12 setembro 2025

Empirismo e Racionalismo

“Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas.” (Kant)

Desde tempos remotos, tanto o empírico quanto o racional sempre tiveram os seus defensores. A tradição filosófica nos mostra duas posições clássicas diante do conhecimento: a platônica ou socrático-platônica, que envolve a questão da reminiscência, das ideias inatas, e a sofistica ou empírica que se refere apenas aos nossos sentidos. Há entre esses dois campos numerosas escolas e subescolas. Este problema perdurou ao longo dos séculos.

Sobre a origem do conhecimento. Para o empirismo, o conhecimento nasce da experiência sensível (dos sentidos). A mente é uma “página em branco” que vai sendo preenchida. Para o racionalismo, o conhecimento verdadeiro tem origem na razão. A experiência pode enganar; a mente já traz princípios inatos ou lógicos que orientam o saber. John Locke, George Berkeley e David Hume são os defensores do empirismo; René Descartes, Baruch de Spinoza, Gottfried Leibniz, do racionalismo.

O papel da percepção. Para o empirismo, a percepção é o ponto de partida de todo conhecimento. A mente — tabula rasa (Locke) —, começa absorvendo as ideias simples (cor, forma, som). Depois, essas ideias simples vão se tornando mais complexas (cadeira, amizade, justiça). Tudo começa com a experiência sensível. Para o racionalismo, a percepção pode enganar; só a razão garante certeza.

Sobre o Método. Para o empirismo, utilizamos o método indutivo, base da ciência experimental moderna (observação — hipótese — teste). Em se tratando do racionalismo, aplicamos o método dedutivo, como na matemática e na lógica (partir de princípios evidentes — deduzir consequências).

Interligação entre empirismo e racionalismo. Muitos filósofos posteriores (como Kant) perceberam que razão e experiência são inseparáveis: A experiência fornece o conteúdo.  A razão fornece a forma, a organização e os princípios. Exemplo: na ciência moderna, a observação empírica é indispensável, mas só ganha sentido quando analisada por hipóteses e raciocínios lógicos. São faces complementares da busca da verdade.

Em síntese, o método científico moderno equilibra percepção (empírica) e razão (racional) para construir um conhecimento mais confiável.

11 setembro 2025

Percepção

Às vezes nos cansamos de pensar ou de ouvir discursos excessivamente teóricos e acabamos preferindo confiar no que vemos e tocamos. Nessa escolha, afirmamos implicitamente que damos mais crédito aos sentidos do que ao raciocínio abstrato para conhecer a realidade. Pensamos, assim, estar evitando discussões intermináveis. Contudo, se buscamos certezas e não apenas aproximações, logo percebemos que a informação captada pelos sentidos nem sempre é segura.

Perceber é Julgar. Quando mergulhamos um sarrafo na água e ele nos parece quebrado, só ao retirá-lo percebemos que fomos enganados. Nesse caso, não foram os sentidos em si que falharam, mas o juízo que emitimos a partir da informação recebida. Situações como essa mostram que perceber não é um ato passivo: trata-se de uma interpretação, uma construção mental em que participamos ativamente.

A Percepção Inconsciente. Perceber significa selecionar, organizar e atribuir sentido ao que captamos. Porém, nem sempre temos consciência desse processo interpretativo. Isso acontece porque, muitas vezes, nossa percepção coincide com a dos outros ou se mostra compatível com outras experiências, e então não a questionamos. Por exemplo: ao passear em um dia quente, sinto calor; vejo pessoas usando roupas leves e, ao tirar o casaco, sinto alívio. Minha percepção só se tornaria duvidosa se os demais estivessem agasalhados ou se, ao retirar o casaco, o calor parecesse ainda maior.

Empirismo e Percepção. Nos séculos XVII e XVIII surgiu uma questão central: de onde vem nosso conhecimento do mundo? Seriam nossas ideias o resultado de uma soma de percepções, ou seriam as ideias prévias que nos permitem interpretar o que percebemos? O empirismo, corrente filosófica nascida no século XVII e representada por David Hume (1711–1776), defende que apenas a experiência sensível nos permite conhecer a realidade. Já para os racionalistas, como Descartes, inspirados em Platão, a razão tem primazia sobre os sentidos na busca da verdade.

Os Limites da Percepção. Para Kant, todo conhecimento verdadeiro nasce da união entre a percepção e a capacidade da mente de organizá-la. Isso significa que nunca conheceremos o mundo como ele é em si, mas apenas como se apresenta às nossas formas de percepção. A ciência moderna, apoiada em sofisticados instrumentos tecnológicos, amplia os limites do que podemos observar. Mesmo assim, continua válido o que Kant afirmou: “Nossos conhecimentos sempre terão de se adaptar à nossa forma de perceber o mundo, ainda que por meio de máquinas.”

A Percepção da Obra de Arte. A percepção, por si só, não é verdadeira nem falsa: ela propõe interpretações que nos ajudam a agir no mundo. O artista, no entanto, destaca-se por não se preocupar em reproduzir fielmente a realidade, mas em recriá-la a partir de sua própria visão. A arte nos recorda, desde sempre, que toda percepção não apenas revela o mundo, mas também o inventa.

