24 dezembro 2022

Descartes, René

René Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye, França, pertencendo a uma família de prósperos burgueses. Estudou no colégio jesuíta de La Fléche, na época um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino europeu. Foi soldado, esteve sob as ordens de Maurício de Nassau. Participou de várias campanhas militares. As obras de Descartes são de considerável extensão. As mais importantes são: Regras para a Direção do Espírito (1628), O Discurso do Método (1637) e Meditações Filosóficas (1641). (1)

Um gênio maligno pode tentar me fazer acreditar em coisas falsas.

Não há nada do qual posso ter certeza.

Mas quando digo "Eu sou, eu existo", não posso estar errado sobre isso.

Um gênio maligno poderia tentar me fazer acreditar nisso se eu realmente existir.

Penso, logo existo. (2)

O ponto de partida para Descartes é a busca pelas certezas, o que nunca é uma questão fácil, como ele percebe, uma vez que os sentidos podem ser enganados. O método que ele propõe é conhecido como dúvida hiperbólica - "hiperbólica" no sentido de "extrema". Assim, para testar o quanto o nosso chamado "conhecimento" está fundamentado na razão, é preciso suspender o julgamento sobre qualquer proposição cuja verdade possa de alguma forma ser questionada. Por meio de um processo eliminatório, Descartes chega à sua célebre conclusão: Cogito, ergo sum ("Penso, logo exito"). Ele tem certeza da sua própria existência, pois caso contrário não estaria pensando.

Descartes então se detém sobre o que está pensando, identificando entre outras coisas a ideia de um Ser Perfeito ou Deus. Ele tem certeza de se tratar de uma verdade e de ela existir fora de sua mente, pois de outro modo o cogito em si não seria verdadeiro. Embora isso soe novamente como escolástica, dessa vez o Ser Perfeito ajuda a provar a solidez do raciocínio humano: ele é Deus "em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência". Como Deus leva Descartes a acreditar que as coisas no mundo externo são materiais, é porque devem mesmo ser, visto que um Deus perfeito jamais o enganaria. Esse dualismo - nada menos que dualismo cartesiano: a divisão entre mente pensante, não material, e o corpo mecânico, material - é algo que continua a provocar interesse até hoje.

Descartes sofreu críticas desde o início, mas quando a rainha Cristina da Suécia decidiu, em 1649, que queria ter aulas de filosofia, acabou por convocá-lo. Infelizmente, para ele a empreitada não foi bem-sucedida. Para início de conversa, Cristina gostava de começar o estudo às cinco da manhã, apesar de estarem em meados de inverno, ao passo que o tutor preferia uma manhã tranquila na cama, para ler e refletir um pouco mais. O resultado é que apenas seis meses após a chegada ele morreu de pneumonia. (3)

(1) JERPHAGNON, L. Dicionário das Grandes Filosofias. Lisboa, Edições 70, 1982.

(2) VÁRIOS COLABORADORES. O Livro da Filosofia. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

(3) LEVENE, Lesley. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia. Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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Origens do cogito [Caixa]

Cogito ergo sum talvez seja a mais conhecida de todas as frases filosóficas, mas sua origem precisa não é certa. Embora esteja inextricavelmente ligada a Descartes, a ideia por trás do cogito é anterior a ele. No início do século V d.C., por exemplo, Santo Agostinho escreveu que podemos duvidar de tudo, exceto da dúvida da própria alma, e essa ideia o precede. (Dupré, Ben. 50 ideias de filosofia que você precisa conhecer / Ben Dupré; tradução Rosemarie Ziegelmaier. - 1. ed. - São Paulo: Planeta, 2015.

 

30 novembro 2022

Análise Dialética do Marxismo: Notas do Livro

Mário Ferreira dos Santos, em seu livro Análise Dialética do Marxismo, cuja primeira edição data de 1953, expõe, em suas primeiras páginas, o plano da obra.

