Platão (428-348 a.C.), filósofo
grego da antiguidade, trouxe-nos os ensinamentos sobre as Formas, os Modelos, a
Cidade ideal etc. Ele discorria sobre as Formas perfeitas, que estão no além que, para nós, poderia ser denominado de "mundo espiritual", ou "mundo inteligível". Na base de
seu raciocínio encontra-se a dialética, regida pela razão.
As notas abaixo foram extraídas do livro de Victor Goldschmidt.
A dialética
pode ser entendida como a arte de descobrir as semelhanças e as diferenças entre
as Formas. Para Sócrates, a dialética é uma pesquisa em
comum. Impossível discuti-la se um dos interlocutores pretende deter a verdade
e recusa, de vez, ser refutado. A razão adere à verdade, enquanto
a paixão se atém à sua verdade.
Não tendo com quem discutir, a pessoa poderá dialogar consigo mesma. Única coerção permitida: obrigar seu parceiro à pesquisa e à sinceridade.
Toda religião tende ao conhecimento do Ser que
nos ultrapassa e em relação ao qual experimentamos um sentimento de
“dependência absoluta”. Em Platão, a religião confunde-se inteiramente com a
dialética. O artesão
divino modela o Universo à semelhança do Modelo. O Modelo existe em
si, ele é Ser que se basta, como o Bem se basta. A inteligência que conhece o
Bem, que conhece o Modelo, se basta, no seu conhecimento.
Poder-se-ia perguntar: por que Sócrates prefere
a morte à evasão? Porque é impossível conhecer a Forma do Bem sem imitá-la. Nesse sentido, não devemos atribuir a “submissão ao julgamento”, pelo qual qual foi condenado, à alta moralidade de
Sócrates. Porém em relação ao Bem, ela é sujeição absoluta e exclui toda
escolha.
O problema do Mal. O Universo é ora governado,
ora abandonado por Deus. “Tudo o que nasce está sujeito à corrupção”, a Cidade ideal,
as plantas, os animais. Tampouco a matéria é “má”. Ela é “ausência de
Deus” e é ignorância de Deus. A ignorância no homem torna-se esquecimento.
É pelo esquecimento que se altera a Cidade ideal, que as almas se condenam à
Encarnação, que o Universo do mito se encaminha para o “oceano de diferença”.
Platão recusa-se a considerar a nossa
atual existência como um mal. A única questão que preocupa Platão é
a justiça. A felicidade vem por acréscimo. Fazendo o mal, a alma faz
mal a si própria. Os tiranos que se reencarnam em corpos de lobos, têm a
infelicidade de ver atendido seu desejo do mal.
A alma encarnada que hauriu sua felicidade
unicamente na prática da filosofia e da justiça é digna de uma única
recompensa: a visão permanente das realidades eternas. O culpado será
confrontado com suas faltas; a alma purificada será posta em presença das
realidades às quais ela se tornou semelhante.
Na tradição dos tempos, recuados ou na fonte,
sempre a jorrar, do oráculo de Delfos, a Divindade revela-nos os processos
pelos quais a Razão persuade a Necessidade e lhe impõe uma
ordem estável. Entre as tradições, as mais veneráveis concernem a Religião.
Já a República, entretanto
construída unicamente segundo as exigências do Bem, fez o estabelecimento da
religião depender, não da dialética, mas da tradição e do oráculo de
Delfos.
A aceitação da tradição, tão pouco conforme ao
espírito dialético, que rejeita toda a autoridade, tem um lugar importante na
“religião de Platão". É em favor da religião que se opera aqui a transmutação dos
Valores que a dialética produz na alma humana.
O culto oficial, a educação cívica e
a vida política inteira concorrem assim para livrar os cidadãos de
sua falsa individualidade e para libertar neles essa parte que se não reconhece
senão em face de Deus. A religião das Leis realiza,
para cada um dos cidadãos, uma obra exatamente análoga àquela
que a dialética opera na alma dos filósofos.
De fato, por
sua inversão de valores, a dialética proclama que somente a ciência de Deus,
não as ciências do homem, merece "preocupar-nos". A supremacia
da razão é afirmada contra a inspiração e contra o iluminismo sob todas as suas
formas; mas, no entanto, a razão acolhe o mito.
Fonte de Consulta
GOLDSCHMIDT,
Victor. A Religião de Platão. Tradução de Ieda e Oswaldo Porchat
Pereira. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.