Fonte de Consulta

Atlas Básico de Filosofia. Textos de Hector Leguizamón. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2007. [Texto melhorado pelo ChatGPT] 

 

A Utilidade do Inútil: Um Manifesto (Resumo)

O livro A Utilidade do Inútil: Um Manifesto está dividido em três partes. Primeira Parte — "A Útil Inutilidade da Literatura" (26 tópicos). Segunda Parte — "A Universidade-Empresa e os Estudantes-Clientes" (17 tópicos). Terceira Parte — "Possuir Mata: Dignitas Hominis, Amor, Verdade" (4 tópicos). Há, também, um Apêndice — "A Utilidade do Conhecimento Inútil", por Abraham Flexner.

Nuccio Ordine, professor e filósofo italiano, enfatiza, neste livro, que aquilo que muitas vezes é considerado “inútil” — como a arte, a literatura, a filosofia, a música, a poesia, o saber desinteressado — é, na verdade, fundamental para a construção de sociedades mais justas e livres. É um manifesto que se contrapõe ao modelo dominante de sociedade utilitarista e mercantil, em que tudo é avaliado pelo lucro imediato.

Ordine usa trechos de pensadores e escritores (Platão, Montaigne, Shakespeare, García Lorca, entre outros) para mostrar como, ao longo da história, a cultura foi sempre vista como pilar da civilização.

Eis algumas ideias principais:

1) O “inútil” como essencial. Artes, literatura e filosofia não produzem riqueza material, mas enriquecem o espírito e ampliam a liberdade do pensamento. São inúteis do ponto de vista mercantil, mas essenciais para a dignidade humana.

2) Crítica ao utilitarismo e ao mercado. A lógica do mercado transforma tudo em mercadoria, inclusive o conhecimento. A educação, por exemplo, passa a ser vista apenas como instrumento para o trabalho, e não como formação integral do ser humano.

3) Educação e cultura. O autor defende uma escola e universidade voltadas para o saber gratuito e universal, não apenas para o ensino de competências técnicas. A leitura de clássicos e o contato com as humanidades são formas de resistência contra a desumanização.

4) A utilidade daquilo que não tem preço. Amor, amizade, solidariedade, justiça e beleza não podem ser comprados ou vendidos, mas sustentam a vida social. O valor desses bens é inestimável justamente porque não é monetário.

Resumindo: O “inútil” é o que nos torna humanos. O lucro não é a medida de todas as coisas. A cultura, o pensamento e a beleza são a verdadeira riqueza.

ORDINE, Nuccio. A Utilidade do Inútil: Um Manifesto. Seguido de um ensaio de Abraham Flexner. Tradução de Luiz Carlos Bombassaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.



09 setembro 2025

Ilusão: Entre Aparência e Realidade

A ilusão é algo mais que um simples erro. O erro, uma vez identificado, pode ser corrigido e desaparecer. Já a ilusão persiste mesmo quando foi desmascarada. Continuamos a percebê-la e a senti-la, ainda que saibamos intelectualmente que se trata de uma falsidade. Exemplo clássico: embora tenhamos conhecimento astronômico de que a Terra gira em torno do Sol, a experiência sensível cotidiana insiste em nos mostrar o contrário.

Essa permanência da ilusão revela sua força: ela não se limita a enganar os sentidos, mas envolve nossa forma de pensar, sentir e agir no mundo. Diversos filósofos, em épocas diferentes, dedicaram-se a investigar esse fenômeno que atravessa a história da humanidade.

A Alegoria da Caverna: A Força Trágica da Ilusão

Platão, em sua célebre Alegoria da Caverna, mostra como os homens, desde a infância, podem estar prisioneiros de aparências que confundem com a realidade. Presos e de frente para a parede, veem apenas sombras e acreditam que estas são a verdade. O simples gesto de virar a cabeça, que poderia libertá-los, mostra-se quase impossível: a ilusão oferece conforto e segurança, enquanto a verdade exige coragem, risco e ruptura.

As Ilusões da Razão

Séculos depois, Immanuel Kant chama atenção para outro aspecto: nem sempre a ilusão nasce dos sentidos. A própria razão, ao ultrapassar seus limites, cria ilusões inevitáveis. As ideias de Deus, da alma imortal ou da bondade natural do ser humano são produtos da razão que não podem ser provados nem refutados. Funcionam como horizontes de sentido, que orientam a vida, mas não como verdades demonstráveis.

Ilusão e Ideologia

Karl Marx, no século XIX, interpreta a ilusão em termos sociais e históricos. Para ele, as ideias que circulam em uma sociedade — aquilo que se chama ideologia — não são neutras. Elas expressam, na verdade, interesses ocultos, frequentemente vinculados à manutenção de relações de poder. As pessoas acreditam estar buscando a verdade, quando, de fato, estão sustentando crenças que servem a propósitos muitas vezes inconscientes ou coletivos.