Como o marxismo atrai a atenção de muitos estudiosos, pretende analisá-lo com a máxima atenção de ânimo, evitando as paixões. Pela dificuldade de analisar, num único volume, os diversos aspectos filosóficos, históricos, econômicos e sociológicos que o marxismo oferece, concentrar-se-á nos aspectos gerais para uma análise decadialética. (1)

Na exposição das teses marxistas, e na análise dialética, fundar-se-á nos textos de seus principais autores, como Marx, Engels, Lênin, sobretudo, e secundariamente nos autores posteriores, que disputam entre si a validez de sua exegese.

Lembra-nos de que houve um obscurecimento da escolástica. Nesse caso, compara o escolasticismo ao escolasticismo marxista, nos seguintes termos: “Assim como o escolasticismo causou tanto mal à genuína escolástica, o escolasticismo marxista trouxe confusão entre os epígonos(2) de Marx, hoje divididos em diversas seitas, que se consideram os verdadeiros interpretes do pensamento de Marx”.

"Para que se efetue uma análise dialética do marxismo, impõe-se estabelecer, de maneira clara e com o maior rigor histórico, todos os fatores predisponentes do marxismo. Após essa análise, é imprescindível procurar os fatores emergentes, cuja atualização depende, naturalmente, das predisponências". 

Há necessidade de se fazer um estudo combinado da História, da Técnica e da Economia, a fim de facilitar a boa compreensão do clima histórico em que ele surgiu, imprescindível à boa inteligência das ideias e significado.

Destaque-se que a principal polêmica foi travada entre os dois socialismos: o autoritário e o libertário. 

(1) Decadialética é formado pela união das palavras gregas deka, dez, e dialektikê, que significa esclarecer através das ideias. É ela um método dialético aplicável à Filosofia Prática, que pretende ordenar o raciocínio por meio de dez campos.

(2) Epígono. 1 Imitador de um artista importante ou pensador de grande notabilidade de uma geração mais antiga. 2 Continuador de um filósofo, músico, artista, literário etc. da geração anterior. 3 Que pertence à geração seguinte.

 

O Relógio, a Máquina e a Automatização

De acordo com Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 1 — “A Economia, a Técnica e a História”, do livro Análise Dialética do Marxismo, nos últimos 1000 anos, houve uma profunda transformação exercida pela máquina, denominada de “era mecânica”, “máquina automática de tecer”, e mais especificamente, a chamada “Revolução Industrial”.

Salienta que o relógio foi a máquina-chave da época industrial moderna, e não a máquina a vapor, que, ao sobrevir, já abre campo a outra fase no terreno técnico. O relógio permitiu a análise do movimento, os tipos-de-engrenagens e transmissões e a exatidão da medida. Além disso, “tempo é dinheiro” é uma das frases mais apreciadas pelos burgueses do século XVIII em diante.

Mas o que é a máquina? Segundo Reuleaux, “máquina é uma combinação de corpos resistentes, dispostos em forma tal que, mediante eles, as forças mecânicas da natureza podem ser obrigadas a fazer trabalho, acompanhadas por certos movimentos determinados”.

Enfatiza que a mecanização do homem no mosteiro e no exército precede a que se verificou na fábrica. Nos mosteiros beneditinos, onde imperavam a ordem e a disciplina, realizou-se uma das grandes revoluções que sucedem à revolução cristã. São os beneditinos em grande parte os fundadores do capitalismo moderno.

Ainda: a máquina foi aproveitada, não para estimular o bem-estar social, mas para aumentar lucros, e em benefício das classes dominantes. As virtudes das máquinas não são devidas ao capitalismo. A este se devem muitos dos seus males. A técnica permitiu que o capitalismo ocidental tomasse essa feição que conhecemos. A técnica não depende do capitalismo.


Marx e Marxismo

“Semeei dragões e colhi pulgas.” (Karl Marx) Esta frase é atribuída ao poeta Heinrich Heine, amigo de Karl Marx.

