28 março 2022

Sofistas e os Deuses, Os

“O sol, a lua, os rios e os mananciais, assim como tudo o que favorece a vida, foram considerados pelos antigos como divindades por causa de sua utilidade, como o Nilo para os egípcios.” (Protágoras)

Os sofistas foram alguns dos estrangeiros que chegaram a Atenas por volta do século V a.C. Tinham em seu bojo uma mercadoria a ser vendida: o conhecimento. Não apenas o conhecimento, mas a maneira de construí-lo e empregá-lo. Destacaram-se na preparação dos jovens para enfrentarem quaisquer tipos de debates.

A dúvida e a controvérsia eram as suas principais ferramentas. Num debate, o oponente defende uma tese. Eles ensinavam como contra-argumentar, como tirar proveito de uma situação desfavorável. Queriam que seus alunos fossem pessoas versadas na esgrima da palavra. A dúvida tinha por objetivo buscar a verdade. Esta deve ser buscada pelo homem, pois este é a medida de todas as coisas.  

Em determinado momento, começaram a facear terreno perigoso, que foi a refutação das divindades gregas. Colocavam dúvida sobre os poderes divinos, mas não eram ateístas. De Protágoras, temos uma frase emblemática:  “Sobre os deuses, não posso saber sequer se existem, nem que não existem, nem qual forma é a sua; muitas circunstâncias impedem-me de sabê-lo: a ausência de dados sensíveis e a brevidade da vida”.

A afirmação de que não se pode saber se os deuses existem ou não vai de encontro às tradições religiosas, e suscita o escândalo ao abrir o caminho para a impiedade. Por outro lado, os deuses protegiam a moral, os juramentos e as leis, que asseguravam a boa ordem da cidade. A partir do momento em que se admitia que os deuses poderiam não existir, o conjunto desses fundamentos cívicos e morais parecia relaxar-se.

A respeito de Sócrates. Um dos casos contidos em sua ata de acusação é “não reconhecer como deuses os deuses da cidade e introduzir outros novos”.

Fonte de Consulta

ROMILLY, Jacqueline de. Os Grandes Sofistas da Atenas de Péricles. Tradução de Osório Silva Barbosa Sobrinho. São Paulo: Octavo, 2017. 

 

 

 

25 março 2022

Educação Física e Educação Intelectual na Atenas Antiga

Jacqueline de Romilly, no capítulo 2 — “Um ensinamento novo”, do livro Os grandes sofistas da Atenas de Péricles, trata da educação das crianças e dos jovens na tradição grega comparada com a dos sofistas.

Na Atenas antiga, havia o paidotríbes, “o que treina as crianças”. O papel do paidotríbes evidencia a importância que se dava à educação física. As crianças também aprendiam a cantar e a dançar em coro. Platão, por sua vez, fundava a sua cidade ideal na música e na ginástica, afirmando que isso vem desde tempos imemoriais. Havia, também, o gramatista, ou mestre encarregado de ensinar a ler e a escrever. A memorização era muito enfatizada, principalmente na exposição de cor de textos dos grandes poetas.

Tudo estava transcorrendo naturalmente. Contudo, surgiram os sofistas, ou mestres itinerantes, para ocasionar um caos no sistema educativo grego. Oferecem uma nova formação, mas mediante pagamento, que era vultoso. E o que ensinavam? Ensinavam a falar, a raciocinar, a argumentar, a debater no intuito de vencer pela palavra os oponentes.   

Há, assim, um choque entre os adeptos do desporto e os adeptos do intelecto. Sócrates também seguia as técnicas dos sofistas. Era, porém, considerado filósofo, e não cobrava por seus ensinamentos. Esta é a tese principal defendida por Platão para combater os sofistas que cobravam por suas aulas.

Esse menosprezo pelos sofistas, reiterado várias vezes por Platão, acabou predominando ao longo do tempo, e hoje a maioria das pessoas veem-nos em termos pejorativos. Observe que semelhante situação está presente em nossa sociedade, quando as grandes mídias e a classe política e jurídica querem escorraçar aqueles que dizem a verdade a seu respeito. As Fake News são verdades que eles querem esconder. Daí, a atualidade da frase: “o que domina o mundo é o medo da verdade”.

Voltemos ao contraste entre desporto e intelectualidade. O impasse pode ser resolvido admitindo a necessidade de atuarmos nos dois campos, nos sentido de termos um equilíbrio psíquico, físico e emocional.  