A Ilusão da Diversão

Blaise Pascal, no século XVII, descreve a condição humana como frágil e trágica: somos seres insignificantes, condenados à ignorância e à morte. Para escapar dessa miséria, recorremos à “diversão”, isto é, a qualquer atividade que nos afaste da reflexão sobre nós mesmos: jogos, trabalho, até mesmo a guerra. A diversão, nesse sentido, não é simples lazer, mas um mecanismo de ilusão que nos protege da angústia existencial.

A Ilusão Vital

Para Nietzsche, entretanto, a vida não comporta refúgios definitivos. Se tudo é aparência, ilusão e máscara, resta-nos aprender a conviver com isso sem recorrer a consolos metafísicos. O erro está em acreditar que a vida precisa nos oferecer segurança ou sentido. Pelo contrário: viver é assumir a fragilidade e a instabilidade do real. A ilusão, nesse caso, não é um obstáculo a ser superado, mas uma condição vital que exige coragem para ser sustentada.

Conclusão: Viver entre Aparências

Da caverna de Platão ao perspectivismo de Nietzsche, a filosofia mostra que a ilusão é parte constitutiva da experiência humana. Ela pode escravizar ou libertar, esconder ou revelar, confortar ou desafiar. O importante talvez não seja eliminá-la — tarefa impossível —, mas aprender a lidar com ela de modo crítico e criativo. Viver num mundo de aparências exige um valor especial: a capacidade de reconhecer a ilusão sem deixar de afirmar a vida.

Fonte de Consulta

Atlas Básico de Filosofia. Textos de Hector Leguizamón. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2007. [Texto melhorado pelo ChatGPT] 

 

04 setembro 2025

Adversidade

Adversidade — Refere-se a uma situação, condição ou evento que representa um obstáculo, dificuldade, ou desafio na vida de uma pessoa. São circunstâncias desfavoráveis que podem gerar sofrimento, estresse, frustração e até mesmo perdas. Martin Heidegger expressou, em sua filosofia, que de alguma forma somos lançados no mundo e não conseguimos nunca encontrar um ponto de apoio firme.

Tenhamos em mente que a adversidade é inevitável. Cabe-nos, em razão disso, tirar proveito das diversas situações em que nos encontrarmos. Observe que a mente humana é intolerante a limitações e restrições: ela reflete sobre o passado e lança planos para o futuro. Esse trabalho de imaginação gera desconforto, tensão, pois a capacidade de enxergar quantas coisas poderiam ser diferentes das do que são enfatiza a insaciabilidade inerente à alma.

Cada um de nós é fonte de muitas sensações positivas e negativas, “um moinho de desejos”, em que tudo se esvai rapidamente. Platão, por exemplo, via os seres humanos como baldes furados: despeje agua neles e, em vez de permanecer no lugar, ela vaza toda pelo fundo. Possuímos desejos, mas ao mesmo tempo estamos presos a eles. A própria atividade humana é uma forma de distração, uma tentativa de nos livrarmos da sensação do vazio.

Algumas notas: 1) apesar da utilidade das redes sociais, elas tendem muito mais para distrações; 2) vício em drogas, álcool, o jogo e a obesidade servem exclusivamente para preencher o espaço vazio que nos assombra; 3) fugir ao tédio [sensação de vazio existencial] é buscar algo novo, no sentido de contornar a confusão interior; 4) o budismo elaborou técnicas mentais para aceitar o vazio dentro de nós.

Administrando a adversidade: 1) a primeira coisa é aceitar que a vida nunca estará inteiramente livre da adversidade; 2) praticar o olhar cético, entendendo que as coisas que não sabemos são muito maiores das que sabemos acerca da condição humana; 3) a vida é misteriosa e nossas ações obscuras; 4) não permitir que nossa opinião enalteça a convicção de que sabemos; 5) aqueles que acham ter as respostas ficam geralmente muito ácidos para impô-las aos outros.

A maneira como as pessoas reagem à adversidade é o que a torna um conceito tão importante. Lidar com a adversidade pode ajudar a desenvolver resiliência, força interior e capacidade de adaptação. É um catalisador para o crescimento pessoal, pois nos força a confrontar nossas limitações e a encontrar novas soluções e perspectivas.

Para reflexão

"Suportar a nossa sina é vencê-la." (Thomas Campbell) / "Na adversidade a maior consolação é a consciência das boas ações." (Cícero) / "Um homem habituado à adversidade, dificilmente se abate." (Samuel Johnson) / "À beira de um precipício só há uma maneira de andar para a frente: é dar um passo atrás". (M. de Montaigne) / "A adversidade é nossa mãe, a prosperidade é apenas a nossa madrasta." (Montesquieu) / "Quem não sabe suportar contrariedades nunca terá acesso às coisas grandiosas." (Provérbio Chinês) / "O pessimista queixa-se do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas." (William George Ward).