“Marx e Marxismo” é o título do capítulo 5, do livro Análise Dialética do Marxismo, de autoria de Mário Ferreira dos Santos [1.ª edição foi em 1953]. Anotemos alguns pontos deste estudo. Destaque-se os perigos dos epígonos, que acabam por tornar estéreis o pensamento primordial do seu autor. Lembremo-nos de que, na construção de sua doutrina, Marx valeu-se de pensadores da história e das ideias sociais que o antecedera.

Barnes e Becker, por exemplo, relatam as seguintes as influências:

1. Devia a Hegel seu sistema dialético e sua fé na atividade estatal;

2. foi provavelmente nos trabalhos de Lorenz von Stein que encontrou pela primeira vez notícias gerais sobre o socialismo e o comunismo na França e em outros países; e também é muito provável que tenha encontrado em Stein as ideias da “sociedade civil” e das classes sociais;

3. o materialismo histórico, tomou-o de Feuerbach e, em parte, talvez, de Arnold Heeren;

4. a teoria do trabalho como medida do valor deriva de Ricardo, de Rodbertus e dos socialistas ricardianos;

5. encontrou a doutrina da mais-valia nos escritos de William Thompson;

6. a noção da luta de classes e a necessidade de um levante proletário tinham sido assinaladas nas obras de Louis Blanc, Proudhon e Weitling;

7. Marx recebeu de Sismondi a convicção de que os capitalistas se iriam debilitando pela progressiva concentração da riqueza em mãos de uns poucos;

8. suas ideias acerca da “sociedade primitiva sem classes” derivam, parece, de sua herança hebraica do mishpat e de certas teorias sobre os “direitos naturais” — Morgan apenas trouxe uma “confirmação” posterior;

9. pode ter derivado de Johann Karl Rodbertus a tese segundo a qual as crises econômicas recorrentes constituem um aspecto necessário da produção sob o capitalismo;

10. sua fé numa futura Idade de Ouro de caráter quase místico pode ter derivado de suas leituras do Antigo Testamento;

11. por último, embora de modo algum seja o fator de menor importância, suas noções da tática revolucionária derivavam, em parte, de Danton e de doutros líderes jacobinos da Revolução Francesa.

De posse dessas influências, a sua contribuição consistiu:

1. em demonstrar que a existência das classes está ligada a certas fases históricas do desenvolvimento da produção;

2. que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado;

3. que essa mesma ditadura não representa senão uma transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes.

A partir dessas informações, percebe-se que a “ditadura do proletariado” na Rússia, estruturou-se de modo não previsto nem por Marx, nem por Engels, nem por Lênin, refutando, na prática, o que fora afirmado em teoria. Marx procurava interpretar os fatos, captar através deles o nexo que apontariam através de sua simbólica e significação.

Para Marx, o capitalismo é o prólogo do socialismo. No entanto, o advento do socialismo só ocorreria quando o capitalismo atingisse a sua plena maturidade. Pode-se, contudo, acreditar que do capitalismo surja o socialismo? Ou seria apenas um desejo de Marx? 

O crime dos “marxistas” consistiu, e consiste principalmente, em terem procurado esterilizar sua obra, quando lhes cabia continuá-la.


Teoria Marxista do Estado

Mário Ferreira dos Santos no capítulo 8 — “Teoria Marxista do Estado”, do livro Análise Dialética do Marxismo [1. ª edição de 1953], busca, nas próprias palavras dos marxistas, o modo como conceberam o Estado. As obras consultadas foram: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels; O Estado e a Revolução, de Vladimir Lênin.

No final do capítulo, apresenta-nos um esquema da teoria marxista do Estado, nos seguintes termos:  

Estado: 1. Não existiu sempre; houve sociedades sem Estado. 2. Organismo posterior, supõe certa divisão da sociedade, com classes antagônicas e irreconciliáveis. Ao desaparecerem as classes e, consequentemente, seu antagonismo e irreconciliabilidade, processa-se o desaparecimento inevitável do Estado.

