"O resultado da discussão, no que me diz
respeito, é que eu nada sei..." [Sócrates, citado, em A República de
Platão (360 a.C.)]
Muitas palavras perdem o seu sentido original ao
longo do tempo. Buscando a etimologia delas, podemos ter alguma luz sobre as
variações ocorridas. Há, também, palavras e frases, retiradas de um contexto,
que produzem um significado contestável. Da passagem acima, as pessoas
preferiram simplesmente dizer: "só sei que nada sei". Alguns
acadêmicos enfatizam a incoerência de Sócrates sobre a frase. Dizem: "Se ele de fato nada sabe, então é falso que ele
saiba disso; mas, se ele sabe que nada sabe, então é falso que ele nada
sabe".
O contexto da frase pode ser visto: 1) em A
República (360 a.C.), Sócrates conclui uma discussão com Trasímaco sobre
"justiça" dizendo "o resultado da discussão, no que me diz
respeito, é que eu nada sei, pois quando eu não sei o que é justiça
dificilmente saberei se é ou não uma forma de virtude, ou se a pessoa a que a
tem é feliz ou infeliz"; 2) em Apologia (399 a.C.), Sócrates fala
de um político respeitado que "ele não sabe nada e acha que sabe. Eu nem
sei nem acho que sei".
Outras considerações sobre "só sei que nada
sei".
O “só sei que nada sei” socrático exprime a
ignorância filosófica, ou seja, a que permite o acesso ao saber, já que se
reconhece como ignorância, abrindo o caminho para o conhecimento. É neste
sentido que Sócrates afirmava também que “o conhecimento da ignorância é o
início da sabedoria”.
Para Sócrates, a ignorância
constitui condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece a sua
ignorância está capacitado ao aprendizado. Por isso, dizia: "sei que nada
sei". Para chegar a esse estado prévio do não-saber, Sócrates lança mão de
seu método, que é o de perguntar. As perguntas objetivavam descobrir o conceito
que se ocultava na superficialidade do conhecimento. Primeiramente, aplicava
a ironia, que é a forma negativa do diálogo, em que procurava
confundir o interlocutor sobre um conhecimento que acreditava possuir; depois,
aplicava a maiêutica, a forma positiva do diálogo que, baseado no
ofício de parteira de sua mãe, procurava dar à luz um novo saber. Ele não
ensinava, mas criava condições para que o conhecimento brotasse do ouvinte.
"Só sei que nada sei" é
uma frase-chave no pensamento filosófico. O aparecimento de Sócrates implica o
rompimento com os sofistas, com os políticos que tinham um pensamento muito
raso e com os naturalistas, que estavam preocupados com a origem das coisas.
Esta frase mostra que só Deus sabe e o sábio é aquele que reconhece que não
sabe. A grande contribuição de Sócrates foi mudar a pergunta sobre a origem das
coisas para o que é o ser humano. Ao se debruçar sobre essa questão vai se
enverando pela política, pela ética que são elementos da convivência humana.
A ciência é o resultado das
hipóteses, enunciados e corolários levantados ao longo do tempo. Por trás,
porém, de cada corolário, de cada hipótese e de cada enunciado há uma pergunta.
Por isso, diz-se que “o máximo da pergunta científica são os postulados,
axiomas e teorias que são formulados por um pensamento prévio interrogador”. A
filosofia também é construída por meio de perguntas. E, quanto mais se
pergunta, mais se tem o que perguntar, pois o “sei que nada sei” socrático pode
se dirigir ao infinito.