20 junho 2019

Vida Interior

"A felicidade tem muito mais a ver com a vida interior do que com os bens exteriores."

A sociedade moderna, presa ao consumismo exacerbado, preocupa-se muito mais com o saber-fazer do que o saber-ser. Ser vencedor é a sua marca registrada. Se o fracasso nos bate à porta, deixamo-nos corroer pelo drama e ficamos cabisbaixos diante da vida. O que vale é o útil, o meio, a produção. O inútil, o pensar e o filosofar ficam sempre para o segundo plano. Em meio a tudo isso, podemos nos voltar para os grandes pensadores do passado e, junto com eles, construir uma vida interior significativa.

Sócrates, Platão, Aristóteles, Confúcio, Buda, Epicuro, Montaigne, entre outros, legaram-nos ideias e pensamentos que são extremamente importantes para a nutrição de nossa vida interior. Vejamos alguns deles: conhecimento de si mesmo, o caminho do meio, a justa medida, aceitar a vida como ela é, a busca do silêncio, reviver como foi o dia, meditação, amizade, virtude e contemplação. 

Esses grandes pensadores não paravam de dizer que devíamos combater a ignorância, pois esta é a causa de todos os males. O primeiro passo para essa grande empreitada é saber discernir. Para discernir, há que se empenhar na busca do conhecimento. Hegel, por exemplo, achava que a busca do conhecimento é a busca da liberdade. Sócrates, na sua maiêutica, eternizou o "Só sei que nada sei". A inscrição completa dessa máxima era: "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses."

Aristóteles, em Ètica a Nicômaco, ensinou-nos que a virtude é a "justa medida" entre extremos nocivos. Buda transformou-a no caminho do meio. Pitágoras, em sua escola, ensinava que as qualidades constitutivas do ser humano seriam: austeridade, coragem, moderação e autocontrole. Aristóteles preferiu usar os termos "prudência", "temperança", "coragem" e "justiça", as quatro virtudes cardeais. Às quatro virtudes cardeais, a moral cristão acrescentou as três virtudes teologais, ou seja, a fé, a esperança e a caridade.

Sobre o amar a si mesmo, Pitágoras, um dos primeiros filósofos da Grécia antiga, tinha como lema esta regra de ouro: "Acima de tudo, respeita a ti mesmo." Aristóteles, em Ética a Nicômaco, afirma: "O homem virtuoso tem o dever de amar a si mesmo." Há, também, a exigência bíblica: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Jesus retoma essa máxima nos mesmos termos. A psicologia moderna, por seu turno, ensina-nos que se a relação consigo mesmo é distorcida, haveremos de projetar no outro os problemas que nos pertencem e que não estão resolvidos.

A regra de ouro "Não faça aos outros o que não quer que lhe seja feito" é uma espécie de lei natural que antecede a todas as formulações filosóficas. Esta pode, também, ser enunciada positivamente: "Faça aos outros o que gostaria que lhe fosse feito."

Fonte de Consulta

LENOIR, Frédéric. Pequeno Tratado de Vida Interior. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

 


12 junho 2019

Inutilidade: Busca Desinteressada do Saber

O "útil" caracteriza-se pela intermediação, vale por tudo aquilo a que se dirige, não por si mesmo. A criação e a renovação constante são seus atributos. O "inútil", em se tratando de um fim em si mesmo, caracteriza-se pela perfeição e pela liberdade. Nesse sentido, a existência lúdica, a estética e a especulação intelectual desinteressada tornam-se uma necessidade, porque distanciam-nos dos aspectos práticos da vida. A contemplação de uma boa música ou de uma obra de arte pode levar-nos ao êxtase.

Na antiguidade, a busca do saber não visava o lucro, mas a apreensão da verdade. Para tanto, basta recordar as vivências de Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates, com sua ironia e maiêutica, criava contradição naqueles que se julgavam donos da verdade. Platão, no Teeteto, diz que os "homens livres" não têm problemas com o tempo, enquanto os "escravos" estão condicionados por um patrão que decide. Aristóteles, por sua vez, afirmava que é pela admiração que os indivíduos se põe a filosofar, e que em seus níveis mais elevados o conhecimento não é "uma ciência prática". 

Há, ao longo da história, outros pensadores que enalteceram a livre busca do conhecimento. Em Nova Atlântica (1627), Francis Bacon enfatiza que os seus ilhéus não mantinham o comércio para obter lucro, mas somente para "aumentar o conhecimento".  Shakespeare, em O Mercador de Veneza, no reino de Belmonte, mostra que o ouro e a prata são desprezados. Para Kant, o desinteresse atingirá também o juízo estético. Martin Heidegger, refletindo sobre a essência da obra de arte, diz: "O mais útil é o inútil. Mas experienciar o inútil é o mais difícil para o homem moderno."

A maioria das universidades, hoje, está reduzindo os níveis de dificuldade a fim de permitir que os estudantes passem nos exames com maior facilidade. Muitas delas estão cortando as verbas dos cursos que não dão retorno financeiro, e deixando cada vez esquecidos os autores clássicos da filosofia. Há, contudo, um problema, pois muitas descobertas se deram no campo do desinteresse. Basta consultar a vida de alguns grandes cientistas: estes não foram movidos pelo lucro, mas por seus insights, por sua missão humanitária.

A produção técnica tem o seu valor, ou seja, fornece-nos o conforto do lar, a facilidade da comunicação, a locomoção rápida pelas grandes aeronaves... Contudo, não nos esqueçamos que a vida, na sua essência, transcende tudo isso.

Fonte de Consulta

ORDINE, Nuccio. A Utilidade do Inútil: Um Manifesto. Tradução de Luiz Carlos Bombasaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.