Características do Estado:

a. uma força interna não imposta do exterior;

b. produto de certa fase de desenvolvimento da sociedade, embaraçada esta numa insolúvel contradição interna, que gera antagonismos inconciliáveis;

c. necessidade de uma força para atenuar o conflito nos limites da “ordem” — colocação superior dessa força, e seu afastamento cada vez maior;

d. organização da força armada, independentizada da população — homens armados, prisões, instituições coercitivas;

e. funcionalismo.

Revolução Proletária

Fases:

a. aniquilamento do Estado burguês (pela forma violenta e revolucionária);

b. o definhamento começa a se processar-se depois da posse dos meios de produção.

Lênin combate os “pseudorrevolucionários

a. colaboracionistas

b. e os que desejam vencer democraticamente na sociedade burguesa.

O Estado para os Socialistas Libertários e Anarquistas

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 10 — “O Estado para os Socialistas Libertários e Anarquistas”, do livro Análise Dialética do Marxismo, chama-nos a atenção para as consequências daqueles que pretendem assumir o poder e, que, depois de obtê-lo, agem de modo contrário às suas promessas.

Os anarquistas nunca se iludiram com as promessas dos socialistas autoritários, que pretendem substituir um Estado por outro, e que este logo se definhará. Eles, na realidade, previram o seu constante fortalecimento. Nesse sentido, eles previram que Lênin seria vítima de seu Estado e, depois dele, Trotsky, e todos os outros que estiveram na vanguarda da Revolução. A vitória de Stálin, com sua falta de escrúpulos, também fora prevista por outros pensadores.

Os socialistas libertários, por sua vez, não creem que a revolução social se faça através do Estado. Não é a substituição de um Estado por outro, mas de abolir o domínio do homem sobre o homem, a exploração do homem sobre o homem, representada no próprio Estado.

Trecho extraído do livro:

Eis o conceito anarquista do Estado:

O Estado — isto é, a instituição governativa que faz as leis e as impõe por meio da força coercitiva, com a violência ou a ameaça — tem uma vitalidade própria e constitui, com seus componentes estáveis ou eletivos, com seus funcionários ou magistrados, com seus policiais e com seus clientes, uma verdadeira e própria classe social à parte, dividida em tantas castas quanta sejam as ramificações de seu poder; e esta classe tem seus interesses especiais, parasitários ou usurários, em conflito com os da coletividade restante, que o Estado pretende representar.

Esse imenso polvo é o inimigo natural da sociedade, da qual absorve sua alimentação. Ainda num regime capitalista, onde o Estado é o aliado natural e a garantia material, armada, dos privilégios econômicos, não são somente os trabalhadores conscientes que veem no Estado um inimigo; também uma parte da burguesia sente aversão pelo Estado, pois vê no governo um competidor, que rouba, com a fiscalização, uma parte de seus benefícios e lhe impede desenvolver e exercer além de seus limites sua função exploradora.

Palavras de Fabbri escrita nos dias da Revolução de Outubro:

A ditadura, que é o Estado sob a forma de governo absoluto e centralizado, embora tome o nome de proletária ou revolucionária, é, no entanto, a negação da revolução. Depois que as velhas dominações tenham sido abatidas, o Estado tirânico renascerá de suas cinzas.


Fases da Revolução Russa

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 11 — “Pode a Ditadura ser uma Escola de Liberdade?”, do livro Análise Dialética do Marxismo, mostra-nos que antes da Revolução Russa não se tinha uma ideia concreta da “ditadura revolucionária do proletariado”. Para melhor compreensão do dessa questão, elenca as fases progressivas de tal empreendimento. 