23 março 2022

Sócrates da “Apologia” e Sócrates de “A República”

Francisco Cabral Pinto, num trecho do prefácio do livro Os grandes sofistas da Atenas de Péricles, de Jacqueline de Romilly, com tradução de Osório Silva Barbosa Sobrinho, dá ênfase ao contraste existente entre o Sócrates-real da Apologia e o Sócrates-personagem de A República.

Começa por situar a semelhança entre a comédia de Aristófanes e o relato platônico sobre o processo de Sócrates na Apologia. Primeiramente, os termos de acusação. Tanto num quanto no outro, o filósofo é acusado de não crer nos deuses da cidade e de corromper a juventude. Nas Nuvens, o relato é o mesmo, mas com a vantagem da teatralização. No teatro, Sócrates morre por asfixia pelo fogo; na Apologia, por ingestão de cicuta.  

Detalhe: entre a primeira apresentação da peça (423) e o julgamento (399) passaram-se 24 anos.

Na Apologia, Sócrates explica as causas de suas insistentes interpelações na cidade pela necessidade de pôr à prova o oráculo de Delfos, que dizia ser ele o mais sábio de todos os homens de Atenas. A conclusão que ele chega é que ele era o mais sábio porque ele tinha a consciência de sua ignorância e, por isso, nada podia ensinar.

O Sócrates de A República. O diálogo situa-se entre anos 421 e 420. Sócrates tem 50 anos. Este Sócrates não teria duvidado do oráculo: ele assume-se como verdadeiro sábio, portador da verdade absoluta. Ele sabe e, por isso, ensina. Ele sabe o que é o bem e o justo. O seu modelo baseia-se nos três aspectos da alma: racional, irascível e concupiscente. Daí, a cidade deverá ser constituída de três classes incomunicáveis, a dos filósofos-reis, a dos guardiões e a do povo.

Há, contudo, filósofos legítimos e filósofos bastardos, e os últimos representam perigo para a cidade, e que será preciso livrar a cidade da sua má influência. “Platão, pela boca de Sócrates, assegura que, se os filósofos legítimos fossem chamados a ordenar uma cidade em conformidade com os padrões divinos, que só eles conhecem, não aceitariam fazê-lo  ‘antes de a receberem limpa ou de a limparem eles’”.

11 março 2022

Mundo que não Pensa, O (Livro de Franklin Foer)

Franklin Foer, correspondente do Atlantic e membro da New America Foundation, em O mundo que não pensa, um dos livros mais aclamados e polêmicos dos últimos anos, mostra o lado sombrio e preocupante da tecnologia do nosso cotidiano: estamos terceirizando nossas capacidades intelectuais para empresas de tecnologia.

Em sua análise, concentra-se naquelas empresas que compõem a sigla GAFA: Google, Amazon, Facebook e Apple. A razão dessa escolha reside no fato de que elas estão disputando para se tornarem nosso “assistente pessoal”, proporcionando-nos uma vida mecanizada.

Os fundadores dessas empresas e sua tecnologia se apresentaram a todos nós como guardiãs do nosso individualismo e fomentadoras do pluralismo. Seus algoritmos nos recomendam as notícias que lemos, o que devemos comprar, que rotas seguir e até mesmo quais de nossos amigos acompanhar mais de perto. Por outro lado, esses algoritmos nos pressionaram à conformidade e devastaram a nossa privacidade. Hoje, somos um mundo que não pensa.

Frase para reflexão: “Os caminhões do Google estacionavam junto às bibliotecas e depois partiam em silêncio com caixas de livros para serem escaneados depressa e logo devolvidos...Em outras palavras, o Google tramara um roubo intelectual de proporções históricas. O que teria motivado a empresa a assumir essa empreitada?”

Em seus escritos, vai questionando a nossa maneira de pensar. Ele diz: "No esteio da nossa própria inteligência, com as descobertas e invenções espetaculares das últimas décadas, houve uma verdadeira revolução no controle do conhecimento e da informação, mas essa mudança brusca e vertiginosa coloca em perigo a maneira como pensamos e, em última instância, o que somos".

O assunto deste livro é sumamente importante para todos nós. As grandes empresas de tecnologia estão monopolizando o mercado e nossas decisões. A questão fundamental: no que ceder e no que resistir?