Destaque-se
que a principal polêmica foi travada entre os dois socialismos: o autoritário e
o libertário.
(1) Decadialética é formado
pela união das palavras gregas deka, dez, e dialektikê, que significa
esclarecer através das ideias. É ela um método dialético aplicável à Filosofia
Prática, que pretende ordenar o raciocínio por meio de dez campos.
(2) Epígono. 1
Imitador de um artista importante ou pensador de grande notabilidade de uma
geração mais antiga. 2 Continuador de um filósofo, músico, artista, literário
etc. da geração anterior. 3 Que pertence à geração seguinte.
O Relógio, a Máquina e a Automatização
De acordo com Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 1 — “A
Economia, a Técnica e a História”, do livro Análise Dialética do
Marxismo, nos últimos 1000 anos, houve uma profunda transformação exercida
pela máquina, denominada de “era mecânica”, “máquina automática de
tecer”, e mais especificamente, a chamada “Revolução Industrial”.
Salienta que o relógio foi a máquina-chave da época industrial
moderna, e não a máquina a vapor, que, ao sobrevir, já abre campo a outra fase
no terreno técnico. O relógio permitiu a análise do movimento, os
tipos-de-engrenagens e transmissões e a exatidão da medida. Além disso, “tempo
é dinheiro” é uma das frases mais apreciadas pelos burgueses do século XVIII em
diante.
Mas o que é a máquina? Segundo Reuleaux, “máquina é
uma combinação de corpos resistentes, dispostos em forma tal que, mediante
eles, as forças mecânicas da natureza podem ser obrigadas a fazer trabalho,
acompanhadas por certos movimentos determinados”.
Enfatiza que a mecanização do homem no mosteiro e no
exército precede a que se verificou na fábrica. Nos mosteiros beneditinos,
onde imperavam a ordem e a disciplina, realizou-se uma das grandes revoluções
que sucedem à revolução cristã. São os beneditinos em grande parte os
fundadores do capitalismo moderno.
Ainda: a máquina foi aproveitada, não para estimular o bem-estar
social, mas para aumentar lucros, e em benefício das classes
dominantes. As virtudes das máquinas não são devidas ao capitalismo. A
este se devem muitos dos seus males. A técnica permitiu que o capitalismo
ocidental tomasse essa feição que conhecemos. A técnica não depende do
capitalismo.
Marx e Marxismo
“Semeei dragões e colhi pulgas.” (Karl Marx) Esta frase é
atribuída ao poeta Heinrich Heine, amigo de Karl Marx.
“Marx e Marxismo” é o título do capítulo 5, do
livro Análise Dialética do Marxismo, de autoria de Mário Ferreira
dos Santos [1.ª edição foi em 1953]. Anotemos alguns pontos deste estudo.
Destaque-se os perigos dos epígonos, que acabam por tornar estéreis o
pensamento primordial do seu autor. Lembremo-nos de que, na construção de sua
doutrina, Marx valeu-se de pensadores da história e das ideias sociais que o
antecedera.
Barnes e Becker, por exemplo, relatam as seguintes as
influências:
1. Devia a Hegel seu sistema dialético e sua fé na atividade
estatal;
2. foi provavelmente nos trabalhos de Lorenz von Stein que
encontrou pela primeira vez notícias gerais sobre o socialismo e o comunismo na
França e em outros países; e também é muito provável que tenha encontrado em
Stein as ideias da “sociedade civil” e das classes sociais;
3. o materialismo histórico, tomou-o de Feuerbach e, em parte,
talvez, de Arnold Heeren;
4. a teoria do trabalho como medida do valor deriva de Ricardo,
de Rodbertus e dos socialistas ricardianos;
5. encontrou a doutrina da mais-valia nos escritos de William
Thompson;
6. a noção da luta de classes e a necessidade de um levante
proletário tinham sido assinaladas nas obras de Louis Blanc, Proudhon e
Weitling;
7. Marx recebeu de Sismondi a convicção de que os capitalistas
se iriam debilitando pela progressiva concentração da riqueza em mãos de uns
poucos;
8. suas ideias acerca da “sociedade primitiva sem classes”
derivam, parece, de sua herança hebraica do mishpat e de
certas teorias sobre os “direitos naturais” — Morgan apenas trouxe uma
“confirmação” posterior;
9. pode ter derivado de Johann Karl Rodbertus a tese segundo a
qual as crises econômicas recorrentes constituem um aspecto necessário da
produção sob o capitalismo;
10. sua fé numa futura Idade de Ouro de caráter quase místico
pode ter derivado de suas leituras do Antigo Testamento;
11. por último, embora de modo algum seja o fator de menor
importância, suas noções da tática revolucionária derivavam, em parte, de
Danton e de doutros líderes jacobinos da Revolução Francesa.
