CAPÍTULO 1 — O Tempo — O Próprio
do Homem
“O tempo não é uma questão que se
possa resolver de uma vez por todas. Dura a vida toda”.
Todas as tentativas que fazemos
para nos afastarmos do “tempo é dinheiro” são bem-vindas. Por quê? O objetivo das
novas tecnologias é “economizar” tempo: observe os modernos computadores,
sempre com mais velocidade e mais capacidade de armazenamento de dados. O
problema é que, ao nos rodearmos dessas técnicas, nós nos condenamos a não
sermos mais donos do nosso tempo.
É possível “parar o tempo”, ou
seja, ficarmos alguns momentos sem fazer nada? Ao tentarmos, o que nos sucede?
Geralmente, assomam-nos o pânico e a angústia.
Observe as pessoas que têm muitos compromissos. Como elas poderiam se separar
dos afazeres ali marcados? Não é tarefa fácil. E o que dizer das crianças que
têm a uma agenda mais cheia do que os próprios adultos? Aonde vamos? O esforço
de "parar o tempo" pode, contudo, nos conceder mais tempo livre no
futuro.
Às vezes, reclamamos dos
acontecimentos menos felizes. Indagamos: eles são justos? Numa rápida lembrança
do passado, são eles que nos veem à mente, como uma forma de aprendizado, como
uma forma de vermos a suplantação de um problema, de uma dificuldade, de uma
inimizade. Aí pensamos: como, naquela ocasião, eu tive o sangue frio para não
ir além, para não agravar ainda mais um relacionamento deteriorado?
O tempo é o único capital que
temos. Por isso, tal qual o dinheiro, façamos com que ela seja nosso aliado e
não o nosso mordomo.
CAPÍTULO 2 — O Tempo dos Relógios
e o Tempo Vivido
O tempo pode ser visto sob dois
pontos de vista diferentes: o tempo dos relógios e o tempo vivido. O tempo dos
relógios é o tempo atômico, para se falar com mais propriedade. O tempo
vivido é o tempo pessoal, o tempo subjetivo. Poder-se-ia perguntar: “Quanto
tempo dura um quarto de hora?” “Quantos instantes há em um momento?” Olhando o
relógio, não teríamos dúvida. E do ponto de vista pessoal? Temos uma exata
medida do tempo?
“É quase certo que se, por acaso,
você tiver uma ideia inteiramente nova, alguém, em algum lugar, pensará
exatamente na mesma coisa, no mesmo momento”. Daí, afirma-se que “o tempo
pensa”. A frase acima vem corroborar com a Doutrina Espírita quando esta afirma
que a influência dos Espíritos sobre nosso pensamento é muito mais intensa do
que podemos imaginar.
Em 1990, o filósofo alemão Peter
Heintel fundou a Tempus, Verein zur Verzögerung der Zeit (Associação
para a Desaceleração do Tempo). A partir daí, a Tempus passou a organizar,
todos os anos, conferências sobre o tempo. Os membros, pertencentes a vários
países do mundo, são convidados a apresentar exemplos sobre a maneira como
se relacionam com o tempo. Fazem-no por intermédio de textos, imagens e fitas
de vídeo. Para a Tempus, Chronos é o tempo dos
relógios; Kairos, o tempo vivido.
O problema fundamental é: como o
tempo dos relógios se relaciona com o tempo vivido? Eles têm a mesma duração?
Não. Por quê? Porque estamos constantemente correndo atrás do tempo dos
relógios, tentando a todo custo maximizá-lo. Os nossos anseios interiores, no
entanto são outros. E estes são os mais importantes, porque dizem respeito ao
nosso projeto de vida, as nossas preocupações de progresso moral e espiritual que,
na maioria das vezes, vai na contramão da técnica e da economia do tempo.
Como, no entanto, melhorar a
produtividade do tempo vivido? É através da desaceleração do tempo, de fazê-lo
parar para que possamos meditar sobre a profundidade de nossa existência, de
nossa missão aqui neste Planeta.
CAPÍTULO 3 — Tempo de Parada
“Para se concentrar, é preciso
não ser perturbado — inclusive por si mesmo.”
Tempo de parada é o intervalo de tempo em
que deixamos de lado os nossos afazeres cotidianos para podermos refletir e
meditar. Não é muito fácil: telefonemas, visitas, conversas e responsabilidades
podem dificultar tal empreendimento. O tempo de parada assemelha-se à higiene
mental, uma mudança de atividade, para que depois, possamos retornar ao trabalho
com mais criatividade e entusiasmo.
A função precípua do tempo
de parada é propiciar-nos a reorganização do pensamento. Há uma série
de automatismos (tudo o que fazemos parece tão natural) em nossos atos diários
que, sem uma devida análise, passariam totalmente despercebidos. Com o
tempo de parada, podemos questionar se aqueles atos são realmente necessários.