02 setembro 2025

Lógica e Argumentação

“Uma das razões mais importantes para estudar filosofia é aprender a formar e defender pontos de vista próprios.” — MARK SAINSBURY

lógica é o estudo dos princípios que orientam o raciocínio correto. É uma disciplina que estuda a validade dos raciocínios, ou seja, se as conclusões realmente decorrem das premissas. A argumentação é o uso desses princípios com a finalidade de defender uma ideia, refutar uma objeção ou construir um discurso convincente. São as razões apresentadas para sustentar uma conclusão, tendo como objetivo convencer, persuadir, explicar.

lógica permite-nos fazer o seguinte: 1) distinguir os argumentos corretos dos incorretos; 2) compreender por que razão uns são corretos e outros não; e 3) aprender a argumentar corretamente. Divide-se: 1) lógica formal: trabalha com estruturas abstratas (ex.: “Se todos os homens são mortais e Sócrates é homem, então Sócrates é mortal”); 2) lógica informal: aplicada ao cotidiano, analisa falácias, coerência e clareza dos argumentos.

Os elementos da argumentação são: 1) Tese (ideia principal a defender); 2) Argumentos (razões que sustentam a tese); 3) Exemplos/provas (dados, estatísticas, analogias, autoridades). Em relação à estrutura do raciocínio, temos: 1) Premissa maior: regra geral; 2) Premissa menor: caso particular; 3) Conclusão: consequência lógica. Exemplo: Todos os políticos são cidadãos. / João é político. / Logo, João é cidadão.

No estudo de lógica e argumentação, não podemos nos esquecer das falácias. Entre as falácias mais comuns, temos: ad hominem: atacar a pessoa em vez do argumento; apelo à autoridade: usar autoridade sem relação com o tema; falsa causa: assumir que uma coisa causa a outra sem prova; generalização apressada: tirar regra geral de poucos casos. Muitas vezes, distingue-se falácias de sofismas, havendo no segundo caso a intenção de enganar.

As boas práticas de argumentação podem ser resumidas: clareza: evitar ambiguidades; coerência: premissas devem se conectar; evidência: usar dados, exemplos, lógica; Refutação: prever e responder objeções.

Falácia: Raciocínio falso ou um argumento logicamente incorreto que aparenta ser válido, mas que falha em sustentar a conclusão de forma coerente.

28 agosto 2025

Princípios Elementares do Debate Racional em Filosofia

Argumentar é defender ideias com razões — e por isso o pior inimigo das sociedades fechadas.

Um bom ensino da lógica e da filosofia terá de ensinar a avaliar argumentos reais e a apresentar bons argumentos, distinguindo-os dos maus. No ensino correto da lógica e da filosofia aprende-se a discutir ideias, respeitando os seguintes princípios elementares do debate racional.

1. Respeitar e ouvir atentamente as pessoas que discordam de nós

Discordar racionalmente de alguém é diferente de tentar impedir a outra pessoa de exprimir as suas ideias, metralhando-a com um discurso repetitivo que nunca acaba. Tentar impedir as pessoas de quem discordamos de explicar as suas ideias é empobrecedor e uma atitude arrogante, pois pressupõe que só nós temos a Verdade e que as outras pessoas estão todas enganadas.

2. Estar disponível para mudar de ideias se os nossos argumentos não resistirem à discussão

Estar aberto à discussão não é a mesma coisa do que gostar da gritaria em que cada qual procura “brilhar” com as suas afirmações bombásticas e as suas referências eruditas. Uma discussão não é uma luta em que se procura deitar o parceiro ao chão; isso é uma gritaria. Numa discussão, o objetivo é descobrir a verdade, independentemente de saber quem está do lado da verdade.

3. Não mudar de assunto para assunto sem antes discutir adequadamente o que estava em discussão

Uma discussão de ideias não é uma forma de exibirmos a nossa erudição, referindo nomes de filósofos ou outros autores em catadupa, mudando de assunto para assunto e impedindo a análise serena de cada assunto. Usar a discussão de ideias para exibir credenciais intelectuais, sociais ou acadêmicas, mudando de assunto para assunto, é prostituir a discussão de ideias.

4. Distinguir o central e relevante do periférico e acessório

Em qualquer assunto há sempre imensas considerações e aspectos laterais, com diferentes importâncias relativas. Discutir proficientemente implica focar a atenção no que é central e relevante, abandonando o periférico e acessório. Por vezes, podemos estar enganados quanto ao que é relevante numa discussão, e o nosso interlocutor pode chamar-nos a atenção para isso. Devemos estar dispostos a corrigir a nossa avaliação do que é central, mas temos de resistir à tentação de fugir à discussão do que é central desviando a discussão para um aspecto acessório.

5. Não usar ataques pessoais de qualquer espécie

Se numa discussão se começa a atacar pessoalmente quem discorda de nós, a probabilidade de se poder continuar a discutir de forma razoável é mínima. As emoções fortes toldam a razão e se as pessoas responderem aos ataques pessoais, a discussão anterior perde-se e passa-se a discutir outra coisa.