De posse dessas influências, a sua contribuição consistiu:
1. em demonstrar que a existência das classes está
ligada a certas fases históricas do desenvolvimento da produção;
2. que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura
do proletariado;
3. que essa mesma ditadura não representa senão uma transição para
a abolição de todas as classes e para uma sociedade
sem classes.
A partir dessas informações, percebe-se que a “ditadura do
proletariado” na Rússia, estruturou-se de modo não previsto nem por Marx, nem
por Engels, nem por Lênin, refutando, na prática, o que fora afirmado em
teoria. Marx procurava interpretar os fatos, captar através deles o nexo que
apontariam através de sua simbólica e significação.
Para Marx, o capitalismo é o prólogo do socialismo. No entanto,
o advento do socialismo só ocorreria quando o capitalismo atingisse a sua plena
maturidade. Pode-se, contudo, acreditar que do capitalismo surja o socialismo?
Ou seria apenas um desejo de Marx?
O crime dos “marxistas” consistiu, e consiste principalmente, em
terem procurado esterilizar sua obra, quando lhes cabia continuá-la.
Teoria Marxista do Estado
Mário Ferreira dos Santos no capítulo 8 — “Teoria Marxista do
Estado”, do livro Análise Dialética do Marxismo [1. ª edição
de 1953], busca, nas próprias palavras dos marxistas, o modo como conceberam o
Estado. As obras consultadas foram: A Origem da Família, da Propriedade
Privada e do Estado, de Friedrich Engels; O Estado e a Revolução,
de Vladimir Lênin.
No final do capítulo, apresenta-nos um esquema da teoria
marxista do Estado, nos seguintes termos:
Estado: 1. Não existiu sempre; houve sociedades sem Estado. 2. Organismo
posterior, supõe certa divisão da sociedade, com classes antagônicas e
irreconciliáveis. Ao desaparecerem as classes e, consequentemente, seu
antagonismo e irreconciliabilidade, processa-se o desaparecimento inevitável do
Estado.
Características do Estado:
a. uma força interna não imposta do exterior;
b. produto de certa fase de desenvolvimento da sociedade,
embaraçada esta numa insolúvel contradição interna, que gera antagonismos
inconciliáveis;
c. necessidade de uma força para atenuar o conflito nos limites
da “ordem” — colocação superior dessa força, e seu afastamento cada vez maior;
d. organização da força armada, independentizada da população —
homens armados, prisões, instituições coercitivas;
e. funcionalismo.
Revolução Proletária
Fases:
a. aniquilamento do Estado burguês (pela forma violenta e
revolucionária);
b. o definhamento começa a se processar-se depois da posse dos
meios de produção.
Lênin combate os “pseudorrevolucionários
a. colaboracionistas
b. e os que desejam vencer democraticamente na sociedade
burguesa.
O Estado para os Socialistas Libertários e Anarquistas
Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 10 — “O Estado para os
Socialistas Libertários e Anarquistas”, do livro Análise Dialética do
Marxismo, chama-nos a atenção para as consequências daqueles que pretendem
assumir o poder e, que, depois de obtê-lo, agem de modo contrário às suas
promessas.
