliviar a fome, atirar-se do pináculo do
templo para que os anjos o salvassem e idolatrar o Diabo em troca de todos os
reinos do mundo. Recusar esta última tentação, em especial, teria sido um
grande erro. Cristo devia tê-la aceitado porque os homens não sabem lidar com o
“dom” do livre-arbítrio. Ao rejeitar as tentações do Diabo, diz o inquisidor: Cristo
legou aos homens um fardo que eles não estão preparados para carregar. Os homens
querem segurança, não liberdade; seguir o exemplo de Cristo só lhes trará angústia
para toda a vida.
O inquisidor diz que a missão da Igreja é extirpar o ônus da liberdade e substituí-lo pela certeza. Os leitores ficam a se perguntar se não vêm deixando a Igreja pensar por eles.
ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.