O tempo de parada é sumamente importante para os trabalhos de grande fôlego.
Depois de uma pausa, retomamos as atividades com mais vigor e mais intensidade.
O problema que se apresenta:
o tempo de parada é visto e sentido como improdutivo. É que os
trabalhos longos requerem grande empreitada, a qual exige a disposição de focar
um único tema, uma única meta. Nesse caso, temos que renunciar às atividades
mais fáceis, aquelas que consomem mais tempo, porque não o vemos passar. Para
as tarefas difíceis, há necessidade de alocar mais tempo. Além disso, há
que se enfrentar, também, o preconceito e a incompreensão de nossos amigos e
familiares.
A avalanche de informações e
relacionamentos que a internet nos proporciona está roubando o nosso tempo
livre, principalmente dos jovens que pertencem à geração Z. Estes já nascem
conectados ao mundo digital. É sobre eles que devemos envidar nossos esforços,
para se tornem pensólogos, e não simples usufrutuários das informações
veiculadas na rede internacional de computadores. É uma missão que os mais
velhos devem tomar para si se se pretende que o amanhã seja mais promissor do
que os dias presentes.
Reservemos um tempo para a
organização e a reorganização do nosso pensamento. Talvez não percebamos de
pronto, mas no longo prazo recolheremos os frutos dessa virtude.
CAPÍTULO 4 — Tempo
Inteiro e Tempo Dividido
"A variação, e não a
repetição, é a mãe de todo aprendizado."
Para muitas pessoas, o tempo
dividido é necessário, porém é o tempo inteiro que dá substância à nossa vida.
Para tanto, deveríamos fazer com o tempo o que se faz na agricultura, ou seja,
o reagrupamento, reagrupamento de tarefas, de trabalhos, etc. O tempo inteiro
não se mede pelas horas do relógio.
A vantagem de se pensar no tempo
inteiro é que ele nos permite ver a vida na sua máxima extensão. É como o
sujeito que mergulha na prece e parece transportado para outro mundo, um mundo
de paz, de harmonia interior, que nem mesmo o estouro de uma bomba ao lado,
tira-o do foco de sua atenção.
Diz-se que "a repetição é
mãe de todo aprendizado". Isso não é inteiramente verdadeiro. Melhor seria
dizer que a variação é a mãe de todo aprendizado. É que no decorrer do
tempo, vamos nos inteirando de outras maneiras de ver o mesmo problema.
CAPÍTULO 5 — TTT —
Pensar Toma Tempo
O industrialismo criou
a necessidade de sentir que se tem necessidade de nós. Produzimos porque alguém
precisa daquela mercadoria. Com isso, o termo “trabalho” assumiu importância
capital, sendo o condutor de nossas vidas, pois é da sua recompensa (salários)
que sustentamos a nossa vida. Daí acreditar-se que "nada atrasa tanto o
futuro como uma velha infraestrutura de pensamento". O pensamento pode se
atrofiar.
Criar, visualizar e
ter ideias tomam tempo. Como, porém, pensar com liberdade e criatividade do
espírito, se o industrialismo rouba o nosso tempo? Para que uma ideia se
aclimate em nosso interior, ela precisa de tempo de reflexão, de ponderação. E
isso toma tempo.
Observe o tempo que
nos é roubado em telefonemas, conversas sem proveito, fins de semana com
pessoas desocupadas. Como esperar um futuro promissor se o nosso pensamento
vive no passado? Um estudo acurado da importância do tempo muito nos auxilia.
Para tanto, precisamos saber dizer não a tudo o que não
faz parte de nosso projeto de vida.
Não nos deixemos
conduzir pelos outros, mas façamos aquilo que for bom para nós, para o nosso
crescimento moral, intelectual e espiritual.
CAPÍTULO 6 —
Proximidade e Presença
"A proximidade e
a presença produzem um meio ambiente criativo"
No estudo do tempo,
surge a questão da proximidade e da presença, muitas vezes confundidas, em
virtude do sentimento latente de que estamos sempre próximos daquilo que
presenciamos. Mas há muitos casos em que permanecemos próximos de alguém, mesmo
estando muito longe, geograficamente, como de um país para outro.
A rede na qual a
criança se vê inserida é muito reduzida. Conforme cresce esta se amplia. Hoje,
por exemplo, com a expansão da Internet, há maior conectividade entre as
pessoas.
Bertrand Russel, em
suas Memórias, fala daquilo que, segundo ele, faz com que a vida
valha a pena ser vivida
- a procura do saber
- a busca do amor
- a empatia com
aqueles que sofrem.