Primeira fase: entregar “todo o poder aos sovietes” é perigoso, mas o aceitamos, declaravam os anarquistas, porque os sovietes não são criação de um partido político, mas uma espontânea realização do povo russo. Mas os bolchevistas, organizados em partido, ambicionavam o poder. E, com o tempo, deu-se o que os anarquistas previram: os sovietes perderam o poder, transferindo-o para a organização burocrática do Estado, que monopolizou o mando supremo.

Segunda fase: o aniquilamento dos partidos de oposição.   

Terceira fase: todos os compromissos assumidos com os anarquistas e com os socialistas revolucionários foram postos de lado, ficando apenas os bolchevistas.

Quarta fase: a centralização crescente do poder nas mãos de um grupo de homens do partido, de uma elite. E, em pouco tempo, o partido bolchevista desapareceu. Um grupo dirigia a vontade e a consciência de todo um povo.

Quinta fase: a ascensão do ditador, já prevista pelos anarquistas. E veio. Lênin assumiu todo o poder, sua vontade reinava absoluto.

Sexta fase: o poder absoluto de um dirigente. Stálin, saindo-se vencedor, foi inexorável para com todos os que lhe fizeram frente.

Sétima fase: bonapartismo.

Os frutos da Revolução Russa não devem ser desprezados, e nos devem servir para que estudemos novamente, e com acuidade, os problemas surgidos ao movimento socialista.


Aspectos Contraditórios do Marxismo

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 17 — “Análise Decadialética do Marxismo” do livro Análise Dialética do Marxismo, relata algumas contradições do marxismo.

1. O marxismo construiu uma dialética, que julgou ser hegeliana, mas foi pouco usada pelos próprios marxistas. A ditadura do proletariado é uma ficção e utopia que a realidade desmentiu, pois o que vimos foi a ditadura de um grupo sobre um partido, que a exerceu sobre o Estado e sobre a população.

2. Marx, Engels, Lênin e Stálin e outros têm uma visão deformada e primária da filosofia. Estes abandonaram as obras de Santo Tomás e de Duns Scot, que pressupõem o homem como criatura, e portanto foi criado. Por escolher uma visão materialista, o marxismo juntou o seu destino ao destino do materialismo, a mais fraca posição que se conhece na filosofia. Reduz o homem a uma coisa e não a uma pessoa. “Dessa forma, combateu a família, combateu a moral, combateu a religião, combateu a filosofia e, na verdade, não encontrou em que dar coerência ao seu movimento. Em lugar da força dada pela coerência, acabou por obter uma coerência conquistada pela força”.

3. Em se tratando da contradição funcional, o princípio autoritário, inerente ao marxismo, levou-o a um excesso de poder que não pode afrouxar nem manter. Uma brutalidade leva a outra brutalidade e com essa sequência convivem milhões de seres humanos, sujeitos a todas as lutas internas que gera naturalmente o autoritarismo.

4. Como não há coerência nessa doutrina, as vitórias obtidas são uma marcha apressada para a derrota final, como as de Hitler o aproximavam cada vez mais da derrota.

Em síntese, só pela revolução o povo se libertará de toda a opressão, e o marxismo passará para a história como mais um exemplo do malogro das doutrinas autoritárias.


Marxismo: Fatores Emergentes e Predisponentes

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 18 — “Os Fatores Emergentes e Predisponentes”, do livro Análise Dialética do Marxismo, esclarece-nos sobre o erro que Marx cometeu ao se deixar influenciar apenas pelos fatores econômicos que se destacavam em sua época.

Os fatores emergentes são os internos; e os predisponentes, os externos.  No homem, o corpo (fatores bionômicos) e alma (fatores psicológicos) são os fatores emergentes. A natureza (fatores ecológicos) e a sociedade humana (fatores históricos-sociais) são os fatores predisponentes.

Observação: os fatores emergentes se atualizam conforme a disposição dos fatores predisponentes. Nesse caso, o meio ambiente apenas favorece ou desfavorece a atualização da emergência. Na eotécnica (1), o artesanato; na paleotécnica, o salariado. A inversão vai dar-se com os marxistas. Estes surgem em plena era da paleotécnica. São os socialistas da grande concentração.