6. Dominar (ainda que intuitivamente) os aspectos elementares da lógica informal

Evidentemente, as pessoas não têm de estudar lógica informal ou pensamento crítico antes de poderem discutir. Apesar de qualquer pessoa dever ler um bom livro introdutório à prática argumentativa, não devemos excluir uma pessoa de uma discussão só porque nada leu sobre como se discute de forma razoável.

7. Conhecer a bibliografia relevante

A discussão séria de qualquer assunto pressupõe que quem o está a discutir tem algum conhecimento da matéria em causa. Caso contrário, será melhor ficar calado e assistir à discussão de outras pessoas que têm conhecimento da bibliografia relevante; ou ir para casa estudar a bibliografia relevante.

8. Ter refletido de forma razoavelmente sistemática no tema em causa

Só devemos estar dispostos a debater publicamente um determinado tema se tivermos refletido de forma razoavelmente sistemática no tema em causa. Se avançamos para um debate unicamente porque temos uma ideia, faremos baixar a qualidade do debate. É preciso que, além de termos uma ideia, lhe tenhamos dado alguma reflexão; é preciso que nos tenhamos perguntado se teremos realmente razão e que argumentos há contra o que defendemos. Não podemos ter a ingenuidade de pensar que só porque uma ideia é nossa é maravilhosa.

Para distinguir a discussão racional da mera manipulação não precisamos, felizmente, de uma teoria da racionalidade — como todos os problemas centrais e fundamentais do conhecimento, saber claramente o que é a racionalidade é um problema em aberto. Uma discussão racional apela à inteligência do interlocutor e é frontal; a manipulação procura furtar-se à inteligência do interlocutor, procurando fazê-lo aceitar o que ele não aceitaria se lhe fosse dada oportunidade para refletir cuidadosamente.

Fonte de Consulta

MURCHO, Desidério. Pensar Outra Vez: Filosofia, Valor e Verdade (Capítulo 8 — "Filosofia, Lógica e Democracia") [Trechos copiados]


21 agosto 2025

Ciência e Filosofia: uma Comparação

A Ciência e a Filosofia são duas formas distintas de conhecer a realidade. Vejamos alguns tópicos.

Quanto ao objeto. A Ciência aborda a realidade estudando os fenômenos de forma separada e especializada. Como exemplo, temos a Química, a Física, a Biologia. Seria como fazer um corte da realidade.  A Filosofia procura ter visões de conjunto da realidade, relacionando as partes entre si. Busca a essência, a origem e os fundamentos dos diversos tipos de conhecimento.

Quanto às disciplinas. Há as disciplinas científicas e as disciplinas filosóficas. Em se tratando das disciplinas científicas, se o objeto é a Natureza, temos as Ciências Naturais; se o objeto é o Homem, temos as Ciências Humanas; se o objeto é a abstração, temos as Ciências Exatas. No caso da disciplinas filosóficas, se o objeto é Tudo, temos a Ontologia, a Metafisica; se o objeto é o Mundo, temos a Cosmologia; se o objeto é o Homem, temos a Antropologia; se o objeto é o Pensamento, temos a Lógica, a Gnosiologia, a Epistemologia.   

Quanto ao método. No conhecimento da Ciência, temos o método experimental, com a proposição de hipóteses, verificação e experimentação. Isola-se a realidade e submete-a a determinados testes, provas e comparações. Na Filosofia, os seus métodos são todos especulativos, ou seja, não envolve uma prática material direta com o objeto. Por exemplo, o método de Sócrates foi a maiêutica, “parto” das ideias; Platão, o diálogo ou Dialética; Aristóteles, a Lógica.

Quanto aos motivos e aos objetivos. Ambas respondem a certas necessidades e tendências do ser humano. Na Ciência, há uma pesquisa pura ou pesquisa aplicada. Como a Ciência, a Filosofia parte da curiosidade do ser humano diante da realidade e de si mesmo. Não é um querer saber, mas um admirar-se, espantar-se: onde as pessoas veem o objeto, o filósofo conjetura com o mistério, a dúvida e o secreto.  

Quanto à linguagem. O cientista usa linguagem descritiva, exata, e que não dê margem a ambiguidade e mal-entendido. Expõe os resultados de forma neutra e objetiva. A linguagem matemática é quase que obrigatória. O filosofo não deixa de usar uma linguagem exata, contudo recorre muitas vezes à linguagem metafórica, literária e poética. A verdade filosófica não é produto apenas da investigação do pensamento, mas também do modo como o pensamento é construído e exposto.

Fonte de Consulta

GOTO, Roberto Akira. Começos da Filosofia. Campinas, SP. Editora Átomo, 2000.

 

15 agosto 2025

Só Sei que Nada Sei

A frase “só sei que nada sei” é atribuída a Sócrates, mas não há registro dela. A origem encontra-se na declaração da sacerdotisa do templo de Delfos, onde diz que dentre os atenienses, Sócrates é o mais sábio. Este fica perplexo porque não tem teoria alguma, tal como Heráclito (c. 500 a.C.), Parmênides (c. 515-445 a.C.) ou os atomistas Leucipo (c. 450-420 a.C.) e Demócrito (c. 460-371 a.C.).

Para construir o seu conhecimento, Sócrates questiona as pessoas que julga serem mais sábias do que ele, e descobre a controvérsia: eles pensavam que sabiam o que não sabiam. Sócrates faz, então, a seguinte reflexão, depois de conversar com um deles: “Sou, sem dúvida, mais sábio que este homem. É muito possível que qualquer um de nós nada saiba de belo nem de bom; mas ele julga que sabe alguma coisa, embora não saiba, ao passo que eu nem sei nem julgo saber. Parece-me, pois, que sou algo mais sábio do que ele, na precisa medida em que não julgo saber aquilo que ignoro”. (Apologia, 21 d) É desta passagem da Apologia que nos chegou a expressão “só sei que nada sei”.

O sentido filosófico da frase refere-se à ignorância. “Só sei que nada sei” é uma espécie de tomada de consciência da ignorância. A reflexão sobre este assunto é útil, pois nos chama a atenção à humildade diante de qualquer conhecimento. Podemos saber muito, mas há muito mais a explorar. É isso que Sócrates procura nos advertir quando procura uma pessoa entendida num determinado ramo do saber. Depois de várias perguntas, o interlocutor acaba se contradizendo. Quer dizer, o interlocutor pensa que sabe, mas não sabe.

Um pouco de lógica. Em lógica formal, se você realmente não sabe nada, então não poderia ter certeza de absolutamente nada — nem mesmo de que não sabe. Mas aqui, “sei” não é literal no sentido absoluto; é usado para expressar um nível de consciência sobre a própria ignorância. Assim, o “paradoxo” é mais retórico do que uma contradição lógica insolúvel. Ele funciona como uma provocação filosófica. Para evitar o paradoxo, basta reformular a frase de forma que não haja contradição lógica entre “saber” e “não saber”. Em vez de "sei que nada sei", dizer: “Acredito que sei muito pouco.” “Tenho consciência de que meu conhecimento é limitado.” “Sei que o que sei é pouco diante do que há para saber.”

A manutenção do paradoxo é muito útil. O “choque” lógico obriga a pensar: se a pessoa “sabe” que “não sabe”, então há um tipo de saber que nasce da consciência da ignorância. Esse é o paradoxo fértil: o conhecimento começa quando reconhecemos o que não sabemos. No fundo, o paradoxo só existe porque a frase, tomada literalmente, se autonega. Quando deixamos claro que se trata de limitação, não de ausência total de saber, ele desaparece.

Tenhamos sempre em mente a nossa limitação. Reconheçamos, com Sócrates, que a humildade intelectual e o reconhecimento da própria ignorância são os alicerces, os fundamentos para alcançar a verdadeira sabedoria.

14 agosto 2025

Falibilidade: Controle e Ajuste

Somos seres falíveis. Por mais cuidado que tenhamos, mesmo assim, o engano ocorrerá. O provérbio “aprender com os erros” tem grande significância. Quer dizer, pouco adianta ter certezas, porque a convicção profunda de que não nos enganamos é fictícia, ilusória. O melhor, para cada um de nós, é deixar sempre a mente aberta à dúvida metódica, como nos ensinou Descartes. 

Uma boa maneira de diminuir os nossos erros é procurar recorrer a outras pessoas, que são também falíveis. Se um terceiro refuta a nossa ideia, livramo-nos desse erro. Anotemos, também, que a verdade ou a falsidade das nossas convicções não depende de nós, mas antes da realidade — que é o objeto das nossas convicções. O que depende de nós é a justificação cuidadosa de nossas convicções.

Controles e ajustes. Comparando nossas convicções com a de outras pessoas — cientistas, religiosos e filósofos —, podemos aumentar os nossos controles e ajustes, que nada mais são do que raciocínio. Nesse sentido, precisamos raciocinar para concluir, com base na observação ou na experimentação, se os nossos pensamentos estão de posse da verdade ou do erro. 

Para que o nosso saber seja robusto e correto, evitemos a tentação que, ao longo dos séculos, tem sido fingir que podemos abandonar o raciocínio paciente envolvidos  nos controles e ajustes permanentes, substituindo por Deus, pela autoridade ou pela observação ou experimentação. O problema está dentro de nós. O terceiro pode nos auxiliar, mas a decisão sobre o teor da verdade é apropriada a cada um. 

Quando o raciocínio visa persuadir outras pessoas — chama-se argumentoO argumento  visa persuadir o nosso interlocutor a aceitar uma conclusão que ele originalmente não aceita. Se partirmos da premissa que ele aceita, o argumento é inútil. Argumentar com o interlocutor é mostrar que as suas ideias implicam outras ideias que ele quer rejeitar.

