15 agosto 2025

Só Sei que Nada Sei

A frase “só sei que nada sei” é atribuída a Sócrates, mas não há registro dela. A origem encontra-se na declaração da sacerdotisa do templo de Delfos, onde diz que dentre os atenienses, Sócrates é o mais sábio. Este fica perplexo porque não tem teoria alguma, tal como Heráclito (c. 500 a.C.), Parmênides (c. 515-445 a.C.) ou os atomistas Leucipo (c. 450-420 a.C.) e Demócrito (c. 460-371 a.C.).

Para construir o seu conhecimento, Sócrates questiona as pessoas que julga serem mais sábias do que ele, e descobre a controvérsia: eles pensavam que sabiam o que não sabiam. Sócrates faz, então, a seguinte reflexão, depois de conversar com um deles: “Sou, sem dúvida, mais sábio que este homem. É muito possível que qualquer um de nós nada saiba de belo nem de bom; mas ele julga que sabe alguma coisa, embora não saiba, ao passo que eu nem sei nem julgo saber. Parece-me, pois, que sou algo mais sábio do que ele, na precisa medida em que não julgo saber aquilo que ignoro”. (Apologia, 21 d) É desta passagem da Apologia que nos chegou a expressão “só sei que nada sei”.

O sentido filosófico da frase refere-se à ignorância. “Só sei que nada sei” é uma espécie de tomada de consciência da ignorância. A reflexão sobre este assunto é útil, pois nos chama a atenção à humildade diante de qualquer conhecimento. Podemos saber muito, mas há muito mais a explorar. É isso que Sócrates procura nos advertir quando procura uma pessoa entendida num determinado ramo do saber. Depois de várias perguntas, o interlocutor acaba se contradizendo. Quer dizer, o interlocutor pensa que sabe, mas não sabe.

Um pouco de lógica. Em lógica formal, se você realmente não sabe nada, então não poderia ter certeza de absolutamente nada — nem mesmo de que não sabe. Mas aqui, “sei” não é literal no sentido absoluto; é usado para expressar um nível de consciência sobre a própria ignorância. Assim, o “paradoxo” é mais retórico do que uma contradição lógica insolúvel. Ele funciona como uma provocação filosófica. Para evitar o paradoxo, basta reformular a frase de forma que não haja contradição lógica entre “saber” e “não saber”. Em vez de "sei que nada sei", dizer: “Acredito que sei muito pouco.” “Tenho consciência de que meu conhecimento é limitado.” “Sei que o que sei é pouco diante do que há para saber.”

A manutenção do paradoxo é muito útil. O “choque” lógico obriga a pensar: se a pessoa “sabe” que “não sabe”, então há um tipo de saber que nasce da consciência da ignorância. Esse é o paradoxo fértil: o conhecimento começa quando reconhecemos o que não sabemos. No fundo, o paradoxo só existe porque a frase, tomada literalmente, se autonega. Quando deixamos claro que se trata de limitação, não de ausência total de saber, ele desaparece.

Tenhamos sempre em mente a nossa limitação. Reconheçamos, com Sócrates, que a humildade intelectual e o reconhecimento da própria ignorância são os alicerces, os fundamentos para alcançar a verdadeira sabedoria.

14 agosto 2025

Falibilidade: Controle e Ajuste

Somos seres falíveis. Por mais cuidado que tenhamos, mesmo assim, o engano ocorrerá. O provérbio “aprender com os erros” tem grande significância. Quer dizer, pouco adianta ter certezas, porque a convicção profunda de que não nos enganamos é fictícia, ilusória. O melhor, para cada um de nós, é deixar sempre a mente aberta à dúvida metódica, como nos ensinou Descartes. 

Uma boa maneira de diminuir os nossos erros é procurar recorrer a outras pessoas, que são também falíveis. Se um terceiro refuta a nossa ideia, livramo-nos desse erro. Anotemos, também, que a verdade ou a falsidade das nossas convicções não depende de nós, mas antes da realidade — que é o objeto das nossas convicções. O que depende de nós é a justificação cuidadosa de nossas convicções.