O capitalismo, cujo objetivo é aumentar a produção com o menor custo, tende para uma centralização, para um monopólio. Marx viu nisso um fator importante do progresso e uma lição da organização social futura. Assim, a sociedade tem de ser centralizada, haver monopólio de poder, de governo, de tudo.

Faltou a Marx o conhecimento da escolástica, que preconizava a inseparabilidade do corpo e da alma. Neste sentido, não pode empreender uma análise dialética correta. Deixou-se influenciar pela predisponência econômica de sua época, o que obliterou o seu raciocínio.  Desde esse momento, a emergência numa adequação com a predisponência dava a concluir precipitadamente que o fator econômico fosse sempre decisivo. (Marx e Engels em seus últimos dias rejeitavam esse absolutismo).

(1) Foi Patrick Geddes quem dividiu as fases da técnica em três, partindo das análises de Kropotkin: a eotécnica, a paleotécnica e a neotécnicaEos, que em grego quer dizer aurora, enquanto paleos, em grego, quer dizer antigo. A eotécnica, quanto à energia e aos materiais característicos, é um complexo de água e madeira; a paleotécnica, complexo de carvão e de ferro; e a neotécnica, um complexo de eletricidade. A chamada biotécnica será a época da energia atômica, e outras energias a serem descobertas e controladas. (Capítulo 3 — “A Eotécnica”, do mesmo livro)

 

 

Marxismo: Fatores Emergentes e Predisponentes

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 18 — “Os Fatores Emergentes e Predisponentes”, do livro Análise Dialética do Marxismo, esclarece-nos sobre o erro que Marx cometeu ao se deixar influenciar apenas pelos fatores econômicos que se destacavam em sua época.

Os fatores emergentes são os internos; e os predisponentes, os externos.  No homem, o corpo (fatores bionômicos) e alma (fatores psicológicos) são os fatores emergentes. A natureza (fatores ecológicos) e a sociedade humana (fatores históricos-sociais) são os fatores predisponentes.

Observação: os fatores emergentes se atualizam conforme a disposição dos fatores predisponentes. Nesse caso, o meio ambiente apenas favorece ou desfavorece a atualização da emergência. Na eotécnica (1), o artesanato; na paleotécnica, o salariado. A inversão vai dar-se com os marxistas. Estes surgem em plena era da paleotécnica. São os socialistas da grande concentração.

O capitalismo, cujo objetivo é aumentar a produção com o menor custo, tende para uma centralização, para um monopólio. Marx viu nisso um fator importante do progresso e uma lição da organização social futura. Assim, a sociedade tem de ser centralizada, haver monopólio de poder, de governo, de tudo.

Faltou a Marx o conhecimento da escolástica, que preconizava a inseparabilidade do corpo e da alma. Neste sentido, não pode empreender uma análise dialética correta. Deixou-se influenciar pela predisponência econômica de sua época, o que obliterou o seu raciocínio.  Desde esse momento, a emergência numa adequação com a predisponência dava a concluir precipitadamente que o fator econômico fosse sempre decisivo. (Marx e Engels em seus últimos dias rejeitavam esse absolutismo).

(1) Foi Patrick Geddes quem dividiu as fases da técnica em três, partindo das análises de Kropotkin: a eotécnica, a paleotécnica e a neotécnicaEos, que em grego quer dizer aurora, enquanto paleos, em grego, quer dizer antigo. A eotécnica, quanto à energia e aos materiais característicos, é um complexo de água e madeira; a paleotécnica, complexo de carvão e de ferro; e a neotécnica, um complexo de eletricidade. A chamada biotécnica será a época da energia atômica, e outras energias a serem descobertas e controladas. (Capítulo 3 — “A Eotécnica”, do mesmo livro)

 

29 novembro 2022

Aspectos Contraditórios do Marxismo

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 17 — “Análise Decadialética do Marxismo” do livro Análise Dialética do Marxismo, relata algumas contradições do marxismo.