CAPÍTULO 7 — Marcha da Mudança e Percepção do Tempo
O ser humano tem uma
capacidade extraordinária de se adaptar rapidamente ao fuso horário.
Corremos tanto atrás
do tempo por causa do industrialismo, que faz do tempo um tempo artificial: o
homem precisa sentir que as pessoas têm necessidade dele.
Na era dos sem-número
de canais de televisão, não seria interessante criar um canal para os
teléfobos, em que naquele dito canal não haveria propaganda. Essa rede
anunciaria orgulhosamente: "Aqui não há publicidade. Se tivéssemos
publicidade, este programa duraria no mínimo uma hora. Aqui, nada de chamadas
de programa, nada de filmetes de anúncios que arrasam com o humor e com o
ambiente."
A disparada do desenvolvimento dos conhecimentos é um mal ou um bem? Quais seriam os remédios para impedir que as funções exponenciais da técnica tenham um sentido de opressão sobre a humanidade?
CAPÍTULO 8 — Ritmo e Arritmia
Há grande diferença
entre o ritmo do pensamento e o ritmo da conversa. Enquanto a conversa parece
morna, o pensamento pode estar a mil. Em se tratando do ritmo, surge uma grande
alegria quando encontramos alguém no mesmo ritmo do nosso pensamento.
Embora encontrar
ritmos semelhantes nos traga alegria, "não é a semelhança de ritmos que
une as pessoas, mas a cultura, a religião, os interesses comuns, sem esquecer
as circunstâncias".
Alguns tipos de
ritmos: ritmos ao ar livre, ritmos da infância, ritmos da idade adulta, ritmos
da água, ritmos do tráfego, ritmos da pausa...
A arritmia das
reuniões. Questão: há pessoas que se dão bem com o ritmo das reuniões? Ou será
que essas pessoas têm uma sensibilidade menos suscetível e, portanto, uma
tolerância maior à arritmia?
CAPÍTULO 9 — Pensar para a frente, pensar ao
contrário
Pode-se responder de
duas maneiras a pergunta: por quê? Informando a causa ou
revelando a intenção. Causa relaciona-se com o passado;
intenção, com o futuro.
O ensino deve olhar
para frente, mas no concentramos nos conhecimentos prévios.
Nosso pensamento
deveria ser teleológico e não mecanicista. Teleológico é o que vê para frente;
o mecanicista quer explicar as causas. Observe a resposta grega à pergunta de
uma criancinha: "Por que há um bolota aqui?" "Há uma bolota para
que possa nascer um carvalho". Os gregos usavam um modelo explicativo
teleológico, aquele que afirma a finalidade do mundo.
Pensar para a frente
consiste em ter visões, representações interiores sobre o modo como as coisas
podem acontecer.
Uma forma de
facilitar o processo de aprendizado é pensar como um retrovisor. Pensa-se que o
projeto esteja concluído daqui a 5 anos. Tendo-o como construído, volta-se para
a época presente, pois pensar no passado é mais fácil do que ir para a
frente.
CAPÍTULO 10 — Por que há tão poucos caniches?
Por que é importante
permitir que novas ideias influenciem a nossa representação do mundo?
Façamos uma lista de
como podemos usar o tempo: dormir, beber, comer, chorar, extasiar, meditar...
Papagaio simboliza
tudo aquilo que somos obrigados a imitar em torno de nós: um emprego do tempo
sobrecarregado, um tempo dividido, um telefone que não para de tocar, um
sentimento crescente de falta de adaptação e de insuficiência.
Camaleões: tempo de
parada e o tempo inteiro são permitidos.
Caniche*: tentar
achar o que há nos bastidores, atingir os sonhos interiores, ultrapassar todas
as aparências. Se é pequeno o número de caniches, é porque é
difícil libertar-se, agir diferente de todo o mundo, é difícil chegar a pensar uma
coisa autenticamente nova.
*Raça
de cachorros, por assim dizer, ornamentais, descendente do cachorro-d'água (ou,
em francês, barbet).
Há duas variedades de caniche: o
de farto pelo lanudo encaracolado e o de pelo encordado (enrolado com corda).
Em cada uma dessas variedades, o caniche pode ser classificado pelo tamanho em caniche anão,
médio e grande. A pelagem é unicolorida: branco, marrom ou preta. Trata-se de
um cachorro extremamente inteligente, muito devotado ao dono e de fidelidade
proverbial. Para que o leitor brasileiro possa visualizá-lo melhor, deve-se
dizer que a raça caniche é
parenta próxima do poodle (coisa
como prima-irmã, talvez), pois o poodle é bem mais comum no Brasil e parecidíssimo
com o caniche.
(N. do T.)
JÖNSON,
Bodil. Dez Considerações sobre o Tempo. Tradução de Marcos de
Castro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário