5 PRELEÇÕES DE JOHANN GOTTLIEB FICHTE
Enquanto as preleções privadas (parte teórica da doutrina da ciência) eram destinadas a estudantes matriculados, que pagavam por elas, as preleções públicas eram a todos os cidadãos interessados.
PRIMEIRA PRELEÇÃO: SOBRE A DESTINAÇÃO DO HOMEM EM SI
Começa com as seguintes questões: Qual é a destinação do erudito? Qual é a sua relação com o conjunto da humanidade bem como com as suas categorias particulares? Através de quais meios ele pode alcançar de modo mais seguro sua sublime destinação?
O erudito só é um erudito na medida em que é contraposto a outros homens que não são; seu conceito surge por comparação, por referência à sociedade.
A resposta à pergunta: qual é a destinação do erudito?, pressupõe a resposta a uma outra, que é a seguinte: qual é a destinação do homem na sociedade? A resposta a esta pergunta pressupõe, por sua vez, a resposta a uma outra ainda mais elevada: qual é a destinação do homem em si?
Em se tratando da destinação do homem em si, objeto de sua primeira preleção, pergunta: o que seria o propriamente espiritual no homem, o Eu puro
— simplesmente em si — isolado — e fora de toda relação com algo exterior a ele?
Como esta pergunta, segundo Fichte, é irrespondível, parte para algumas conjecturas
Tão certo quanto o homem ter razão é ser ele o seu próprio fim, ou seja, ele não existe porque outra coisa deve existir — e sim existe pura e simplesmente porque ele deve existir. Ele é porque é.
Ele não diz apenas: Eu sou, mas ainda acrescenta: eu sou isto ou aquilo.
Ele não é o que é primeiramente porque ele existe, e sim porque existe algo fora dele. O homem deve ser o que é, pura e simplesmente porque é, ou seja, tudo que ele é deve ser referido ao seu Eu puro, à sua simples egoidade (Ichgeit).
O homem é o seu próprio fim; ele deve determinar-se a si mesmo e nunca se deixar determinar por algo estranho; ele deve ser o que é porque quer sê-lo e deve querê-lo.
Submeter a si tudo o que é desprovido de razão, dominá-lo livremente e segundo a sua própria lei: este é o derradeiro e fim último do homem, o qual é inteiramente inalcançável e tem de permanecer eternamente inalcançável, se o homem não deve deixar de ser homem, e se não deve tornar-se Deus.
A perfeição é meta suprema e inalcançável do homem; mas o aperfeiçoamento ao infinito é a sua destinação. Ele existe para tornar a si mesmo sempre eticamente melhor e para tornar tudo ao seu redor sensivelmente melhor, e se é considerado em sociedade, também eticamente melhor, e assim tornar a si mesmo cada vez mais feliz.
SEGUNDA PRELEÇÃO: SOBRE A DESTINAÇÃO DO HOMEM NA SOCIEDADE
É meu destino, a menos que eu queira ser superficial e tratar futilmente aquilo sobre o que creio saber algo mais fundamental — a menos que queira ocultar e passar em silêncio dificuldades que vejo muito bem — tocar em questões quase ainda intocadas.
Chamo sociedade à relação dos seres racionais uns com os outros.
A experiência ensina apenas que a representação de seres racionais fora de nós está contida em nossa consciência empírica; e sobre isso não há disputa e nenhum egoísta ainda o contestou.
Vejam, meus senhores, como é importante não confundir a sociedade em geral com o tipo particular, empiricamente condicionado, de sociedade, que se chama Estado.
O fim de todo governo é tornar supérfluo o governo. Agora não é o momento, mas é certo que no decurso do gênero humano traçado a priori se encontra um tal ponto em que todos os vínculos estatais serão supérfluos. É aquele ponto em que, ao invés da força ou da astúcia, a simples razão será reconhecida universalmente como o juiz supremo.
A ação recíproca pela liberdade é o caráter positivo da sociedade.
O impulso fundamental era o de encontrar seres racionais iguais a nós, ou homens.
Nessa luta dos espíritos com os espíritos, vence sempre aquele que é o homem superior e melhor; assim, surge através da sociedade o aperfeiçoamento da espécie, e com isso também descobrimos, ao mesmo tempo, a destinação de toda a sociedade enquanto tal.
A luz certamente vence ao final — é verdade que não se pode determinar em quanto tempo, mas já é um penhor de vitória, e da vitória próxima, se as trevas são obrigadas a travar uma luta pública. Elas amam a obscuridade; e quando forçadas a vir à luz, já perderam.
Entre as habilidades que o homem deve aperfeiçoar encontra-se a sociabilidade.
A destinação está subordinada à lei suprema da concordância conosco mesmos, ou à lei moral, e tem a seguir de ser determinada pela mesma e colocada sob uma regra sólida.
O impulso nos leva a encontrar seres racionais livres fora de nós e a entrar em contato com eles. Querer dominá-los o impulso social entra em contradição consigo mesmo. Todo aquele que se considera um senhor dos outros é ele mesmo um escravo.
A meta última e suprema da sociedade é a unidade e unanimidade plenas de todos os seus membros possíveis.
Por isso, podemos igualmente dizer: nossa destinação na sociedade é o aperfeiçoamento comum, o aperfeiçoamento de si mesmo pela influência livremente utilizada dos outros sobre nós e o aperfeiçoamento dos outros pela reação sobre eles enquanto seres livres.
TERCEIRA PRELEÇÃO: SOBRE A DIVERSIDADE DAS CATEGORIAS DA SOCIEDADE
O erudito é um erudito apenas na medida em que é considerado na sociedade. Qual é, em particular, a destinação do erudito na sociedade? Mas o erudito não é meramente um membro da sociedade; ele é ao mesmo tempo um membro de uma categoria particular desta.
Nossa investigação principal — sobre a destinação do erudito — pressupõe, portanto, além das duas já concluídas, ainda uma terceira, a investigação da importante questão: de onde provém em geral a diversidade das categorias entre os homens?, ou ainda, de onde surgiu a desigualdade entre os homens?
O fundamento de todos os impulsos reside no nosso ser; mas também como nada mais que um fundamento. Todo impulso tem de ser despertado pela experiência, se deve chegar à consciência; e se deve ser desenvolvido por frequentes experiências da mesma espécie, se deve se transformar em inclinação — e sua satisfação em carecimento. Mas a experiência não depende de nós mesmos; portanto, também não o despertar e o desenvolvimento dos nossos impulsos em geral.
A lei suprema da humanidade implica que todas as disposições dos indivíduos sejam desenvolvidas uniformemente, que todas as capacidades sejam cultivadas à máxima perfeição possível.
O impulso social compreende dois outros impulsos: impulso para a comunicação, isto é, o impulso para cultivar alguém naqueles aspectos que fomos cultivados; impulso para receber, isto é, o impulso para se deixar cultivar pelo outro, naquilo que ele foi cultivado.
O impulso social refere-se à liberdade; ele apenas impele, mas não força. Podemos resistir a ele ou reprimi-lo.
Sob a direção do impulso social, deve-se comunicar o que se tem de bom àquele que dele carece — e receber o que nos falta daquele que o possui.
Minha categoria é determinada pela aptidão particular a cujo desenvolvimento me dedico por livre escolha.
A lei diz: cultiva todas as tuas disposições integral e uniformemente, tanto quando puderes; mas ela nada determina se devo exercitá-la imediatamente. A lei não proíbe escolher uma categoria particular — mas também não o ordena, justamente porque não o proíbe.
Nunca estejas em contradição contigo mesmo a propósito de tuas determinações da vontade.
A escolha de uma categoria é uma escolha através da liberdade. Consequentemente, nenhum homem pode ser forçado a integrar uma categoria qualquer ou ser excluído de uma categoria qualquer.
Uma categoria determinada foi escolhida, e com isso o cultivo ulterior de um talento determinado para poder restituir à sociedade o que ela fez por nós.
Cada um tem o dever de não apenas querer ser útil em geral à sociedade, mas também de dirigir todos os seus esforços, o melhor que o saiba, para o fim último da sociedade, para enobrecer cada vez mais o gênero humano, isto é, torná-lo cada vez mais livre da coerção da natureza, cada vez mais independente e auto-ativo — e assim, através desta nova desigualdade, surge uma nova igualdade: um progresso uniforme da cultura em todos os indivíduos.
QUARTA PRELEÇÃO: SOBRE A DESTINAÇÃO DO ERUDITO
Cada categoria é necessária.
O simples conhecimento das disposições e carecimentos do homem, sem a ciência de os desenvolver e satisfazer, não seria apenas um conhecimento extremamente triste e deprimente; ele seria ao mesmo tempo um conhecimento vazio e inteiramente inútil. Aquele que mostra as minhas falhas sem ao mesmo tempo mostrar o meio pelo qual eu possa repará-las, age para comigo de modo muito pouco amistoso.
Ninguém pode tornar-se perfeito e, menos ainda, ativo e vivo sem o outro. O conhecimento adquirido deve tornar-se útil à sociedade.
O fim dos conhecimentos é cuidar, por meio deles, para que todas as disposições da humanidade se desenvolvam de modo uniforme, contínuo, mas progressivamente. Disto resulta a verdadeira destinação da categoria dos eruditos: a suprema inspeção do progresso efetivo do gênero humano em geral e a contínua promoção desse progresso.
A humanidade pode dispensar tudo; pode-se tirar tudo dela sem ofender sua verdadeira dignidade, mas não a possibilidade do aperfeiçoamento.
Ele tem o dever de cultivar em si, principalmente e no mais alto grau possível, os talentos sociais: a receptividade e a capacidade de comunicação.
Quem é enganado é tratado como um simples meio.
O fim último de cada homem singular, assim como o de toda a sociedade, e portanto também o de todos os trabalhos do erudito na sociedade, é o enobrecimento moral do homem inteiro.
Não ensinamos apenas através de palavras; ensinamos também, de modo muito mais penetrante, através do nosso exemplo.
Se o melhor entre os homens está corrompido, onde ainda se deve buscar o bem moral? Por isso, considerado sob esse último aspecto, o erudito deve ser o homem moralmente melhor de sua época: deve apresentar em si o nível mais alto de formação moral possível até ele.
QUINTA PRELEÇÃO: EXAME DAS AFIRMAÇÕES DE ROUSSEAU SOBRE A INFLUÊNCIA DAS ARTES E DAS CIÊNCIAS SOBRE O BEM-ESTAR DA HUMANIDADE
Para a descoberta da verdade, a contestação de erros opostos não é de grande proveito.
Toda verdade pode ser deduzida apenas de uma única proposição fundamental. Cabe a uma sólida doutrina da ciência mostrar qual é essa proposição para cada problema determinado.
Situei a destinação da humanidade no progresso constante da cultura e no desenvolvimento uniformemente contínuo de todas as suas disposições e carecimentos; e indiquei um lugar muito honroso na sociedade humana à categoria que deve velar pelo progresso e a uniformidade desse desenvolvimento.
Ninguém contradisse essa verdade com tanta determinação, com as razões mais aparentes e com eloquência mais enérgica do que Rousseau. Para ele, o avanço da cultura é a única causa de toda corrupção humana. Segundo ele, não há salvação para os homens a não ser no estado de natureza; e — o que se segue de modo totalmente correto de suas proposições fundamentais — aquela categoria que mais promove o progresso da cultura, a categoria dos eruditos, é para ele não só a fonte como o ponto central de toda miséria e corrupção humanas.
Para ele, retorno é progresso; para ele, aquele estado de natureza abandonado é a meta última a que a humanidade, hoje corrompida e deformada, finalmente tem de chegar. Ele trabalhava, à sua maneira, levar adiante a humanidade. Porém, suas ações estavam em contradição com as suas proposições fundamentais.
O que Rousseau tem de verdadeiro funda-se imediatamente no seu sentimento; e o seu conhecimento tem por isso a falha de todo conhecimento fundado no mero sentimento não desenvolvido, que é de certa incerto, pois não se pode prestar contas integralmente sobre o seu sentimento; e de em parte mesclar o verdadeiro com o não verdadeiro, pois um juízo fundado sobre um sentimento não desenvolvido sempre estabelece como tendo o mesmo significado, o que, porém, não tem o mesmo significado. A saber, o sentimento nunca erra, mas a faculdade do juízo erra enquanto interpreta incorretamente o sentimento e toma um sentimento misto por um sentimento puro.
Ora, cheio deste amargo sentimento, Rousseau não era capaz de ver outra coisa senão o objeto que o incitara.
Poderíamos propor-lhe a questão: o que Rousseau propriamente buscava neste estado de natureza? — Ele mesmo se sentia oprimido e limitado por múltiplos carecimentos. Ele se achava em toda parte oprimido pelos outros, pois impedia a satisfação dos carecimentos deles.
Assim, inadvertidamente, ele transpunha a si mesmo e a sociedade inteira ao estado natural junto com toda a formação que ela pôde receber apenas através da saída do estado de natureza.
Rousseau queria reintegrar o homem ao estado de natureza, não em vista da formação espiritual, e sim apenas em vista da independência dos carecimentos da sensibilidade.
Rousseau esquece que a humanidade pode se aproximar e deve se aproximar desse estado apenas mediante cuidado, esforço e trabalho.
O carecimento não é a fonte do vício; ele é incitação à atividade e à virtude. A preguiça é fonte de todos os vícios. Gozar sempre o mais possível, agir sempre o menos possível — esta é a tarefa da natureza corrompida.
A dor, que está ligada ao sentimento de carecimento, deve nos estimular para a atividade.
Ele agiu quase sem sem ser autoconsciente de sua auto-atividade. Essa falta de esforço para a auto-atividade domina todo o seu sistema de ideias.
OBSERVAÇÃO: CÓPIA DE TRECHOS DO LIVRO
FICHTE, Johann Gottlieb. O Destino do Erudito. Tradução de Ricardo Barbosa. São Paulo: Hedra, 2014.
O homem é o seu próprio fim; ele deve determinar-se a si mesmo e nunca se deixar determinar por algo estranho; ele deve ser o que é porque quer sê-lo e deve querê-lo.
Submeter a si tudo o que é desprovido de razão, dominá-lo livremente e segundo a sua própria lei: este é o derradeiro e fim último do homem, o qual é inteiramente inalcançável e tem de permanecer eternamente inalcançável, se o homem não deve deixar de ser homem, e se não deve tornar-se Deus.
A perfeição é meta suprema e inalcançável do homem; mas o aperfeiçoamento ao infinito é a sua destinação. Ele existe para tornar a si mesmo sempre eticamente melhor e para tornar tudo ao seu redor sensivelmente melhor, e se é considerado em sociedade, também eticamente melhor, e assim tornar a si mesmo cada vez mais feliz.
SEGUNDA PRELEÇÃO: SOBRE A DESTINAÇÃO DO HOMEM NA SOCIEDADE
É meu destino, a menos que eu queira ser superficial e tratar futilmente aquilo sobre o que creio saber algo mais fundamental — a menos que queira ocultar e passar em silêncio dificuldades que vejo muito bem — tocar em questões quase ainda intocadas.
Chamo sociedade à relação dos seres racionais uns com os outros.
A experiência ensina apenas que a representação de seres racionais fora de nós está contida em nossa consciência empírica; e sobre isso não há disputa e nenhum egoísta ainda o contestou.
Vejam, meus senhores, como é importante não confundir a sociedade em geral com o tipo particular, empiricamente condicionado, de sociedade, que se chama Estado.
O fim de todo governo é tornar supérfluo o governo. Agora não é o momento, mas é certo que no decurso do gênero humano traçado a priori se encontra um tal ponto em que todos os vínculos estatais serão supérfluos. É aquele ponto em que, ao invés da força ou da astúcia, a simples razão será reconhecida universalmente como o juiz supremo.
A ação recíproca pela liberdade é o caráter positivo da sociedade.
O impulso fundamental era o de encontrar seres racionais iguais a nós, ou homens.
Nessa luta dos espíritos com os espíritos, vence sempre aquele que é o homem superior e melhor; assim, surge através da sociedade o aperfeiçoamento da espécie, e com isso também descobrimos, ao mesmo tempo, a destinação de toda a sociedade enquanto tal.
A luz certamente vence ao final — é verdade que não se pode determinar em quanto tempo, mas já é um penhor de vitória, e da vitória próxima, se as trevas são obrigadas a travar uma luta pública. Elas amam a obscuridade; e quando forçadas a vir à luz, já perderam.
Entre as habilidades que o homem deve aperfeiçoar encontra-se a sociabilidade.
A destinação está subordinada à lei suprema da concordância conosco mesmos, ou à lei moral, e tem a seguir de ser determinada pela mesma e colocada sob uma regra sólida.
O impulso nos leva a encontrar seres racionais livres fora de nós e a entrar em contato com eles. Querer dominá-los o impulso social entra em contradição consigo mesmo. Todo aquele que se considera um senhor dos outros é ele mesmo um escravo.
A meta última e suprema da sociedade é a unidade e unanimidade plenas de todos os seus membros possíveis.
Por isso, podemos igualmente dizer: nossa destinação na sociedade é o aperfeiçoamento comum, o aperfeiçoamento de si mesmo pela influência livremente utilizada dos outros sobre nós e o aperfeiçoamento dos outros pela reação sobre eles enquanto seres livres.
TERCEIRA PRELEÇÃO: SOBRE A DIVERSIDADE DAS CATEGORIAS DA SOCIEDADE
O erudito é um erudito apenas na medida em que é considerado na sociedade. Qual é, em particular, a destinação do erudito na sociedade? Mas o erudito não é meramente um membro da sociedade; ele é ao mesmo tempo um membro de uma categoria particular desta.
Nossa investigação principal — sobre a destinação do erudito — pressupõe, portanto, além das duas já concluídas, ainda uma terceira, a investigação da importante questão: de onde provém em geral a diversidade das categorias entre os homens?, ou ainda, de onde surgiu a desigualdade entre os homens?
O fundamento de todos os impulsos reside no nosso ser; mas também como nada mais que um fundamento. Todo impulso tem de ser despertado pela experiência, se deve chegar à consciência; e se deve ser desenvolvido por frequentes experiências da mesma espécie, se deve se transformar em inclinação — e sua satisfação em carecimento. Mas a experiência não depende de nós mesmos; portanto, também não o despertar e o desenvolvimento dos nossos impulsos em geral.
A lei suprema da humanidade implica que todas as disposições dos indivíduos sejam desenvolvidas uniformemente, que todas as capacidades sejam cultivadas à máxima perfeição possível.
O impulso social compreende dois outros impulsos: impulso para a comunicação, isto é, o impulso para cultivar alguém naqueles aspectos que fomos cultivados; impulso para receber, isto é, o impulso para se deixar cultivar pelo outro, naquilo que ele foi cultivado.
O impulso social refere-se à liberdade; ele apenas impele, mas não força. Podemos resistir a ele ou reprimi-lo.
Sob a direção do impulso social, deve-se comunicar o que se tem de bom àquele que dele carece — e receber o que nos falta daquele que o possui.
Minha categoria é determinada pela aptidão particular a cujo desenvolvimento me dedico por livre escolha.
A lei diz: cultiva todas as tuas disposições integral e uniformemente, tanto quando puderes; mas ela nada determina se devo exercitá-la imediatamente. A lei não proíbe escolher uma categoria particular — mas também não o ordena, justamente porque não o proíbe.
Nunca estejas em contradição contigo mesmo a propósito de tuas determinações da vontade.
A escolha de uma categoria é uma escolha através da liberdade. Consequentemente, nenhum homem pode ser forçado a integrar uma categoria qualquer ou ser excluído de uma categoria qualquer.
Uma categoria determinada foi escolhida, e com isso o cultivo ulterior de um talento determinado para poder restituir à sociedade o que ela fez por nós.
Cada um tem o dever de não apenas querer ser útil em geral à sociedade, mas também de dirigir todos os seus esforços, o melhor que o saiba, para o fim último da sociedade, para enobrecer cada vez mais o gênero humano, isto é, torná-lo cada vez mais livre da coerção da natureza, cada vez mais independente e auto-ativo — e assim, através desta nova desigualdade, surge uma nova igualdade: um progresso uniforme da cultura em todos os indivíduos.
QUARTA PRELEÇÃO: SOBRE A DESTINAÇÃO DO ERUDITO
Cada categoria é necessária.
O simples conhecimento das disposições e carecimentos do homem, sem a ciência de os desenvolver e satisfazer, não seria apenas um conhecimento extremamente triste e deprimente; ele seria ao mesmo tempo um conhecimento vazio e inteiramente inútil. Aquele que mostra as minhas falhas sem ao mesmo tempo mostrar o meio pelo qual eu possa repará-las, age para comigo de modo muito pouco amistoso.
Ninguém pode tornar-se perfeito e, menos ainda, ativo e vivo sem o outro. O conhecimento adquirido deve tornar-se útil à sociedade.
O fim dos conhecimentos é cuidar, por meio deles, para que todas as disposições da humanidade se desenvolvam de modo uniforme, contínuo, mas progressivamente. Disto resulta a verdadeira destinação da categoria dos eruditos: a suprema inspeção do progresso efetivo do gênero humano em geral e a contínua promoção desse progresso.
A humanidade pode dispensar tudo; pode-se tirar tudo dela sem ofender sua verdadeira dignidade, mas não a possibilidade do aperfeiçoamento.
Ele tem o dever de cultivar em si, principalmente e no mais alto grau possível, os talentos sociais: a receptividade e a capacidade de comunicação.
Quem é enganado é tratado como um simples meio.
O fim último de cada homem singular, assim como o de toda a sociedade, e portanto também o de todos os trabalhos do erudito na sociedade, é o enobrecimento moral do homem inteiro.
Não ensinamos apenas através de palavras; ensinamos também, de modo muito mais penetrante, através do nosso exemplo.
Se o melhor entre os homens está corrompido, onde ainda se deve buscar o bem moral? Por isso, considerado sob esse último aspecto, o erudito deve ser o homem moralmente melhor de sua época: deve apresentar em si o nível mais alto de formação moral possível até ele.
QUINTA PRELEÇÃO: EXAME DAS AFIRMAÇÕES DE ROUSSEAU SOBRE A INFLUÊNCIA DAS ARTES E DAS CIÊNCIAS SOBRE O BEM-ESTAR DA HUMANIDADE
Para a descoberta da verdade, a contestação de erros opostos não é de grande proveito.
Toda verdade pode ser deduzida apenas de uma única proposição fundamental. Cabe a uma sólida doutrina da ciência mostrar qual é essa proposição para cada problema determinado.
Situei a destinação da humanidade no progresso constante da cultura e no desenvolvimento uniformemente contínuo de todas as suas disposições e carecimentos; e indiquei um lugar muito honroso na sociedade humana à categoria que deve velar pelo progresso e a uniformidade desse desenvolvimento.
Ninguém contradisse essa verdade com tanta determinação, com as razões mais aparentes e com eloquência mais enérgica do que Rousseau. Para ele, o avanço da cultura é a única causa de toda corrupção humana. Segundo ele, não há salvação para os homens a não ser no estado de natureza; e — o que se segue de modo totalmente correto de suas proposições fundamentais — aquela categoria que mais promove o progresso da cultura, a categoria dos eruditos, é para ele não só a fonte como o ponto central de toda miséria e corrupção humanas.
Para ele, retorno é progresso; para ele, aquele estado de natureza abandonado é a meta última a que a humanidade, hoje corrompida e deformada, finalmente tem de chegar. Ele trabalhava, à sua maneira, levar adiante a humanidade. Porém, suas ações estavam em contradição com as suas proposições fundamentais.
O que Rousseau tem de verdadeiro funda-se imediatamente no seu sentimento; e o seu conhecimento tem por isso a falha de todo conhecimento fundado no mero sentimento não desenvolvido, que é de certa incerto, pois não se pode prestar contas integralmente sobre o seu sentimento; e de em parte mesclar o verdadeiro com o não verdadeiro, pois um juízo fundado sobre um sentimento não desenvolvido sempre estabelece como tendo o mesmo significado, o que, porém, não tem o mesmo significado. A saber, o sentimento nunca erra, mas a faculdade do juízo erra enquanto interpreta incorretamente o sentimento e toma um sentimento misto por um sentimento puro.
Ora, cheio deste amargo sentimento, Rousseau não era capaz de ver outra coisa senão o objeto que o incitara.
Poderíamos propor-lhe a questão: o que Rousseau propriamente buscava neste estado de natureza? — Ele mesmo se sentia oprimido e limitado por múltiplos carecimentos. Ele se achava em toda parte oprimido pelos outros, pois impedia a satisfação dos carecimentos deles.
Assim, inadvertidamente, ele transpunha a si mesmo e a sociedade inteira ao estado natural junto com toda a formação que ela pôde receber apenas através da saída do estado de natureza.
Rousseau queria reintegrar o homem ao estado de natureza, não em vista da formação espiritual, e sim apenas em vista da independência dos carecimentos da sensibilidade.
Rousseau esquece que a humanidade pode se aproximar e deve se aproximar desse estado apenas mediante cuidado, esforço e trabalho.
O carecimento não é a fonte do vício; ele é incitação à atividade e à virtude. A preguiça é fonte de todos os vícios. Gozar sempre o mais possível, agir sempre o menos possível — esta é a tarefa da natureza corrompida.
A dor, que está ligada ao sentimento de carecimento, deve nos estimular para a atividade.
Ele agiu quase sem sem ser autoconsciente de sua auto-atividade. Essa falta de esforço para a auto-atividade domina todo o seu sistema de ideias.
OBSERVAÇÃO: CÓPIA DE TRECHOS DO LIVRO
FICHTE, Johann Gottlieb. O Destino do Erudito. Tradução de Ricardo Barbosa. São Paulo: Hedra, 2014.
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