1. O marxismo construiu uma dialética, que julgou ser hegeliana, mas foi pouco usada pelos próprios marxistas. A ditadura do proletariado é uma ficção e utopia que a realidade desmentiu, pois o que vimos foi a ditadura de um grupo sobre um partido, que a exerceu sobre o Estado e sobre a população.

2. Marx, Engels, Lênin e Stálin e outros têm uma visão deformada e primária da filosofia. Estes abandonaram as obras de Santo Tomás e de Duns Scot, que pressupõem o homem como criatura, e portanto foi criado. Por escolher uma visão materialista, o marxismo juntou o seu destino ao destino do materialismo, a mais fraca posição que se conhece na filosofia. Reduz o homem a uma coisa e não a uma pessoa. “Dessa forma, combateu a família, combateu a moral, combateu a religião, combateu a filosofia e, na verdade, não encontrou em que dar coerência ao seu movimento. Em lugar da força dada pela coerência, acabou por obter uma coerência conquistada pela força”.

3. Em se tratando da contradição funcional, o princípio autoritário, inerente ao marxismo, levou-o a um excesso de poder que não pode afrouxar nem manter. Uma brutalidade leva a outra brutalidade e com essa sequência convivem milhões de seres humanos, sujeitos a todas as lutas internas que gera naturalmente o autoritarismo.

4. Como não há coerência nessa doutrina, as vitórias obtidas são uma marcha apressada para a derrota final, como as de Hitler o aproximavam cada vez mais da derrota.

Em síntese, só pela revolução o povo se libertará de toda a opressão, e o marxismo passará para a história como mais um exemplo do malogro das doutrinas autoritárias.

 

18 novembro 2022

Fases da Revolução Russa

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 11 — “Pode a Ditadura ser uma Escola de Liberdade?”, do livro Análise Dialética do Marxismo, mostra-nos que antes da Revolução Russa não se tinha uma ideia concreta da “ditadura revolucionária do proletariado”. Para melhor compreensão do dessa questão, elenca as fases progressivas de tal empreendimento. 

Primeira fase: entregar “todo o poder aos sovietes” é perigoso, mas o aceitamos, declaravam os anarquistas, porque os sovietes não são criação de um partido político, mas uma espontânea realização do povo russo. Mas os bolchevistas, organizados em partido, ambicionavam o poder. E, com o tempo, deu-se o que os anarquistas previram: os sovietes perderam o poder, transferindo-o para a organização burocrática do Estado, que monopolizou o mando supremo.

Segunda fase: o aniquilamento dos partidos de oposição.   

Terceira fase: todos os compromissos assumidos com os anarquistas e com os socialistas revolucionários foram postos de lado, ficando apenas os bolchevistas.

Quarta fase: a centralização crescente do poder nas mãos de um grupo de homens do partido, de uma elite. E, em pouco tempo, o partido bolchevista desapareceu. Um grupo dirigia a vontade e a consciência de todo um povo.

Quinta fase: a ascensão do ditador, já prevista pelos anarquistas. E veio. Lênin assumiu todo o poder, sua vontade reinava absoluto.

Sexta fase: o poder absoluto de um dirigente. Stálin, saindo-se vencedor, foi inexorável para com todos os que lhe fizeram frente.

Sétima fase: bonapartismo.

Os frutos da Revolução Russa não devem ser desprezados, e nos devem servir para que estudemos novamente, e com acuidade, os problemas surgidos ao movimento socialista.

O Estado para os Socialistas Libertários e Anarquistas

Mário Ferreira dos Santos, no capítulo 10 — “O Estado para os Socialistas Libertários e Anarquistas”, do livro Análise Dialética do Marxismo, chama-nos a atenção para as consequências daqueles que pretendem assumir o poder e, que, depois de obtê-lo, agem de modo contrário às suas promessas.

Os anarquistas nunca se iludiram com as promessas dos socialistas autoritários, que pretendem substituir um Estado por outro, e que este logo se definhará. Eles, na realidade, previram o seu constante fortalecimento. Nesse sentido, eles previram que Lênin seria vítima de seu Estado e, depois dele, Trotsky, e todos os outros que estiveram na vanguarda da Revolução. A vitória de Stálin, com sua falta de escrúpulos, também fora prevista por outros pensadores.

Os socialistas libertários, por sua vez, não creem que a revolução social se faça através do Estado. Não é a substituição de um Estado por outro, mas de abolir o domínio do homem sobre o homem, a exploração do homem sobre o homem, representada no próprio Estado.

Trecho extraído do livro:

Eis o conceito anarquista do Estado:

O Estado — isto é, a instituição governativa que faz as leis e as impõe por meio da força coercitiva, com a violência ou a ameaça — tem uma vitalidade própria e constitui, com seus componentes estáveis ou eletivos, com seus funcionários ou magistrados, com seus policiais e com seus clientes, uma verdadeira e própria classe social à parte, dividida em tantas castas quanta sejam as ramificações de seu poder; e esta classe tem seus interesses especiais, parasitários ou usurários, em conflito com os da coletividade restante, que o Estado pretende representar.

Esse imenso polvo é o inimigo natural da sociedade, da qual absorve sua alimentação. Ainda num regime capitalista, onde o Estado é o aliado natural e a garantia material, armada, dos privilégios econômicos, não são somente os trabalhadores conscientes que veem no Estado um inimigo; também uma parte da burguesia sente aversão pelo Estado, pois vê no governo um competidor, que rouba, com a fiscalização, uma parte de seus benefícios e lhe impede desenvolver e exercer além de seus limites sua função exploradora.

Palavras de Fabbri escrita nos dias da Revolução de Outubro:

A ditadura, que é o Estado sob a forma de governo absoluto e centralizado, embora tome o nome de proletária ou revolucionária, é, no entanto, a negação da revolução. Depois que as velhas dominações tenham sido abatidas, o Estado tirânico renascerá de suas cinzas.

17 novembro 2022

Teoria Marxista do Estado

Mário Ferreira dos Santos no capítulo 8 — “Teoria Marxista do Estado”, do livro Análise Dialética do Marxismo [1. ª edição de 1953], busca, nas próprias palavras dos marxistas, o modo como conceberam o Estado. As obras consultadas foram: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels; O Estado e a Revolução, de Vladimir Lênin.

No final do capítulo, apresenta-nos um esquema da teoria marxista do Estado, nos seguintes termos:  

Estado: 1. Não existiu sempre; houve sociedades sem Estado. 2. Organismo posterior, supõe certa divisão da sociedade, com classes antagônicas e irreconciliáveis. Ao desaparecerem as classes e, consequentemente, seu antagonismo e irreconciliabilidade, processa-se o desaparecimento inevitável do Estado.

Características do Estado:

a. uma força interna não imposta do exterior;

b. produto de certa fase de desenvolvimento da sociedade, embaraçada esta numa insolúvel contradição interna, que gera antagonismos inconciliáveis;

c. necessidade de uma força para atenuar o conflito nos limites da “ordem” — colocação superior dessa força, e seu afastamento cada vez maior;

d. organização da força armada, independentizada da população — homens armados, prisões, instituições coercitivas;

e. funcionalismo.

Revolução Proletária

Fases:

a. aniquilamento do Estado burguês (pela forma violenta e revolucionária);

b. o definhamento começa a se processar-se depois da posse dos meios de produção.

Lênin combate os “pseudorrevolucionários

a. colaboracionistas

b. e os que desejam vencer democraticamente na sociedade burguesa.