Controles e ajustes. Comparando nossas convicções com a de outras pessoas — cientistas, religiosos e filósofos —, podemos aumentar os nossos controles e ajustes, que nada mais são do que raciocínio. Nesse sentido, precisamos raciocinar para concluir, com base na observação ou na experimentação, se os nossos pensamentos estão de posse da verdade ou do erro. 

Para que o nosso saber seja robusto e correto, evitemos a tentação que, ao longo dos séculos, tem sido fingir que podemos abandonar o raciocínio paciente envolvidos  nos controles e ajustes permanentes, substituindo por Deus, pela autoridade ou pela observação ou experimentação. O problema está dentro de nós. O terceiro pode nos auxiliar, mas a decisão sobre o teor da verdade é apropriada a cada um. 

Quando o raciocínio visa persuadir outras pessoas — chama-se argumentoO argumento  visa persuadir o nosso interlocutor a aceitar uma conclusão que ele originalmente não aceita. Se partirmos da premissa que ele aceita, o argumento é inútil. Argumentar com o interlocutor é mostrar que as suas ideias implicam outras ideias que ele quer rejeitar.

 

 

No Meio é que Está a Virtude

A ética, na maioria das vezes, mostra-nos proibições e regras, em que se estabelecem limites e padrões de comportamento, seja no âmbito profissional, social ou pessoal. Elas ajudam a definir o que é aceitável e o que não é. Do ponto de vista de Aristóteles, a ética não é um sistema de proibições e regras que nos dificultam a vida; pelo contrário, é o que nos permite ter uma vida boa.

Em sua ética, Aristóteles tratou do Bem Último, que se fundamenta naquilo valorizamos — por si mesmo ou por qualquer outra coisa. Observa o dinheiro: só irrefletidamente poderá ser valorizado por si; uma pessoa refletida valorizará o dinheiro apenas instrumentalmente, porque permite obter outras coisas que valorizamos. A felicidade é algo que não valorizamos instrumentalmente e que, se a tivermos, nada nos falta; Aristóteles conclui que a felicidade é o bem último que procurávamos. 

O guia educativo de Aristóteles está centrado na doutrina do “justo meio” (mesótes), segundo a qual a virtude está no equilíbrio entre dois extremos: o excesso e a falta. A coragem, por exemplo, poderia ser vista da seguinte forma: no excesso, temos a imprudência; na falta, a covardia. Vejamos outros exemplos: Temperança [Falta = Insensibilidade; Excesso = Intemperança]; Generosidade [Falta = Mesquinhez; Excesso = Prodigalidade]; Mansidão [Falta = Apatia; Excesso = Ira excessiva]; Amizade [Falta = Frieza; Excesso = Adulação]; Orgulho [Falta = Humildade servil; Excesso = Arrogância].

É um erro atribuir a Aristóteles de que no meio é que está a virtude. Aristóteles não pensa nem que em todos os casos há um meio, nem que a sua teoria tenha por missão estabelecer esse meio. Eis o que defende Aristóteles: “A virtude é um estado que envolve escolha racional, consistindo num meio-termo relativo a nós e determinado pela razão […]” (Ética Nicomaqueia, 1106b-1107a) Como vemos, a virtude consiste num meio-termo relativo a nós, o qual é determinado pela razão. Eis o cerne da questão.

A ideia de usar "meio-termo" em vez de apenas "meio" tem sentido em português moderno, porque “meio-termo” já é uma expressão consagrada para indicar moderação ou equilíbrio. Vejamos duas frases adaptadas do assunto: 1) "A virtude está no equilíbrio." — simplifica e transmite a ideia central; 2) "A virtude está no meio-termo." — preserva a imagem dos extremos e o sentido prático.

Em síntese, viver virtuosamente, segundo Aristóteles, seria evitar os extremos e buscar o ponto de equilíbrio apropriado a cada situação, de acordo com a razão.

Fonte de Consulta

MURCHO, Desidério. Sete Ideias Filosóficas: Que Toda a Gente Deveria Conhecer. Editorial Bizâncio, 2011.