27 fevereiro 2019

Só Sei que Nada Sei

"O resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei..." [Sócrates, citado, em A República de Platão (360 a.C.)]

Muitas palavras perdem o seu sentido original ao longo do tempo. Buscando a etimologia delas, podemos ter alguma luz sobre as variações ocorridas. Há, também, palavras e frases, retiradas de um contexto, que produzem um significado contestável. Da passagem acima, as pessoas preferiram simplesmente dizer: "só sei que nada sei". Alguns acadêmicos enfatizam a incoerência de Sócrates sobre a frase. Dizem: "Se ele de fato nada sabe, então é falso que ele saiba disso; mas, se ele sabe que nada sabe, então é falso que ele nada sabe".

O contexto da frase pode ser visto: 1) em A República (360 a.C.), Sócrates conclui uma discussão com Trasímaco sobre "justiça" dizendo "o resultado da discussão, no que me diz respeito, é que eu nada sei, pois quando eu não sei o que é justiça dificilmente saberei se é ou não uma forma de virtude, ou se a pessoa a que a tem é feliz ou infeliz"; 2) em Apologia (399 a.C.), Sócrates fala de um político respeitado que "ele não sabe nada e acha que sabe. Eu nem sei nem acho que sei".

Outras considerações sobre "só sei que nada sei".

O “só sei que nada sei” socrático exprime a ignorância filosófica, ou seja, a que permite o acesso ao saber, já que se reconhece como ignorância, abrindo o caminho para o conhecimento. É neste sentido que Sócrates afirmava também que “o conhecimento da ignorância é o início da sabedoria”.

Para Sócrates, a ignorância constitui condição prévia para o saber autêntico. Só quem reconhece a sua ignorância está capacitado ao aprendizado. Por isso, dizia: "sei que nada sei". Para chegar a esse estado prévio do não-saber, Sócrates lança mão de seu método, que é o de perguntar. As perguntas objetivavam descobrir o conceito que se ocultava na superficialidade do conhecimento. Primeiramente, aplicava a ironia, que é a forma negativa do diálogo, em que procurava confundir o interlocutor sobre um conhecimento que acreditava possuir; depois, aplicava a maiêutica, a forma positiva do diálogo que, baseado no ofício de parteira de sua mãe, procurava dar à luz um novo saber. Ele não ensinava, mas criava condições para que o conhecimento brotasse do ouvinte.

"Só sei que nada sei" é uma frase-chave no pensamento filosófico. O aparecimento de Sócrates implica o rompimento com os sofistas, com os políticos que tinham um pensamento muito raso e com os naturalistas, que estavam preocupados com a origem das coisas. Esta frase mostra que só Deus sabe e o sábio é aquele que reconhece que não sabe. A grande contribuição de Sócrates foi mudar a pergunta sobre a origem das coisas para o que é o ser humano. Ao se debruçar sobre essa questão vai se enverando pela política, pela ética que são elementos da convivência humana.

A ciência é o resultado das hipóteses, enunciados e corolários levantados ao longo do tempo. Por trás, porém, de cada corolário, de cada hipótese e de cada enunciado há uma pergunta. Por isso, diz-se que “o máximo da pergunta científica são os postulados, axiomas e teorias que são formulados por um pensamento prévio interrogador”. A filosofia também é construída por meio de perguntas. E, quanto mais se pergunta, mais se tem o que perguntar, pois o “sei que nada sei” socrático pode se dirigir ao infinito.