Os anarquistas nunca se iludiram com as
promessas dos socialistas autoritários, que pretendem substituir um
Estado por outro, e que este logo se definhará. Eles, na realidade, previram o
seu constante fortalecimento. Nesse sentido, eles previram que Lênin seria
vítima de seu Estado e, depois dele, Trotsky, e todos os outros que estiveram
na vanguarda da Revolução. A vitória de Stálin, com sua falta de escrúpulos,
também fora prevista por outros pensadores.
Os socialistas libertários, por sua vez, não creem
que a revolução social se faça através do Estado. Não é a substituição de um
Estado por outro, mas de abolir o domínio do homem sobre o homem, a exploração
do homem sobre o homem, representada no próprio Estado.
Trecho extraído do livro:
Eis o conceito anarquista do Estado:
O Estado — isto é, a instituição governativa que faz as leis e
as impõe por meio da força coercitiva, com a violência ou a ameaça — tem uma
vitalidade própria e constitui, com seus componentes estáveis ou eletivos, com
seus funcionários ou magistrados, com seus policiais e com seus clientes, uma
verdadeira e própria classe social à parte, dividida em tantas castas quanta
sejam as ramificações de seu poder; e esta classe tem seus interesses
especiais, parasitários ou usurários, em conflito com os da coletividade
restante, que o Estado pretende representar.
Esse imenso polvo é o inimigo natural da sociedade, da qual
absorve sua alimentação. Ainda num regime capitalista, onde o Estado é o aliado
natural e a garantia material, armada, dos privilégios econômicos, não são
somente os trabalhadores conscientes que veem no Estado um inimigo; também uma
parte da burguesia sente aversão pelo Estado, pois vê no governo um competidor,
que rouba, com a fiscalização, uma parte de seus benefícios e lhe impede
desenvolver e exercer além de seus limites sua função exploradora.
Palavras de Fabbri escrita nos dias da Revolução de Outubro:
A ditadura, que é o Estado sob a forma de governo absoluto e
centralizado, embora tome o nome de proletária ou revolucionária, é, no
entanto, a negação da revolução. Depois que as velhas dominações tenham sido
abatidas, o Estado tirânico renascerá de suas cinzas.
Fases da Revolução Russa
Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 11 — “Pode a Ditadura ser
uma Escola de Liberdade?”, do livro Análise Dialética do Marxismo,
mostra-nos que antes da Revolução Russa não se tinha uma ideia concreta da
“ditadura revolucionária do proletariado”. Para melhor compreensão do
dessa questão, elenca as fases
progressivas de tal empreendimento.
Primeira fase: entregar “todo o poder aos sovietes” é perigoso, mas o
aceitamos, declaravam os anarquistas, porque os sovietes não são criação de um
partido político, mas uma espontânea realização do povo russo. Mas os
bolchevistas, organizados em partido, ambicionavam o poder. E, com o tempo,
deu-se o que os anarquistas previram: os sovietes perderam o poder,
transferindo-o para a organização burocrática do Estado, que monopolizou o
mando supremo.
Segunda fase: o aniquilamento dos partidos de oposição.
Terceira fase: todos os compromissos assumidos com os anarquistas e com os
socialistas revolucionários foram postos de lado, ficando apenas os
bolchevistas.
Quarta fase: a centralização crescente do poder nas mãos de um grupo de
homens do partido, de uma elite. E, em pouco tempo, o partido bolchevista
desapareceu. Um grupo dirigia a vontade e a consciência de todo um povo.
Quinta fase: a ascensão do ditador, já prevista pelos anarquistas. E veio.
Lênin assumiu todo o poder, sua vontade reinava absoluto.
Sexta fase: o poder absoluto de um dirigente. Stálin, saindo-se vencedor,
foi inexorável para com todos os que lhe fizeram frente.
Sétima fase: bonapartismo.
Os frutos da Revolução Russa não devem ser desprezados, e nos
devem servir para que estudemos novamente, e com acuidade, os problemas
surgidos ao movimento socialista.
Aspectos
Contraditórios do Marxismo
Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 17 — “Análise
Decadialética do Marxismo” do livro Análise Dialética do Marxismo,
relata algumas contradições do marxismo.
1. O marxismo construiu uma dialética, que julgou ser hegeliana,
mas foi pouco usada pelos próprios marxistas. A ditadura do proletariado é uma
ficção e utopia que a realidade desmentiu, pois o que vimos foi a ditadura de
um grupo sobre um partido, que a exerceu sobre o Estado e sobre a população.
2. Marx, Engels, Lênin e Stálin e outros têm uma visão deformada
e primária da filosofia. Estes abandonaram as obras de Santo Tomás e de Duns
Scot, que pressupõem o homem como criatura, e portanto foi criado. Por escolher
uma visão materialista, o marxismo juntou o seu destino ao destino do
materialismo, a mais fraca posição que se conhece na filosofia. Reduz o homem a
uma coisa e não a uma pessoa. “Dessa forma, combateu a família, combateu a
moral, combateu a religião, combateu a filosofia e, na verdade, não encontrou
em que dar coerência ao seu movimento. Em lugar da força dada pela coerência,
acabou por obter uma coerência conquistada pela força”.
3. Em se tratando da contradição funcional, o princípio
autoritário, inerente ao marxismo, levou-o a um excesso de poder que não pode
afrouxar nem manter. Uma brutalidade leva a outra brutalidade e com essa
sequência convivem milhões de seres humanos, sujeitos a todas as lutas internas
que gera naturalmente o autoritarismo.
4. Como não há coerência nessa doutrina, as vitórias obtidas são
uma marcha apressada para a derrota final, como as de Hitler o aproximavam cada
vez mais da derrota.
Em síntese, só pela revolução o povo se libertará de toda a
opressão, e o marxismo passará para a história como mais um exemplo do malogro
das doutrinas autoritárias.
Marxismo: Fatores Emergentes e Predisponentes
Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 18 — “Os Fatores Emergentes
e Predisponentes”, do livro Análise Dialética do Marxismo,
esclarece-nos sobre o erro que Marx cometeu ao se deixar influenciar apenas
pelos fatores econômicos que se destacavam em sua época.
Os fatores emergentes são os internos; e os predisponentes, os
externos. No homem, o corpo (fatores bionômicos)
e alma (fatores psicológicos) são os fatores
emergentes. A natureza (fatores ecológicos) e a sociedade humana (fatores
históricos-sociais) são os fatores predisponentes.
Observação: os fatores emergentes se atualizam conforme a disposição dos
fatores predisponentes. Nesse caso, o meio ambiente apenas favorece ou
desfavorece a atualização da emergência. Na eotécnica (1), o artesanato; na
paleotécnica, o salariado. A inversão vai dar-se com os marxistas. Estes surgem
em plena era da paleotécnica. São os socialistas da grande concentração.
O capitalismo, cujo objetivo é aumentar a produção com o menor
custo, tende para uma centralização, para um monopólio. Marx viu nisso um fator
importante do progresso e uma lição da organização social futura. Assim, a
sociedade tem de ser centralizada, haver monopólio de poder, de governo, de
tudo.
Faltou a Marx o conhecimento da escolástica, que preconizava a
inseparabilidade do corpo e da alma. Neste sentido, não pode empreender uma
análise dialética correta. Deixou-se influenciar pela predisponência econômica
de sua época, o que obliterou o seu raciocínio. Desde esse momento,
a emergência numa adequação com a predisponência dava a concluir precipitadamente
que o fator econômico fosse sempre decisivo. (Marx e Engels em seus últimos
dias rejeitavam esse absolutismo).
(1) Foi Patrick Geddes quem
dividiu as fases da técnica em três, partindo das análises de Kropotkin:
a eotécnica, a paleotécnica e a neotécnica. Eos,
que em grego quer dizer aurora, enquanto paleos, em grego, quer
dizer antigo. A eotécnica, quanto à energia e aos materiais
característicos, é um complexo de água e madeira; a paleotécnica,
complexo de carvão e de ferro; e a neotécnica, um complexo de eletricidade.
A chamada biotécnica será a época da energia atômica, e outras
energias a serem descobertas e controladas. (Capítulo 3 — “A Eotécnica”, do
mesmo livro)