 

 

No Meio é que Está a Virtude

A ética, na maioria das vezes, mostra-nos proibições e regras, em que se estabelecem limites e padrões de comportamento, seja no âmbito profissional, social ou pessoal. Elas ajudam a definir o que é aceitável e o que não é. Do ponto de vista de Aristóteles, a ética não é um sistema de proibições e regras que nos dificultam a vida; pelo contrário, é o que nos permite ter uma vida boa.

Em sua ética, Aristóteles tratou do Bem Último, que se fundamenta naquilo valorizamos — por si mesmo ou por qualquer outra coisa. Observa o dinheiro: só irrefletidamente poderá ser valorizado por si; uma pessoa refletida valorizará o dinheiro apenas instrumentalmente, porque permite obter outras coisas que valorizamos. A felicidade é algo que não valorizamos instrumentalmente e que, se a tivermos, nada nos falta; Aristóteles conclui que a felicidade é o bem último que procurávamos. 

O guia educativo de Aristóteles está centrado na doutrina do “justo meio” (mesótes), segundo a qual a virtude está no equilíbrio entre dois extremos: o excesso e a falta. A coragem, por exemplo, poderia ser vista da seguinte forma: no excesso, temos a imprudência; na falta, a covardia. Vejamos outros exemplos: Temperança [Falta = Insensibilidade; Excesso = Intemperança]; Generosidade [Falta = Mesquinhez; Excesso = Prodigalidade]; Mansidão [Falta = Apatia; Excesso = Ira excessiva]; Amizade [Falta = Frieza; Excesso = Adulação]; Orgulho [Falta = Humildade servil; Excesso = Arrogância].

É um erro atribuir a Aristóteles de que no meio é que está a virtude. Aristóteles não pensa nem que em todos os casos há um meio, nem que a sua teoria tenha por missão estabelecer esse meio. Eis o que defende Aristóteles: “A virtude é um estado que envolve escolha racional, consistindo num meio-termo relativo a nós e determinado pela razão […]” (Ética Nicomaqueia, 1106b-1107a) Como vemos, a virtude consiste num meio-termo relativo a nós, o qual é determinado pela razão. Eis o cerne da questão.

A ideia de usar "meio-termo" em vez de apenas "meio" tem sentido em português moderno, porque “meio-termo” já é uma expressão consagrada para indicar moderação ou equilíbrio. Vejamos duas frases adaptadas do assunto: 1) "A virtude está no equilíbrio." — simplifica e transmite a ideia central; 2) "A virtude está no meio-termo." — preserva a imagem dos extremos e o sentido prático.

Em síntese, viver virtuosamente, segundo Aristóteles, seria evitar os extremos e buscar o ponto de equilíbrio apropriado a cada situação, de acordo com a razão.

Fonte de Consulta

MURCHO, Desidério. Sete Ideias Filosóficas: Que Toda a Gente Deveria Conhecer. Editorial Bizâncio, 2011.

 

17 julho 2025

Os Enciclopedistas

Os enciclopedistas foram os principais intelectuais da França — escritores, cientistas, acadêmicos e filósofos — que participaram da famosa Enciclopédia ou Encyclopédie (1751-1772), organizada pelo filósofo francês Denis Diderot e Jean de Round d’Alambert. Uma obra de 35 volumes que pretendia reunir todo o conhecimento humano da época, com base na razão, na ciência e no pensamento crítico — pilares do Iluminismo.

Os artigos, escritos por esses pensadores, eram muito amplos, mas centrados em três principais áreas: a necessidade de basear a sociedade não na fé e nas doutrinas da Igreja católica, mas no pensamento racional; a importância da observação e das experiências para a ciência; e a busca de uma forma de organizar estados e governos em torno de uma lei e justiça natural.

Diderot organizou os artigos da Enciclopédia em três grandes categorias: memória (assuntos ligados à história); razão (filosofia); e imaginação (poesia). De forma controversa, não havia nenhuma categoria especial para Deus ou o divino — a religião, assim como a magia e a superstição, era tratada como parte da filosofia. Essa abordagem foi inovadora e litigiosa. A religião tinha estado no próprio cerne da vida e do pensamento da Europa por séculos: a Enciclopédia e o próprio Iluminismo negaram-lhe essa posição-chave.

Em linhas gerais, esta enciclopédia tinha as seguintes características: 1) racionalismo — valorizavam a razão em detrimento da fé cega; 2) anticlericalismo — criticavam o poder da Igreja sobre o conhecimento e a sociedade; 3) defesa da ciência e do progresso humano; 4) crítica ao absolutismo monárquico e à desigualdade social; 5) democratização do saber, tirando-o da elite.

Principais enciclopedistas: Denis Diderot (coordenador da obra, escreveu sobre filosofia e arte), Jean de Round d’Alambert (coeditor, escreveu sobre ciências), Voltaire (crítico da Igreja e defensor da liberdade de expressão), Jean-Jacaques Rousseau (pensador político e influente na educação), Montesquieu (defensor da separação dos poderes), Helvétius (materialista, acreditava que o homem é produto do meio) e Baron d’Holbach (ateu e crítico da religião).

Em termos históricos, o pensamento dos enciclopedistas formaram a base da Revolução Francesa e inspiraram o liberalismo e outros aspectos da filosofia política iluminista. Desse modo, começaram a influenciar os líderes em muitas partes do mundo, que se prontificavam a desenvolver sistemas jurídicos e estabelecer direitos para seus cidadãos — principalmente a separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário.

Fonte de Consulta

O Livro da História. Tradução de Rafael Longo. São Paulo: GloboLivros, 2017.

 

26 maio 2025

Habermas, Jürgen

Jürgen Habermas (1929-), filósofo e sociólogo alemão que participa da tradição da teoria crítica e do pragmatismo, cresceu na Alemanha sob o regime nazista. Sua percepção de que "estávamos vivendo em um sistema criminoso" teria, após os julgamentos de Nuremberg (1945-46), um efeito duradouro em sua filosofia.

Ao completar seu doutorado em 1954, estudou com membros da Escola de Frankfurt, incluindo Max Horkheimer e Theodor Adorno.

Nas décadas de 1960 e 1970, deu palestras em universidades em Bonn e Gotinga. Em 1982, tornou-se professor de filosofia na Universidade de Frankfurt, onde lecionou até a aposentadoria, em 1993.

Resumo de seu pensamento: As tradições da sociedade não estão necessariamente entre os maiores interesses dos indivíduos. ==> Os indivíduos precisam ser capazes de questionar e mudar essas tradições. ==> Eles podem fazer isso por meio da razão comunicativa na esfera pública, o que... ==> ... constrói o consenso ... ocasiona a mudança ... fortalece a sociedade. ==> A sociedade é dependente da crítica às suas próprias tradições.

Nas décadas de 1960 e 1970, Habermas concluiu que havia uma ligação entre a razão comunicativa e o que ele chamou de "esfera pública". Até o século XVIII, o controle do Estado era muito intenso sobre as atividades de um modo geral. A partir daí, com o surgimento de salões literários e cafés, os indivíduos puderam se reunir e questionar as ações governamentais. Essa esfera pública possibilita reconhecer interesses comuns em outros indivíduos. Habermas acreditava que a ampliação da esfera pública ajudou a desencadear a Revolução Francesa em 1789.

Obras-chave: Mudança estrutural da esfera pública (1962), Teoria da ação comunicativa (1981), O discurso filosófico da modernidade (1985), Entre naturalismo e religião (2005)

Fonte de Consulta

O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.

 

25 maio 2025

Rorty, Richard

"A filosofia progride não ao se tornar mais rigorosa, mas ao se tornar mais imaginativa." Richard Rorty

Richard Rorty (1931-2007) foi um filósofo pragmatista estadunidense. Nasceu em Nova York, Estados Unidos. Seus pais eram ativistas políticos e Rorty passou seus primeiros anos lendo sobre Leon Trotsky, o revolucionário russo.

Aos doze anos de idade, ele disse que já sabia que "a questão do ser humano era passar a vida lutando contra a injustiça social". Começou cedo, aos quinze anos, a frequentar a Universidade de Chicago, prosseguindo até um doutorado em Yale, em 1956.

Serviu o exército por dois anos, antes de se tornar um palestrante. Escreveu sua obra mais importante, A filosofia e o espelho da natureza, quando era professor de filosofia em Princeton. Produziu textos em filosofia, literatura e política e, de maneira insólita para um filósofo do século XX, aproximava-se tanto da tradição analítica quanto da europeia continental. Morreu de câncer aos 75 anos.

Resumo de seu pensamento: Quando dizemos "sei do fundo do coração que é errado..." ==> ...admitimos que há uma verdade eterna em relação ao erro. Mas não podemos encontrar quaisquer verdades eternas em relação à ética. ==>...admitimos que o conhecimento que temos é um conhecimento certo. Mas conhecimento absolutamente certo sobre as coisas não é possível. ==> O que conhecemos é uma questão de conversação e prática social. ==> Não há nada em nosso íntimo, exceto o que nós mesmos colocamos lá.

A tendência para retratar a nós mesmos possuindo um tipo de "duplo — uma alma ou um "eu" profundo que "usa a própria linguagem da Realidade" — foi explorada pelo filósofo norte-americano Richard Rorty na introdução de Consequências do pragmatismo (1982). Rorty argumentou que, na medida em que temos tal coisa, a alma é uma invenção humana — é algo que nós mesmos colocamos lá.

Rorty foi um filósofo que trabalhou dentro da tradição americana do pragmatismo. Ao considerar uma afirmação, a maioria das tradições filosóficas pergunta "isso é verdadeiro?", no sentido de "isso representa corretamente o modo como são as coisas?". Já o pragmático considera as afirmações de modo diferente, perguntando: "quais são as implicações práticas de aceitar isso como verdadeiro?"

Obras-chave: A filosofia e o espelho da natureza (1979); Contingência, Ironia e solidariedade (1989); Achieving our country (1998); Filosofia e esperança social (2001)

Fonte de Consulta

O Livro da Filosofia. Tradução Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: Globo, 2011.